Conclusões articuladas
Diante do exposto, pode-se concluir que:
1. A inversão do ônus da prova é aplicável à Ação Civil Pública Ambiental, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em face da integração dos diplomas consumerista e civil público, que, em conjunto, formam o sistema processual civil coletivo (art. 21, LACP). Trata-se de instrumento processual adequado à complexidade do dano ambiental.
2. Os fundamentos da inversão do encargo probatório nas demandas ambientais são: integração dos diplomas consumerista e civil público; vulnerabilidade do meio ambiente e da coletividade, em analogia a hipossuficiência do consumidor; aplicação do princípio da isonomia, para equilibrar essa relação de desigualdade; preponderância do bem coletivo e indisponível (meio ambiente ecologicamente equilibrado) sobre o interesse individual (mormente, o lucro).
3. A aplicação do mecanismo da inversão do ônus da prova segue os mesmos requisitos exigidos no âmbito consumerista: hipossuficiência, ou verossimilhança da alegação. A hipossuficiência pode ser técnica, econômica, científica. Esta última é corroborada pelo princípio da precaução.
4. A inversão se dá por obra do juiz, de acordo com sua convicção, e não de forma automática.
5. A inversão do ônus da prova pode significar: o estabelecimento de presunção juris tantum em favor da coletividade contra o réu, conferindo ao suposto poluidor o ônus de provar o não desenvolvimento de atividade de risco, a não relação entre a atividade desenvolvida e o efeito danoso, ou entre o efeito verificado e a suposta causa (outro causador); a imputação dos custos da produção da prova ao poluidor, uma vez que a responsabilização deve abranger todos os custos para reparação da lesão (art. 225, § 3º, CRFB); o aproveitamento do procedimento administrativo investigatório correlato a inquérito civil público (prova pré-constituída) na fase processual instrutória, cabendo ao poluidor desmenti-la.
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Notas
01 BENJAMIN, A. V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 9, p. 5-52, jan./mar, 1998. p. 5-52.
02 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos dos direitos das obrigações e introdução à responsabilidade civil. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 485-486.
03 CINTRA, Antônio Carlos A.; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 351.
04 CHIOVENDA, G. ibid. v. 2. p. 449.
05 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 206-207.
06 CAMBI, Eduardo. Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais: alcance exegético do art. 6º, VIII, do CDC. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 31, p. 291-295, jul./set., 2003. p. 291-295.
07 MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 297.
08 FIORILLO, C. A. P. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004.
09 MATOS, Cecília. O ônus da prova no código de defesa do consumidor. São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo apud GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 130.
10 Dispõe o art. 21, LACP, com redação dada pela Lei nº 8.078, de 11.9.1990: "Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".
11 CAPPELLI, Sílvia; BONATTO, Cláudio; TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. A necessidade de inversão do ônus da prova e a responsabilidade civil do poluidor degradador do meio ambiente. Porto Alegre, 9 p. Trabalho não publicado.
12 Os interesses coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos são igualmente tuteláveis por ACP e pelas disposições processuais do CDC, conforme comprova o art. 81, parágrafo único, CDC, que não faz qualquer restrição nesse sentido à defesa coletiva.
13 V. SAMPAIO, Francisco José Marques. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 232.
14 GRINOVER, A. P. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 200. p. 55.
15 FIORILLO, C. A. P. op. cit. p. 66-67.
16 "Na prática de atos correspondentes aos seus poderes instrutórios, o juiz deve atentar para a necessidade de mitigação das desigualdades substanciais entre as partes. É função do órgão judicial contribuir para o suprimento de inferioridades decorrentes de carência de recursos e de informações". V. MARTINS, N. J. S. Poderes do juiz no processo civil. São Paulo: Dialética, 2004. p. 192.
17 LEITE, J. R. M. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 46.
18 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental, 11 de jul. de 2006. Notas de aula.
19 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 252, 254.
20 SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso. Florianópolis, 2002. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. p. 70.
21 Sobre hipossuficiência econômica, Mazzili assinala que "nos casos em que se invoque a hipossuficiência como fundamento da inversão do ônus da prova, é o lesado que tem de ser hipossuficiente, não seu substituto processual. Desta forma, a inversão do ônus da prova pode aproveitar a grupos de consumidores, em ações civis públicas ou coletivas movidas em seu benefício por associações civis ou quaisquer outros co-legitimados". Ver: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16 ed. rev., ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159.
22 Não há óbice à aplicação da inversão do ônus da prova contra o Estado (réu), porquanto não revela a condição de hipossuficiência. Pelo contrário, dispõe, inclusive, de órgãos ambientais especializados.
23 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria Andrade. Direito processual ambiental brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 141.
24 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 158.
25 FIORILLO, C. A. P.; RODRIGUES, M. A.; NERY, R. M. A. op. cit. p. 141.
26 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 159.
27 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 160.
28 SAMPAIO, F. J. M. op. cit. p. 229.
29 MAZZILLI, H. N. op cit. p. 158-159.
30 GOMES, Álvaro Azevedo; LOCH, Mauro; CAPELLI, Sílvia. Três idéias a respeito do ônus da prova na ação civil pública ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 34, p. 94-108, 1994. p. 94-108.