4. Dos efeitos da sentença que reconhece a inconstitucionalidade de decisão transitada em julgado
Especificamente a respeito do efeito produzido pela sentença inconstitucional transitada em julgado, destaca-se que a doutrina e jurisprudência têm consagrado que o vício da inconstitucionalidade gera invalidade do ato público e, conseqüentemente, a sentença dotada de conteúdo inconstitucional será nula de pleno direito, podendo, assim, ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável o vício nela contido.
A respeito do assunto, destacam-se os ensinamentos de Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro:
A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte pode "a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução" (STJ, Resp 7.556/RO, 3 T., Re. Ministro Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/439) [23].
Todo e qualquer ato contrário à Constituição é nulo desde o seu nascedouro. Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a inconstitucionalidade de lei tem caráter meramente declaratório de um vício que sempre existiu. O ato judicial não revoga a lei, mas tão-somente reconhece a existência de um vício preexistente, razão pela qual, em regra, a decisão produz efeito ex tunc, retroagindo desde o nascimento da lei impugnada.
De acordo com Alexandre de Moraes, a decisão que declara a coisa julgada inconstitucional tem estreita ligação com a idéia de controle de constitucionalidade, que, por sua vez, está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, bem como à rigidez e proteção dos direitos fundamentais [24].
Tendo em vista essa relação existente, pode-se dizer que o efeito da declaração de inconstitucionalidade de decisão judicial transitada em julgado, em regra, é ex tunc, seguindo a mesma regra da ação direta de inconstitucionalidade, prevista no artigo 27 da Lei n° 9.868/99.
Entretanto, admite-se em casos excepcionais conferir efeito ex nunc à declaração de coisa julgada inconstitucional por meio de ação declaratória autônoma, desde que devidamente justificados os motivos para proceder dessa maneira, tendo por fundamento a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão em sede de controle abstrato de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal.
Desse modo, observa-se a aproximação entre as duas espécies de controle de constitucionalidade (difuso e concentrado) feito pelo órgão máximo constitucional, sempre tendo em mente a importância de se preservar o ato público, seja ele judicial ou legislativo, o mais próximo da Constituição.
5. Conclusão
O presente estudo teve por escopo aprofundar a questão afeta à chamada coisa julgada inconstitucional ou sentença inconstitucional transitada em julgado (assim tida como a melhor nomenclatura), uma vez que, ao ser proferido, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, decisão declaratória de inconstitucionalidade ou confirmatória de constitucionalidade de uma lei, seja em controle abstrato ou concreto, toda e qualquer decisão que tenha produzido coisa julgada de forma contrária à posição firmada pela Corte, poderá ser desconsiderada por meio de instrumentos autônomos de impugnação, quais sejam, ação rescisória, querela nullitatis, impugnação ao cumprimento de sentença ou embargos à execução contra a Fazenda Pública.
Na atualidade, não mais se fala em formulação de norma jurídica individualizada, ou seja, não basta que o juiz aplique a lei (norma geral e abstrata) ao caso concreto; exige-se, em virtude do pós-positivismo e, por conseqüência, do atual Estado Constitucional, uma postura mais ativa do julgador, a fim de encontrar no caso concreto uma solução que esteja em maior conformidade com as disposições e princípios constitucionais e direitos fundamentais.
Cabe à Corte Suprema a interpretação final em matéria constitucional, devendo suas decisões serem respeitadas e aplicadas de modo uniforme na prestação jurisdicional, pondo fim à intangibilidade da coisa julgada. Assim, a posição da doutrina tradicional de conferir um caráter absoluto à coisa julgada, que coloca a revisão de julgados eivados de vícios de inconstitucionalidade como inatingível, não pode ser adotada no estágio atual de evolução do Direito Processual Brasileiro, que prestigia o reconhecimento da força normativa da Constituição.
Conclui-se, portanto, que a relativização da decisão judicial inconstitucional transitada em julgado, seja ela produzida em sede de controle abstrato ou concreto de constitucionalidade, é a melhor forma de prestigiar a unidade e a supremacia constitucional, conferindo um aspecto mais amplo à própria noção de segurança jurídica.
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Notas
- LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Forense, 3ª ed., 1984, p. 54 Apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume I, 16ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 483-484.
- DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Processo Civil, volume 02, Rio de Janeiro: Podivm, 2007, p. 478.
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- Op. cit., p. 62.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume I, 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 494.
- DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 03, Salvador: Podivm, 2007, p. 249.
- Op. cit., p. 276.
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