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Pluritributação internacional e elementos de conexão no Direito Tributário

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Agenda 27/08/2008 às 00:00

Iv-convenções contra a bitributação internacional e problemas de qualificação em sua aplicação

O problema da pluritributação ocorre porque os países podem adotar estruturas diversas no que concerne à tributação de rendimentos. A princípio, podem os estados adotarem duas estruturas de tributação: a baseada no princípio da universalidade – pelo critério da nacionalidade ou da residência – e a baseada no princípio da territorialidade – pelo critério da fonte [31].

Países que possuem um evoluído sistema de tributação com elementos de conexão de natureza pessoal, adotam o princípio da universalidade, tributando todos os rendimentos dos sujeitos que possuam uma relação de natureza pessoal com este país, seja por nacionalidade, seja por residência, independentemente do local onde foram realizados ou produzidos tais rendimentos.

Neste sentido, uma empresa multinacional que esteja sediada num país que adote este sistema de tributação terá, provavelmente, tributados os rendimentos produzidos em outros países por suas filiais. Também serão tributados os rendimentos auferidos por uma filial de uma empresa multinacional estabelecida num país que adote este princípio, porquanto a legislação interna conceitua como residente ou como nacional aquela empresa que possua um estabelecimento permanente em seu território.

De modo diverso, países que adotam um sistema de tributação voltado para os elementos de natureza objetiva, adotam o princípio da territorialidade, tributando os rendimentos produzidos no território deste Estado e privilegiando a fonte do rendimento exclusivamente interna.

Dessa forma, uma empresa multinacional que tenha filial neste país terá tributado os seus rendimentos produzidos por este estabelecimento.

Além deste quadro apresentado, divergências de interpretação de dispositivos dos acordos de bitributação ou de qualificação [32] de rendimentos ou pessoas por parte dos Estados que celebram tais convenções, são outra causa do problema da pluritributação.

Os elementos de conexão têm um papel fundamental dentro das convenções celebradas com o intuito de minimizar a pluritributação internacional, qual seja, o de localizar o direito aplicável à uma determinação situação, vale dizer, identificar o vínculo de um fato qualquer a determinado sistema jurídico.

Embora possam ser de distintas características, como foi visto, no Direito Internacional Privado brasileiro são utilizados o domicílio, a nacionalidade, o território, o foro, etc. como elementos de conexão para a determinação da lei aplicável.

Apesar de as normas de conflito precisarem de elementos de conexão, tanto no Direito Internacional Privado, quanto no Direito Tributário Internacional, há que se ressaltar uma distinção em relação ao sentido do instituto nos dois ramos do Direito. Por esse motivo é que se encontram distintas definições para a expressão elemento de conexão.

No âmbito do Direito Internacional Privado, o elemento de conexão é visto como uma expressão legal de conteúdo variável, de efeito indicativo, que possibilita a determinação do direito que deve tutelar a relação jurídica em questão.

No plano do Direito Tributário Internacional, como foi visto [33], o elemento de conexão é o elemento de previsão normativa que, determinando a "localização" de uma situação da vida num certo ordenamento tributário, tem como efeito típico determinar o âmbito de aplicação das leis desse ordenamento a essa mesma situação.

Assim, para o Direito Internacional Privado, o elemento de conexão tem por função de indicar a legislação aplicável, dentre aquelas possíveis, para a situação que se apresenta, enquanto que, para o Direito Tributário Internacional, o elemento de conexão ë utilizado para determinar o âmbito de aplicação da legislação de apenas um Estado.

Dessa maneira, no âmbito do Direito Tributário, é possível definir, de modo sintético, elemento de conexão como sendo uma situação, um fato ou um evento previsto em lei que vincula determinado fato gerador de obrigação tributária ao ordenamento jurídico de um Estado.

Os acordos internacionais para evitar a bitributação, comumente denominados Tratados de Dupla Tributação - TDT, nomenclatura esta derivada da expressão anglo-saxônica Double Treatment Taxation – DTT, são convenções bilaterais celebradas por, ao menos, dois Estados dotados de soberania tributária, que têm por finalidade a eliminação ou, pelo menos, a redução, dos efeitos do danoso e relativamente comum fenômeno da bitributação da renda e do patrimônio.

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Estas convenções têm como conteúdo normas de determinação da competência tributária em relação aos rendimentos nelas referidos, atribuindo-a ora a um, ora a outro, ou até a ambos os Estados contratantes, neste caso havendo compensação do imposto pago no outro Estado contratante. O objeto destas convenções é a resolução de conflitos fiscais no âmbito internacional.

Diferentemente do Direito Internacional Privado, porém, mencionados conflitos não consistem em decidir entre as várias ordens jurídicas. As normas de conflitos do Direito Tributário Internacional regulam a questão de um Estado poder impor tributos, cabendo exclusivamente ao direito interno do Estado resolver como será exercido o direito de tributação assim atribuído.

As normas de conflitos das convenções tributárias internacionais são, pois, dispositivos mediante os quais dois Estados atribuem a competência tributária sobre determinado bem a um dos Estados, a fim de evitar a bitributação. Não são, pois, normas de conflitos, propriamente ditos, mas sim normas de delimitação e atribuição de competência tributária [34][35].

Assim, no campo do Direito Internacional Privado, o problema das qualificações diz respeito aos elementos de conexão, ou seja, os elementos estrangeiros vinculados a duas ou mais legislações, de soberanias distintas, em conflito [36].

Já no plano do Direito Internacional Privado brasileiro se utilizam o território, a nacionalidade, o domicílio, a obrigação, a vontade individual, o foro, etc. como elementos de conexão para determinar a lei aplicável [37].

No Direito Tributário Internacional, por sua vez, a expressão "elemento de conexão" refere-se a determinado evento, ao qual a norma de conflitos vincula a atribuição da competência tributária. Os principais elementos de conexão utilizados nas convenções contra a bitributação internacional são: domicílio e residência, sede e direção, estabelecimento permanente, situação do bem, fonte do rendimento, país de origem ou do destino, e, raramente, a nacionalidade [38].

Pelo que foi exposto, observa-se a importância da correta qualificação dos rendimentos auferidos por residente e domiciliado no exterior para sua devida subsunção às normas de atribuição de competência fiscal, constantes das convenções internacionais para evitar a bitributação internacional. Qualificações errôneas podem levar à pluritributação, em flagrante desrespeito à finalidade das convenções internacionais, as quais são hierarquicamente superiores à legislação interna brasileira, nos termos do artigo 98 da Lei n.º 5.172 – Código Tributário Nacional [39][40].


V-conclusão

Como foi dito, o tema da pluritributação internacional tem adquirido considerável importância nos últimos anos, sobretudo pela intensificação, em extensão e em profundidade, das estruturas inerentes à globalização econômica.

O fenômeno da pluritributação internacional, eminentemente jurídico, ainda que apresente substantivas repercussões sociais, econômicas e políticas, resulta das relações que ultrapassam as fronteiras de Estado, em conjugação com critérios diferentes de delimitação da competência tributária internacional, ou com o mesmo critério, se definido, em cada Estado, de maneira diferente. Toca, portanto, nos importante planos da soberania estatal e da soberania fiscal.

Insere-se, ainda, no plano em que se interpenetram Direito Interno e Direito Internacional (Direito Tributário Nacional, Direito Tributário Internacional e Direito Internacional Privado).

É nuclear, no tema em análise, o conceito de elemento de conexão, entendido como uma situação, um fato ou um evento previsto em lei que vincula determinado fato gerador de obrigação tributária ao ordenamento jurídico de um Estado.

Destacam-se, neste contexto, as características e as classificações dos elementos de conexão, que servem como fundamento para a correta, e necessária, interpretação e aplicação dos instrumentos destinados a minimizar os efeitos do fenômeno em tela, sejam eles unilaterais, como os critérios de conexão, sejam eles bilaterais, como as convenções internacionais – TDT – para evitar a bitributação, sejam eles multilaterais, ainda que escassos e restritos.

Posto isso, faz-se necessário um adequado conhecimento a respeito do tema da pluritributação internacional, objeto do presente estudo, na medida em que tal fenômeno se apresenta como um importante obstáculo às relações internacionais, das mais variadas naturezas, uma vez que oneram excessivamente uma atividade exercida no âmbito internacional, implicando grave afronta aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tendo, ainda, conseqüências bastante perniciosas, como é o exemplo das condenáveis práticas da evasão e da sonegação fiscal, no plano internacional.


VI-BIBLIOGRAFIA

BELLAN, Daniel Vitor, O Instituto da Qualificação no Direito Tributário Internacional in Revista Dialética de Direito Tributário v. 120, São Paulo, 2002, pp. 43-59.

BORGES, Antônio de Moura, Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional, Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001, disponível on-line in http://jus.com.br/artigos/2088 [20/08/2008].

CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004.

HUCK, Hermes Marcelo, Evasão e elisão. Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário, São Paulo, Saraiva, 1997.

OCDE. Modelo de convenio de doble imposición sobre la renta y el patrimônio, Informe 1977 del Comité Fiscal. Madrid, Instituto de Estudios Fiscales, 1978.

ROTHMANN, Gerd Willi, Problemas de qualificação na aplicação das convenções contra a bitributação internacional in Revista Dialética de Direito Tributário v. 76, São Paulo, 2002, pp. 33-43.

SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto, Elisão e evasão fiscal, 2ª ed., São Paulo, Bushatsky, 1977.

SCHOUERI, Luís Eduardo, Planejamento fiscal através de acordos de bitributação, in Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, São Paulo, Max Limonad, 1998.

TORRES, Heleno Taveira, Pluritributação internacional sobre a renda das empresas, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001.

XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 5ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2002.

______________, Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária, São Paulo, Dialética, 1998.

______________, Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva, São Paulo, Dialética, 2001.


Notas

  1. Em precisa definição, a ser analisada adiante, Alberto Xavier assevera: "elemento de conexão é o elemento da previsão normativa que, determinando a ‘localização’ de uma situação da vida num certo ordenamento tributário, tem como efeito típico determinar o âmbito de aplicação das leis desse ordenamento a essa mesma situação" in A. XAVIER, Direito Tributário Internacional do Brasil, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 218.
  2. Nesse sentido, vale lançar olhos sobre o prefácio do Professor Eros Roberto Grau à obra do Professor Hermes Marcelo Huck, a qual se mostra de grande valor não só ao campo do Direito Econômico Internacional, mas também ao campo do Direito Tributário Internacional. H.M.HUCK, Evasão e Elisão. Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário, São Paulo, Saraiva, 1997.
  3. Acerca da expressão Direito Tributário Internacional, bem como de sua diferenciação didática em relação ao chamado Direito Internacional Tributário, trata, com notável acerto, o Professor Heleno Taveira Tôrres. H.T.TORRES, Pluritributação internacional sobre as rendas das empresas, 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, pp. 52-60.
  4. Definição apresentada por Alberto Xavier in A. XAVIER, op. cit., p. 218.
  5. Nesse sentido, A. XAVIER, op. cit., p. 218.
  6. Para um estudo mais aprofundado sobre o tema da evasão e da elisão fiscal internacional, ver H.M. HUCK, op. cit., e H.T.TORRES, op. cit. e A.XAVIER, op. cit..
  7. A.XAVIER, op. cit., pp. 218-219.
  8. A.XAVIER, op. cit., pp. 218-219.
  9. A.XAVIER, op. cit., pp. 218-219.
  10. Acerca do assunto, detalham, com destacado acerto, Alberto Xavier in A. XAVIER, op. cit., pp. 239-251 e Heleno Tôrres in H.T.TORRES, op. cit., pp. 118-169.
  11. A.XAVIER, op.cit., p. 245.
  12. Cf. A.XAVIER, op. cit., p. 247.
  13. Cf. A.XAVIER, op. cit., p. 245.
  14. Melhor tratamento será dado infra.
  15. A. XAVIER, op. cit., pp. 266-267, assevera que na determinação da residência de uma pessoa física deve ser realizado um conjunto de testes, ‘em ordem serial’, nos moldes do artigo 4º do Modelo OCDE.
  16. Cf. A.XAVIER, op. cit., p. 267.
  17. Cf. A.XAVIER, op. cit., p. 269.
  18. Cf. A.XAVIER, op. cit., p. 270.
  19. A. XAVIER, op. cit., p. 272.
  20. Cf. A. XAVIER, op. cit, pp.547-548.
  21. Nesse sentido, A.XAVIER, op. cit. p. 31.
  22. Assim o faz o Professor Gerd Willi Rothmann in G.W.ROTHMANN, Problemas de qualificação na aplicação das convenções contra a bitributação internacional in Revista Dialética de Direito Tributário v. 76, São Paulo, 2002, pp. 33-43.
  23. A definição formulada pelo Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, quando da elaboração do modelo de convenção sobre dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda e o patrimônio é a seguinte: "O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode definir-se, de forma geral, como o resultado da percepção de impostos similares em dois ou mais Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo" in OCDE. Modelo de convenio de doble imposición sobre la renta y el patrimônio, Informe 1977 del Comité Fiscal. Madrid, Instituto de Estudios Fiscales, 1978.
  24. H.T.TORRES, op. cit., p. 400.
  25. Cf. A.XAVIER, op. cit., p. 31.
  26. Estão de acordo, quanto a esta afirmação, o Procurador da Fazenda Nacional Antônio de Moura Borges in A.M. BORGES, Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional, Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001, disponível on-line in http://jus.com.br/artigos/2088 [20/08/2008], e Alberto Xavier in A.XAVIER, op. cit., p. 33.
  27. A.M.BORGES, op. cit..
  28. Além destas classificações de pluritributação (efetiva ou virtual), pode-se classificar este fenômeno segundo outros critérios. A.M.BORGES, op. cit., nesse sentido, assim discorre: a pluritributação internacional pode ser classificada de acordo com o critério da vontade dos entes impositores, podendo, neste caso, ser intencional ou não-intencional; segundo o critério do número de tributações, pode ser simples ou composta; de acordo com a posição hierárquica dos entes tributadores, pode ser vertical, horizontal ou oblíqua.
  29. Sobre tais distinções, ver H.T.TORRES, op. cit., pp. 371-416.
  30. Sobre este aspecto, ver A.M. BORGES, op. cit..
  31. Acerca do tema, ver H.T.TORRES, op. cit., pp. 61-92.
  32. Sobre a problemática da interpretação e da qualificação no Direito Tributário Internacional, ver trabalho de Daniel Belan, que diferencia interpretação de qualificação, e apresenta comentários às principais teorias de qualificação no Direito Tributário, in D.V.BELAN, O instituto da qualificação no Direito Tributário Internaional, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 120, São Paulo, 2005, pp. 43-59.
  33. Ver nota 4, supra.
  34. Diferente é o entendimento de Alberto Xavier, para quem as normas de delimitação do Direito Tributário Internacional são verdadeiras normas de conflitos, que têm por função resolver um conflito entre sistemas jurídicos, in A.XAVIER, op. cit. p. 68.
  35. Sobre o tema, com bastante propriedade, assevera Rothmann que o "(...) o Direito Internacional Privado trata de uma escolha de direito, enquanto que o Direito Tributário Internacional cuida de uma delimitação do direito, estabelecendo normas de delimitação ou atribuição de competência tributária. (...) As normas de conflitos do Direito Tributário Internacional limitam-se a indicar qual é a legislação tributária aplicável, nunca impondo a legislação do direito estrangeiro dentro do território nacional" (grifo nosso) in G.W.ROTHMANN, op. cit., p. 34.
  36. Cf. G.W.ROTHMANN, op. cit., p. 34.
  37. Cf. G.W.ROTHMANN, op. cit., p. 34.
  38. Cf. G.W.ROTHMANN, op. cit., p. 34.
  39. É o conteúdo do artigo 98: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha".
  40. Com a finalidade de confirmar a posição de supremacia dos tratados internacionais, sob a perspectiva tributária, especialmente em referência ao imposto de renda, o artigo 997 do RIR/99 dispôs que os tratados internacionais, celebrados pelo governo brasileiro e devidamente inseridos em nosso ordenamento jurídico, no âmbito do Direito Tributário, devem prevalecer sobre as regras estabelecidas pela legislação interna.
Sobre o autor
Paulo José Leonesi Maluf

Advogado em São Paulo (SP). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (Largo São Francisco).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALUF, Paulo José Leonesi. Pluritributação internacional e elementos de conexão no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1883, 27 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11652. Acesso em: 17 mai. 2024.

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