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O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08)

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Agenda 17/08/2008 às 00:00

Todo o procedimento dos art. 406 a 497 do CPP, relativos ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida, foi alterado pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que entrou em vigor em 9 de agosto de 2008. Este artigo analisa de forma sistemática estas alterações.

Todo o procedimento dos art. 406 a 497 do CPP, relativos ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida, foi alterado pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que entrará em vigor em 09 de agosto de 2008.

O presente artigo pretende analisar de forma sistemática estas alterações.


1.Principais inovações

Dentre as principais inovações, destacam-se as seguintes:

- a ordem do procedimento será: recebimento da denúncia, citação, resposta à acusação por escrito em 10 dias, oitiva da acusação sobre preliminares, decisão sobre preliminares (fase implícita no novo procedimento), oitiva de testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, interrogatório ao final da instrução, alegações orais pelas partes em 20 minutos (prorrogáveis por mais 10), juiz profere decisão (pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação) – art. 406 a 419;

- revogou-se a proibição de juntar documento novo na fase das alegações finais na instrução preliminar (prova ilegítima), prevista no antigo art. 406, § 2º.

- admite-se absolvição sumária no caso de prova da inexistência do fato, falta de provas da autoria ou atipicidade (pela lei antiga era cabível absolvição sumária apenas nas hipóteses de excludente da ilicitude ou culpabilidade) – art. 415;

- contra a absolvição sumária e impronúncia passa a ser cabível recurso de apelação (e não RESE, como na lei antiga) – art. 416;

- revogação do recurso de ofício na hipótese de absolvição sumária;

- revogação da crise de instância (situação na qual, não sendo encontrado o réu para intimação pessoal da decisão de pronúncia, o processo ficaria paralisado até sua eventual localização), admitindo-se doravante a intimação por edital da decisão de pronúncia, mesmo para crimes mais graves – art. 420;

- abolição do libelo e contrariedade ao libelo, passando a existir apenas intimação das partes para arrolarem as testemunhas que pretendem serem ouvidas em plenário – art. 422;

- criação de um relatório do processo a ser elaborado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, após a pronúncia e o arrolamento de testemunhas pelas partes – art. 423, II;

- elevação do número de jurados da lista geral de jurados - art. 425;

- proibição que o jurado que tenha participado de Conselho de Sentença no ano anterior possa participar novamente da lista geral dos jurados – art. 426, § 4º;

- criação de privilégios aos jurados, como prisão especial, desempate em concurso público ou licitações – art. 439 e 440;

- elevação do número de jurados sendo 25 para comparecerem à reunião periódica, mantendo-se o número de 15 para início da sessão e 7 para composição do conselho de sentença – art. 433, 447 e 463;

- alteração das regras para recusa dos jurados, não mais se permitindo a separação, a não ser que não haja o quórum mínimo de 7 jurados para compor o conselho de sentença – art. 469;

- introdução do sistema de perguntas diretas das partes às testemunhas em plenário, iniciando-se com juiz, acusação, defesa e jurados – art. 473, caput e § 1º;

- restrição da possibilidade de leitura de peças em plenário – art.473, § 3º;

- alteração do tempo para sustentação da acusação e defesa em plenário (de duas horas para uma hora e meia) e da réplica e tréplica (de meia hora para uma hora) – art. 477;

- formulação de um terceiro quesito obrigatório, após quesitação da materialidade e autoria, com dizeres: "O jurado absolve o acusado?" – art. 483, III;

- disposição expressa que compete ao juiz presidente julgar o crime, quando houver desclassificação em plenário, mesmo quando se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo – art. 492, § 1º;

- revogação do protesto por novo júri.


2.Procedimento – judicium accusationis

O procedimento dos crimes dolosos contra a vida é escalonado ou bifásico, ou seja, possui duas fases: judicium accusationis e judicium causae. A fase do judicium accusationis, também conhecido como sumário da culpa, inicia-se com a decisão de recebimento da denúncia e encerra-se com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, após a qual se inicia a fase do judicium causae, que vai da intimação das partes para arrolarem testemunhas para deporem em plenário (antiga fase de oferecimento do libelo e contrariedade ao libelo), passando pelo julgamento pelo Tribunal do Júri em Plenário até o trânsito em julgado final da sentença proferida pelo juiz presidente.

A Lei n. 11.689/08 classifica as fases do procedimento dos crimes dolosos contra a vida nas seguintes (conforme os títulos das seções do cap. II, do título I, do livro II do CPP):

1.Instrução preliminar;

2.Decisão de pronúncia (ou outras que impedem o prosseguimento do feito);

3.Preparação do processo para julgamento em Plenário;

4.Sessão do Tribunal do Júri.

Por questões didáticas, manteremos a tradicional divisão bifásica, englobando as fases 1 e 2 supra no judicium accusationis e as fases 3 e 4 no judicium causae, ainda que atualmente não haja mais uma nova acusação na segunda fase (pois o libelo foi revogado).

a)Instrução preliminar

A primeira fase do procedimento, denominada pelo CPP (na nova redação da Lei n. 11.689/08) de instrução preliminar e pela doutrina de judicium accusationis, processa-se diante de um juiz singular, da mesma forma que o procedimento comum ordinário. Já a fase do judicium causae se processa inicialmente perante o juiz singular (fase de preparação do processo para julgamento em Plenário – art. 422 a 424) e, na fase do julgamento Plenário do Tribunal do Júri, há uma divisão da competência: os jurados decidem sobre os fatos e o juiz presidente decide sobre as questões de direito (a ordem do procedimento e as conseqüências dos fatos decididos pelos jurados – como na aplicação da pena). Essa divisão de competências entre jurados (fatos) e juiz presidente (direito) é denominada competência funcional em razão do objeto do juízo. É possível que a lei de organização judiciária confira a competência para processar o judicium accusationis a um juiz diferente do que processa o judicium causae (presidente do Tribunal do Júri); nessa situação, haverá uma competência funcional em razão da fase do processo. Antes da Lei n. 11.719/08, esta possibilidade era expressa no art. 412; agora, apesar de não estar expressa, está implícita no regramento legal, pois do art. 406 ao art. 419, o CPP utiliza a expressão "o juiz" e, a partir do art. 421, utiliza-se a expressão "o juiz presidente do Tribunal do Júri", dando a entender que estes podem ser diversos; ademais, trata-se de matéria de organização judiciária estadual, afeta à competência legislativa estadual, cf. art. 25, § 1º, da CF/88.

Todos os crimes dolosos contra a vida são de ação penal pública incondicionada. No entanto, é possível o ajuizamento de queixa na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública ou, ainda, caso haja crime conexo que seja sujeito à ação privada.

Na denúncia, deve o Ministério Público requer a pronúncia ao invés da condenação.

A lei n. 11.689/08 estabeleceu um novo procedimento para o judicium accusationis, que se assemelha em parte ao novo rito do procedimento comum ordinário estabelecido pela Lei n. 11.719/08, com a seguinte seqüência de atos processuais:

1.Oferecimento da denúncia (com rol de testemunhas, até 8);

2.Recebimento da denúncia;

3.Citação e intimação para apresentação de resposta à acusação, no prazo de 10 dias;

4.Resposta à acusação (com rol de testemunhas, até 8);

5.Caso não apresentada resposta à acusação, é obrigatória nomeação de defensor dativo para apresentá-la;

6.Contraditório da acusação sobre a resposta à acusação, no prazo de 5 dias;

7.Julgamento das preliminares argüidas pela defesa;

8.Audiência de instrução no prazo de 10 dias, com a seguinte ordem dos atos processuais: oitiva do ofendido, testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, esclarecimentos (peritos, acareações e reconhecimentos de pessoas) e interrogatório;

9.Debates orais em audiência (20 minutos, prorrogáveis por mais 10);

10.Decisão de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária (oral ou no prazo de 10 dias).

Este novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida difere do novo procedimento ordinário, criado pela Lei n. 11.719/08, nos seguintes pontos:

1.não há previsão no procedimento ordinário de contraditório pela acusação após a apresentação da resposta à acusação (art. 409);

2.no procedimento ordinário está previsto o princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2°), sem menção a este princípio no procedimento dos crimes dolosos contra a vida;

3.o prazo para designação da audiência de instrução no procedimento dos crimes dolosos contra a vida é de 10 dias a contar da decisão que julga as preliminares argüidas pela defesa (art. 410), já no procedimento ordinário o prazo para designação da audiência de instrução será de 60 dias a contar do recebimento da denúncia (art. 400);

4.no procedimento ordinário há previsão de requerimento de diligências complementares pelas partes, a ser formulado oralmente ao final da audiência (art. 402), fase não prevista para a instrução preliminar do júri;

5.no procedimento ordinário há previsão expressa da possibilidade de converter os debates orais em memoriais (art. 403, § 3º);

6.no procedimento dos crimes dolosos contra a vida, há previsão do prazo de 90 dias para conclusão total da primeira fase do processo, o que não existe no procedimento ordinário.

Em nosso entendimento, nada impede que o juiz receba a denúncia, cite e intime o réu para apresentar resposta à acusação e já intime o réu da audiência a ser designada. Obviamente, esta audiência designada ficará prejudicada caso o juiz acolha alguma das preliminares aventadas na resposta à acusação. Caso não haja preliminares, o réu já estará intimado da data da audiência, tudo em um único ato processual, respeitando-se o princípio constitucional da celeridade (princípio da duração do processo em prazo razoável, previsto na CF/88, art. 5º, inciso LXXVIII). Esta solução é que deverá ser empregada no procedimento ordinário, pela interpretação do art. 399, que, ao tratar do recebimento à denúncia já determina que o juiz deva marcar audiência de instrução, intimar as partes e requisitar a apresentação do réu preso, solução que também deve ser aplicada por analogia ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Obviamente, deve-se estabelecer um prazo razoável, para a hipótese de o réu não apresentar a resposta à acusação no prazo e ser necessária a designação de defensor dativo para este mister.

Em nosso entendimento, após a reforma processual da Lei n. 11.719/08, em caso de citação por edital o juiz deverá citar para uma "audiência de comparecimento ao processo". É que não há lógica em intimar por edital já designando a audiência de instrução e julgamento, para a qual deverá haver intimação de todas as testemunhas, pois normalmente nas citações por edital o réu não comparece ao chamamento. Também não é necessário intimar o réu para apresentar resposta à acusação, pois o art. 396, parágrafo único, relativo ao procedimento ordinário, analogicamente aplicável à espécie, dispõe expressamente que o prazo da resposta à acusação em caso de citação por edital apenas se inicia após o comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. Assim, como não pode ser designada a audiência de instrução antes da resposta à acusação (que arrola as testemunhas de defesa), o edital deverá constar apenas a necessidade de comparecimento a juízo em dia e hora designados, observando-se entre a publicação e o dia designados o intervalo mínimo de 15 dias. Caso o réu não esteja presente à "audiência de comparecimento ao processo" nem contrate advogado para comparecer ao processo em seu nome, o juiz deverá suspender o processo e o curso do prazo prescricional, sendo permitida a produção antecipada de provas e a decretação da prisão preventiva, desde que presentes os requisitos respectivos (art. 366 do CPP, na redação da Lei nº 9.271/96). No procedimento ordinário, caso o réu compareça ao processo, este prosseguirá nos termos do art. 394 e seguintes, conforme determina o art. 365, § 4º. Neste caso, o juiz deve dar nova oportunidade ao réu para este apresentar sua resposta à acusação, prevista no art. 396, já intimando-o da audiência de instrução designada.

A Lei n. 11.719/08 também introduziu a citação por hora certa no processo penal, ao dar nova redação ao art. 362. Este novo artigo determina a aplicação das regras do art. 227 a 229 do CPC, na hipótese de o réu se ocultar à diligência. A alteração é bem vinda, pois em muitas situações o réu se ocultava para não ser citado e acabava beneficiado com a citação por edital com posterior suspensão do processo prevista no art. 366. Nesta hipótese de citação, caso o oficial de justiça vá três vezes à residência do réu, sem o encontrar, caso tenha suspeitas concretas de que o réu se oculta para não se citado, deverá intimar qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, informando que no dia imediato, em horário designado, voltará para realizar a citação do réu. No dia e hora designados, o oficial de justiça retornará e, encontre o réu, poderá realizar sua citação pessoal. Todavia, caso novamente o réu não esteja em casa o oficial de justiça certificará novamente o motivo de sua ausência, deixará cópia da contrafé com pessoa da família ou vizinho, anotando-lhe o nome, e dará o réu por citado. O STJ admite, por exemplo, a entrega da contrafé ao porteiro [01]. Posteriormente, o escrivão encaminhará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe ciência das diligências. A ausência de encaminhamento desta correspondência pelo escrivão é causa de nulidade da citação por hora certa [02].

Após a citação pessoal ou por hora certa, o réu deverá apresentar sua resposta à acusação. A legislação revogada nominava esta peça processual como alegações escritas, tendo a doutrina batizado-a de defesa prévia. A lei nova não lhe qualquer este nome, apenas afirmou que o juiz "ordenará a citação do acusado para responder à acusação...", motivo pelo qual entendemos que o nome técnico desta peça processual deve ser "resposta à acusação". A resposta à acusação é o momento para a defesa argüir preliminares, alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Também é o momento processual para a defesa argüir as exceções previstas no art. 95. Não argüida a exceção de incompetência relativa (v.g., em razão do lugar) na defesa prévia, ocorrerá a prorrogação da competência relativa. Todavia, tratando-se de incompetência absoluta (v.g., em razão da matéria ou por prerrogativa de função), esta poderá ser argüida em qualquer momento do processo, por gerar nulidade absoluta. Da mesma forma em relação às exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada.

Na vigência da legislação revogada, entendia-se que a apresentação da defesa prévia era uma faculdade do réu, e sua não-apresentação não gerava qualquer nulidade (apenas se presumia que o acusado não desejava arrolar testemunhas). Agora há regra expressa no sentido de sua imprescindibilidade, o que prestigia a indispensabilidade da defesa técnica. Assim, caso o réu tenha sido citado pessoalmente por mandado ou na citação por hora certa, se não for apresentada a resposta à acusação, deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentá-la (art. 408). Todavia, não sendo apresentada por este a resposta à acusação no novo prazo legal de 10 dias, ocorrerá a preclusão da possibilidade de a defesa arrolar testemunhas. Na hipótese de citação por edital, a não apresentação da resposta à acusação, sem comparecimento do réu ou seu advogado, impõe a suspensão do processo. Antes da reforma, quando a defesa prévia era apresentada após o interrogatório, o defensor tinha contato com seu cliente (e com sua tese defensiva e suas testemunhas dos fatos) no ato do interrogatório e, assim, tinha a possibilidade de preparar sua defesa considerando as informações do réu. Entendemos que a alteração da ordem dos atos processuais irá dificultar o trabalho do defensor dativo designado, pois este nunca teve contato antes com o réu e, portanto, deverá diligenciar um encontro com o mesmo para providenciar sua defesa – especialmente para arrolar as testemunhas que este indicar. Caso não o faça, o defensor dativo terá contato com o réu apenas na audiência de instrução e julgamento. Na hipótese de réu preso, o defensor deverá dirigir-se ao estabelecimento prisional para entrevistar o cliente e colher elementos para sua defesa. No caso da Defensoria Pública, parece-nos recomendável que ela estruture um serviço de atendimento aos presos diretamente dentro dos estabelecimentos prisionais. Em termos práticos, esta alteração no procedimento irá agravar ainda mais a seletividade do sistema penal, pois os réus ricos, com advogados particulares, terão acesso a boas defesas técnicas, mas os réus pobres, assistidos em sua maioria pela Defensoria Pública, poderão ter sua resposta à acusação (e, especialmente, seu rol de testemunhas), prejudicado pela reforma. Para minorar este injustiça ínsita na reforma, entendemos que nada impedirá que, caso o réu indique testemunhas presenciais dos fatos quando de seu interrogatório, ao final da instrução, possa o juiz deferir sua oitiva como testemunhas referidas (art. 209, § 1º). Todavia, nesta situação, a oitiva da testemunha será uma discricionariedade do magistrado e não um direito da parte.

O contraditório de acusação sobre a resposta à acusação (ou defesa preliminar) apresentada pela defesa, conforme previsto no art. 409, apenas deverá existir caso seja argüida preliminar que impeça o prosseguimento do feito, ou ainda, caso seja juntado documento pela defesa (pois, caso contrário, a acusação apenas tomará conhecimento deste documento quando da intimação para a audiência de instrução). Caso não se argua qualquer preliminar ou não se junte documento, não será necessário contraditório sobre a resposta à acusação.

Quanto aos atos de instrução, deve se aplicar por analogia as regras dos artigos 155 e seguintes sobre as provas no processo penal. Merece destaque a alteração introduzida pela Lei n. 11.690/08, ao dar nova redação ao art. 212, que estabeleceu que a oitiva das testemunhas será feita de forma direta pelas partes. A nova redação também alterou a ordem de formulação das perguntas, pois estabelece que primeiro as partes formulação suas perguntas às testemunhas e, após, sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. Esta alteração privilegia o sistema acusatório, reservando o juiz a uma posição de maior inércia e, portanto, de maior imparcialidade, pois o ônus de produzir a prova perante o juiz pertence às partes (que perguntam primeiro), podendo o juiz formular mais alguma pergunta adicional, em nome do princípio da busca da verdade no processo, e exercendo um poder instrutório suplementar aos das partes. Estas alterações também se aplicam à instrução preliminar dos crimes dolosos contra a vida.

Após a oitiva das testemunhas e eventuais esclarecimentos (peritos, acareações e reconhecimentos) ocorrerá o interrogatório. Antigamente, o interrogatório era o primeiro ato da instrução preliminar, agora é o último. A alteração busca privilegiar a ampla defesa, de forma que a autodefesa apenas se exerça após o pleno conhecimento das provas que possui contra si. Registre-se que estas duas alterações do art. 212 (perguntas diretas e perguntas primeiro pelas partes) não alteram o procedimento do interrogatório, que continua sendo realizado primeiro pelo juiz, pois o interrogatório também possui a função de ser meio de defesa (autodefesa), sendo a oportunidade de o acusado dar sua versão dos fatos ao magistrado, apesar de também se admitir que as partes formulem perguntas adicionais ao acusado (art. 188), bem como o interrogatório (ao menos no procedimento ordinário) continua sendo feito com perguntas indiretas, feitas pelas partes ao juiz que as fará ao acusado se pertinentes e relevantes. Também não se aplica a nova ordem do art. 212 aos depoimentos das testemunhas prestados em sessão plenária do Tribunal de Júri, que serão colhidos primeiro pelo juiz e, após, pelas partes, com perguntas diretas, conforme determina o art. 473. Apenas para completar a análise, o interrogatório do réu em Plenário do Tribunal do Júri será feito primeiro com perguntas pelo juiz e, após, com perguntas diretas pelas partes (art. 474, caput e § 1º).

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Não há mais a previsão explícita de uma fase de diligências complementares pelo juiz (na legislação revogada, no prazo de 48 horas após as alegações finais). Todavia, o princípio da busca da verdade no processo e o poder de instrução suplementar do juiz permitem a interpretação de que, caso o juiz verifique a necessidade de uma diligência imprescindível ao esclarecimento dos fatos, possa determiná-la, mesma sem a previsão específica de uma fase processual para tanto. Se na fase do julgamento plenário do Tribunal do Júri é lícito ao juiz dissolver o Conselho de Sentença para realizar diligência imprescindível (art. 481), com muito mais razão poderá fazê-lo na fase da instrução preliminar. No mesmo sentido, o art. 404 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, permite a determinação destas diligências complementares pelo juiz no novo procedimento ordinário, disposição que pode ser aplicada analogicamente ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida.

Após o interrogatório, seguem-se os debates orais. Na legislação revogada, esta fase era das alegações finais escritas. O prazo dos debates será de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10 (art. 411, § 4º). Havendo mais de um réu, cada qual terá seu prazo individual. Nesta situação, o código não prevê acréscimo do prazo de sustentação oral da acusação, conforme há previsão de elevação do prazo da sustentação oral do plenário do Tribunal do Júri na hipótese de haver vários réus (art. 477, § 2º).

O art. 571, I, do CPP, estabelece que as nulidades ocorridas durante a instrução criminal dos processos de competência do júri deverão ser argüidas nos prazos a que se refere o art. 406 do CPP. Este artigo era referente à fase das alegações finais no procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Como a Lei n. 11.719/08 alterou toda a redação destes artigos, a referência constante do art. 571, I, perdeu a lógica. Entendemos que deve ser feita uma interpretação história do dispositivo para que este passe a ser interpretado no sentido de que o momento preclusivo para argüir as nulidades da instrução do judicium accusationis é a fase dos debates orais anteriores à pronúncia (fase que substituiu as antigas alegações finais escritas). Portanto, na redação do art. 571, I, onde se lê "art. 406", deve-se ler "art. 411, § 4º".

Entende-se que a omissão da defesa em apresentar alegações finais escritas não gera nulidade, pois essa pode ser uma estratégia defensiva em reservar para o Plenário seus argumentos [03]. Para os crimes do procedimento ordinário, já se entendia que as alegações finais eram obrigatórias, em respeito ao princípio da ampla defesa. Como agora os debates são orais, necessariamente a defesa deverá se manifestar (ou afirmar que não deseja se manifestar). Estabelece o art. 403, § 3º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei n. 11.719/08, que, no procedimento ordinário, caso haja complexidade do caso ou número excessivo de acusados, o juiz poderá substituir os debates orais pela concessão de cinco dias para apresentação de memoriais escritos. Entendemos que esta disposição pode ser aplicada analogicamente ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida, quando necessário.

Apesar de não mais haver previsão de uma fase para as partes formularem requerimento de diligências complementares, entendemos que esta possibilidade é inerente ao sistema processual. É que, mesmo já em fase de julgamento plenário do Tribunal do Júri, se faltar diligência essencial ao esclarecimento da verdade, o juiz poderá dissolver o Conselho de Sentença para a realização da diligência, conforme prevê o art. 481. Assim, como muito mais razão deve o juiz permitir que esta diligência seja realizada na fase da instrução preliminar, se houver requerimento pela parte, desde que seja a prova efetivamente pertinente e relevante. Ademais, se o juiz pode determinar de ofício a produção de prova, conforme lhe permite o art. 156, II, art. 209 e art. 234, com muito mais razão poderá deferir requerimento da parte.

Questão interessante é sobre a transição da legislação antiga para a atual. Trata-se de alteração de normas de direto processual que, portanto, têm aplicação imediata, conforme o art. 2º do CPP. Portanto, se o juiz já havia realizado o interrogatório do réu antes da vigência da Lei n. 11.689/08, este ato processual foi praticado de forma perfeita e válida e, portanto, não necessitará ser novamente realizado ao final do procedimento. Para estes casos, deve-se continuar com o procedimento previsto na legislação antiga. Nesta situação, entendemos que deve ser aplicado o art. 6º da Lei de Introdução do CPP, que estabelece:

Art. 6º - As ações penais, em que já se tenha iniciado a produção de prova testemunhal, prosseguirão, até a sentença de primeira instância, com o rito estabelecido na lei anterior.

Apesar de a LICPP ter sido editada para disciplinar a transição da antiga legislação ao advento do CPP, em 1941, ela não foi formalmente revogada, os princípios que alberga ainda são plenamente válidos e adéquam-se da mesma forma ao caso atual. Pela expressão "prova testemunhal" constante do dispositivo deve-se entender a instrução processual e o interrogatório é um meio de defesa e também um meio de prova (tanto que atualmente as partes podem formular perguntas ao réu).

Ao final dessa fase de instrução preliminar, o juiz poderá proferir uma das quatro decisões seguintes: pronúncia (se presentes indícios da autoria e materialidade); impronúncia (se não há indícios suficiente de qualquer crime); desclassificação (se não há indício de crime doloso contra a vida, mas sim de outro crime); e absolvição sumária (na hipótese de prova incontroversa de inexistência do crime, não-autoria, atipicidade, excludente da ilicitude ou da culpabilidade). Apenas a decisão de pronúncia permitirá ao procedimento prosseguir para a segunda fase do judicium causae.

Segundo o art. 412 do CPP, o prazo máximo para conclusão do judicium accusationis é de 90 dias. Este prazo possui especial interesse no caso de acusado preso, pois a superação deste prazo poderá ocasionar excesso de prazo e ensejar eventual relaxamento da prisão, inclusive com previsão de habeas corpus (CPP, art. 648, II). Uma interpretação literal do dispositivo levaria à conclusão de que este prazo de noventa dias conta-se do recebimento da denúncia à decisão de pronúncia (fase do procedimento judicial previsto do art. 406 até o art. 412). Não se conta este prazo após a eventual interposição de RESE contra a pronúncia. De qualquer sorte, estabelece a Súmula n. 64 do STJ que "não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução provocado pela defesa", e o STF entende que se houver justa causa, como complexidade da causa ou elevado número de acusados, este prazo pode ser dilatado (STF, HC n. 92.483/PE, rel. Min. Eros Grau). Mas deve-se atentar que a lei agora prevê um prazo expresso, devendo haver maior cuidado na observância deste prazo.

b) Pronúncia

A pronúncia possui natureza jurídica de decisão interlocutória mista não terminativa. Antigamente, o art. 408, § 1º, denominava esta decisão de "sentença de pronúncia", impropriedade que foi corrigida pela Lei n. 11.689/08, que a denomina apenas de "pronúncia" no art. 413 e "decisão de pronúncia" no art. 478, I. Essa decisão não põe fim ao processo e não decide o mérito da pretensão punitiva, apenas decide sobre a admissibilidade da acusação, encerrando a primeira fase do procedimento e possibilitando que o réu seja submetido ao julgamento plenário do Tribunal do Júri.

São requisitos da pronúncia a prova da existência do crime e os indícios suficientes da autoria ou participação. A doutrina tradicional tem classificado esses requisitos como expressão do princípio in dubio pro societate, ou seja, havendo dúvida, deve ocorrer a pronúncia, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos e do Tribunal do Júri como juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. A doutrina mais moderna tem rechaçado essa construção. Primeiro, porque não está prevista em local algum do Código a existência desse princípio. Segundo, em matéria de colisão de direitos fundamentais, é princípio assente que in dubio pro libertatis. Finalmente, o que existe, na verdade, são requisitos diferenciados de cognição para prolação da decisão de pronúncia. Ao invés de se exigir certeza (na verdade, a altíssima probabilidade de veracidade da hipótese acusatória e mínima possibilidade de confirmação da hipótese defensiva, pois o processo nunca alcança a certeza, mas conforma-se com uma verdade processualmente admissível), exige-se apenas a verossimilhança (probabilidade razoável de veracidade da hipótese acusatória). De qualquer forma, exige-se a probabilidade da hipótese acusatória para que haja a pronúncia, pois esta deve superar a dúvida razoável. A dúvida, assim entendida como ausência de probabilidade razoável, não deve ensejar a pronúncia, pois in dubio pro reo. Na verdade, os requisitos da pronúncia são os mesmos dos necessários para o recebimento da denúncia, todavia respaldados apenas pelas provas produzidas em juízo e sob contraditório.

Deve-se registrar, todavia, que a jurisprudência tem aceitado sem maiores discussões esse princípio in dubio pro societate na fase da pronúncia. Conferir:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE.

1. [...]

2. Para a prolação da sentença de pronúncia, por se tratar de um juízo de mera admissibilidade da acusação, não se faz necessário um juízo de certeza, que se exige para a condenação. Em caso de dúvida quanto à culpabilidade ou não do acusado, cabe ao Conselho de Sentença dirimi-la, por ser o Juiz Natural da causa.

3. Recurso não conhecido.

(Resp nº 724.876/MT, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 25/10/2007, DJ 26/11/2007 p. 231)

Havendo crime conexo com o crime doloso contra a vida, argumenta Rangel [04] que também esse crime conexo deverá ser objeto da decisão de pronúncia, ou seja, deve o juiz, após pronunciar o crime doloso contra a vida, também analisar se estão presentes os indícios da autoria e materialidade do delito conexo. Nesta situação, defende Rangel que, se o crime doloso contra a vida for pronunciado e o crime conexo for impronunciado, será possível que, posteriormente, se surgirem novas provas, o crime conexo seja novamente denunciado perante o Tribunal do Júri e submetido a novo julgamento Plenário apenas o crime conexo. Já Mirabete, por sua vez, entende que apenas o crime doloso contra a vida deve ser objeto da pronúncia; havendo pronúncia para o crime doloso contra a vida, automaticamente será encaminhada ao Tribunal do Júri a competência para decidir tanto ao crime doloso contra a vida quanto o crime conexo [05]. Nesse sentido, ver decisões do STJ:

A pronúncia pelo crime de competência do Tribunal do Júri obriga a que se submeta – ressalvada a total falta de justa causa detectável na via do writ – a julgamento, também, o delito conexo.

(Resp nº 197.762/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 5/8/1999, DJ 13/9/1999 p. 94)

Júri (processo). Pronúncia (juízo de delibação). Violação do art. 408 do Cód. de Pr. Penal (não-ocorrência).

1. Havendo prova da existência do crime e indícios de autoria, a pronúncia – juízo de delibação – é medida que se impõe.

2. Compete ao júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida – juiz natural –, não se podendo dele subtrair o conhecimento dos crimes àqueles conexos.

3. No caso, garantir a competência do júri é zelar pelo devido processo legal, é, em outras palavras, assegurar o princípio constitucional da soberania dos veredictos.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(Resp nº 909.534/DF, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 10/5/2007, DJ 4/6/2007 p. 438)

De qualquer forma, parece-nos que o tema não está pacificado. Pessoalmente, entendemos que a competência original do Tribunal do Júri é para os crimes dolosos contra a vida, sendo os crimes conexos encaminhados por força atrativa da conexão. Portanto, se o Tribunal do Júri processará o crime doloso contra a vida, também deverá processar o crime conexo. Caso as informações preliminares que sustentaram a denúncia não se confirmem em juízo, o réu possui o direito de receber uma sentença com força de coisa julgada material; assim, caberá ao Promotor de Justiça requerer a absolvição em plenário pelo crime conexo. Entender de outra forma permitirá a bizarra situação de uma pessoa ser denunciada, processada e posteriormente impronunciada pelo crime conexo e ainda ficar com a "espada de Themis sob o pescoço", podendo ser novamente processada caso surjam novas provas, violando o princípio do ne bis in idem, pois, se fosse denunciada originalmente parente um juízo comum, sem a conexão, ao final do processo seria absolvida por insuficiência de provas com os efeitos de coisa julgada imutável. E, pior, seria o acusado processado apenas pelo crime conexo perante o Tribunal do Júri.

Um dos efeitos da pronúncia é a interrupção da prescrição. Conforme a Súmula nº 191 do STJ, esse efeito ocorre mesmo que o Tribunal do Júri venha posteriormente desclassificar o crime em plenário. Todavia, a pronúncia não gera efeitos no cível relativamente à obrigação de reparar o prejuízo, que apenas ficará acertada com a sentença condenatória definitiva.

O § 1º do art. 413 determina:

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

A nova redação do dispositivo explicita entendimento doutrinário e jurisprudencial já consolidado sobre o chamado "excesso de fundamentação". Significa que a fundamentação da decisão de pronúncia deve limitar-se aos seus requisitos, relativos à existência de prova indiciária suficiente para a admissibilidade da acusação, sem afirmar a certeza sobre a prática do crime. Essa situação de excesso de fundamentação é causa de nulidade da pronúncia, pois a decisão do juiz não deve influenciar o ânimo dos jurados. Não deve o juiz afirmar: "está comprovado que efetivamente o réu praticou o fato narrado na denúncia", ou "não dúvidas sobre a autoria". Contudo, a pronúncia deve afirmar que existem provas suficientes a sustentar a acusação inicial, fundamentando de forma concreta, e esclarecendo que a definição final, se o fato ocorreu ou não, não é de competência do juiz singular, mas dos jurados. A ausência de fundamentação sobre esses requisitos mínimos da pronúncia é causa de nulidade por violação ao princípio constitucional da motivação das decisões judiciais. Portanto, o juiz não pode afirmar a certeza nem pode deixar de fundamentar; deve motivar a presença de indícios concretos produzidos em juízo que dão respaldo à acusação (nem mais nem menos).

Apenas podem constar da pronúncia os fatos que foram objeto da acusação na denúncia, sob pena de ferimento ao princípio da correlação. A pronúncia pode excluir fatos que estavam na denúncia, mas jamais acrescentá-los. Portanto, o juiz não pode incluir qualificadora não descrita (ainda que implicitamente descritos) na denúncia. Na legislação revogada, havia previsão no art. 408, § 4º, de uma espécie de mutatio libelli sem aditamento. A doutrina já criticava este dispositivo à luz do princípio acusatório positivado na Constituição, entendo-se que apenas seria possível a mutatio libelli prevista no art. 408, § 4º, se precedida do devido aditamento à denúncia, sob pena de o juiz estar inovando a acusação e saindo de sua posição de imparcialidade. Neste sentido, a Lei n. 11.689/08 revogou esta previsão de mutatio libelli sem aditamento no procedimento dos crimes dolosos contra a vida e a Lei n. 11.719/08 alterou a redação do art. 384 do CPP para abolir a mutatio libelli sem aditamento e estabelecer que ela deve sempre ser precedida de aditamento pelo Ministério Público. O novo art. 411, § 3º, prevê expressamente a possibilidade de aplicação do art. 384 ao final da instrução. A jurisprudência, antes da Lei n. 11.689/08, também admitia esta possibilidade [06].

A pronúncia não deve se manifestar sobre atenuantes ou causas de diminuição da pena, conforme determina o art. 7º da Lei de Introdução ao CPP.

O art. 417 prevê uma mutatio libelli com aditamento em relação a outras pessoas não compreendidas na denúncia, situação que já existia no antigo art. 408, § 5º.

O antigo art. 408, § 1º, estabelecia a possibilidade de o juiz decretar a prisão quando da pronúncia. Os Tribunais Superiores já entendiam que essa prisão não era automática, mas deveria se fundamentar em uma das hipóteses de decretação da prisão preventiva. Agora, o art. 413, § 3º, estabelece expressamente que o juiz deverá decidir de forma fundamentada sobre a manutenção da prisão ou outra medida restritiva de liberdade, ou sobre sua decretação se o acusado está solto, fundamentando em uma das hipóteses da prisão preventiva. Entendemos que, no caso de réu que já estava preso, o juiz deverá obrigatoriamente reanalisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva ou em flagrante quando da decisão de pronúncia, por força da nova disposição legal expressa. Esta omissão poderá ensejar a ilegalidade da prisão.

Antes da reforma processual da Lei n. 11.689/08, a jurisprudência admitia que, quando da prolação da sentença de pronúncia, o juiz apenas fizesse remissão à fundamentação da prisão preventiva anteriormente decretada para justificar a prisão decorrente da pronúncia. Todavia, nessa situação, eventual vício na fundamentação da prisão preventiva contaminará a prisão decorrente da pronúncia [07].

Após proferir a decisão de pronúncia, o juiz deverá intimar as partes. Conforme o art. 414, as intimações do Ministério Público, do defensor nomeado e do acusado são pessoais, sendo a do Ministério Público com vista dos autos. As intimações do defensor constituído, do querelante e assistente da acusação são feitas por publicação no Diário da Justiça. Antes da reforma, o art. 414 estabelecia que, caso o réu não fosse localizado para citação pessoal de crime inafiançável, o processo ficaria paralisado até sua localização e intimação, situação então denominada de crise de instância. A crise de instância foi revogada pela Lei n. 11.719/08, pois o art. 420, parágrafo único, passa a prever que, caso o réu não seja localizado para intimação pessoal da decisão de pronúncia, será admissível sua intimação por edital

Contra a decisão de pronúncia cabe recurso em sentido estrito tanto pela defesa, para que se profira impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária, quanto pela acusação, para que se incluam qualificadoras retiradas pela pronúncia (na verdade, a impronúncia da qualificadora). O Ministério Público sempre possui legitimidade para recorrer em favor da defesa.

A princípio, há preclusão pro judicato com a decisão de pronúncia, não podendo os fatos ser alterados. Todavia, estabelece o art. 421, § 1º, que, ocorrendo circunstância superveniente à decisão de pronúncia que modifique a classificação do delito, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público. Apesar de não estar explícito, entendemos que deverá ocorrer aditamento à denúncia para incluir esse novo fato, nova oportunidade de defesa e prolação de nova decisão de pronúncia incluindo esse fato novo, aplicando-se por analogia o art. 384, com sua redação dada pela Lei n. 11.719/08. Exemplo: se vítima da tentativa de homicídio, que estava hospitalizada durante a instrução preliminar, morre após a pronúncia, é possível nova pronúncia por homicídio consumado. Nesta hipótese, o referido dispositivo condiciona a admissibilidade desta alteração em haver "circunstância superveniente", ou seja, estabelece que o surgimento de provas novas é essencial para a admissibilidade da alteração da pronúncia, não sendo cabível, por exemplo, inclusão de qualificadora cuja prova já constava dos autos durante a instrução preliminar.

c) Impronúncia

A impronúncia está prevista no art. 414 e ocorre quando não há provas suficientes do crime. Tradicionalmente, a doutrina tem classificado a impronúncia como uma decisão interlocutória mista terminativa, pois a mesma põe fim ao processo sem julgamento de mérito (sua decisão não faz coisa julgada material, pois há possibilidade de reabertura do processo com o surgimento de novas provas). Todavia, o novo art. 416 do CPP a classifica como uma sentença.

A impronúncia corresponde a uma absolvição de instância, que encerra o processo (coisa julgada formal) sem pôr um fim definitivo à pretensão punitiva (não possui efeito de coisa julgada material). Assim, prevê o parágrafo único do art. 414 que "enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova". Nessa situação, o surgimento de prova nova é uma condição de procedibilidade específica para a nova ação penal. A redação antiga exigia "novas provas", no plural, todavia entendemos que não houve alteração significativa (uma prova nova já seria suficiente). Os efeitos da impronúncia assemelham-se aos efeitos do arquivamento do inquérito policial. Tradicionalmente, este efeito da impronúncia tem sido justificado ao argumento de que a pronúncia é uma mera decisão de admissibilidade da acusação e o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri. Assim, não sendo pronunciado, o acusado não foi submetido ao risco de ser condenado, não havendo violação à double jeopardy clause (proibição de ser submetido duas vezes ao risco de condenação, ou, no sistema derivado do europeu continental, ne bis in idem). A gravidade dos crimes dolosos contra a vida também tem justificado esta possibilidade de nova denúncia.

Em nossa opinião, esse efeito não preclusivo da decisão de impronúncia é um resquício do sistema inquisitorial que vigia quando da promulgação do CPP pelo Estado Novo e que acabou sendo mantido após a edição da Lei n. 11.689/08. Vale lembrar que até 1871 era o delegado de polícia quem realizava a pronúncia, e a manutenção desse efeito ainda é um resquício deste período inquisitivo. O Estado Democrático de Direito, que preza pela segurança jurídica e pelo respeito aos direitos fundamentais, não deveria se conformar com decisões absolutórias sem efeito de coisa julgada material. Assim, se não havia elementos de informação preliminar aptos a justificar o recebimento da denúncia, esta deveria ser rejeitada; se havia elementos de informação preliminar aptos a justificar o recebimento da denúncia e a instauração de um processo criminal contra o réu, todavia estes não foram confirmados em juízo, deveria ser o caso de um julgamento antecipado da lide por insuficiência de provas, com a segurança da coisa julgada.

Em nosso entendimento, o parágrafo único do art. 414 deve ser considerado não compatível com o art. 8.4 do Pacto de San José da Costa Rica (Dec. nº 678/1992), que possui estatura constitucional por ser tratado internacional relativo a direitos fundamentais (CF/1988, art. 5º, § 3º), o qual positiva o princípio do ne bis in idem ao estabelecer: "o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos". A estrutura do procedimento do judicium accusationis é a mesma do rito ordinário, ou seja, o réu está sendo efetivamente processado e a insuficiência de provas é causa de absolvição no procedimento ordinário. Atualmente, a impronúncia é textualmente reconhecida como uma sentença (art. 416). Ainda que se use o artifício de denominar a decisão que reconhece a insuficiência de provas ao final de um processo como mera decisão interlocutória não absolutória parece-nos que tal é um subterfúgio para negar vigência ao referido art. 8.4 do Pacto. Registre-se que esse entendimento não é majoritário. Segundo o entendimento majoritário, é legitima a possibilidade de o réu ser novamente processado após a impronúncia se surgir prova nova.

Na hipótese de atipicidade, caso esteja claramente provado que não houve dolo de matar (animus necandi) ou que o autor com certeza não foi o autor da infração, ou ainda que o fato não existiu, não será caso de impronúncia, mas sim de absolvição sumária, conforme a nova redação do art. 415, III. Antigamente, esta hipótese ensejava impronúncia, o que acabava sendo injusto, pois impedia a formação da coisa julgada material. Obviamente, no caso de ausência de dolo de matar, mas presença de outro tipo de dolo (v.g., de lesionar), não será caso de absolvição sumária, mas sim de desclassificação.

Questão intrincada é a de surgirem novas provas da inocência cabal do acusado após a decisão de impronúncia. Nesta situação, entendemos que deve ser admissível o ajuizamento de revisão criminal ou mesmo de ação declaratória (por analogia ao art. 4º do CPC) para que se gerem os efeitos da coisa julgada material, da mesma forma que o seria com a sentença de absolvição sumária.

Contra a decisão de impronúncia cabe recurso de apelação, conforme art. 416. Antes da reforma, esta era hipótese de cabimento de recurso em sentido estrito pela acusação (neste sentido, a Lei n. 11.689/08 alterou a redação do art. 581, IV, para excluir a hipótese de impronúncia).

A doutrina denomina despronúncia a situação na qual o réu é pronunciado pelo juiz, a defesa interpõe recurso em sentido estrito para retirar a pronúncia e, posteriormente, o juiz se retrata da decisão ou o Tribunal dá provimento ao recurso para retirar a pronúncia.

Havendo crime conexo, caso o juiz singular impronuncie, desclassifique ou decida-se pela absolvição sumária quanto ao crime doloso contra a vida, não se manifestará quanto ao crime conexo, devendo remeter todo o processo ao juiz comum, que prosseguirá no julgamento do crime conexo (e, na hipótese de desclassificação, também do crime desclassificado), cf. art. 81, parágrafo único.

d) Absolvição sumária

A absolvição sumária é uma verdadeira sentença de mérito. Trata-se de uma hipótese de julgamento antecipado da lide, na qual antes do término do procedimento em seu rito completo há o encerramento do processo com decisão de mérito, com força de coisa julgada material.

A sentença de absolvição sumária está disciplinada no art. 415, que estabelece:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

É necessário que a prova seja incontroversa, irrebatível, à sombra de qualquer dúvida. Havendo indícios da autoria e materialidade e possível tese defensiva de excludente da ilicitude ou culpabilidade não cabalmente comprovada, deverá o juiz pronunciar o réu para que o Tribunal do Júri, juiz natural da causa, examine a questão, em respeito à competência constitucional do Tribunal do Júri.

Na legislação revogada era cabível absolvição sumária apenas nas hipóteses de prova incontroversa de excludente da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa, coação moral irresistível, obediência hierárquica, inimputabilidade).

Atualmente, as hipóteses de prova da inexistênca do fato, prova da ausência da participação e atipicidade também ensejam a absolvição sumária, conforme o art. 415, I, II e III. A situação de ausência de dolo (animus necandi) também é hipótese de atipicidade e, portanto, deve ensejar absolvição sumária.

Por se tratar de norma que afeta o direito material de punir do Estado (possibilidade ou não de o acusado ser novamente processado por um crime), que é mais benéfica, entendemos que esta disposição deve retroagir, cf. CF/88, art. 5º, inciso LX e CP, art. 2º, parágrafo único. Assim, as impronúncias proferidas antes da vigência da Lei n. 11.689/08 com argumento de prova cabal de inexistência do fato, prova cabal de o autor não ter sido seu partícipe, ou reconhecimento cabal de atipicidade, deverão produzir os mesmos efeitos da atual absolvição sumária, ou seja, impedirão a nova propositura da ação penal. Obviamente, as antigas impronúncias fundadas da insuficiência de provas ainda permitirão novo oferecimento de denúncia, segundo permite a lei antiga e atual.

A situação de inimputabilidade prevista no art. 26 do CP (incapacidade total decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado) gerará a denominada absolvição imprópria, prevista nos art. 96 a 99 do CP, ou seja, o juiz absolverá o acusado, mas imporá medida de segurança, consistente em internação psiquiátrica ou tratamento ambulatorial. Segundo determina o parágrafo único do art. 415, o juiz apenas poderá proferir a absolvição imprópria (com medida de segurança) na fase da absolvição sumária caso não haja nenhuma outra tese defensiva mais favorável ao acusado. Assim, caso o acusado tenha uma tese de negativa de autoria ou legítima defesa, em relação às quais não existe prova cabal e sim mera possibilidade, e, subsidiariamente, também tenha a tese de inimputabilidade com laudo conclusivo em incidente de insanidade mental, deverá o juiz pronunciar o acusado e submetê-lo ao julgamento plenário do Tribunal do Júri. A disposição se justifica porque a absolvição própria (pelo reconhecimento da inexistência do fato, ausência de prova da autoria ou participação, atipicidade, excludente da ilicitude ou outra excludente da culpabilidade, situações nas quais não há imposição de medida de segurança) é mais benéfica que a absolvição imprópria, que impõe medida de segurança. Caso a inimputabilidade seja a única tese defensiva, poderá o juiz apreciá-la na absolvição sumária. Obviamente, caso juntamente com a tese de inimputabilidade haja outras teses defensivas, previstas nos incisos do art. 415, que já estejam cabalmente comprovadas, poderá o juiz acatá-las em sede de absolvição sumária, pois as mesmas têm preferência sobre a tese da inimputabilidade.

Antes da reforma de 2008 havia previsão de recurso de ofício após a decisão de absolvição sumária. A doutrina já criticava veementemente o instituto do recurso de ofício, entendendo-o com resquício de regimes totalitários nos quais a liberdade é uma exceção e, portanto, deveria haver instrumentos processuais de revisão da concessão de liberdade. Muitos defendiam que este instituto já estava não-recepcionado pela CF/88, art. 129, I, que instituiu o sistema acusatório, bem como ofenderia a estrutura garantista da Constituição. A Lei n. 11.689/08 revogou o instituto do recurso de ofício na hipótese de absolvição sumária. Considerando que o recurso de ofício não é propriamente um recurso, já que não é voluntário, mas uma condição de eficácia da decisão, entendemos que a nova lei aplica-se imediatamente, ou seja, os recursos de ofício que estão pendentes de julgamento nos Tribunais deverão ser julgados prejudicados, pois as atuais absolvições sumárias não mais necessitam serem reconfirmadas pela instância superior. Apesar de esta alteração decorrer de uma norma processual, de aplicação imediata sem consideração de sua benignidade, vale lembrar que a alteração é mais benéfica ao réu.

Antigamente, era cabível recurso em sentido estrito contra a decisão de absolvição sumária. Lei n. 11.689/08 revogou o inciso VI do art. 581 e estabeleceu, em seu art. 416, que caberá apelação contra a sentença de absolvição sumária.

Na legislação revogada, entendia-se que o assistente da acusação não possuía legitimidade para interpor RESE contra sentença de absolvição sumária, à luz do art. 271 c/c art. 584, § 1º, c/c art. 598. Atualmente, como será cabível apelação, o assistente da acusação passará a ter legitimidade recursal para impugnar a absolvição sumária, cf. art. 598.

e) Desclassificação

A desclassificação está prevista no art. 419 e ocorre quando, ao final do judicium accusationis, o juiz entender que não há prova de crime doloso contra a vida, mas de outro crime de competência do juiz comum. Trata-se de uma decisão interlocutória mista não terminativa. Nessa situação, deverá o juiz remeter os autos ao juízo comum para que prossiga no julgamento.

Estabelece o art. 411, § 3º, que "encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código", que trata da mutatio libelli, agora obrigatoriamente com aditamento à denúncia pelo Ministério Público.

A antiga redação do art. 410, que tratava da desclassificação, estabelecia que, no juízo comum o processo prosseguiria com abertura de prazo para a defesa indicar novas testemunhas, diligências complementares pelas partes (antigo art. 499), alegações finais e sentença. Desta forma, previa-se que os atos processuais de instrução probatória praticados perante o juiz do judicium accusationis permaneciam válidos. Apesar de a nova redação dada pela Lei n. 11.689/08 não regulamentar como será o procedimento perante o juízo comum, entendemos que esta situação de desclassificação é necessariamente uma hipótese de mutatio libelli, devendo ser aplicado por analogia o disposto no art. 411, § 3º, c/c art. 384 do CPP, em respeito ao princípio da correlação e da inércia, havendo aditamento obrigatório, produção de novas provas, debates orais e nova sentença. Mesmo sem previsão expressa, entendemos que as provas produzidas perante o juiz do judicium accusationis podem ser utilizadas para respaldar a decisão condenatória no juízo comum, não havendo que se falar em violação ao princípio do juiz natural pois, naquele momento processual, aquele juiz era competente para apreciar a acusação.

No juízo comum, a classificação anterior do crime doloso contra a vida não pode ser restaurada, pois ocorreu a preclusão da questão. Assim, não cabe conflito de competência para rediscutir o tema.

Denomina-se desclassificação imprópria quando o juiz altera a capitulação para outro crime também de competência do Tribunal do Júri. Exemplo: desclassificação de homicídio para infanticídio.

A decisão que desclassifica a conduta está, indiretamente, afirmando que o Tribunal do Júri é incompetente para apreciar aquele fato delituoso. Portanto, o recurso contra a decisão de desclassificação é o recurso em sentido estrito, cf. art. 581, II.

Deve-se registrar que, caso a desclassificação ocorra na fase do julgamento plenário (ao final do judicium causae), o juiz presidente deverá sentenciar o crime desclassificado, cf. art. 74, § 3º, c/c art. 492, § 1º.

1.Procedimento – judicium causae

a) Preparação do processo para julgamento em Plenário

Havendo o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, sendo os autos encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri (caso já não seja o mesmo juiz competente para o judicium accusationis), este intimará Ministério Público ou querelante e o defensor para arrolarem as testemunhas que deseja serem ouvidas em plenário, podendo juntar documentos e requerer diligências.

Antes da Lei n. 11.689/08, as partes eram intimadas nesta fase para juntarem em cinco dias o libelo e a contrariedade ao libelo. Entendia-se que o libelo era a peça de acusação para a segunda fase do julgamento, pois era do libelo que o acusado iria se defender no julgamento plenário do Tribunal do Júri. Portanto, antigamente entendia-se que deveria haver uma correlação progressiva no procedimento do júri entre pronúncia e denúncia, entre libelo e pronúncia e entre questionário e o libelo. Com a abolição do libelo, a correlação permanece sendo entre pronúncia e denúncia, e entre questionário e pronúncia.

Entendemos que não há qualquer violação ao princípio da correlação ou da inércia com a supressão do libelo. Trata-se, ao contrário, de uma reforma louvável, pois o libelo era efetivamente uma peça desnecessária e repetitiva, pois não poderia acrescentar em nada o que havia sido decidido na pronúncia. Apenas facilitava a acusação no momento de fiscalizar seus quesitos quando da elaboração do questionário em plenário.

Doravante, o acusado não se defenderá em Plenário do libelo, mas se defenderá diretamente da denúncia, nos limites que foi admitida pela pronúncia. Na verdade, o acusado não se defende da pronúncia, pois o magistrado não pode formular imputação ao réu, apenas admitir a imputação feita pela acusação na denúncia.

Nesta fase há oportunidade de acusação e defesa juntarem documentos, requererem diligências e arrolarem testemunhas a serem ouvidas em plenário, até o máximo de cinco testemunhas.

O antigo art. 419 previa a figura do promotor ad hoc. Caso o promotor de justiça não apresentasse libelo no prazo legal por duas vezes, poderia o juiz nomear um advogado para atuar como um órgão ministerial. Entendia-se que este dispositivo já teria sido não recepcionado pela CF/88, art. 129, § 2º, que estabelece que as funções institucionais do Ministério Público apenas podem ser exercidas por integrantes da carreira. Agora, o dispositivo está formalmente revogado.

Não há previsão de intervenção do assistente da acusação nesta fase, para arrolar testemunhas a serem ouvidas em plenário.

Ao arrolar a testemunha, a parte deve esclarecer se o faz com a cláusula de imprescindibilidade e se requer sua intimação por mandado (ou se responsabiliza pelo comparecimento da testemunha independentemente de intimação). Caso a parte arrole a testemunha com a cláusula de imprescindibilidade, requeira sua intimação por mandado e esta, devidamente intimada, não compareça à sessão de julgamento plenário, o juiz poderá determinar a condução coercitiva da testemunha ou deverá adiar o julgamento plenário (art. 461, caput e § 1º). Caso a testemunha não seja encontrada no endereço declinado ou não tenha sido arrolada com imprescindibilidade, sua ausência não adiará o julgamento plenário.

Dentre as diligências que a acusação pode requerer nesta fase está a realização de reconhecimento pessoal do réu em plenário. Atualmente, a presença pessoal do réu à sessão plenária não é mais obrigatória. Assim, caso a acusação entenda relevante que o réu esteja presente ao plenário para ser submetido a reconhecimento pessoal, deverá requerer ao juízo que o réu esteja obrigatoriamente presente (se preso) ou sua condução coercitiva, se solto (ver comentários abaixo).

A ausência de manifestação da defesa nesta fase processual não gera nulidade, pois se presume tão somente que não esta não possui testemunhas a arrolar nem documentos a juntar ou diligências a requerer.

Caso uma das partes junte qualquer documento, a parte contrária deve ser intimada em respeito ao princípio do contraditório. Esta necessidade de intimação do documento juntado pela parte contrária, para possibilitar sua utilização em plenário, vem agora prevista expressamente no art. 479. Caso a parte não junte documento nesta fase, poderá juntá-los posteriormente, desde que a parte contrária seja intimada com antecedência mínima de três dias.

Após a manifestação das partes nesta fase, há o despacho saneador, no qual o juiz analisará se há qualquer nulidade que necessite ser sanada, fará relatório sucinto do processo e designará data para o julgamento plenário (art. 423). Após, as partes devem ser intimadas da sessão de julgamento (art. 431).

Para designação de data para julgamento, o art. 429 estabelece a prioridade de marcação entre os diversos processos. Conferir:

Art. 429. Salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos julgamentos, terão preferência:

I – os acusados presos;

II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão;

III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.

b) Desaforamento

Os artigos 427 e 428 prevêem a figura do desaforamento. Conferir:

Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

§§ 1º a 4º - omissis

Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

§§ 1º e 2º - omissis

O desaforamento pode ocorrer por questões de segurança, ausência de imparcialidade do júri local ou demora na realização do julgamento plenário. Nessa situação, o processo será encaminhado para a comarca mais próxima na qual haja condições de se realizar o julgamento.

O desaforamento é medida excepcional e a mera comoção social inerente à prática de um homicídio não justifica o desaforamento [08]. Da mesma forma, a circunstância de o réu ser político conhecido, ou ainda que o julgamento tenha ampla cobertura jornalística, não justificam o desaforamento [09]. Por outro lado, é cabível o desaforamento quando a família do réu possui significativa influência no local do crime [10]. Da mesma forma, também cabe desaforamento quando o réu possui poder de "intimidação inigualável" na comarca e regiões vizinhas [11].

Apesar de a redação do art. 427 induzir à conclusão de que o procedimento do desaforamento é mero requerimento ao Tribunal de Justiça seguido de decisão, o STF entende que, em respeito ao contraditório, o Tribunal deve intimar a defesa para que se manifeste sobre o pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público, para, então, proferir a decisão (Súmula nº 712). Ademais, o art. 427, § 3º, também impõe a oitiva do juiz presidente do Tribunal do Júri quando ele mesmo não houver requerido a medida.

Nas hipóteses de desaforamento do art. 427 (ausência de imparcialidade dos jurados e ausência de segurança ao réu), não será cabível o pedido de desaforamento na pendência de recurso contra a pronúncia. Também não cabe se o julgamento já foi realizado, salvo se este for anulado e os fatos que justificam o pedido ocorrerem durante ou após o julgamento.

Na hipótese de excesso de prazo, não se contam eventuais adiamentos decorrentes de atos praticados pela defesa. Também há previsão de que, caso não exista nenhum excesso de serviço que justifique a demora na designação de julgamento plenário, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento (art. 428, § 2º). Não se trata propriamente de desaforamento, mas de "requerimento de designação imediata de julgamento plenário", uma nova classe de incidente processual a ser julgado pelos Tribunais de Justiça e TRFs. Seria um desaforamento às avessas.

Apesar de o dispositivo prever a admissibilidade deste incidente processual de designação imediata de julgamento apenas para a defesa, entendemos que o mesmo também é admissível em favor da acusação. É que o direito à duração do processo em prazo razoável, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88 é de titularidade tanto do acusado quanto da sociedade em geral. Portanto, as mesmas razões que podem justificar o cabimento deste incidente em favor da defesa também o justificam em favor da acusação. Especificamente quanto ao Ministério Público, sua função de fiscal da ordem jurídica (CF/88, art. 127, caput) impõe-lhe a função de fiscalizar se o Poder Judiciário está fornecendo a prestação jurisdicional em prazo razoável, bem como de fiscalizar os interesses da própria defesa.

c) O processo de seleção dos jurados

A legislação revogada previa que a idade mínima para ser jurado era de 21 anos (art. 434), e a doutrina entendia que esta disposição não havia sido tacitamente revogada com o advendo o Código Civil de 2002, que reduziu a maioridade para 18 anos, pois ainda seria possível uma eficácia residual no dispositivo em relação a uma exigência de maior experiência de vida para ser jurado. Todavia, com a nova legislação, podem ser jurados os cidadãos maiores de 18 anos de notória idoneidade (art. 436).

O trabalho como jurado é um múnus público, não podendo o cidadão recusar-se injustificadamente, sob pena de pagamento de multa (art. 436, § 2º e art. 442). Esta multa é uma infração administrativa (não criminal) cuja imposição é competência do juiz presidente do Tribunal do Júri. Apesar de não haver disposição, entendemos que deve haver possibilidade de contraditório e ampla defesa sobre a aplicação desta multa, em respeito aos princípios constitucionais respectivos. Esta multa poderá ser eventualmente impugnada mediante mandado de segurança ou ação ordinária, se ilegalmente aplicada.

Na legislação revogada, os maiores de 60 anos eram automaticamente isentos de participar. Agora, a idade foi elevada para 70 anos e exige-se requerimento da parte para sua dispensa (art. 437, IX).

O art. 438 estabelece que caso o cidadão se recuse a servir como jurado sob o argumento de convicção religiosa, deverá prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos. A fixação deste serviço alternativo será feita pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, atento ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Por ser uma restrição de direitos, obrigatoriamente deve haver contraditório e ampla defesa neste procedimento. Entendemos que o eventual serviço que o juiz impuser não poderá ser superior ao serviço que o cidadão iria eventualmente prestar como jurado.

Os artigos 439 e 440 estabelecem prerrogativas para o cidadão que efetivamente exerceu a função de jurado (assim entendido o jurado que foi sorteado para compor o Conselho de Sentença ao menos uma vez). Nesta situação, o jurado possui direito a prisão especial, preferência em licitações, concursos públicos, ou promoção funcional ou remoção voluntária. Esta preferência é apenas na hipótese de desempate na última colocação, sob pena de ferir outros princípios constitucionais, como o da moralidade.

O jurado é um juiz de fato e, como tal, pode responder por crimes qualificados pela condição de funcionário público.

Anualmente o juiz presidente do Tribunal do Júri elabora a lista geral de jurados, observando a quantidade de jurados prevista no art. 425. Para elaborar este lista, o juiz presidente deverá requisitar às organizações da sociedade civil e órgãos públicos a indicação de pessoas, conforme § 2º do art. 425.

Esta lista será publicada até o dia 10 de outubro e terá validade para o próximo ano. Os jurados que tiverem integrado o Conselho de Sentença nos 12 meses que antecederem à publicação da lista geral dela ficarão excluídos (art. 426, § 4º). Com esta medida, procura-se afastar o chamado "jurado profissional", que habitualmente compõe a lista geral de jurados e pode vir a participar reiteradamente de julgamentos. A cada ano a lista geral de jurados deve ser refeita, completando-se os jurados excluídos por terem participado do Conselho de Sentença por novos jurados.

Periodicamente, o juiz elaborará a pauta de julgamentos. Após, o juiz realizará o sorteio dos jurados que atuarão na sessão periódica do júri. Para este sorteio devem ser previamente intimados o Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública, para, se quiserem, estarem presentes e fiscalizarem a lisura do procedimento. A sessão periódica do júri é um período de tempo, designado pela Lei de Organização Judiciária, no qual o grupo de 25 jurados sorteados terão competência para julgar os processos previamente incluídos na pauta. Na legislação revogada (art. 426), previa-se que, no Distrito Federal, a sessão periódica do Tribunal do Júri teria duração mensal, ou seja, os jurados seriam sorteados para participarem de todos os julgamentos que ocorressem durante o mês seguinte. O sorteio deve ser realizado entre o 15º e o 10º dia útil antecedente à instalação da reunião (art. 433, § 1º).

Na legislação revogada, havia regra no art. 428 pela qual este sorteio deveria ser realizado por um menor de 18 anos. Esta regra foi abolida, sendo agora atribuição do juiz presidente sortear o nome dos jurados que atuação na sessão periódica (art. 433, caput).

Após o sorteio dos jurados, estes serão comunicados de sua convocação (art. 434).

Sobre o autor
Thiago André Pierobom de Ávila

Promotor de Justiça do MPDFT, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Professor de Direito Processual Penal da FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom. O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1873, 17 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11596. Acesso em: 22 nov. 2024.

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