Justificativa fiscal sobre a interpretação questionada
A Receita Federal, para tributar permuta sem torna de bens não imóveis do patrimônio fixo do contribuinte, vê-se na necessidade de atribuir valor aos bens permutados, dado que permuta nessas condições não pressupõe valores monetários.
Para determinar as quantias que no seu entender estariam envolvidas na operação, as autoridades fazendárias, tanto as lançadoras como as julgadoras, costumam invocar o argumento de que a permuta equivale a duas operações simultâneas de compra e venda, uma premissa que, embora não verdadeira, acaba sendo necessária a possibilitar a determinação da matéria tributável, que é o ganho de capital. Admitem assim que um dos permutantes transfere ao outro o bem que possuía, recebe o preço em dinheiro, e usa essa quantia para comprar o bem que recebeu na operação. É dizer: no caso não existiria a figura da troca.
No entanto, repita-se que, em se tratando de bens, de qualquer natureza que seja, integrantes do patrimônio fixo do contribuinte, não pode haver incidência de imposto de renda sobre permuta sem torna. Embora a presumida vantagem seja o móbil do negócio, do ponto de vista tributário não se pode inferir ganho para qualquer das partes quando a troca é equilibrada, sem volta.
O preço é um dos elementos caracterizadores do contrato de compra e venda, como se colhe do art. 481 do Código Civil: "Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe preço em dinheiro." Já no contrato de permuta, tratado no artigo 533 do mesmo Código, não existe preço: "Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações: I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante."
Contudo, dizer o art. 533 do Código Civil que se aplicam à troca as disposições referentes à compra e venda não significa que se possa atribuir preço aos bens envolvidos na permuta, sob pena de restar desfigurado o instituto, transformando-o em compra e venda, em rasgada ofensa ao disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional:. "A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
A respeito, comentando o Código Civil, nesta parte diz Jones Figueirêdo Alves (1), "O contrato de troca ou permuta é aquele. .. mediante a contraprestação simultânea de outra coisa, de valor igual ou equivalente, ou mesmo desigual,. .. Diferencia-se do contrato de compra e venda pelo único característico de os contraentes assumirem obrigações. Idênticas, coisa por coisa (rem por re), sem que um deles exercite a sua prestação em dinheiro...."
Ainda sobre esse equivocado entendimento de que a permuta configura duas operações de compra e venda, preleciona Pontes de Miranda (2): "Por outro lado, é falso que haja, no contrato de troca, dois contratos, ‘duas verdadeiras vendas’: só há a prestação de A e a contraprestação de B, sem que uma delas seja dinheiro. Sociologicamente, a compra-e-venda provém da troca, e não vice-versa: é a troca de propriedade ou de posse de algum bem pela propriedade ou pela posse de outro, que acontece na compra-e-venda."
Outros autores ensinam, é claro, no mesmo sentido, como Orlando Gomes (3): "Na troca não há preço, como na compra e venda, mas é irrelevante que as coisas permutadas tenham valores desiguais.. ..." (pág. 268), e De Plácido e Silva (4): "Na venda há um preço. Na permuta, a troca de valores é firmada por sua equivalência, pelo que dela se exclui qualquer obrigação que resulte na entrega de dinheiro.
Aplicarem-se as disposições referentes à compra e venda, nos termos em que prevê o Código Civil, é dar o tratamento deste tipo de contrato, compra e venda, ao outro, de troca, sem que este último reste descaracterizado. O preço, sendo requisito apenas do contrato de compra e venda, não pode, na aplicação por remissão, constituir elemento do contrato de permuta.
Aplicam-se as disposições do contrato de compra e venda ao de permuta para, por exemplo, atender à exigência do instrumento público se a permuta tiver por objeto bens imóveis, para efeito de exigência do imposto sobre a transmissão dos bens, para observar o requisito de outorga do cônjuge.
Conclusão
Não encontra amparo nem na lei nem no direito a tese de que a operação de troca somente estará fora do alcance do Imposto de Renda se tiver por objeto bens imóveis, e desde que na operação não haja torna.
O fato gerador desse imposto, como reza o art. 43 do Código Tributário Nacional, é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos. Renda é o produto obtido do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; proventos são os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.
Quando o contribuinte aliena, por valor superior ao seu custo, bem de seu patrimônio fixo, obtém renda, renda do capital Contudo, se essa alienação se dá mediante permuta sem torna, seja o bem dado em troca móvel ou imóvel, tangível ou intangível, não ocorre percepção de renda nem obtenção de acréscimo patrimonial. O bem que na permuta ingressou em seu patrimônio ficará registrado pelo mesmo custo pelo qual estava registrado o que saiu.
Portanto, sendo o dinheiro a medida da renda e do acréscimo patrimonial, e a troca sem torna modalidade de contrato que não envolve valor pecuniário, com esta, desde que não tenha por objeto bem do capital de giro, não se altera o estado de riqueza do permutante perante o Imposto de Renda, nada havendo a ser tributado.
Notas
(1) Do autor e outros oito, coordenação de Ricardo Fiúza,"Novo Código Civil Comentado", Edit. Saraiva, 4ª edição atualizada, 2005, páginas 479/480, comentário ao art. 533.
(2) Pontes de Miranda, "Tratado de Direito Privado", Tomo XXXIX, Edit. Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1972, pág. 380.
(3) Orlando Gomes, "Contratos", Editora Forense, 15ª edição, 1995, Cap. Troca ou Permuta, págs. 268 e seguintes.
(4) De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vol III, Edit. Forense, 12ª edição, 1993, verbete "Permuta", pág. 357.