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Um estudo crítico sobre as fontes do Direito do Trabalho no Brasil e sua aplicação

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Agenda 01/10/2000 às 00:00

5. CRÍTICA

São dois, portanto, os pontos em que nos debatemos: 1) saber se está correta a postura do Judiciário Trabalhista brasileiro, quando, remando "contra a maré", representada pelo restante do Judiciário, aplica, na solução das lides trabalhistas, a jurisprudência, a doutrina ou o costume, quando mais benéficos para os empregados, mesmo existindo lei dispondo em outro sentido; e 2) saber, também, se ainda é, nos dias de hoje, correta a orientação doutrinária, no sentido de que as normas hierarquicamente inferiores, no Direito do Trabalho, devem prevalecer sobre normas superiores, quando forem mais benéficas para os empregados.

Por todas aquelas razões a que já nos referimos - que se traduzem na inviabilidade de que se dispense, por ora, a lei como fonte jurídica primordial no sistema jurídico brasileiro -, parece que o Judiciário Trabalhista do Brasil é quem deve mudar sua postura.

A realidade econômica atual, no campo trabalhista, não é mais aquela que constituiu a fonte material do Direito doTrabalho, ou seja, desapareceu a figura do proletariado, que era estupidamente explorado em razão do sistema fabril que se instalou na fase da Revolução Industrial (séc. XVIII). A fonte material do Direito do Trabalho agora é outra, pois estamos vivendo numa economia globalizada. O trabalhador de hoje goza de relativa independência em relação ao patrão, tendo seus principais direitos erigidos a nível constitucional, bem assim, ação específica para defenderem tais direitos, junto a uma Justiça especializada e ágil (a Justiça do Trabalho). No Brasil há, inclusive, um "parquet" especializado na defesa da ordem jurídica trabalhista. Tudo isso são fatores que evidenciam um ambiente bastante favorável para o trabalhador, totalmente distinto daquele em que se originou e desenvolveu o Direito do Trabalho.

Por isso mesmo, desapareceu a razão que outrora autorizava grande rigor na aplicação do princípio "in dubio pro operario", da interpretação mais benéfica da lei trabalhista como forma de compensar desigualdades. Esse princípio sofreu alterações, e, para acompanhar essa alteração, deve haver adaptações na legislação e na jurisprudência dos Tribunais, sobretudo no TST. A economia globalizada tem agravado um sério problema: o desemprego, sobretudo nos países de economia mais fraca, como é o caso dos países da América do Sul. E o alto nível de desemprego não pode ser combatido se persistir o demasiado protecionismo. Os empregadores querem regras claras, que lhes permitam saber que contrataram um empregado mediante remuneração e demais direitos previamente conhecidos e insuscetíveis de serem ampliados, posteriormente, por decisão judicial, ou seja, repelem exatamente algo que ocorre no Brasil.

É perfeitamente possível identificar, na legislação brasileira, todos os direitos que o empregador deve assegurar para um empregado. Todavia inúmeros outros "direitos" são "criados" pela doutrina e pela jurisprudência, os quais, tendo em vista a grande validade que lhes tem emprestado o Poder Judiciário Trabalhista, em mais de metade dos casos de rompimento de contrato, são objetos de pleito judicial pelo empregado. E mais, quase na totalidade das demandas dessa natureza o Judiciário Trabalhista acolhe pelo menos em parte o pleito do empregado.

Isso se deve ao fato de os operadores do Direito do Trabalho não se terem dado conta da mudança das bases orientadoras desse ramo do Direito. A regra da flexibilidade - pró-trabalhador - da escala hierárquica da pirâmide jurídica brasileira não é mais coerente com a ordem vigente. Não se pode conceber, hoje em dia, que a aplicação da regra mais benéfica seja feita tão às escâncaras.

Deve ficar bem claro que aqui não se está defendendo a adoção de repudiantes mecanismos de que têm feito uso muitos "pseudo-empresários", na verdade, bandidos da pior espécie, como é o caso de quando patrocinam a criação de cooperativas de trabalho de fachada, que servem como verdadeiro "gatos", fornecendo, ilicitamente, mão-de-obra para as atividades-fins das "empresas" daqueles; como é também o caso da "camuflagem" do emprego como "estágio" e tantas outras fraudes contra o emprego regular. As citadas formas de exploração do trabalhador constituem verdadeiro crime e devem ser rigorosamente combatidas.

Outrossim, não se quer também afirmar que os direitos trabalhistas previstos na Constituição são exagerados. Muito pelo contrário, com o salário mínimo em patamar tão ínfimo, como o do Brasil, os demais direitos assegurados na verdade apenas servem para adicionar um pouco mais a essa migalha. Se os custos dos empregadores são altos, não é porque o salário e demais direitos do empregado são exagerados, mas sim - e isso é fato notório - porque o Estado tributa exageradamente a folha de pagamento. Quem fica com a maior parte do dinheiro dos empregadores é o Estado, mediante a tributação da folha de salários, não os trabalhadores, dado o valor irrisório do salário mínimo.

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O assunto aqui é outro. O que se quer afirmar é que os direitos trabalhistas devem ser estabelecidos de forma rigorosa no nosso sistema jurídico, de molde a que não fiquem à mercê de interpretações que dêem ensejo à sua multiplicação exagerada, como ocorre na atualidade.

Qualquer pessoa almeja por segurança, e as empresas, como tais, não fogem à regra. É preciso, como já dissemos, que as "regras do jogo" - no caso, as regras do contrato de trabalho - sejam bem claras, de modo a permitir que os empregadores possam avaliar seus custos e projetar as despesas que podem realizar com pessoal. Do contrário, a conseqüência lógica é essa que ora assistimos, ou seja, o empregador potencial tenderá a buscar alternativas que lhe permitam afastar-se do risco econômico decorrente da contratação de empregados, seja informatizando suas atividades cada vez mais, seja terceirizando as atividades-meio - o que fomenta o "marchandage", ou seja, a exploração ilícita da mão-de-obra alheia por interposta pessoa -, ou mesmo "encolhendo" o seu negócio, para diminuir o pessoal e, conseqüentemente, reduzir os riscos do empreendimento.


CONCLUSÃO

Na introdução, comentamos que para entender suficientemente qualquer assunto pertinente ao Direito é preciso que conheçamos bem, sob vários aspectos, os institutos jurídicos que envolvem esse assunto. Também dissemos que a prática forense é um grande manancial de fatos ou situações jurídicas novas, merecedoras de considerações científicas, fonte essa, aliás, de onde optamos por colher um fato para analisar. Assim é que escolhemos para exame o curioso fato, consistente em que os Tribunais do Trabalho, no Brasil, têm dotado de força cogente certas fontes de Direito que, em regra, são apenas fontes subsidiárias, destinadas a colmatar as lacunas da lei.

Nosso objetivo imediato e específico, ao optar por trabalhar assim, foi duplo. Primeiramente, percebendo que alguns temas jurídicos geravam certa confusão entre si, resolvemos estudar os principais, para colocar cada um em seu devido lugar. Tratam-se de temas como os sistemas jurídicos, as fontes do Direito, a validade das fontes do Direito e a hierarquia das fontes do Direito, dentre outros, que são muito semelhantes e guardam estreita correlação entre si, de modo que, quase sempre, geram confusão para o examinador que não se esforça para conhecê-los.

Por último, adotamos o pressuposto - fruto de nossa experiência pessoal - de que sempre é mais agradável estudar os temas jurídicos diante de exemplos práticos. Isso nos conduziu à busca de um exemplo prático que proporcionasse a aplicação de todos os conhecimentos a serem vistos, daí por que escolhemos o problema da aplicação das fontes jurídicas pelo Judiciário Trabalhista do Brasil, onde, a nosso ver, está ocorrendo algo de anômalo. Isso demandou que estudássemos a noção de sistema jurídico, as fontes do Direito, a validade das fontes do Direito, a hierarquia das fontes do Direito e vários outros assuntos, o que nos permitiu traçar um perfil desses temas, também, no âmbito do Brasil. Somente depois de tudo isso, se tornou possível - e, de certo modo, até mesmo fácil - entender a problemática da aplicação do Direito do Trabalho pelo Judiciário Trabalhista brasileiro e fazer uma crítica.

A crítica que fizemos e a solução apontada, ao final, certamente não são as únicas possíveis, muito menos as mais acertadas, porém, o objetivo maior de estudos como este não é o de esgotar o assunto. Muito pelo contrário, a sua finalidade última é a de chamar a atenção dos estudiosos para o problema examinado, de modo a que, no mais breve espaço de tempo possível, se construa a melhor orientação científica em torno dele.

Este objetivo último, portanto, é que esperamos ter alcançado.


NOTAS

  1. Classe de sistema esta que também se denomina continental ou romanista - a denominação "continental" se sobrentende "europeu", qualificação que o sistema preponderantemente legislado recebeu em atenção ao lugar em que começou a vigorar e ainda vigora, já que, uma vez desaparecido da antiga Roma, o Direito Romano sobreviveu como Direito privado de todos os países da Europa Continental, salvo Gibraltar, desde o século XVIII, quando a Inglaterra dele se apoderou; este qualificativo (continental) também se presta para diferenciar o sistema romanista do "sistema insular"; e a qualificação "romanista" remete à origem dessa espécie de regime jurídico, que provém, direta ou indiretamente, do Direito Romano.
  2. Ou sistemas do "commom law", ou ainda "sistema insular", denominação que recebe porque a Inglaterra, lugar onde se iniciou, situa-se numa ilha; e serve, por sua vez, para contrapor à denominação do outro sistema, ou seja, o sistema continental.
  3. Na própria Grã-Bretanha o sistema Romanista penetrou, para reger a Escócia; na América do Norte, esse sistema vigora no México e no Estado da Louisiana dos Estados Unidos, bem como na província de Quebec do Canadá; vigora, também, em quase todo o continente africano; e na Ásia, em países como a China, Ceilão, Indonésia, Japão, nas ilhas Hawai, nas Filipinas etc..
  4. É necessário salientar que no Direito positivo brasileiro os costumes estão colocados em nível inferior ao da legislação, servindo como mero elemento interpretativo ou destinado à colmatação das lacunas da legislação. Todavia, a ordem jurídica pode admitir perfeitamente, em termos gerais, a possibilidade de um Direito com o seu campo de ação independente da legislação consciente e refletida. A inserção dos costumes entre as fontes indiretas (ou mediata ou, ainda, geradoras) ou entre as diretas (ou imediatas ou, ainda, formais) relaciona-se tão-só com o momento histórico por que passa o sistema jurídico. A posição das fontes constitui um fato histórico, de modo que depende da organição política, o que se pode comprovar simplesmente citando o caso do Direito Inglês, em que os costumes não só são fontes imediatas, como também estão colocados em nível superior ao da legislação.
  5. Regras de mudança são as que permitem dinamizar o ordenamento jurídico, indicando procedimentos para que as regras primárias mudem no sistema; e regras de adjudicação são as regras que atribuem competência a certos indivíduos – os juízes – para estabelecer se em uma ocasião particular houve ou não infração de uma regra primária.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. Um estudo crítico sobre as fontes do Direito do Trabalho no Brasil e sua aplicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1138. Acesso em: 2 nov. 2024.

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