O presente artigo tem por objetivo abordar o tratamento dado pela Resolução 477 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) às clausulas de fidelização inseridas nos contratos de adesão de telefonia móvel, comentando os aspectos polêmicos e a jurisprudência sobre o tema.
As alterações na Resolução 477 da Anatel causaram grande expectativa, não só por trazer novas regras à regulamentação de um serviço que atinge diretamente 90,64% da população brasileira, segundo dados1 divulgados neste ano pela própria Agência, mas principalmente, por ser o segmento marcado por uma relação tumultuosa entre fornecedores e consumidores, onde a intervenção do Poder Judiciário se torna cada vez mais comum, pondo fim a conflitos que se repetem diariamente. Confirma essa realidade o número de intervenções realizadas pelos Procons, órgão no qual o serviço de telefonia reina absoluto em reclamações.
Desta forma, assistimos ansiosos ao pronunciamento do Presidente da Anatel, Sr. Ronaldo Sardenberg, que anunciou as principais mudanças do novo Regulamento do Serviço Móvel Pessoal (SMP), que entrou em vigor dia 13 de fevereiro.
No entanto, no que se refere ao tema da imposição da fidelização dos consumidores, por parte das operadoras, muito pouco se avançou, para não dizer antecipadamente que retrocedemos. Muitas já são as divergências em relação a pontos polêmicos, como os artigos 25 e 40 da Resolução.
A redação dada ao artigo 25, inserido no Título III, que trata das Regras de Prestação do SMP, foi suficientemente clara no que concerne ao fim da fidelização ao plano contratado, permitindo que o usuário do serviço migre de plano dentro da mesma prestadora, a qualquer momento, sem sofrer restrições ou sanções, e muito menos sujeitar-se ao pagamento de multa, decorrente da imposição de prazo de carência.
"Art. 25. A prestação do SMP deve estar sempre associada a um Plano de Serviço, que deve conter todas as regras que estabeleçam as condições para prestação do SMP, especialmente:
. ..
§4º É vedada a estipulação de qualquer prazo de carência para mudança de plano pelo Usuário." (grifo nosso).
Por outro lado, o art. 40 permitiu a inclusão da cláusula de fidelização, atrelando-a à concessão de subsídio aos consumidores, quando da compra de aparelhos celulares, ou ainda oferecendo vantagens pecuniárias na cobrança do serviço. A nosso ver, esse artigo representou retrocesso ao direito dos consumidores, no que se refere ao tema, na medida em que instituiu a fidelização às empresas de telefonia. Como efeito prático, tornou inócua a conquista assegurada pelo artigo 25, que garante apenas o direito a migração do plano, mas não da operadora contratada.
"Art. 40. A prestadora do Serviço Móvel Pessoal poderá oferecer benefícios aos seus Usuários e, em contrapartida, exigir que os mesmos permaneçam vinculados à prestadora por um prazo mínimo.
§1º Os benefícios referidos no caput, os quais deverão ser objeto de instrumento próprio, firmado entre a prestadora e o Usuário, poderão ser de dois tipos:
a) Aquisição de Estação Móvel, em que o preço cobrado pelo aparelho terá um valor abaixo do que é praticado no mercado; ou
b) Pecuniário, em que a prestadora oferece vantagens ao Usuário, em forma de preços de público mais acessíveis, durante todo o prazo de permanência.
. ..
§5º Caso o Usuário não se interesse por nenhum dos benefícios acima especificados oferecidos, poderá optar pela adesão a qualquer Plano de Serviço, tendo como vantagem o fato de não ser a ele imputada a necessidade de permanência mínima.
§6º Caso o Usuário não se interesse especificamente pelo benefício concedido para a aquisição de Estação Móvel, poderá adquiri-la pelo preço de mercado.
§7º O Usuário pode se desvincular a qualquer momento do benefício oferecido pela prestadora.
§8º No caso de desistência dos benefícios por parte do Usuário antes do prazo final estabelecido no instrumento contratual, poderá existir multa de rescisão, justa e razoável, devendo ser proporcional ao tempo restante para o término desse prazo final, bem como ao valor do benefício oferecido, salvo se a desistência for solicitada em razão de descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora cabendo à Prestadora o ônus da prova da não procedência do alegado pelo Usuário.
§9º O tempo máximo para o Prazo de Permanência é de 12 (doze) meses.
. .." (grifo nosso).
O que ocorreu foi a legitimação do direito das prestadoras à cláusula de fidelização e à respectiva cobrança de multa, num reconhecimento expresso da obrigação imposta ao consumidor de manter fidelidade com a prestadora contratada. Transferiu-se à parte hipossuficiente todo o ônus da inclusão da cláusula, bem como da incidência da multa decorrente da rescisão.
Instituiu-se, dessa forma, a idéia de que a operadora não pode conceder benefícios simplesmente para conquistar clientes, exigindo-se uma contrapartida a ser prestada pelo consumidor, qual seja, a "escravidão econômica." 2
Ao tratar o tema de forma tímida, não enfrentando o cerne da questão, o Estado deixou de resolver questões que atormentam os consumidores, e são diariamente postas à apreciação dos tribunais.
Se A optar pelo plano X, atraído pelas vantagens oferecidas no plano, contratando com cláusula de permanência, e mais tarde desejar migrar para o plano Y, além de perder o desconto que ensejou a incidência da cláusula, estará sujeito à multa, pois o art. 40, §8º, permite a incidência de multa no caso de desistência do benefício.
Tal situação descreve claramente o ônus excessivo suportado pelo consumidor, que arca não só com o ônus natural de sua desistência, que seria a perda do desconto, mas também com a multa a ele imposta. Além do mais, a multa é contrária ao disposto no art. 25 da mesma Resolução, que garante ao consumidor a migração de planos.
Entendemos que a fidelização do cliente deve ser uma conquista das prestadoras, incentivadas pela concorrência, em face de sua postura no mercado, oferecendo eficiência nos serviços, modicidade e melhores preços, além de outras vantagens. Jamais deve ser um direito assegurado pela norma, sob pena de promover o desestímulo do espírito competitivo das empresas e impor um dever excessivo, verdadeiro ônus, aos consumidores.
Tal situação se agrava ainda mais por se tratar de cláusula inserida em contrato de adesão, que, como sabemos, embora seja modalidade indispensável na atualidade, não permite que uma das partes expresse amplamente sua vontade, sujeitando-se às regras previamente estabelecidas pela outra parte.
Contrato de adesão é "(...) aquele cujas cláusulas tenham sido estabelecidas pelo fornecedor, sem que o consumidor tenha influído em seu conteúdo (...). A característica mais marcante do contrato de adesão, é que nele, inexiste o "iter" negocial, a fase de tratativas preliminares, que nas demais modalidades de contrato, tem como objetivo estabelecer as vantagens e desvantagens, em condições de igualdade, a serem traduzidas nas cláusulas contratuais; ao revés, aqui, há sempre fórmulas rígidas, previamente elaboradas, de forma unilateral pelo fornecedor (...)".3
Porém, isso não significa que ao contrato de adesão não se aplica o Princípio da Função Social do Contrato, ou a regra do rebus sic stantibus, como fator de relativização do antes absoluto pacta sunt servanda.
Não há que se falar em equilíbrio no contrato de adesão; há sim, uma desigualdade entre os contratantes, desde o momento da celebração perdurando até a execução. O consumidor assume posição desfavorável em relação ao fornecedor, responsável pela elaboração das cláusulas contratuais.
Nas palavras de Claúdia Lima Marques, "Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4º, caput, do CDC, o da Transparência. A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo."4
Em função do desequilíbrio, que é da própria essência do contrato de adesão, o Princípio da Transparência assume papel relevante, pois é ele que garante à parte vulnerável o direito às informações contidas no contrato.
Como essa espécie não permite o exercício pleno do direito de negociar, o consumidor apenas adere a cláusulas previamente estabelecidas, sendo imprescindível que ele receba antecipadamente todas as informações relativas ao contrato e ao próprio negócio.
Na busca por minimizar as desigualdades, o CDC instituiu instrumentos com vista de promover a proteção contratual do consumidor, buscando estabelecer maior equilíbrio entre as partes. Nesse sentido devemos encarar o art. 47, que determina "que as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".
Dito isso, como devemos interpretar os arts. 25 e 40 da normatização do SMP? O art. 25, como já foi dito, nos parece bastante claro ao vedar a imposição de qualquer ônus, inclusive multa, decorrente da exigência de prazo de carência, relativo ao plano contratado, podendo o usuário migrar de plano a qualquer momento.
Mas e se o plano escolhido estiver vinculado a um subsídio oferecido pela operadora? Ele deverá pagar a multa, prevista no art. 40, § 8º, que permite a multa por desistência do benefício antes do prazo fixado?
Casos como esse desabarão sobre o Poder Judiciário, impondo ao julgador a interpretação e aplicação dos artigos, sempre observando a interpretação mais favorável ao consumidor. Assim, acredito que não caberá a imposição da multa do art. 40, §8º, nesses casos em que o consumidor desejar apenas migrar de plano, e não de operadora, por força do art. 25.
Mas e quanto à imposição da cláusula de fidelização, quando ocorrer a oferta de subsídio? Afinal, o consumidor poderá optar pelo aparelho mais barato, ou mesmo pelo melhor preço na ligação, mas em contrapartida será desprovido do seu direito de mudança de prestadora. Estamos diante daquele velho ditado: "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".
Nesse sentido, a Resolução 477 pode significar uma forte arma das prestadoras na tentativa de burlar o direito do consumidor, na medida em que estas podem alegarque a cláusula de fidelização, embora inserida em contrato de adesão, é uma opção do consumidor, tendo ele manifestado sua vontade ao decidir pelo benefício oferecido pela operadora.
Diversas ações foram propostas diretamente pelos consumidores ou mesmopelo Ministério Público, via ação civil pública, no sentido de suspender a cláusula de fidelização nos contratos de telefonia móvel.
As decisões têm sido no sentido de reconhecer a nulidade dessas cláusulas por constituírem verdadeiro abuso, que fere, dentre outros, os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, além de configurar a venda casada, prática vedada pelo CDC, art. 39, I.
Importantes observações foram feitas pelo MM. Juiz de Direito Dr. Yale Mendes, do Juizado Especial Cível de Cuiabá (MT), nos autos do processo nº. 163/2007, que julgou procedente o pedido da autora face à empresa de telefonia móvel:
"É de se ressaltar ainda que as cláusulas que estabelecem as normas de fidelização nos contratos de prestação de serviços telefônicos encontram-se fixadas de forma ilegal e ilícita, violando assim a determinação dos artigos 46 e 54 do Código de Defesa do Consumidor, vez que o mesmo dispõe que os contratos devem ser redigidos de forma clara, vazados em termos que não dificultem a sua compreensão; caso contrário, não obrigarão os consumidores.
Além disso, tal cláusula acarreta restrição à concorrência e onerosidade excessiva ao consumidor, já que ele fica obrigado a manter-se fiel, mesmo que o serviço não esteja sendo prestado satisfatoriamente, isso é a escravidão econômica. (...)
Portanto, verificada, porém, a ocorrência de abusividade e/ou ilegalidade da cláusula de fidelização, torna-se possível a revisão desde o início da relação negocial, a fim de se afastar, também, a antijuridicidade que maculou as avenças anteriores, e no presente caso deverá a Reclamante socorrer-se do Código de Defesa do Consumidor Pátrio, dessa forma, reconheço como abusivas as cláusulas de fidelização, logo, tenho que indevidos os débitos referentes as multas pela quebra de contrato, objetos da presente ação".
Em Minas Gerais, o Tribunal de Alçada confirmou a decisão proferida pelo MM. Juiz da 5ª Vara Cível de Uberlândia, nos autos da Ação Civil Pública5 proposta pelo Ministério Público Estadual, que "deferiu a antecipação de tutela, determinando que as empresas requeridas se abstenham nos próximos contratos por elas celebrados com os consumidores, da prática de constar qualquer cláusula que obrigue o usuário a com elas permanecer contratado por tempo cativo e, ainda, se abstenham nos contratos vigentes, da prática de cobrar qualquer multa ou valor decorrente da cláusula de fidelidade, sob pena de pagamento de multa diária de cem mil reais." (Agravo de Instrumento nº401. 813-9).
Inconformada, a ré ingressou com o REsp 786.274, que ainda não foi julgado, e com a Medida Cautelar 11071, onde foi concedido efeito suspensivo ao REsp.
Na Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, no Estado do Mato Grosso, o MM. Juiz Federal Marcos Alves Tavares, além de conceder liminar, notificou a Anatel determinando que a Agência suspendesse todos os dispositivos sobre as cláusulas de prazo de carência nos contratos de serviço móvel pessoal.
Por fim, vale mencionar a seguinte decisão, proferida pelo TJDF:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREPOSTO NA AUDIÊNCIA. DEFESA APRESENTADA POR ADVOGADO. REVELIA. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESCISÃO DE CONTRATO. CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO. NULIDADE. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. "QUANTUM" INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A Ausência do preposto ou representante legal da Pessoa Jurídica à audiência designada atrai os efeitos da revelia (Art. 20, da Lei 9.099/95). 2. Correta a r. sentença que rescindiu o abusivo contrato de fidelidade e considerou existente o dano moral suportado pelo recorrido, tendo em vista os dissabores e constrangimentos advindos da má prestação do serviço de telefonia celular. À hipótese dos autos, aplica-se o CDC (art. 6º, inc. VI, e art. 14), tendo em vista tratar-se de induvidosa relação de consumo. 3. Mesmo presente o instituto da revelia, nem por isso está o julgador obrigado a conceder ao autor tudo o que pediu a título de dano moral, porquanto o correto arbitramento do "quantum" indenizatório é tarefa exclusiva do julgador e está jungido aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem perder de vista, ainda, os critérios que devem nortear tal fixação (como a situação patrimonial das partes; a intensidade da culpa dos réus; a gravidade da repercussão da ofensa; e as circunstâncias que se deu o evento). Assim, a revelia não tem o condão de tornar incontroverso e imutável o valor pretendido que, frise-se, é meramente estimativo. 4. Recurso a que se dá parcial provimento, reduzindo-se o "quantum" indenizatório. TJDF6.
É certo que as operadoras afirmarão a legalidade da inserção da cláusula de fidelização, com base nas novas regras que entraram em vigentes para o setor. Porém, ainda que esteja assegurada pela Resolução, compartilhamos do pensamento daqueles que consideram a fidelização cláusula abusiva por força do art. 51, IV, do CDC, portanto nula de pleno direito, além de constituir venda casada nos termos do art. 39, I do CDC.
E, ainda que não se queira adotar tal entendimento, deve-se afastar a incidência da cláusula contratual baseada no art. 40 da Resolução 477, quando conflitante com o art. 25, do mesmo diploma legal, em observância ao artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, bem como artigo 423 do Código Civil:
"Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente".
Assim, entendemos que, embora as novas regras vigentes possam ter amparado o consumidor, ampliando seus direitos e garantias em certos aspectos, o mesmo não se pode dizer que ocorreu no que se refere ao velho problema das cláusulas de fidelização.