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Para onde caminha o Ministério Público?

Um novo paradigma: racionalizar, regionalizar e reestruturar para assumir a identidade constitucional

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III. Conclusão

O drama cotidiano mais aflitivo ao Promotor de Justiça não deriva da complexidade do seu trabalho, nem da carga de serviço judicial historicamente árdua, mas sim da frustrante sensação de não conseguir cumprir a contento as finalidades funcionais necessárias a uma interferência positiva na realidade social (tutela de interesses coletivos e promoção de justiça social). Esse débito político-social decorre da falência do atual modelo organizacional do Ministério Público, que dificulta o cumprimento de sua missão constitucional e impede-o de aprimorar-se na defesa dos interesses primordiais da sociedade. A própria instituição precisa promover reformas internas para solucionar a "crise de identidade" em que está mergulhada, consistente na dissonância entre o seu perfil constitucional e a atuação prática de muitos de seus membros, sob pena de sua inércia contribuir para a redução da credibilidade de que goza junto à sociedade e, conseqüentemente, para a fragilização de sua legitimidade como defensor dos direitos sociais e individuais indisponíveis. [20]

Superar este paradigma, em busca da evolução institucional do Ministério Público, exige a projeção de um emancipatório e revolucionário perfil institucional focado na racionalização, regionalização e reestruturação de serviços auxiliares como diretrizes fundamentais para a seleção de interesses metaindividuais relevantes, os quais merecem proteção integral por intermédio de um trabalho uniforme e coletivamente organizado, apoiado por um eficiente quadro de recursos humanos.

Esta nova ordem de existência propõe, em síntese: (1) Racionalizar, para permitir que o Ministério Público otimize sua atuação, atendendo, de forma prioritária e eficiente, aos interesses transindividuais, concentrando esforços para uma atuação extrajudicial resolutiva; (2) Regionalizar, como forma de a instituição assumir uma distribuição espacial própria à sua finalidade, mobilizando esforços e otimizando meios de cumprir o planejamento estratégico-institucional mediante uma atuação uniforme e articulada capaz de emprestar o suporte técnico-administrativo suficiente para a promoção dos interesses sociais; (3) Reestruturar serviços auxiliares, como alternativa imediata e factível para suprir os insuficientes recursos humanos e contornar os rígidos limites orçamentários e fiscais.

Por mais que a seleção e o conteúdo dessas diretrizes não esgotem a problemática, ainda que as idéias lançadas mereçam um debate democrático aberto aos que lutam pela modernização e fortalecimento desta instituição, a mera possibilidade de estas singelas linhas propiciarem reflexão crítica e propositiva sobre o atual paradigma de gestão remete a uma provocação fundamental: enfim, para onde caminha o Ministério Público?


IV. Proposições

Para cumprir sua missão constitucional, o Ministério Público necessita implementar um novo paradigma de gestão, baseado na racionalização, regionalização e reestruturação de órgãos auxiliares.

2 - A atuação ministerial deve estar necessariamente vinculada ao interesse público, ou seja, à proteção dos direitos coletivos e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal).

3 - A racionalização, ao exigir do membro ministerial maior seletividade e critério nas intervenções voltadas à tutela de interesses individuais, torna mais eficiente a sua atividade porque lhe viabiliza priorizar a defesa extrajudicial dos interesses metaindividuais.

4 - Por conta da racionalização, a atividade do Promotor de Justiça na defesa de direitos individuais, ainda que indisponíveis, sempre deve ter como foco a perspectiva de este trabalho repercutir ou viabilizar a interferência na proteção de interesses coletivos, principal objetivo da atuação ministerial.

.5 - A regionalização, ao ressaltar a formação de grupos de trabalhos para a execução de projetos coletivos, aperfeiçoa a atuação institucional, otimizando resultados e valorizando a unidade do Ministério Público, pois afasta a idéia equivocada de que o princípio da independência funcional pode justificar uma inércia não-fundamentada do Agente Ministerial no cumprimento do planejamento estratégico-institucional.

6 - A regionalização, ao redimensionar o espaço de atuação do Promotor de Justiça, estabelece inovadora composição orgânica própria e adequada à identidade constitucional do Ministério Público, sem qualquer equiparação à estrutura administrativa do Poder Judiciário.

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7 - A regionalização estimula maior envolvimento e atuação do Promotor de Justiça Natural no trato da tutela coletiva ao definir estratégias conjuntas de ação, concentrando a discussão dos problemas e disponibilizando melhores recursos materiais para o desenvolvimento coordenado das ações ministeriais necessárias.

8 - A reestruturação de órgãos auxiliares de suporte técnico e administrativo mostra-se necessária e preferencial à política de criação assistemática de novos cargos de membros, como alternativa para solucionar a insuficiência dos recursos humanos, apesar dos limites orçamentários vigentes.

9 - As diretrizes de racionalização e regionalização pressupõem um planejamento estratégico-institucional voltado à reestruturação de órgãos auxiliares, incluindo plano de carreira e reserva orçamentária que contemple a formação de equipes interdisciplinares de suporte às matérias coletivas especializadas.

10 - As atividades destituídas de poder de decisão podem ser delegadas e exercidas por órgãos auxiliares, desde que sob a supervisão e coordenação do membro ministerial.

11- Como o Promotor de Justiça deve ocupar-se preferencialmente com a gestão e coordenação das suas atividades, a prática de atos materiais e técnicos de menor complexidade cabe aos órgãos auxiliares, destacada a importância de provimento de cargos de assessores jurídicos.


V. Referências bibliográficas

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Notas

01

Exemplificando, na área criminal, isso implica a viabilidade de coordenar o combate à macrocriminalidade organizada, não raras vezes facilitada pela cooptação e corrupção de segmentos do aparato policial, bem como melhor assunção do controle externo da atividade policial de modo geral; no cível, tal postura significa optar pela  busca de soluções negociadas frente aos conflitos sociais coletivos, utilizando os seus procedimentos para firmar acordos e ajustar condutas, ou seja, considerar o Judiciário espaço excepcional de atuação, em vez de apenas usar os inquéritos civis como meio de coleta de provas para instruir ações civis públicas.

02Foi com a Carta de Ipojuca-PE (13/05/2003) que se iniciou a discussão institucional sobre a racionalização da intervenção ministerial na área cível.

03

"É tempo de sair dos lindes estreitos do privativismo, que tem comandado até hoje a iniciativa do Ministério Público no cível, para somente autorizá-la na defesa do interêsse social, quando afetado êste através de um interêsse privado merecedor de particular proteção, e inovar, ampliando-a no sentido da defesa de interêsses totalmente impessoais, porém com reflexos profundos no bem estar de tôda a coletividade." FAGUNDES (1961, p. 9) sic

04

Na atuação individual, o que importa é a "busca pelo amparo coletivo da situação de afronta à saúde apresentada": (..) sem descurar da importância da abordagem pontual de caráter individual, mostra-se oportuno e valioso, quando possível, conferir proteção coletiva (em sentido amplo) às questões de saúde, tendo em vista a possibilidade de restar concedida resposta unitária a conflitos com dispersão social, evitando ocorrência de prejuízos aos pacientes e a prolação de decisões contraditórias, culminando com a diminuição da sobrecarga da função jurisdicional na apreciação de causas particulares. (MAGGIO, 2006)

05Pode servir de exemplo consulta realizada pelo Ministério Público de São Paulo em 2001, quando, dentre os 698 membros que a responderam, 97,28% a consideraram importante ou muito importante para a implementação do perfil constitucional, dos quais 88,03% entenderam que ela deve servir para maior eficiência ou eficácia na atuação ministerial e 74,3% atribuíram que tem como objetivo a concentração de esforços voltados aos interesses sociais mais relevantes. Aliás, tal situação não surpreende, pois 96,42% conferem alto grau de relevância à defesa dos interesses coletivos, o que confirma o fato de que a instituição, pelo menos em teoria, enquadrou-se no seu perfil constitucional.

06

"Em um primeiro plano, cumpre observar que o princípio da independência funcional não é um fim em si mesmo. Não é, igualmente, uma prerrogativa que se incorpora à pessoa dos membros do Ministério Público no momento em que tomam posse de seus cargos. Trata-se de mero instrumento disponibilizado aos agentes ministeriais com vistas à consecução de um fim: a satisfação do interesse público, sendo esta a razão de ser do Ministério Público, a exemplo do que se verifica em relação a qualquer órgão estatal. A partir dessa singela constatação, torna-se possível afirmar que o principal prisma de análise deste importante princípio deve ser a sua associação à atividade finalística da Instituição, pressuposto de concretização do interesse público." (GARCIA, 2005, p. 68).

07 Fala de FRANCISCO SALES DE ALBUQUERQUE, Ex-Presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, constantes do prefácio ao Diagnóstico Ministério Público dos Estados realizado em 2006.

08

Nesse sentido, Ministério Público de Minas Gerais e Santa Catarina. O Ministério Público de São Paulo também discute a proposta, conforme conclusões do Grupo de Estudos Aluísio Arruda, de Ribeirão Preto, do dia 23 de junho de 2007, abaixo citadas:

O Ministério Público deve atuar em nova espacialidade ou territorialidade, fora do conceito tradicional de Comarca, como a regionalização de promotorias, especialmente através de promotorias temáticas, nas áreas de meio ambiente, cidadania, educação, crime organizado e direitos coletivos e difusos.

A unidade e independência funcional devem ter relação com a conotação política da instituição e atingimento de objetivos estratégicos, de acordo com o plano de atuação e a vinculação do seu cumprimento, em relativização ou limitação da independência funcional. http://www.apmp.com.br/diremacao/gruposestudos/conclusoes/conc_aluisio_arruda.htm (acesso em 27.07.2007, as 02:30).

09 Esse mecanismo relevante vem suprir uma verdadeira lacuna no controle e acompanhamento da atuação do Ministério Público, derivada do fato de as Corregedorias-Gerais, como regra geral, estarem distantes de assumir postura pró-ativa para fiscalizar e orientar a atividade dos Promotores de Justiça que demonstram pouca resolutividade no trato dos interesses coletivos.

10 Neste sentido, "Crítica à Razão Dialética". SARTRE, Jean Paul.

11

Nessa ótica, dada a realidade do quadro orçamentário e dos rígidos limites de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, quer-se crer e sustentar que a solução para a efetivação prática deste novo modelo de gestão, neste momento, passa pelo incremento dos serviços auxiliares ao invés da criação e provimento de novos cargos de membros.

12Vocabulário citado por Boaventura de Sousa (2005, p. 18).

13

Da mesma forma, quando se fala em aparelhamento de órgãos auxiliares, ainda que o tema não possa ser aprofundado nos estreitos limites deste estudo, oportuno registrar a importância deste novo modelo de gestão ocupar-se, também, de reformular a estrutura institucional ideal dos "Centros de Apoio", dos quais é de se exigir: 1) criação e constituição com base em critérios objetivos; 2) estruturação e capacitação para atender com presteza os órgãos de execução; 3) ausência de acúmulo de atribuições executivas como regra geral, salvo situações excepcionais que venham a surgir em benefício da instituição – características infelizmente ausentes na realidade de diversas unidades federativas.

14 Contendo profissionais de todos os campos do saber afetos à atividade ministerial, v.g, auditoria contábil para apurar desvios no patrimônio público e permitir apuração de improbidade administrativa; auditoria médico-sanitária para verificar procedimentos ilegais cometidos no SUS; auditoria ambiental para apurar atividade com potencial de degradação, etc.

15 Expedição de ofícios e notificações, recebimento de documentos em protocolo, atendimento de telefonemas e comparecimento aos correios para remessa de correspondência.

16 Experiência interessante e de relativo sucesso na estruturação do quadro de pessoal com preferência aos serviços auxiliares reside na composição do Tribunal de Contas, que, no entendimento de FERRAZ (2003, p. 91): "Nesse aspecto, costumam adotar modelo de gestão infinitamente mais racional, viável, competente e inteligente do que o do Ministério Público ou do Poder Judiciário. Embora o volume de seus serviços cresça continuamente – porque aumenta o número de municípios e porque são progressivamente mais intrincados os problemas inerentes à fiscalização -, não se verifica normalmente elevação do número de Conselheiros (que, assim, não experimentam declínio em suas parcelas de poder). Ali, o modelo de gestão privilegia a estrutura de apoio e aos Conselheiros fica reservada, sobretudo, a decisão, única atividade realmente indelegável para um agente político".

17v.g, documentar e registrar o impulso e diligências realizadas nos procedimentos administrativos desencadeados, realizar as perícias e auditorias contábeis, ambientais e médicas, dentre outras tarefas imprescindíveis ao bom andamento dos expedientes de apuração de violação de direitos coletivos.

18

Comprovando esta idéia, diferenciando tarefas passíveis de serem cumpridas por órgãos auxiliares de atos de execução próprios do Promotor de Justiça enquanto agente político propriamente dito, colhe-se didática doutrina de FERRAZ e FABBRINI (2002, p. 71):

a) estabelecer se um inquérito policial deve ser arquivado ou dar ensejo a imediato oferecimento de uma denúncia; ou se a hipótese em análise recomenda a instauração de inquérito civil ou ajuizamento da ação civil pública ou a interposição de recurso;

b) definir o conteúdo de um pedido ou a capitulação de um fato penalmente relevante;

c) determinar o teor jurídico da manifestação ou arrazoado perante um Juiz ou Tribunal.

Indelegável, pois, é o fundamental trabalho de pensar, de decidir, de planejar, de buscar soluções legislativas mais adequadas, de lutar por medidas que possam prevenir lesões a interesses sociais. Indelegável é a administração dos destinos do Ministério Público, como instituição. Tudo o mais pode ser administrado de forma a aliviar a carga de tarefas quase manuais do Promotor ou Procurador de Justiça, dando-lhe mais tempo para fazer o que faz o diretor de qualquer empresa: ser um planejador, um coordenador, e não prioritariamente um executor.

19

Consulta realizada no MP-SP, em 2001, mostrou que 74,35%, dentre os 698 membros entrevistados, consideram que deveria caber aos assessores graduados em direito, denominados "assistentes de promotorias", a execução de tarefas de menor complexidade, tais como atendimento ao público, elaboração de pareceres e exordiais mais rotineiras, acompanhamento de audiências preliminares nos Juizados Especiais ou até mesmo de instrução em feitos iniciados por terceiros.

20 Do contrário, em último grau de possibilidade, o Ministério Público poderá perder sua utilidade social, "tornando-se irrelevante e descartável, assim como outras instituições que, por se negarem a acompanhar os avanços do mundo e a dar respostas que a sociedade almeja e precisa, passaram a cumprir papel menor no cenário político" (GOULART, 2000, p. 37).

Sobre os autores
Millen Castro Medeiros de Moura

Promotor de Justiça em Valente (BA)

Márcio Soares Berclaz

Promotor de Justiça do Estado do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Millen Castro Medeiros; BERCLAZ, Márcio Soares. Para onde caminha o Ministério Público?: Um novo paradigma: racionalizar, regionalizar e reestruturar para assumir a identidade constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1771, 7 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11240. Acesso em: 18 nov. 2024.

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