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As relações de trabalho no contexto global

Agenda 01/11/2000 às 00:00

1.Introdução

O assunto a ser realçado no presente texto diz respeito à problemática que envolve a necessidade irrefutável do Estado, como poder político e normativo, de atuar com rigor imperativo e atribuidor diante das relações laborais, a fim de estabelecer regras mínimas e irrenunciáveis de proteção que se destinam aos trabalhadores nacionais e estrangeiros.

Essa preocupação é evidenciada em caráter mundial, pois, vislumbrou-se que o trabalho é também um bem social que constitui, na sua essência, um direito humano fundamental. A partir desse posicionamento surgiu o objetivo de se aprovar Tratados Internacionais que frisassem garantias indispensáveis ao operariado num aspecto supra-estatal.

Portanto, o estudo das relações de trabalho no âmbito internacional é um tema de grande importância, visto que, está ocorrendo uma grande transformação entre as soberanias, denominada de globalização (desmantelamento das limitações nacionais), que proporciona a mobilidade da força de trabalho entre os países, logo, há uma obrigação indispensável de determinar preceitos programáticos (Convenções, Recomendações e Resoluções da OIT), normas legais e princípios extraterritoriais que sejam aplicáveis aos casos conflituosos que se apresentem.


2.A Justiça do Trabalho no Mundo

Historicamente nota-se que a formação da Justiça do Trabalho seria hipoteticamente inevitável. Além do mais, os anseios coletivos impulsionaram de forma decisiva para sua materialização.

Diante da experiência bem sucedida, houve um interesse muito grande em instituir organismos especializados na solução das lides entre patrões e empregados. Conforme revela o quadro a seguir:(1)

ANO

PAÍS

ORGANISMO JURISDICIONAL

1806

França

Conseils de Prud’hommes

1893

Itália

Probiviri

1919

Inglaterra

Industrial Tribunais

1926

Alemanha

Arbeitgerichts

1926

Espanha

Comites Paritarios para Conciliación y Reglamentación del Trabajo

1931

Portugal

Tribunais de Árbitros Avindores

Com efeito, percebe-se que a criação desta Justiça Especial teve um papel relevante na sociedade, posto que, tornou-se um instrumento que propiciou a modernização e o desenvolvimento sem a exploração absurda que era praticada continuamente antes do seu advento. Aliás, estabeleceu no ordenamento um ramo do Direito (disciplina) que tem o digno propósito de reger as relações individuais e coletivas de trabalho.

Acrescenta-se ainda que, é uma atividade jurisdicional dinâmica e o seu aperfeiçoamento constitui uma realidade inquestionável, pois, persegue incessantemente a renovação e a adaptação fenomenológica, respondendo às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais.

Ademais, da análise do direito comparado constata-se que entre os países é predominante o uso desse tipo de órgão judicial para a composição dos litígios trabalhistas, todavia, ainda existem algumas nações como a Itália, o EUA, a Holanda, o Japão, a Grécia e outras, que preferem submeter essas controvérsias à Justiça Comum.


3.Proteção Internacional do Labor

O processo de regulamentação jurídica dos direitos trabalhistas teve início com as inquietações sociais decorrentes do apogeu da Primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII. Porquanto, este é o cenário que nasce o Direito do Trabalho.

Nessa época, estava bastante evoluída na Europa a preocupação com a situação tormentosa dos trabalhadores, e, por causa disso, ocorreram vários encontros com o intuito de discutir a internacionalização das normas de proteção: Congresso Internacional de Bruxelas (1856), Congresso Internacional de Frankfurt (1857), Assembléia Internacional dos Trabalhadores (Londres, 1864), Congresso Trabalhista de Lyon (1877), Congresso Operário de Paris (1883), Congresso Internacional Operário (1884), Conferência de Berlim (1890) e Conferências de Berna (1905 e 1906).

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Segundo consta, os precursores da idéia de uma legislação internacional do trabalho, são dois industriais, o inglês Robert Owen e o francês Daniel de Le Grand, no começo do século XIX. O primeiro devido aos escritos que dirigiu em 1818 aos soberanos dos Estados da Santa Aliança, reunidos em Aix-la-Chapelle, para que tomassem medidas destinadas a melhorar a sorte dos trabalhadores, preconizando uma ação internacional, interessado em difundir as experiências que praticou em sua empresa. O segundo, entre 1840 e 1855, dirigiu-se aos governantes franceses e aos principais países da Europa, propondo a adoção de uma lei internacional do trabalho.

Contudo, o marco definitivo do Direito Internacional do Trabalho, somente veio com a instalação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na parte XIII do Tratado de Versailles, então vinculada à Liga das Nações e depois mantida como órgão da ONU, em 1945.


4.O Intervencionismo

O Estado constitui a institucionalização do poder. É um mecanismo de controle onipresente na coletividade, logo, expressa uma organização que exerce autoridade sobre os cidadãos, por meio de um governo supremo (soberania), dentro de um território delimitado, com direito exclusivo de usar a força para se impor.

A intervenção do Estado foi concebida como um meio de elaborar um regulamento detalhado dos patamares de trabalho, a fim de forçar as partes envolvidas a buscarem a pacificação das suas lides. O resultado de tal intervenção é a heteroregulação, que provoca a rigidez da legislação.

Colho da doutrina a lição de Pedro Paulo Teixeira Manus, verbis: "... a efetiva intervenção estatal nas relações entre empregados e empregadores dá-se com o final da Primeira Grande Guerra Mundial, quando, internacionalmente é reconhecida a necessidade dessa intervenção, a fim de ser solucionada a questão social (...). Assim, nesta fase ... da história ..., após intensas lutas, passam os empregados ter reconhecidos seus direitos, bem como os meios hábeis a fazer valer esses direitos, quando não respeitados."(2)

Deste modo, ainda é dominante o entendimento no sentido de que a participação e intervenção racional dessa estrutura nas relações humanas é algo imprescindível, e, em torno desse contexto é que está a sua razão de ser.

No aspecto da tutela laboral os fatos pretéritos mostram que o Direito do Trabalho configura uma conquista que somente se concretizou com o intervencionismo do Estado para regular as distorções do liberalismo econômico. Sobre isto, é de bom alvitre expor um pouco da sabedoria do jurista Amauri Mascaro do Nascimento, vejamos:

"Despojado de suas exteriorizações extremadas e anti-humanas, o intervencionismo é considerado também como uma forma de realização do bem-estar e da melhoria das condições de trabalho. É humanista o intervencionismo para a proteção jurídica e econômica do trabalhador por meio de leis destinadas a estabelecer um regulamento mínimo sobre as suas condições de trabalho, a serem respeitadas pelo patrão, e de medidas econômicas voltadas para a melhoria da sua condição social." (3)

Nesse sentido, o estudo das tendências mundiais revela que, nos países onde o Estado tradicionalmente se absteve de intervir nas relações de trabalho, está aos poucos ocupando maior espaço, dada a necessidade de atender a situações que o livre jogo do mercado não se mostrou apto a resolver.

Por outro lado, os modelos de cultura intervencionista se encaminham no sentido da valorização dos grupos, passando o Estado a compartilhar e a dividir com estes a gestão da comunidade organizada.

Essa inclinação é produto de uma revisão ideológica que está assentada no diálogo e na colaboração entre as classes profissionais e econômicas, para alcançar a resolução dos problemas comuns, reverter a crise que o Estado moderno enfrenta e promover uma ordem mais justa, tanto no plano nacional como no internacional.


5.A falta de intervenção estatal

Ora, uma das principais funções do Estado é a realização da Justiça Social, porquanto, para satisfazer os ideais dos proletariados, era imprescindível a sua interferência protecionista, a fim de limitar o poder do empregador para, em contrapartida, garantir a preservação de direitos básicos que não podem ser negados a um indivíduo que é prestador de serviços.

Logo, destaca-se que a atuação estatal na ordem privada em defesa dos hiposuficientes tornou-se um princípio inescusável e legítimo. Desta forma, não se pode ignorá-lo, uma vez que, cristalizou-se como diretriz fundamental das comunidades.

Todavia, são grandes as transformações das relações de trabalho diante de uma sociedade capitalista. Sendo assim, o direito do trabalho contemporâneo vem sofrendo mudanças que culminam na sua desregulamentação.

Está surgindo um novo paradigma para a tutela laboral que, embora conservando a sua característica inicial concentrada na idéia de valorização do trabalhador, procura não impedir o avanço da tecnologia e do desenvolvimento econômico, para flexibilizar alguns institutos através de medidas destinadas a dotar o direito laboral de novos ajustamentos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa.

É um movimento que vem ganhando adeptos em diversos países. Seus reflexos são marcantes nas leis trabalhistas de vários lugares do mundo, principalmente, aqueles considerados periféricos.

Esse fenômeno corresponde a um novo espírito menos centralizado do Estado, que, atualmente está aberto a uma adaptação conjuntural, mesmo que para isso seja necessário o abandono da sua armadura protetora. Trata-se do neoliberalismo, uma figura superada que ressurge com uma nova modelagem, mas não distingue quase nada do seu precursor, visto que, busca a abstenção do Estado, a retirada de direitos sociais dos trabalhadores e objetiva uma maior liberdade para as partes contratantes. Para o juslaboralista, Saulo Tarcísio de Carvalho Fontes (In: O trabalho: da origem a globalização, p. 127), o denominado neoliberalismo é a repetição de um defeito do passado.


6.Conclusão

Diante do apresentado, torna-se salutar esclarecer, por derradeiro, que é extremamente necessária a conservação da atuação estatal à nível mundial nesse tipo de relação jurídica, vez que contribuí de modo valoroso para manter íntegra a prestação de labor do empregado, possibilitando-lhe garantias e direitos que satisfazem, mesmo que de maneira modesta, o seu viver.


NOTAS

1. extraído do artigo – Breve História da Justiça do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins, In: História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho, LTr: São Paulo, 1998, p. 172

2. Pedro Paulo Teixeira Manus. In: Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 25-26

3. Amauri Mascaro do Nascimento. In: Curso de Direito do Trabalho. 14 ed. rev. São Pulo: Saraiva, 1997. p. 25

Sobre o autor
Marcelo Pessoa

bacharel em Direito, aluno da Escola Superior da Magistratura (ESMAGIS/MT), pós-graduando em Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho pela UNESA/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Marcelo. As relações de trabalho no contexto global. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1146. Acesso em: 5 nov. 2024.

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