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Sobre a natureza jurídica tributária das contribuições devidas à Ordem dos Advogados do Brasil

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Agenda 08/09/2008 às 00:00

O trabalho questiona o entendimento do STJ de que todas as contribuições devidas aos conselhos profissionais possuem natureza tributária, à exceção exatamente daquelas destinadas à OAB.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Tributo: Conceito e classificação. 2.1. Conceito de tributo. 2.2. Classificação das espécies tributárias. 3. O problema das contribuições. 3.1 Breve histórico. 3.2. Autonomia das contribuições frente às taxas e aos impostos. 4. As contribuições corporativas. 5. As contribuições pagas à Ordem dos Advogados do Brasil: natureza tributária? 5.1. A OAB vista pelos olhos do Direito Administrativo. 5.2. Comprovação de sua natureza tributária. 5.3. Efeitos práticos decorrentes da tese perfilhada. 6. Conclusão. 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo se debruça sobre a natureza jurídica e as regras que regem (ou deveriam reger), à luz do Direito Tributário, as contribuições anuais pagas pelos advogados brasileiros à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

Isso porque, nos termos do art. 149 da Constituição Federal (dispositivo inserido no Capítulo I do Título VI da Lei Maior, intitulado Do Sistema Tributário Nacional), estabeleceu-se à União competência para instituir contribuições de interesse das categorias profissionais, devendo ser observado o que dispõem os artigos 146, III, e 150, I e III, da Carta Magna, normas que abarcam limites à criação e majoração de tributos por parte do ente político competente.

Nessa seara, será investigado primeiramente se as contribuições de interesse das categorias profissionais a que se refere o art. 149 da Constituição Federal têm ou não natureza tributária, bem como se as contribuições pagas à OAB (conhecidas como "anuidades") gozam dessa essência.

Adiante-se, desde logo, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firme posicionamento no sentido de que todas as contribuições devidas aos conselhos profissionais possuem natureza tributária, à exceção exatamente daquelas destinadas à OAB. No presente estudo, portanto, serão devidamente questionados os motivos que levaram o STJ a encampar tal entendimento.

Observe-se que a problemática que aqui será exposta possui grande relevância prática, uma vez que, em se concluindo pela natureza jurídica tributária das contribuições pagas à OAB, outra não pode ser a conseqüência senão a de que devem plena obediência às normas arroladas no art. 150 da Constituição Federal (que institui limitações ao poder de tributar). Por outro lado, caso se infira pela natureza não-tributária das contribuições em pauta, estar-se-á deduzindo que possuem regime jurídico próprio, o qual pode ser fixado e alterado pela legislação infraconstitucional com significativa liberdade.

Percebe-se, por tudo o que foi exposto, que a metodologia utilizada será a dogmática, com olhos voltados para o que preceitua o direito positivo brasileiro, aplicado e interpretado pela doutrina e pelos tribunais pátrios.


2. TRIBUTO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO.

2.1. Conceito de tributo.

O Código Tributário Nacional achou por bem proceder à definição de tributo, embora a tarefa de conceituar institutos seja própria da doutrina e do intérprete, não do legislador [01]. O fato é que o art. 3º do CTN conceituou tributo como sendo "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato lícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."

Apesar de incorrer em algumas impropriedades técnicas [02], a definição consolidada no CTN exprime de maneira exemplar o que é tributo. Tanto é verdade que as definições formuladas por cada um dos principais doutrinadores brasileiros não se afastam muito da abraçada pelo diploma legal citado.

Observe-se, por exemplo, o que ensina Luciano Amaro sobre o instituto em questão:

Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não-estatais de fins de interesse público.

Esse conceito afirma a natureza pecuniária da prestação, que modernamente tem qualificado o tributo; trata-se, pois, de prestação em moeda.

Registra-se o caráter não sancionatório do tributo, dele distinguindo-se, portanto, as prestações pecuniárias que configurem punição de infrações [03]. (...)

Ao dizer que o tributo é prestação instituída em lei não apenas se contempla o princípio da legalidade do tributo (no sentido de que cabe à lei instituí-lo, definindo o respectivo fato gerador, o devedor e os elementos necessários a quantificar a prestação), mas também se sublinha a origem legal (e não contratual) do tributo. Por isso, não é necessária a referência à compulsoriedade da prestação tributária. Ou seja, dizer que a prestação tributária é instituída em lei já expressa que o nascimento da obrigação tributária não tem por base a vontade dos sujeitos da relação jurídica, mas sim o comando legal.

(...)

Por fim, nosso conceito especifica o credor da obrigação: o Estado ou outras entidades não estatais, que persigam fins de interesse público. Assim, restam excluídas do conceito de tributo certas prestações, como a de alimentos, ou a de pagar gratificação natalina aos empregados, não obstante se trate de obrigações impostas pela lei e não de deveres estabelecidos pela vontade das partes. [04]

Importa transcrever o conceito desenvolvido por José Eduardo Soares de Melo:

Tributo é a receita pública derivada, de caráter compulsório, prevista em lei e devida de conformidade com as materialidades e respectivas competências constitucionais, e pautada por princípios conformadores de peculiar regime jurídico. [05]

A referida definição peca pela incompletude, vez que deixa de ressaltar o fato de o tributo não ser sanção de ato ilícito. Ainda assim, nota-se que o conceito elaborado por Soares de Melo contém todos os elementos enaltecidos pelo art. 3º do CTN, bem como por Luciano Amaro (quais sejam, pagamento compulsório previsto em lei).

Irretorquível, porém, é o estudo produzido por Geraldo Ataliba, que elabora a definição jurídica de tributo partindo do núcleo essencial de toda e qualquer norma jurídica tributária.

Nessa seara, estatui que é comando imprescindível da norma tributária o mandamento "entregue dinheiro ao estado." [06]

É certo, porém, que nem toda entrega de dinheiro ao estado se dá por cumprimento de uma norma tributária. Posto isso, Ataliba identifica outras hipóteses nas quais o sujeito está obrigado a entregar dinheiro ao estado que não por imposição do direito tributário. Tais hipóteses são as seguintes: (i) pagamento de multa; (ii) cumprimento de obrigação convencional; e (iii) indenização por dano [07].

Para o propósito que se pretende alcançar, faz-se necessário estremar a hipótese de pagamento de tributo dos outros três casos referidos.

A circunstância de o tributo não ser sanção por ato ilícito o diferencia da multa e da indenização por dano. [08] De outro lado, o fato de ser obrigação decorrente de lei (ex lege), independentemente da vontade das partes, o diferencia do cumprimento de obrigação convencional.

De maneira extremamente didática, Geraldo Ataliba trata com minudências os elementos imprescindíveis à identificação de determinado instituto jurídico como tributo:

OBRIGAÇÃO – vínculo jurídico transitório, de conteúdo econômico, que atribui ao sujeito ativo o direito de exigir do sujeito passivo determinado comportamento e que a este põe na contingência de praticá-lo, em benefício do sujeito ativo.

PECUNIÁRIA – circunscreve-se, por este adjetivo, o objeto da obrigação tributária: para que esta se caracterize, no direito constitucional brasileiro, há necessidade de que seu objeto seja: o comportamento do sujeito passivo consistente em levar dinheiro ao sujeito ativo.

"EX LEGE" – a obrigação tributária nasce da vontade da lei, mediante a ocorrência de um fato (fato imponível) nela descrito. Não nasce, como as obrigações voluntárias (ex voluntate), da vontade das partes. Esta é irrelevante para determinar o nascimento deste vínculo obrigacional.

QUE NÃO SE CONSTITUI EM SANÇÃO DE ATO ILÍCITO – O dever de levar dinheiro aos cofres (tesouro = fisco) do sujeito ativo decorre do fato imponível. Este, por definição, é fato jurídico constitucionalmente qualificado e legalmente definido, com conteúdo econômico, por imperativo da isonomia (art. 5º, caput e inciso I da CF), não qualificado como ilícito. Dos fatos ilícitos nascem multas e outras conseqüências punitivas, que não configuram tributo, por isso não integrando seu conceito, nem submetendo-se a seu regime jurídico.

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CUJO SUJEITO ATIVO É EM PRINCÍPIO UMA PESSOA PÚBLICA – regra geral ou o sujeito ativo é uma pessoa pública política ou "meramente administrativa" – como bem designa às autarquias Ruy Cirne Lima. Nada obsta, porém, a que a lei atribua capacidade de ser sujeito ativo de tributos a pessoas privadas – o que, embora excepcional, não é impossível – desde que estas tenham finalidades de interesse público. (...)

CUJO SUJEITO PASSIVO É UMA PESSOA POSTA NESTA SITUAÇÃO PELA LEI – a lei designa o sujeito passivo. A lei que qualifica o sujeito passivo explícito, o "destinatário constitucional tributário". Geralmente são pessoas privadas as colocadas na posição de sujeito passivo, sempre de pleno acordo com os desígnios constitucionais. Em se tratando de impostos, as pessoas públicas não podem ser sujeito passivo, devido ao princípio constitucional da imunidade tributária (art. 150, VI). Já no que se refere a tributos vinculados, nada impede que, também, pessoas públicas deles sejam contribuintes. [09]

Observe-se que, se apenas e tão-somente à lei cabe fixar, instituir e majorar tributos [10], consoante já ressaltado, insta inferir que apenas as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) possuem competência tributária [11]. É o que está expressamente consignado no art. 145 da Constituição Federal, verbis; "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:".

Apenas a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem Poder Legislativo; por conseqüência, somente eles podem legislar. Sendo os tributos necessariamente instituídos por lei, conclui-se, em silogismo pueril, que só a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem criar tributos (ou, dito de outro modo, detêm competência para tal).

Impende deixar consignado, por pertinente ao tema em análise, como se verá em momento oportuno, que a competência tributária constitucionalmente prevista é indelegável, o que significa dizer que "cada pessoa política recebeu da Constituição a sua, mas não a pode renunciar, nem delegar a terceiros. É livre, até, para deixar de exercitá-la; não lhe é dado, porém, permitir, mesmo que por meio de lei, que terceira pessoa a encampe." [12]

2.2. Classificação das espécies tributárias.

Só há sentido em classificar algo quando se espera que da classificação decorrerão conseqüências práticas relevantes. Nesse diapasão, a classificação das espécies tributárias afigura-se imprescindível para a correta aplicação do direito a partir do instante em que a Constituição Federal preceitua regimes jurídicos diversos para cada espécie exacional. [13]

Tome-se como exemplo o preceito plasmado no art. 167, IV, da Lei Maior, que veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Imposto é espécie de tributo, como se verá linhas adiante. Dito de outra forma, imposto é critério de classificação dos tributos. Ora, nos termos da Constituição Federal, a vedação de vinculação de receita se restringe e se resume aos impostos, o que significa que os tributos inseridos em outro critério classificatório (as taxas, por exemplo) não se subsumem à proibição em pauta. Eis a importância prática, não meramente acadêmica, de classificar.

Posto isso, é inexorável que a Constituição Federal reconhece no mínimo três espécies tributárias autônomas e distintas entre si (art. 145, I, II e III) [14]: os impostos, as taxas (instituídas em razão do poder de polícia ou pela utilização de serviços públicos específicos e divisíveis) e as contribuições de melhoria (decorrentes de obras públicas). Trata-se da corrente tricotômica, encampada notadamente pelo CTN [15].

Note-se, a propósito, que a redação dada ao art. 5º do CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, anterior à Constituição Federal de 1966) tem forma diversa daquela atribuída ao art. 145 da Constituição Federal. O art. 5º do CTN pretende ser taxativo, exaustivo, numerus clausus: "Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria." A simples leitura de tal dispositivo permite concluir que não há tributo que não seja imposto, taxa ou contribuição de melhoria. Caso o objeto de estudo não se enquadre em qualquer das referidas espécies, de tributo não se trata [16].

O teor do art. 145 da Lei Maior, por sua vez, não pretende ser taxativo. Estabelece, simplesmente, que os entes políticos da federação "poderão instituir os seguintes tributos", o que não exclui a possibilidade de implantação de outras exações. Dito de outro modo, o art. 145 da Constituição Federal não restringe as espécies tributárias aos impostos, às taxas e às contribuições de melhoria, ao contrário do que faz o art. 5º do CTN, consoante já esposado.

À vista disso, impõe tirar do limbo as demais figuras inseridas no Sistema Tributário Nacional da Constituição Federal (Capítulo I do Título VI), quais sejam, os empréstimos compulsórios (art. 148) e as contribuições a que se referem os artigos 149 e 149-A da Norma Fundante.

Até a promulgação da Emenda Constitucional nº 1/69, o Supremo Tribunal Federal não reconhecia natureza tributária aos empréstimos compulsórios, conforme se depreende da Súmula nº 418, de 1º de junho de 1964, a saber: "O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está sujeita à exigência constitucional de prévia autorização orçamentária."

A jurisprudência atual do STF, todavia, vigente a Constituição Federal de 1988, admite o empréstimo compulsório como figura essencialmente tributária [17], tese perfilhada pela melhor doutrina brasileira [18].

Igualmente tormentoso é o histórico das contribuições, que, por dizer diretamente com o tema do presente trabalho, merecerá tratamento especial no próximo capítulo.


3. O PROBLEMA DAS CONTRIBUIÇÕES.

3.1. Breve histórico.

Historicamente, o tema das contribuições sempre foi (e continua sendo) objeto de intensa discussão e controvérsia nos âmbitos jurisprudencial e doutrinário.

No julgamento do RE 86.595 [19], o STF assentou que as contribuições sociais possuíam natureza jurídica tributária do período entre a publicação do Decreto-Lei nº 27/66 até a edição da Emenda Constitucional nº 8/77, que retirou das ditas contribuições o caráter tributário. Transcreva-se trecho do voto do Ministro Moreira Alves:

1.Pedi vista para examinar a natureza jurídica da contribuição em causa, devida ao FUNRURAL.

2.Do exame a que precedi, concluo que, realmente, sua natureza é tributária.

Já o era, aliás, desde o Decreto-lei 27, que alterou a redação do artigo 217 do CTN para ressalvar a incidência e a exigibilidade da contribuição sindical, das quotas de previdência e outras exações pára-fiscais, inclusive a do FUNRURAL. Nesse sentido, é incisiva a lição de Baleeiro (...). Reafirmou-o a Emenda Constitucional nº 1/69 que, no capítulo concernente ao sistema tributário (art. 21, § 2º, I), aludiu às contribuições que têm em vista o interesse da previdência social. Por isso mesmo, e para retirar delas o caráter de tributo, a Emenda Constitucional nº 8/77 alterou a redação desse inciso, substituindo a expressa ´e o interesse da previdência social´ por ´e para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social´, tendo, a par disso, e com o mesmo objetivo, acrescentado um inciso – o X - , ao artigo 43 da Emenda nº 1/69 (...) o que indica, sem qualquer dúvida, que essas contribuições não se enquadram entre os tributos, aos quais já aludia, e continua aludindo, o inciso I desse mesmo artigo 43.

De fato, com a Emenda Constitucional nº 8/77, o art. 43 da Carta de 1967 separou as contribuições elencadas no inciso X dos tributos (mencionados no inciso I), em uma nítida intenção de divorciar uma coisa da outra. No julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 103.089 (2ª Turma, DJ 15 de abril de 1988) e 148.754 (Pleno, DJ 4 de março de 1994) [20], o entendimento acima expendido foi reiterado pela Corte Máxima.

Com a Constituição Federal de 1988, porém, em que as contribuições enumeradas no art. 149 (sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas) foram incluídas no capítulo referente ao Sistema Tributário Nacional [21], o STF voltou a reconhecer-lhes natureza tributária. Observe-se, por exemplo, trecho do voto do Ministro Relator Carlos Velloso, quando do julgamento do RE nº 138.284-CE [22]:

As contribuições parafiscais têm caráter tributário. Sustento que constituem essas contribuições uma espécie de tributo ao lado dos impostos e das taxas, na linha, aliás, da lição de Rubens Gomes de Souza ("natureza tributária da contribuição do FGTS", RDA 112/27, RDP 17/305). Quer dizer, as contribuições não são somente as de melhoria. Estas são uma espécie do gênero contribuição; ou uma subespécie da espécie contribuição.

(...)

O citado art. 149 institui três tipos de contribuições: a) contribuições sociais; b) de intervenção; c) corporativas. As primeiras, as contribuições sociais, desdobram-se, por sua vez, em: a.1) contribuições de Seguridade Social; a.2) outras de Seguridade Social; e a.3) contribuições sociais gerais."

Grande parte da doutrina seguiu a tese perfilhada pelo STF. Leia-se o que diz Roque Carrazza sobre o assunto:

(...) a Constituição Federal prevê três modalidades de "contribuições": as interventivas, as corporativas e as sociais. Todas elas têm natureza nitidamente tributária, mesmo porque, com a expressa alusão aos "arts. 146, III, e 150, I e III, ambos da CF, fica óbvio que deverão obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação, no Brasil. [23]

Atente-se para a compilação feita por José Eduardo Soares de Melo, citando vários juristas:

Pondera Misabel Derzi que o art. 149 "veio espancar definitivamente quaisquer dúvidas em torno da natureza tributária das contribuições", determinando "de forma expressa e literal que se apliquem às contribuições os mais importantes princípios constitucionais tributários – da legalidade e da irretroatividade -, além de todas as normas gerais de direito tributário".

(...)

Américo Lacombe pontifica que "o regime jurídico tributário dessas contribuições não se discute mais, Ora, tudo aquilo que está sujeito ao regime jurídico tributário é tributo. Se vamos classificar as instituições pelo regime jurídico, e isto é o correto, a natureza de qualquer instituição é definida pelo regime jurídico ao qual elas estão submetidas, e, evidentemente, essas contribuições têm a natureza jurídica de tributos."

(...)

Ives Gandra da Silva Martins entende que o art. 149 "encerra polêmica acerca de terem, ou não, as contribuições sociais natureza tributária, polêmica essa suscitada pela Emenda Constitucional 8/1977. Agora, definitivamente consagrou-se sua natureza tributária. Mais do que isto, consagrou, o constituinte, serem as contribuições sociais espécies tributárias." [24]

O mesmo caminho é trilhado por Hugo de Brito Machado:

É induvidosa, hoje, a natureza tributária dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis às contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias, com ressalva, quanto a este, das contribuições de seguridade, às quais se aplica regra própria, conforme veremos adiante. [25]

Todavia, inexiste unanimidade na doutrina brasileira a respeito do tema. Veja-se, por oportuno, o que pondera Marçal Justen Filho:

Ao determinar a submissão das contribuições ao regime tributário (com determinadas restrições), a Constituição confirmou que inexiste identidade total e rigorosa entre as duas figuras. Se as contribuições apresentassem configuração precisamente idêntica à dos demais tributos não teriam sentido as regras dos arts. 149 e 154. Seriam suficientes as regras sobre tributos, sem necessidade de ´extensão´ expressa, às ´contribuições especiais´, do regramento tributário. Logo, as contribuições especiais sujeitam-se ao regime tributário, mas com determinados temperamentos, derivados de suas características. [26]

Impende registrar que, ainda quando questiona o caráter tributário das contribuições arroladas no art. 149 da Constituição Federal, Marçal Justen Filho não lhes nega a aplicação dos arts. 146, III, e 150, I e III (como expressamente determina o art. 149), dispositivos que tratam justamente dos princípios constitucionais tributários. O insurgimento do referido autor, portanto, situa-se no plano teórico-filosófico e dele não sai, por estar preocupado unicamente com a investigação da essência (tributária ou não) das contribuições. Ou seja, Justen Filho admite que, ainda que as referidas exações não ostentem natureza de tributo, é induvidosa a aplicação das normas constitucionais tributárias insculpidas nos arts. 146, III, e 150, I e III, por contundente e cristalina determinação do art. 149 da Lei Maior, conforme repisado.

3.2. Autonomia das contribuições frente às taxas e aos impostos.

Reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a natureza jurídica tributária das contribuições, resta perquirir se tais espécies possuem autonomia em relação às demais exações ou se, pelo contrário, se confundem com os impostos ou as taxas. O tema é no mínimo tormentoso:

Há autores que negam às contribuições qualquer autonomia frente às figuras da taxa e do imposto, e autores que defendem essa autonomia ressaltando que, nas contribuições, o fato gerador é uma atuação estatal qualificada pelo fato de ou beneficiar especialmente a um grupo social, ou se fazer necessária como contrapeso a uma despesa ou a um detrimento dos bens públicos provocados especialmente por determinado grupo social. Também há uma corrente teórica que baseia a autonomia da figura das contribuições não em características de seu fato gerador, mas em seu aspecto finalístico e na afetação de sua arrecadação a despesas específicas. Quanto às subdivisões da espécie contribuições, também há diversas teorias que chegam aos mais diversos resultados. [27]

Para o adequado deslinde da problemática, convém partir do seguinte ponto: as contribuições sociais se "travestirão" de impostos ou taxas apenas se contiverem o mesmo núcleo essencial de um ou de outro. A contrario sensu, caso o núcleo essencial seja diverso, resta inferir que as ditas contribuições são espécie autônoma.

Nessa perspectiva, o art. 4º do CTN dispõe que "a natureza específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação", o que significa dizer que o aspecto material da hipótese de incidência da norma tributária é o critério que diferencia as exações.

A hipótese de incidência é primeiramente a descrição legal de um fato; é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato; é seu desenho).

É, portanto, mero conceito, necessariamente abstrato. É formulado pelo legislador fazendo abstração de qualquer fato concreto. Por isso é mera "previsão legal" (a lei é, por definição, abstrata, impessoal e geral).

(...)

Examinando-se e comparando-se todas as legislações existentes – quanto à hipótese de incidência – verificamos que, em todos os casos, o seu aspecto material, das duas, uma: a) ou consiste numa atividade do poder público (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento inteiramente indiferente a qualquer atividade estatal.

Esta verificação permite classificar todos os tributos, pois – segundo o aspecto material de sua hipótese de incidência consista ou não no desempenho de uma atividade estatal – em tributos vinculados e tributos não vinculados. [28]

Tomando por base tal critério, tem-se que as taxas e as contribuições são tributos vinculados (porque as respectivas hipóteses de incidência consistem numa atuação estatal), ao contrário dos impostos, cuja hipótese de incidência encerra qualquer fato que não seja uma atuação do Estado (por exemplo, ser proprietário de veículo automotor, fato gerador do IPVA – art. 155, III, da Constituição Federal) [29].

Surge, então, o primeiro critério diferenciador: as contribuições, para que o sejam verdadeira e autenticamente, devem estar vinculadas a determinada atuação estatal. Caso o aspecto material da hipótese de incidência de certa norma tributária não consista em um agir do Estado, estar-se-á, inelutavelmente, diante de imposto, ainda que a lei haja dado a alcunha de "contribuição" [30].

Estabelecida a diferença entre as contribuições e os impostos, deve-se estremar as taxas das contribuições, haja vista que, sob o prisma do primeiro critério (tributos vinculados e não-vinculados), ambas dependem de uma conduta estatal.

Prossiga-se no magistério de Geraldo Ataliba:

A hipótese de incidência da taxa é uma atuação estatal diretamente (imediatamente) referida ao obrigado (pessoa que vai ser posta como sujeito passivo da relação obrigacional que tem a taxa por objeto).

A h.i. da contribuição é uma atuação estatal indiretamente (mediatamente) referida ao obrigado (...).

Na taxa, h.i. é o estado prestar um serviço, expedir uma certidão, desempenhar atividade tendente a culminar por dar ou manter uma licença, autorização, etc., que se liga a alguém, que é pela lei posto na situação de sujeito passivo do tributo.

Do que se vê que, para que se configure a taxa, basta a lei prever atuação estatal que tenha referibilidade a alguém (que poderá ser posto como sujeito passivo do tributo). Este tributo irá nascer com a referibilidade (no momento em que a atuação estatal se referir concretamente a alguém).

Nas contribuições, pelo contrário, não basta a atuação estatal. Só há contribuição quando, entre a atuação estatal e o obrigado, a lei coloca um termo intermediário, que estabelece a referibilidade entre a própria atuação e o obrigado.

(...)

Na contribuição, ou se tem uma atuação estatal que produz um efeito, o qual (efeito) se conecta com alguém (que é, pela lei, posto na posição de sujeito passivo), ou, pelo contrário, se tem uma pessoa (que afinal será sujeito passivo) que desenvolve uma atividade, ou causa uma situação que requer, exige, provoca ou desencadeia uma atuação estatal. [31]

Luciano Amaro, por sua vez, considera que o traço diferenciador das contribuições está na destinação específica a determinada atividade:

Têm-se aqui atividades específicas (do Estado ou de outras entidades) em que a nota da divisibilidade (em relação aos indivíduos) não é relevante para a caracterização da figura tributária específica. Ou seja, a atividade a cuja execução se destina a receita arrecadada não é necessariamente referível ao contribuinte, embora possa sê-lo, em maior ou menor grau, atualmente ou no futuro, efetiva ou eventualmente. (...)

Não atentar para o caráter acidental dessa contrapartida é que tem levado a considerar certas exações como figuras anfíbias, que ora são uma coisa (imposto) ora outra (taxa), o que, por si só, já seria um indicador de que não devem ser nem uma coisa nem outra.

(...)

É a circunstância de as contribuições terem destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado. [32]

Observe-se que, ao enfatizar a destinação específica como o núcleo essencial das contribuições, Luciano Amaro preconiza explícita e expressamente a insubsistência do art. 4º, II, do CTN [33], ante o desenho do Sistema Tributário Nacional traçado pela Constituição Federal de 1988 [34].

José Eduardo Soares de Melo, citando outros juristas, não diverge do referido ensinamento:

Diva Malerbi observou, em trabalho conjunto com os professores José Artur Lima Gonçalves e Estevão Horvat, dedicado ao perfil constitucional das "contribuições sociais", ainda inédito, que "a característica diferencial mais marcante das contribuições em relação aos impostos e às taxas reside na circunstância de ser ela – contribuição – necessariamente relacionada com uma despesa ou vantagem especial referidas aos sujeitos passivos respectivos (contribuintes) (...)" e que "(...) outro elemento normativo previsto na Constituição de 1988 como peculiar às contribuições é a prévia, expressa e inequívoca destinação da respectiva receita (...)", concluindo que "nas contribuições sociais, ao contrário dos demais tributos, é relevante para caracterizar uma exação não só a finalidade para a qual foi ela instituída, como também a afetação de sua receita ao custeio da atividade estatal que é pressuposto de sua criação". [35]

Interessante notar que, ao desenvolver sua própria definição, Soares de Melo não enxerga as contribuições como tributos necessariamente vinculados a uma atividade estatal, ao contrário da tese advogada por Geraldo Ataliba, consoante já ressaltado. Eis o conceito de contribuições para Soares de Melo: "(...) constituem tributos de características específicas, vinculados a despesa especial ou vantagem referida aos contribuintes e que podem implicar, ou não, atuação estatal." [36] (destacou-se).

Hugo de Brito Machado, por sua vez, põe em relevo não a destinação específica do produto arrecadado (como o faz Luciano Amaro), mas a finalidade a que correspondem tais contribuições [37].

Note-se que, ainda que divergindo pontualmente, os autores acima citados reconhecem a autonomia das contribuições frente às taxas e aos impostos, a partir do momento em que vislumbram diferenças substanciais entre tais espécies tributárias.

Sabendo-se que as contribuições pagas pelos advogados à OAB (objeto do presente estudo) seriam, a princípio, espécie das contribuições de interesse das categorias profissionais (art. 149 da Constituição Federal), convém aprofundar-lhes o estudo, também conhecidas como contribuições corporativas.

Sobre o autor
Leonardo de Oliveira Gonçalves

Procurador do Banco Central em Brasília (DF). Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Leonardo Oliveira. Sobre a natureza jurídica tributária das contribuições devidas à Ordem dos Advogados do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1895, 8 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11693. Acesso em: 23 dez. 2024.

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