1. NOTAS INTRODUTÓRIAS:
É cediço que o art. 515 do CPC foi modificado pela Lei 10.352/01.
Dentre as alterações empreendidas, houve a inclusão do parágrafo 3º, assim redigido:
"Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento".
Assim, a partir desta mudança, foi positivada a denominada Teoria da Causa Madura.
Por outro lado, sabemos também que com o advento da Lei 11.277/05, foi incluído o art. 285-A ao CPC, com a seguinte redação:
"Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
Tal dispositivo inovou no ordenamento jurídico processual, trazendo a figura do "julgamento liminar de improcedência" (ou "julgamento imediato de causas repetitivas" ou "julgamento de improcedência prima facie").
O que importa no momento é analisar o conteúdo da resposta prevista no seu §2º. E tal análise possui como ponto de partida a seguinte indagação: É possível aplicar, nesta hipótese, o art. 515, §3º, do CPC?
Veja que se respondermos negativamente a questão, a resposta do réu deverá se limitar a defender a presença dos requisitos previstos no caput do art. 285-A, requerendo que a sentença de improcedência seja mantida.
No entanto, se a resposta for positiva, o réu, além de defender a presença dos mencionados requisitos, deverá, também, se manifestar sobre o mérito da demanda.
Colocada a questão, passaremos a nos posicionar acerca da indagação proposta.
2. O CONTEÚDO DA RESPOSTA DO RÉU EM VIRTUDE DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA:
Note que o art. 515, §3º, do CPC cinge-se a regular a hipótese em que há "extinção do processo sem julgamento do mérito", fazendo referência expressa ao art. 267 do CPC. No caso do art. 285-A não temos uma sentença terminativa. Pelo contrário, há uma sentença de mérito – de verdadeira improcedência da demanda – que, uma vez transitando em julgado, dá ensejo à coisa julgada material.
Ora, se após o juízo a quo proferir sentença terminativa (sem analisar o mérito), permite-se ao Tribunal, entendendo não ser caso de extinção do processo sem resolução de mérito, julgar desde logo o mérito, sem necessidade de remeter os autos ao juízo de origem, não há porque negar tal possibilidade quando o juízo monocrático efetivamente julgou o mérito (ainda que liminarmente, imediatamente ou prima facie).
Não haveria nenhuma razão para se sustentar a possibilidade de aplicação da Teoria da Causa Madura em face de sentença terminativa e negá-la a uma sentença de mérito.
Logo, entendemos que se o Tribunal, ao analisar a apelação interposta pela parte autora com base no §1º do art. 285-A, entender que não estão presentes os requisitos do caput do art. 285-A (matéria controvertida unicamente de direito + prolação de sentenças de total improcedência em casos idênticos), poderá desde logo julgar o mérito, com base em aplicação analógica do art. 515, §3º, do CPC. A interpretação sistemática ora defendida é a que mais se coaduna com o sistema processual, de forma a evitar uma verdadeira incoerência.
Ressalte-se, entretanto, que se o Tribunal, ao julgar a apelação interposta pela parte autora (art. 285-A, §1º), entender que a matéria veiculada não é unicamente de direito, torna-se inviável a aplicação da Teoria da Causa Madura, uma vez que é requisito tanto do art. 285-A como do art. 515, §3º, que a matéria verse sobre questão unicamente de direito. [01]
Em suma, conclui-se, portanto, que, interpretando-se sistematicamente os dispositivos legais mencionados, deve a parte ré, ao apresentar a resposta prevista no art. 285-A, §2º, do CPC, não apenas se limitar a defender a presença dos requisitos do caput do art. 285-A, requerendo a manutenção da sentença de improcedência. Deve, também, se manifestar sobre o mérito da demanda, pois, caso contrário, se o Tribunal, ao julgar a apelação, aplicar a Teoria da Causa Madura (o que defendemos ser possível), o réu não terá exercido plenamente o seu direito de defesa, podendo sofrer inclusive prejuízos decorrentes das regras de distribuição do ônus da prova. E nem se diga que haverá violação ao princípio da ampla defesa, visto que o §2º do art. 285-A do CPC determina que o réu seja CITADO para oferecer RESPOSTA. Se o réu não alegou todas as suas teses defensivas, oportunidade não lhe terá faltado para tanto, não havendo que se falar, portanto, em prejuízo para a defesa.
Ademais, se a resposta do réu se limitou a defender os requisitos do caput do art. 285-A, e se o Tribunal, reformando a sentença terminativa de primeiro grau vier a aplicar a Teoria da Causa Madura, não seria absurdo reconhecer a revelia do réu, nos termos do art. 319 do CPC, visto que a ação não terá sido contestada, mesmo tendo ocorrido a antecedente CITAÇÃO do réu.
Desta forma, veja como é importante a questão ora colocada, tamanha as conseqüências danosas que pode vir o réu a sofrer.
Por fim, não podemos deixar de mencionar uma importante ressalva feita pelos processualistas Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (Curso de Direito Processual Civil, vol. 3), no que tange ao art. 515, §3º do CPC, que gera reflexos no que ora defendemos.
Tais autores entendem que para que seja possível a aplicação da Teoria da Causa Madura é necessário que, na apelação, a parte recorrente expressamente faça pedido neste sentido. Fundamentam-se no efeito devolutivo dos recursos, uma vez que cabe ao apelante fixar a extensão do efeito devolutivo de sua apelação. Logo, para esses autores, deve a parte apelante, se desejar a aplicação da Teoria da Causa Madura, requerer expressamente que o tribunal dê provimento ao seu apelo e, desde logo, aprecie o mérito da demanda.
Por conseqüência, aplicando-se analogicamente o art. 515, §3º, do CPC ao art. 285-A, deveria a parte autora, em sua apelação requerer expressamente o julgamento do mérito pelo Tribunal. Veja que, com base nesse entendimento, pouco espaço haveria para o réu não se manifestar em sua resposta sobre o mérito da demanda, visto que o art. 285-A, §2º, do CPC determina de forma expressa que "será ordenada a citação do réu para responder ao recurso". Neste caso, não temos dúvidas em afirmar que o réu sofreria todas as conseqüências da não apresentação de contestação.
No entanto, não concordamos com o posicionamento dos mencionados autores. Não seria razoável (nem entendemos que essa foi a intenção da reforma processual) que a aplicação da Teoria da Causa Madura, verdadeiro instrumento de agilização de julgamentos, fique ao alvedrio da vontade da parte apelante. A inclusão do §3º no art. 515 do CPC pela Lei 10.352/01 foi inspirada pelos princípios norteadores das diversas reformas que estamos presenciando no sistema processual pátrio, quais sejam, a celeridade e economia processuais, a prestação de tutela jurisdicional efetiva e tempestiva, bem como a concretização do princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CRFB/88).
3. CONCLUSÃO:
Isto posto, entendemos que o Tribunal está autorizado a aplicar a Teoria da Causa Madura quando reformar sentença de improcedência proferida com base no art. 285-A do CPC, independentemente de pedido expresso da parte apelante.
Por conseqüência, o réu, ao ser citado para oferecer resposta (art. 285-A, §2º, do CPC), deverá não apenas defender a manutenção da sentença de improcedência (alegando a presença dos requisitos previstos no caput do art. 285-A do CPC), mas também se manifestar sobre o mérito da demanda, afastando, assim, a possibilidade de ser decretada a sua revelia.
Notas
- É importante ressaltar que, na linha da redação do art. 330, I, do CPC (julgamento antecipado da lide), não apenas causas unicamente de direito permitem a aplicação da Teoria da Causa Madura, mas também quaisquer causas que se encontrem em situação de pronto julgamento, ou seja, quando não houver mais nenhuma prova a ser produzida.