VIII. O VOTO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO
77.No voto que proferiu no RE 460.785, na referida sessão plenária de 18.06.2008, o Ministro MARCO AURÉLIO votou no sentido da ausência do direito de creditamento do IPI de produto desonerado na saída, antes da Lei 9.779/99.
78.Sua Excelência explicitou que a razão de ser do creditamento é evitar a sobreposição de cobrança de tributo consideradas sucessivas operações. Continuou o relator: "Então, ante o princípio da não-cumulatividade, o valor do tributo apurado em certa operação sofre a diminuição do que satisfeito anteriormente".
79.O Ministro MARCO AURÉLIO, com esteio no art. 153, § 3º, incisos, CF, estampou as características constitucionais do IPI. Também recordou o disposto no art. 150, § 6º, CF, a necessidade de lei específica para concessão de benefícios fiscais.
80.Ante esse quadro constitucional, o ilustre Relator afastou, na presente controvérsia, o envolvimento do princípio da não-cumulatividade. Disse Sua Excelência:
A conclusão decorre da circunstância de o inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição da República, não bastasse o alcance vernacular da expressão – não-cumulatividade -, subir pedagógico ao revelar que a compensação a ser feita levará em conta o que devido e recolhido nas operações anteriores com o montante cobrado na subseqüente. Considerado apenas o princípio da não-cumulatividade, se o ingresso da matéria-prima ocorreu com incidência do tributo, logicamente houve a obrigatoriedade de recolhimento. Mas, se na operação final verificou-se a isenção, não existirá compensação do recolhido anteriormente, ante a ausência de objeto. Compensar com o quê?.
81.Sua Excelência, em favor da unidade do sistema tributário, cotejou os dispositivos constitucionais relativos à exoneração do ICMS (art. 155, § 2º, II, a e b), em face do art. 150, § 6º, CF, a revelar a fonte da disciplina legal da desoneração do IPI, na saída do produto: o art. 11 da Lei 9.779/99.
82.Nessa perspectiva, o Ministro MARCO AURÉLIO recorda trecho de sua manifestação no RE 353.657 a demonstrar que a hipótese discutida naqueles autos difere da situação da presente demanda, uma vez que a desoneração tributária naquela controvérsia estava na entrada dos insumos, enquanto que nesta, como exaustivamente dito, a desoneração está na saída.
83.Diante da expressa disposição legal (art. 11, Lei 9.779/99), Sua Excelência aduz a seguinte e candente peroração:
O Supremo está sendo convocado a definir a existência, em data que antecede à citada lei, do direito ao creditamento e não pode criá-lo do nada, não pode caminhar no sentido de entender que a previsão normativa se mostrou, no particular, inócua porque o direito já estava contemplado pela ordem jurídica.
84.Nessa ordem de compreensão, o Ministro MARCO AURÉLIO arrematou:
Em síntese, presente o princípio da não-cumulatividade – e deste somente é possível falar quando há dupla incidência, sobreposição -, o direito do contribuinte ao crédito considerado o que recolhido em operação anterior, tendo-se a isenção ou alíquota zero na operação final, somente surgiu – e mesmo assim implicitamente, se é que isso é possível – com a edição da Lei n. 9.779/99. Não implicou ela mera explicitação de um direito.
85.Forte nessa compreensão, o eminente Relator entendeu que a decisão do TRF 4, que autorizou ao contribuinte o gozo do discutido benefício fiscal, "implicou fugir à ordem natural das coisas, olvidando-se o princípio da não-cumulatividade no que, sem o envolvimento de dupla incidência, caminhou-se, sem previsão em lei, no sentido do creditamento".
86.Diante desse quadro, o Ministro MARCO AURÉLIO votou pelo conhecimento e provimento do recurso fazendário, de sorte a limitar o creditamento, com as conseqüências próprias, ao período posterior à vigência da Lei 9.779/99.
87.Convém anunciar que Sua Excelência julgou prejudicada a discussão acerca da correção monetária do reivindicado creditamento, além de entendê-la inviável na sede extraordinária, uma vez que pressupõe a interpretação de normas legais, segundo seu entendimento.
88.Com a devida vênia ao brilhante voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, entendo que o voto do Ministro MARCO AURÉLIO surpreende o tema em coerência com a jurisprudência do STF, merecendo, por conseqüência, o prestígio da Corte.
IX. O CREDITAMENTO E A NÃO-CUMULATIVIDADE DO IPI NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
89.O tema do creditamento tributário em face do princípio da não-cumulatividade não é novo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
90.Como é de sobejo conhecimento, ainda sob o pálio da Carta Política de 1967/1969 o STF visitou o tema, seja em relação ao ICMS, seja em relação ao IPI.
91.Quanto ao ICMS, o creditamento de mercadorias exoneradas com isenção, alíquota-zero ou não-tributação, na entrada do estabelecimento, o Supremo trilhava dois caminhos distintos.
92.As mercadorias isentas ensejavam o creditamento, segundo se extrai dos seguintes precedentes: RREE 86.217 e 96.862. As mercadorias exoneradas com alíquota-zero ou não-tributadas não viabilizavam o creditamento: RREE 107.985 e 115.337.
93.Ante esse quadro jurisprudencial, como já dito, foi editada a Emenda Passos Porto (EC 23/83) que proibiu o creditamento do ICMS. Essa vedação foi mantida de modo expresso na atual Constituição (art. 155, § 2º, II).
94.No tocante ao IPI, a desoneração dos insumos na entrada do estabelecimento foi recentemente pacificada no seio dessa Suprema Corte nos históricos julgamentos dos RREE 353.657 e 370.682, nos quais decidiu-se que não viola o princípio da não-cumulatividade a vedação de creditamento do IPI na hipótese de insumo que adentra exonerado do cogitado tributo.
95. Quanto à exoneração do IPI na saída de produtos do estabelecimento industrial, antes da Constituição de 1988, o STF entendia descabido o postulado creditamento: RREE 99.825 e 109.047.
96.Nesse contexto, considerando que se cuida de mera técnica de tributação, o Supremo manteve a orientação jurisprudencial firmada sob os auspícios do texto constitucional revogado, em se tratando de exoneração na entrada do estabelecimento.
97.Em relação à desoneração na saída, objeto da presente controvérsia, e em face da manutenção dos mesmos paradigmas constitucionais, porquanto se versa mera técnica de tributação e que já sofreu, inclusive, adequado tratamento legislativo (art. 11, Lei 9.779/99), confia-se na conservação da atávica jurisprudência do STF.
98.Nesse panorama da jurisprudência histórica da Suprema Corte, é fácil de ver que o princípio da não-cumulatividade do IPI não sofre qualquer menoscabo ante a ausência de creditamento do tributo que tem os produtos exonerados, seja na entrada ou na saída do estabelecimento: RREE 99.825, 109.047, 353.657 e 370.682.
X. CONCLUSÕES
99.Ante o exposto, apresento as seguintes conclusões:
1ª. O princípio da não-cumulatividade não autoriza o creditamento do IPI se o tributo não for devido na operação de saída do produto industrializado do estabelecimento;
2ª. Não viola o princípio da não-cumulatividade a vedação do direito de creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado, seja na saída, seja na entrada do estabelecimento;
3ª. O art. 150, § 6º, CF, reclama a edição de lei específica para a concessão de quaisquer benefícios fiscais, dentre eles a concessão de crédito presumido;
4ª. O art. 11, da Lei 9.779/99, em atendimento ao referido art. 150, § 6º, CF, autorizou o creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado, com alíquota-zero ou com isenção, na saída do estabelecimento industrial;
5ª. Antes da edição da aludida lei federal específica, em prestígio ao art. 150, § 6º, CF, não havia direito ao creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado na saída do estabelecimento industrial.