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As violações à advocacia segundo a nova redação do art. 265 do Código de Processo Penal brasileiro

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IV - Conclusão

Infelizmente, nos dias atuais no Brasil, costuma-se sempre eleger um bode expiatório para as mazelas do processo penal. No caso da nova redação do artigo 265 do CPP, o legislador processual da Lei nº 11.719/2008 elegeu especificamente o advogado (defensor) como o grande culpado pela falta de celeridade do processo penal, ao ponto de aplicar-lhe uma multa que chega às raias do confisco de seu patrimônio privado, hoje em valores que chegam à casa de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil e quinhentos reais).

Ou seja, há uma presunção na nova redação do artigo 265 do CPP de que o advogado, ao "abandonar" (rectius, ausência ou falta à audiência designada), agiria sempre sob a adrede ação procrastinatória de prejudicar o andamento célere do processo penal, quando, na verdade, advogados desidiosos são exceções à regra, porquanto a grande maioria da classe dos advogados exige permanentemente a celeridade dos processos e de seus resultados justos.

Quem diariamente milita na justiça do Brasil sabe que a ineficiência desta não pode ser atribuída a sujeitos determinados, mas é resultado da desorganização do próprio Estado Brasileiro, que não se vale racionalmente dos seus recursos humanos e financeiros. Neste ambiente de caça às bruxas, ninguém poderia negar que magistrados e promotores muitas das vezes não cumprem com seus prazos e que isso indubitavelmente depõe contra a celeridade e eficiência dos processos judiciais onde atuam. Mas, seria justo aplicar legalmente multas aos juízes e membros do ministério público por descumprimento dos prazos processuais a eles imputados e, ainda, por cima, por órgãos que não fossem prévia e naturalmente seus censores? Seria justo (e constitucional) aplicar aos juízes e promotores uma multa que chegaria ao patamar absurdo de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil e quinhentos reais), colocando em xeque o patrimônio privado de suas pessoas físicas, ao sabermos que a grande maioria desses servidores públicos é submetida a uma quantidade desumana de processos? Aliás, prever a possibilidade de uma multa dessa natureza já seria um atentado ao exercício da prestação jurisdicional e ministerial, como também é um atentado à função advocatícia criminal estabelecer uma multa de nítido caráter confiscatório.

Acrescenta-se que a nova redação do artigo 265 do CPP também passa a ser um desestímulo aos advogados de comarcas do interior do Brasil que aceitam nomeações de defesas dativas ou ad hoc em solidariedade ao juízo, - especialmente aquelas destituídas de organização da Defensoria Pública - uma vez que nenhum advogado se sentirá confortável com a possibilidade de ser multado entre 10 a 100 salários mínimos num processo que resultará no risco de ter parte de seu patrimônio confiscado por uma multa absolutamente absurda.

A bem de finalizar nosso texto elaboramos a seguinte suma sobre a nova redação do artigo 265 e seus parágrafos do CPP:

1 - O conceito de "abandono" no processo penal pelo defensor, previsto no artigo 265 (caput) antes da nº 11.719/2008 já era insatisfatório, porquanto não retratava a realidade desse fenômeno processual.

2 - O legislador processual da Lei nº 11.719/2008 perdeu uma grande oportunidade de aprimorar o significado jurídico do conceito de "abandono" do processo penal pelo defensor, pois deixou intacta a referida expressão.

3 - Na realidade, a expressão "abandono" do processo penal, constante do artigo 265 do CPP, retrata a situação de falta ou ausência do defensor à audiência designada judicialmente.

4 - O significado normativo do conceito de "abandono" no processo penal envolve o comportamento do defensor que deixa de praticar um conjunto de atos necessários à efetividade da defesa técnica. E a sua constatação depende do conhecimento do juiz e da indispensável intimação do réu para que este se manifeste sobre tal situação processual.

5 - A ausência ou falta a uma audiência ou a outras audiências pelo defensor (advogado) não implica necessariamente na constatação do fenômeno processual do abandono no processo penal.

6 - O legislador processual da Lei nº 11.719/2008, que deu nova redação ao artigo 265 e parágrafos do CPP, esqueceu-se de que, desde a promulgação da Constituição de 1988 e do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), houve uma nova leitura das normas decorrentes do artigo 265 e seu parágrafo único do CPP (constitucionalização do seu significado normativo), o que implica em duas conseqüências normativas indispensáveis, quais sejam: primeira, não é possível a aplicação de multa ao defensor (advogado) sem o correspondente exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme exigência constitucional do devido processo legal (incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988); segunda, tendo em vista o caráter nitidamente disciplinar da multa prevista no artigo 265 do CPP, após a promulgação do novo Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), o censor natural de eventual desídia do advogado (defensor) só pode recair no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB (inciso LIII do artigo do artigo 5º da CFRB/88 e § 1º do artigo 70 da Lei nº 8.906/1994). Ou seja, atualmente o órgão jurisdicional natural para o processamento e aplicação de sanção ao advogado é o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB. Dessa forma, incompetente é o juiz criminal para aplicar multa de nítido caráter disciplinar, o que torna a nova redação do artigo 265 do CPP inconstitucional e ilegal pelas razões susodescritas.

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7 – O denominado "abandono" (rectius, ausência ou falta à audiência designada judicialmente) do processo pelo defensor exige um juízo deontológico do comportamento do advogado (defensor), só possível legalmente de ser aferido pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, sob pena da produção da superposição de juízos éticos. Imagine-se a situação paradoxal na qual o advogado é multado porque o juiz entendeu ser desidiosa sua conduta e posteriormente o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB afirme em sentido contrário, julgando improcedente a ação disciplinar por estar a conduta do profissional em conforme com os ditames éticos.

8 - Ocorrendo a aplicação da multa do artigo 265 do CPP pelo juiz criminal, será possível ao advogado (defensor) o manejo do mandado de segurança, inclusive com a prejudicial (controle difuso) de inconstitucionalidade, máxime porque naquela disposição ordinária não há a previsão do recurso cabível contra aquele ato jurisdicional de natureza sancionatória de privação de bens.

9 - De lege ferenda, respeitadas as prerrogativas da advocacia, pensamos que a redação do artigo 265 e parágrafos do CPP deveria se pautar segundo a prática pretoriana já desenvolvida com sucesso no processo penal brasileiro, a saber, o juiz se deparando com o comportamento desidioso do advogado na condução da defesa técnica, deveria oficiar à Ordem dos Advogados do Brasil a fim de que fosse apurada a violação ético-disciplinar do profissional. Mas aí quem determinará legalmente a desídia do advogado será o seu órgão censor, com o franqueamento ao advogado do contraditório e da ampla defesa (o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB) e não o juiz criminal, que é órgão incompetente para aplicar qualquer modalidade de sanção disciplinar ao advogado. [13]- [14]

Pensamos que a nova redação do artigo 265 e seus parágrafos do CPP, por intermédio da Lei nº 11.719/2008, põe em xeque as prerrogativas da Advocacia, haja vista que submetem o advogado, na condição de defensor no processo penal, à aplicação de uma multa de nítido caráter disciplinar, usurpando, dessa forma, a legitimidade censora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, sem falar nas violações às disposições constitucionais garantidoras do devido processual legal (incisos LIII, LIV e LV do artigo 5º da CRFB/88). Em tal panorama, aguardamos que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados se valha da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), consoante as normas decorrentes do inciso VII do artigo 103 da Constituição da República de 1988, a fim de debelar as sérias violações às prerrogativas constitucionais e estatutárias da Advocacia materializadas na nova redação do artigo 265, caput, e seus parágrafos do CPP.


Notas

  1. João Bosco Cavalcanti Lana. Elementos de Teoria Geral do Direito: introdução ao estudo Direito. 3ª edição, Civilização Brasileira/Instituto dos Magistrados do Brasil, 1980, p. 112-113.
  2. Hélio Tornaghi. Curso de Processo Penal. V. 1, 8ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1991, p. 490-497.
  3. Fernando da Costa Tourinho Filho. Código de Processo Penal Comentado. 2ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 435-437.
  4. Fernando da Costa Tourinho Filho, obra já citada, p. 436.
  5. Peter Andrés Frenczy. Defesa Dativa: o elo frágil na relação processual penal. Editora Forense, Rio de Janeiro, p. 57.
  6. Fernando da Costa Tourinho Filho considera de natureza disciplinar a multa prevista no caput do artigo 265 do CPP, pelo menos nos leva a esse entendimento, in verbis: "Ao lado dessa sanção, de natureza disciplinar, imposta pelo juiz (...)". (obra citada, p. 436)
  7. Luís Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. 1ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, p. 54-96.
  8. Walber de Moura Agra. Manual de Direito Constitucional. 1ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 100-101.
  9. Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 17ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 356-367.
  10. Maria Helena Diniz. Curso de Civil Brasileiro. 9ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1993, p. 63-67.
  11. Gilmar Mendes Ferreira, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. 1ª edição, Editora Saraiva/Instituto Brasilense de Direito Público, São Paulo, 2008, p. 535-539.
  12. Nos artigos 35 usque 43 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, há a regulamentação das sanções possíveis de serem aplicadas aos advogados após o devido processo ético e disciplinar. Como sanções são previstas a censura, suspensão, exclusão e multa. A multa, por exemplo, no seu sentido punitivo variará entre o mínimo correspondente ao valor de uma anuidade e o máximo de seu décuplo. É visível aqui que a multa aplicada ao advogado pela OAB tem um sentido nitidamente disciplinar e não confiscatório como a disposição inconstitucional prevista na nova redação do artigo 265 do CPP.
  13. Ivan Luís Marques da Silva. Reforma Processual Penal de 2008. 1ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 17-18.
  14. No caso de defensor público, em atuação no juízo criminal, a censura do seu comportamento ético na condução do processo-crime só pode ser avaliada pelo seu órgão censor de classe, no caso a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do ente federativo daquele agente político, conforme normas decorrentes do artigo 11 da Lei Complementar nº 80/1994. Assim, a aplicação da multa pelo juiz criminal, constante da nova redação do artigo 265 do CPP, ao defensor público é inconstitucional e ilegal, haja vista as razões exposta no nosso texto. Em relação à fiscalização disciplinar dos defensores públicos, a obra do saudoso defensor público do Estado do Rio de Janeiro Sílvio Roberto Mello Moraes é de consulta indispensável (Princípios Institucionais da Defensoria Pública: Lei Complementar 80, de 12.1.1994 anotada, 1ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995).
Sobre os autores
Francisco da Cunha e Silva Neto

advogado nas cidades de Curitiba e do Rio de Janeiro, mestre em Direito Público pela UGF-RJ, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-PR, professor universitário

Benhur dos Santos Cavalcanti

Bacharel em Direito pela PUC-RJ e advogado militante na cidade do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, Francisco Cunha; CAVALCANTI, Benhur Santos. As violações à advocacia segundo a nova redação do art. 265 do Código de Processo Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1913, 26 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11775. Acesso em: 22 nov. 2024.

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