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Os créditos trabalhistas na sucessão de empresas.

Análise crítica da Lei nº 11.101/05

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Agenda 02/11/2008 às 00:00

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO...1 A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA 1.1 A DISTINÇÃO ENTRE A RELAÇÃO DE TRABALHO E A RELAÇÃO DE EMPREGO 1.2 TRABALHADORES NÃO-EMPREGADOS PELA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO.1.2.1 Autônomo. 1.2.2 Eventual .1.2.3 Avulso . 1.3 TRABALHADORES NÃO-EMPREGADOS POR EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. 1.3.1 Estagiário. 1.3.2 Servidor público estatutário. 1.4 TRABALHADORES NÃO-EMPREGADOS POR PRESUNÇÃO RELATIVA DE AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. 1.4.1 Cooperados. 2 SUJEITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. 2.1 CARACTERIZAÇÃO DA FIGURA DO EMPREGADO . 2.1.1 Trabalho prestado por pessoa física . 2.1.2 Pessoalidade . 2.1.3 Subordinação . 2.1.4 Onerosidade . 2.1.5 Não-eventualidade. 2.2 CARACTERIZAÇÃO DA FIGURA DO EMPREGADOR . 2.2.1 A despersonalização e a assunção dos riscos do empreendimento pelo empregador .3 O INSTITUTO DA SUCESSÃO DE EMPREGADORES. 3.1 A SUCESSÃO NO DIREITO CIVIL . 3.2 A SUCESSÃO NO DIREITO COMERCIAL. 3.3 A SUCESSÃO TRABALHISTA . 3.3.1 Caracterização do instituto da sucessão trabalhista. 3.3.1.1 Novação . 3.3.1.2 Estipulação em favor de terceiro . 3.3.1.3 Delegação ou cessão de débito . 3.3.1.4 Sub-rogação . 3.3.1.5 Cessão de créditos . 3.3.2 A abrangência da sucessão trabalhista . 3.3.3 Os efeitos da sucessão e a cláusula de não-responsabilização . 3.3.4 A insurgência obreira contra a sucessão.4 A SUCESSÃO TRABALHISTA E SEUS EFEITOS NA NOVA LEI DE FALÊNCIAS..... 4.1 A NOVA LEI DE FALÊNCIAS. 4.2 SUCESSÃO TRABALHISTA E FALÊNCIA. 4.3 SUCESSÃO TRABALHISTA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL DE EMPRESAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

No afã de satisfazer o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, ampliando a proteção conferida ao obreiro, é que a Consolidação das Leis do Trabalho contempla, em seus artigos 10 e 448, a sucessão de empregadores.

A sucessão trabalhista é instituto que instrumentaliza a proteção ao empregado, fundando-se, essencialmente, no princípio da intangibilidade dos contratos de trabalho, no princípio da continuidade da relação de emprego e no princípio da despersonalização da figura do empregador.

A sucessão é instituto que afirma a impessoalidade, característica peculiar do empregador pessoa jurídica, que possibilita a alteração contratual subjetiva do pólo passivo da relação de emprego, sem que haja a perda do vínculo empregatício para o empregado.

Ver-se-á que a proteção que a lei dispensa ao empregado não objetiva somente a continuidade dos contratos de trabalho, mas visa também garantir o pagamento dos créditos trabalhistas, estendendo sua exigibilidade para além dos sujeitos que compuseram inicialmente o contrato de trabalho. Desse modo, o novo titular do estabelecimento passa a responder pelos débitos nascidos anteriormente à aquisição do empreendimento, débitos estes para os quais sequer concorreu.

A sucessão, per se, tem, tradicionalmente, a força de operar a automática assunção pelo sucessor das obrigações e encargos contraídos pelo antecessor, conferindo ao empregado a opção de acioná-los judicialmente para a satisfação de seus créditos.

Entretanto, após tramitar por onze anos no Congresso Nacional, a Nova Lei de Falências, Lei n. 11.101 de 2005, foi editada em substituição ao Decreto-lei n. 7.661 de 1945, tendo sido alvo de reiteradas críticas por sua flagrante inadequação aos princípios norteadores do Direito do Trabalho, especialmente no que tange ao tratamento conferido às garantias do crédito obreiro.

A sucessão dos créditos trabalhistas não restou imune à Nova Lei de Falências, que traz importantes e inovadoras disposições em seus artigos 60 e 141.

Quando há a declaração de falência (art. 99, Lei 11.101/95), a lei foi expressa ao excepcionar, no inciso II do art. 141, que o arrematante dos bens da empresa falida não se submete aos ônus oriundos da legislação do trabalho, objetivando conferir maior segurança ao arrematante. Entretanto, se há expressa previsão legal que excepcione o arrematante dos bens do falido da sucessão trabalhista, o mesmo não ocorre quanto à arrematação de bens de empresa que se encontre em recuperação. Essa omissão legal, como se verá, deu origem a controvérsias que dividem a opinião dos doutrinadores.

Antes, contudo, de se enveredar pelas recentes discussões acerca do tema, cumpre recuperar conceitos basilares para uma melhor compreensão da sucessão trabalhista e dos efeitos gerados pela Nova Lei de Falências, motivo pelo qual faz-se, a seguir, incursão pelo Direito Individual do Trabalho.

A fim de situarmos a sucessão trabalhista como fenômeno que se insere na dinâmica da relação laboral, é que se faz, no primeiro capítulo, a caracterização e a distinção entre as relações empregatícias e as relações de trabalho.

No segundo capítulo busca-se identificar os sujeitos da relação de emprego, sujeitos sobre os quais recairão os efeitos oriundos da aplicação do instituto sucessório.

O terceiro capítulo, por sua vez, destina-se à análise mais próxima da sucessão, confrontando o significado que o instituto recebe no Direito Civil e no Direito Comercial com a concepção adotada pela doutrina justrabalhista.

É, enfim, no quarto capítulo que se analisará os efeitos operados pela Nova Lei de Falências na seara do Direito do Trabalho, demonstrando-se o patente retrocesso operado pela nova lei no que tange às garantias do crédito obreiro, que serão dilapidadas na desesperada tentativa de dar sobrevida às atividades empresariais.

Na busca constante de se estabelecer um equilíbrio entre as forças sociais, evidenciam-se, nos sucessivos momentos históricos, tendências ora à proteção do trabalho humano, ora à preservação dos mecanismos de geração de riqueza. Ver-se-á que, com a edição da Nova Lei de Falências, reacende-se o embate entre o princípio da valorização do trabalho humano e o princípio da livre iniciativa.

Neste cenário, tornam-se imprescindíveis as lições dos doutrinadores justrabalhistas no sentido da plena proteção ao trabalhador, fulcrando-se no entendimento de que é somente pela via da valorização do homem, de sua força e intelecto, que se alcançará verdadeiramente a dignidade da pessoa humana.


1. A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA

1.1. DISTINÇÃO ENTRE A RELAÇÃO DE TRABALHO E A RELAÇÃO DE EMPREGO

A) Análise histórica

Paraque se possa compreender e analisar mais profundamente o tema aqui proposto, cumpre recuperar alguns conceitos basilares pertinentes à disciplina do Direito do Trabalho, recorrendo à doutrina e à jurisprudência na busca de suas imprescindíveis lições.

Antes de se alcançar o significado que assumem modernamente as relações laborais, observa-se, ao longo da história da humanidade, o desenvolvimento de diversas formas de exploração da força e do intelecto humanos. Explica ALICE MONTEIRO DE BARROS, em breve escorço histórico, que:

"Na antiguidade clássica, no mundo greco-romano, o trabalho possuía um sentido material, era reduzido a coisa, o que tornou possível a escravidão. A condição de escravo derivava do fato de nascer de mãe escrava, de ser prisioneiro de guerra, de condenação penal, de descumprimento de obrigações tributárias, de deserção do exército, entre outras razões. Nessa forma de trabalho, o homem perde a posse de si mesmo. Ao escravo era confiado o trabalho manual, considerado vil, enquanto os homens livres dedicavam-se ao pensamento e à contemplação, para os quais os escravos eram considerados incapazes" [01].

A autora prossegue afirmando que, naquele contexto, o escravo equiparava-se aos animais e às coisas, motivo pelo qual não pôde desenvolver-se o Direito do Trabalho. O escravo enquadrava-se como objeto do direito de propriedade, não como sujeito de direito.

Acompanhando a evolução histórica, em mais alguns séculos alcança-se a Idade Média, período em que, concomitantemente ao surgimento de novas formas de aproveitamento da mão-de-obra humana, a escravidão encontra seu ocaso. Explica a autora que:

"No período feudal, de economia predominantemente agrária, o trabalho era confiado ao servo da gleba, a quem se reconhecia a natureza de pessoa e não de coisa, ao contrário do que ocorria com os escravos. Não obstante, a situação do servo, pelo menos no Baixo Império Romano, era muito próxima à dos escravos. Eles eram escravos alforriados ou homens livres que, diante da invasão de suas terras pelo Estado e, posteriormente, pelos bárbaros, tiveram que recorrer aos senhores feudais em busca de proteção. Em contrapartida, os servos estavam obrigados a pesadas cargas de trabalho e poderiam ser maltratados ou encarcerados pelo senhor, que desfrutava até mesmo do chamado jus primae noctis, ou seja, direito à noite de núpcias com a serva da gleba que se casasse" [02].

Com a decadência do sistema feudal e a queda do Império Romano, surgem formas rudimentares de organização do trabalho, consubstanciadas nas corporações de ofício, extintas formalmente em 1791, com o advento da Lei Chapelier, que determinava, em seu artigo 7º, que todo homem seria livre para dedicar-se ao trabalho, profissão, arte ou ofício que achasse conveniente, estando obrigado a prover-se de uma licença, a pagar os impostos de acordo com as tarifas estabelecidas e a conformar-se com os regulamentos da polícia que existiam ou que fossem expedidos. [03]

Acompanhando a revolução cultural advinda de movimentos como o Renascimento, o desenvolvimento do capitalismo mercantil, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, a liberdade é reconhecida como atributo inerente à pessoa. Afirma AMAURI MASCARO NASCIMENTO que o Direito do Trabalho "surgiu como conseqüência da questão social que foi precedida da Revolução Industrial do século XVIII e da reação humanista que se propôs a garantir ou preservar a dignidade do ser humano ocupado no trabalho das indústrias" [04].

Após reiterados e paulatinos avanços na conquista da liberdade é que o homem se torna senhor de si, sendo o Código de Napoleão o ápice do processo de consagração legislativa da liberdade humana:

"Os indivíduos adquiriam com sua vontade o poder supremo para realizar toda a classe de atos jurídicos, os quais passavam a ter força de lei entre as partes, porque aceitos voluntariamente.

O Código de Napoleão, de 1804, revela a vontade contratual como norma suprema das relações jurídicas. E assim é que o art. 1134 do aludido diploma legal dispõe: ‘As convenções têm força de lei para os que as celebram’. Por outro lado, o art. 1115 do mesmo diploma legal condiciona a revogação das convenções ao consentimento mútuo das partes ou às causas que a lei autorize" [05].

É no Código Civil Francês de 1804, reconhecidamente impregnado da idéia de individualismo, que se reconhece o caráter contratual à atividade laboral, vislumbrando-se no consentimento do trabalhador elemento imprescindível à formação da relação obrigacional, sendo o contrato de trabalho regulado neste diploma como uma modalidade de locação.

Observou-se, entretanto, que não basta que haja consentimento na formação de um contrato, cujo objeto seja a prestação de trabalho, para atrair a aplicação do Direito do Trabalho. Faz-se mister discernir a relação de trabalho da relação de emprego, por serem relações jurídicas que não se confundem.

B) Análise jurídica

Sendo a relação empregatícia uma relação jurídica, cumpre, primeiramente, buscar na teoria geral do Direito Civil definição mais precisa desse instituto. Recorrendo-se a MARIA HELENA DINIZ, tem-se que "a relação jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma pode pretender um bem a que outra é obrigada". Entretanto, "só haverá relação jurídica se o vínculo entre duas pessoas estiver normado, isto é, regulado por norma jurídica". [06]

MAURÍCIO GODINHO DELGADO, ao tratar da distinção existente entre relação de trabalho e relação de emprego, em esclarecedora exposição, observa que:

"A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.

A relação de emprego, entretanto, é, do ponto de vista técnico-jurídico, apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes" [07].

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A relação de emprego, considerada como relação de trabalho stricto sensu, é espécie de relação de trabalho regulada pelo contrato de trabalho ou, mais propriamente, pelo contrato de emprego.

A definição legal de contrato de trabalho é encontrada no artigo 442 da CLT, in verbis:

"Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego."

ALICE MONTEIRO DE BARROS sugere a seguinte definição de contrato de trabalho:

"O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não-eventual, mediante salário e subordinação jurídica" [08].

Para a validade da relação jurídica empregatícia cumpre verificar se essa manifestação de vontade se reveste dos elementos jurídico-formais, pois assim como quaisquer contratos regidos pelo Direito Civil, o contrato de trabalho também requer, para sua válida formação, a concorrência dos elementos tradicionais exigidos pelo artigo 104 do Código Civil brasileiro. São eles: a capacidade das partes, a licitude do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei, que correspondem, respectivamente, aos incisos I, II e III do artigo supra.

Ensina MAURÍCIO GODINHO DELGADO que se se perquirir pelos elementos fático-jurídicos da relação empregatícia para concluir pela existência ou não da relação de emprego, deve-se, do mesmo modo, perquirir pelos elementos jurídico-formais do contrato empregatício para responder sobre a sua validade ou não, além da extensão dos seus efeitos. [09]

Não há exigências legais quanto à forma do contrato de trabalho, como se depreende do artigo 443 da CLT:

"Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado."

O artigo supra permite a conclusão de que a ausência de formalização não é o suficiente para obstar o reconhecimento do vínculo empregatício, quando formado a partir da constatação de que a prestação de serviços foi efetuada presentes os cinco elementos fático-jurídicos, dado o princípio da primazia da realidade sobre as formas.

Embora não haja consenso doutrinário em torno da difícil conceituação do que seja o contrato de trabalho, verifica-se certa convergência quanto à presença do elemento da subordinação, imprescindível à sua caracterização. É o que asseveram ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK:

"Os especialistas aproximam-se e concordam em reconhecer que o estado de dependência em que fica uma das partes para com a outra é uma singularidade do contrato de trabalho, que permite a sua identificação entre os contratos afins. Nestas condições, a definição deste há de compreender necessariamente esse elemento de subordinação. A sua presença em uma relação jurídica que tenha por conteúdo o trabalho é indispensável para caracterizá-lo" [10].

Resta claro que a relação de trabalho somente atrairá a incidência do Direito do Trabalho quando se enquadrar em configuração específica, como melhor se verá a seguir.

Primando pela melhor técnica terminológica, para que se faça o correto uso das expressões "trabalhador" e "empregado", observe-se a didática lição de ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK:

"A todo aquele que presta um serviço pode-se designar pela expressão genérica de trabalhador. O termo empregado deve ser reservado para quem trabalha em virtude de um contrato de trabalho. Assim, trabalhador é o gênero de que empregado é espécie. O empreiteiro, por exemplo, é trabalhador, mas não é empregado, pois o contrato, no qual se estipulou a obrigação de trabalhar, é de empreitada. (...) Só é empregado, em suma, quem trabalha vinculado pelo contrato de trabalho, que se diria, mais precisamente, contrato de emprego" [11].

No que tange à relação de emprego, MAURÍCIO GODINHO DELGADO prossegue em sua exposição afirmando que a relação empregatícia "resulta da síntese de um diversificado conjunto de fatores (ou elementos) reunidos em um dado contexto social ou interpessoal", fazendo referência aos cinco elementos fático-jurídicos imprescindíveis à configuração da referida relação, quais sejam: "a) prestação de trabalho por pessoa física; b) prestação efetuada com pessoalidade; c) também efetuada com não-eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade" [12].

Dada a importância do tema, far-se-á em item próprio uma análise mais detida desses cinco elementos da relação de emprego, adotados massivamente pela doutrina e pela jurisprudência para verificar a caracterização e a ocorrência da relação empregatícia.

Esses elementos estão legalmente estabelecidos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:

"Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".

"Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Quanto a esses cinco elementos caracterizadores da relação de emprego, a doutrina e a jurisprudência são uníssonas ao exigir que todos eles estejam presentes concomitantemente para que se possa concluir pela existência do vínculo empregatício. Observe-se, a respeito, a ementa de decisão proferida em julgamento realizado pela Sexta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em sede de Recurso Ordinário:

"EMENTA - RELAÇÃO DE EMPREGO - PESQUISADOR DE OPINIÃO. Aflorando do conjunto probatório que o Autor trabalhava como freelancer, prestando serviços de pesquisa de opinião pública, como entrevistador, sem habitualidade e sem subordinação, gozando de ampla liberdade de aceitar e recusar o trabalho para o qual é convocado, é impossível o reconhecimento do liame empregatício. Para a configuração da relação de emprego faz-se necessária a conjugação simultânea dos elementos previstos no artigo 3º celetizado, quais sejam: pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade". [13]

Sendo a presença desses elementos fático-jurídicos imprescindíveis para a configuração da relação de emprego, conclui-se que as inúmeras relações de trabalho contratualmente pactuadas, mas que não se enquadram no modelo doutrinária e legalmente estabelecido para a relação de emprego, serão espécies de relações jurídicas não agasalhadas pelo Direito do Trabalho.

Passa-se, a seguir, a uma breve análise dessas variadas formas de relações de trabalho.

1.2. TRABALHADORES NÃO-EMPREGADOS PELA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO

1.2.1. Autônomo

A expressão trabalho autônomo compreende, na verdade, diversas modalidades de prestação de trabalho que ganham, na contemporaneidade, importância cada vez maior. Mas é essencialmente por faltar-lhes o pressuposto da subordinação jurídica que essas relações jurídicas não se amoldam ao "tipo" da relação empregatícia. São exemplos de relações de trabalho não-empregatícias a empreitada, a prestação de serviços, o contrato de agência e distribuição e a representação comercial, regulados quer pelo Código Civil, quer por legislação específica.

Não raro falta-lhes o elemento fático-jurídico da pessoalidade, afastando-as ainda mais da previsão celetista. Nesse caso, a relação ficará marcada pela fungibilidade do prestador, uma vez que se tornam irrelevantes as características pessoais daquele que efetivamente prestará os serviços.

Entretanto, sendo relevantes as características pessoais do profissinal contratado, tendo sido o contrato fixado intuitu personae, ainda assim, a relação será regida pelo Direito Civil, pois falta-lhe o pressuposto da subordinação jurídica para que possa ser considerada como uma relação de emprego. É o que ocorre, em geral, nas contratações cujo objeto é a prestação de serviços por parte dos chamados profissionais liberais, a exemplo de dentistas, advogados, artistas plásticos, médicos, entre outros, contratados exatamente por suas especiais habilidades ou conhecimento.

Na lição de ALICE MONTEIRO DE BARROS:

"No trabalho autônomo, o prestador de serviços atua como patrão de si mesmo, sem submissão aos poderes de comando do empregador e, portanto, não está inserido no círculo diretivo e disciplinar de uma organização empresarial. O trabalhador autônomo conserva a liberdade de iniciativa, competindo-lhe gerir sua própria ativiade e, como conseqüência, suportar os riscos daí advindos" [14].

Na mesma linha de idéias, sustenta MAURÍCIO GODINHO DELGADO:

"Fundamentalmente, trabalho autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador ao tomador dos serviços. Autonomia é conceito antitético ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços, a autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar. Na subordinação, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços transfere-se ao tomador; na autonomia, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho" [15].

Conclui-se, portanto, que falta às formas de trabalho autônomo o pressuposto da subordinação jurídica, essencial à configuração da relação de emprego, o que por si só afasta a incidência do Direito do Trabalho.

1.2.2. Eventual

Considera-se trabalho eventual a relação de trabalho na qual está ausente o pressuposto da não-eventualidade, motivo pelo qual se afasta da relação de emprego. É prestado ocasionalmente, em virtude de determinadas necessidades temporárias do tomador de serviços.

A precisa definição de eventualidade encontra controvérsias doutrinárias, tendo surgido várias teorias com o objetivo de fixar critérios objetivos. Segundo a teoria do evento, "eventual será o trabalhador contratado para atender a um serviço esporádico, decorrente de um evento episódico ocorrido na empresa" [16]. Para os adeptos da teoria da descontinuidade, o aspecto de maior importância seria a segmentação da prestação de serviço no tempo, sendo que o trabalhador se vincula "do ponto de vista temporal, de modo fracionado ao tomador, em períodos entrecortados, de curta duração" [17]. Já a teoria dos fins do empreendimento ou fins da empresa enxerga o trabalho eventual como aquele que atende a tarefas estranhas aos fins da empresa. Por fim, a teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços considera como trabalhador eventual aquele que "pela dinâmica de relacionamento com o mercado de trabalho não se fixa especificamente a um ou outro tomador de serviços, ofertando-se indistintamente no mercado" [18].

Mesclando as teorias acima, ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK expõem o seguinte entendimento:

" O trabalho eventual, ocasional ou temporário propriamente dito é aquele que é exigido em linha absolutamente temporária ou transitória, cujo exercício não se integra na faculdade da empresa" [19].

Os autores citam, como exemplo, o eletricista chamado para reparar as instalações elétricas de determinada fábrica ou o trabalhador chamado por certo período de tempo para substituir aquele que se afastou em gozo de férias [20].

A não fixação jurídica do trabalhador eventual a um determinado empregador é elemento presente também na caracterização de trabalhador eventual adotada por AMAURI MASCARO NASCIMENTO que, no contraponto entre o trabalhador eventual e o empregado, afirma:

"Eventual é o trabalho que, embora exercitado continuadamente e em caráter profissional, o é para destinatários que variam no tempo, de tal modo que se torna impossível a fixação jurídica do trabalhador em relação a qualquer um deles.

Assim, trabalhador eventual é o mesmo que profissional sem patrão, sem empregador, porque o seu serviço é aproveitado por inúmeros beneficiários e cada um destes se beneficia com as atividades do trabalhador em frações de tempo relativamente curtas, sem nenhum caráter de permanência ou de continuidade. Trabalho transitório, portanto, caracterizado por tarefas ocasionais de índole passageira.

Já o empregado destina o seu trabalho de modo constante, inalterável e permanente a um destinatário, de modo a manter uma constância no desenvolvimento de sua atividade em prol da mesma organização, suficiente para que um elo jurídico seja mantido, resultante, muitas vezes, dessa mesma continuidade" [21].

Conclui-se, portanto, que falta ao trabalho eventual o pressuposto da não-eventualidade, essencial à configuração da relação de emprego, afastando, deste modo, a incidência do Direito do Trabalho.

1.2.3. Avulso

A residência legal da definição de trabalho avulso se encontra no artigo 12, inciso VI, da Lei n. 8.212 de 1991, segundo o qual é avulso "quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento".

Em outras palavras, trabalhador avulso é aquele que, devidamente habilitado e registrado perante o órgão gestor de mão-de-obra, trabalha em operações portuárias prestando serviços a diversas empresas, sendo pago por estas, mas sendo remunerado por aquele, sem a existência de vínculo empregatício [22].

O que distinguiria, portanto, o trabalhador avulso do trabalhador eventual seria, justamente, a circunstância de que sua força de trabalho é ofertada no setor portuário e por meio de entidade intermediária. Essa entidade, à qual se atribui a designação de órgão gestor de mão-de-obra, é que medeia a contratação dos obreiros pelos diversos tomadores, a exemplo dos armazéns, importadores e exportadores e demais operadores portuários [23].

Encontram-se reiteradas decisões jurisprudenciais acatando os entendimentos doutrinários supra, como se observa na ementa de decisão proferida em julgamento realizado pela Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em sede de Recurso Ordinário:

"EMENTA: INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA PELO SINDICATO " ILICITUDE " RECONHECIMENTO DO VÍNCULO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS - "O trabalhador avulso é aquele que atua especificamente no setor portuário, através de uma entidade intermediária, que realiza a interposição da força de trabalho avulsa em face dos distintos tomadores de serviço (armazéns de portos, navios em carregamento ou descarregamento, importadores e exportadores e outros operadores portuários) " interposição que sempre foi exercida pelo respectivo sindicato profissional da categoria e, mais recentemente, a contar da Lei do Trabalho Portuário (Lei nº 8.630/93), por um "órgão de gestão de mão-de-obra" (art. 18, Lei nº 8.630/93), considerado de "utilidade pública" (art. 25, Lei nº 8.630/93) e caracterizado por uma composição diversificada dentre os segmentos que atuam no setor portuário. Portanto a categoria do trabalhador avulso abrange, fundamentalmente, os trabalhadores da orla marítima e portuária, como operadores de carga e descarga, conferentes e conservadores de carga e descarga, arrumadores e ensacadores de mercadorias e amarradores." (Relator Mauricio Godinho Delgado, processo nº
00677-2002-066-03-00-3-RO).Restando incontroverso nos autos que o autor, por intermédio do Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral de Uberaba, prestou serviços para a segunda ré " Usina Caeté S/A. ", estabelecida no Município de Uberaba, longe, portanto, da área marítima e portuária, não é adequado enquadrá-lo como trabalhador avulso. Sendo assim, e considerando que a irregularidade perpetrada não pode beneficiar o tomador de serviços nem o Sindicato, cabe a declaração da nulidade da terceirização e o reconhecimento do vínculo de emprego entre o obreiro e o tomador dos serviços" [24].

São inúmeras as atividades realizadas segundo a requisição dos tomadores de serviço, sendo que o trabalho portuário do avulso compreende, conforme elenca ALICE MONTEIRO DE BARROS:

"(...)capatazia, que consiste na movimentação de mercadorias nas instalações de uso público; estiva, que é a movimentação e mercadorias nos conveses ou porões das embarcações principais ou auxiliares; conferência de carga, que é a contagem dos volumes, a anotação de suas características, procedência ou destino, a verificação do estado das mercadorias e serviços correlatos nas operações de carregamento e descarga de embarcações; conserto de carga, que é o reparo e restauração da embalagem de mercadorias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reembalagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes para vistoria e posterior recomposição; vigilância de embarcações, que é a atividade de fiscalização de entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em outros locais de embarcação; bloco, que é a atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de pequena monta e correlatos" [25].

É importante lembrar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXXIV, prescreve a igualdade de direitos entre os trabalhadores com vínculo empregatício permanente e os trabalhadores avulsos, aplicando-se-lhes os dispositivos constitucionais asseguradores de direitos trabalhistas.

1.3. TRABALHADORES NÃO-EMPREGADOS POR EXPRESSA PREVISÃO LEGAL

1.3.1. Estagiário

O Decreto n. 87.497, de 1982, conceitua o estágio curricular em seu artigo 2º como sendo "as atividades de aprendizagem proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado", sendo que a responsabilidade e coordenação dessas atividades compete à instituição de ensino.

Sobre a importância de tal prática, afirma AMAURI MASCARO NASCIMENTO:

"O estágio profissional de estudantes é uma parte da política de formação profissional daqueles que querem ingressar no processo produtivo integrando-se na vida da empresa, sem a qual essa integração seria impossível, porque nela é que o estudante vai aplicar seus conhecimentos, ampliá-los e desenvolver sua criatividade como forma de afirmação pessoal e profissional" [26].

Os sujeitos ativos e passivos aos quais a lei confere a faculdade de estabelecer o contrato de estágio estão previstos no art. 1º, caput, da Lei n. 6.494, de 1977, que dispõe que "as pessoas jurídicas de Direito Privado, os órgãos de Administração Pública e as Instituições de Ensino podem aceitar, como estagiários, os alunos regularmente matriculados em cursos vinculados ao ensino público e particular".

Explica AMAURI MASCARO NASCIMENTO que para que se completem as exigências formais de ordem jurídica constitutiva do estágio, "forma-se uma relação jurídica triangular em que figuram como partes o estudante, a instituição de ensino e a empresa concedente". [27]

Os requisitos para a configuração do estágio estão legalmente estabelecidos nos parágrafos do artigo 1º da Lei n. 6494/77, que dispõem que os alunos devem estar freqüentando cursos de nível superior, profissionalizante de segundo grau ou escolas de educação especial; que o estágio deve se dar em unidades que tenham condições de proporcionar experiência prática na linha de formação do estagiário; que o estágio deve propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e, por fim, que deve ser planejado, executado, acompanhado e avaliado em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares.

AMAURI MASCARO NASCIMENTO apresenta, ainda, como requisitos formais, a existência de termo de compromisso entre o estudante e a parte concedente; o comprovante de inexistência de relação de emprego; a interveniência obrigatória da instituição de ensino; a assinatura de contrato-padrão de bolsas de complementação educacional; a obrigação da empresa de fazer, para o bolsista, seguro de acidentes pessoais ocorridos no local do estágio e a observância do prazo de duração do estágio constante do contrato de bolsa. [28]

Segundo ALICE MONTEIRO DE BARROS,

"(...) se não há vinculação das atividades que o estudante realiza na empresa com a formação profissional que vem obtendo na escola, o estágio não se configura e a relação jurídica estará sob o abrigo do Direito do Trabalho, quando presentes os pressupostos do art. 3º da CLT" [29].

Haverá, neste caso, o reconhecimento do vínculo empregatício, em obediência ao mandamento do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe:

"Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

O artigo supra é importante instrumento dos julgadores no combate às fraudes trabalhistas, sendo amplamente acolhido jurisprudencialmente. É pacífica sua aplicação nos casos de fraudes praticadas mediante a utilização de contratos de estágio simulados.

1.3.2. Servidor público estatutário

Ao tratar sobre o servidor público estatutário é importante ter em mente que, devido à existência de excludente legal da relação de emprego, esta não se estabelecerá entre a Administração Pública e o servidor estatutário. Formar-se-á, sim, vínculo de natureza pública, ainda que seja o servidor pessoa natural que preste seus serviços com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação a seus superiores hierárquicos.

Sobre a ausência de vínculo propriamente empregatício entre os servidores estatutários e o Poder Público, aduz MAURÍCIO GODINHO DELGADO:

"Trata-se de situação expressamente excepcionada pela Constituição (mais do que pela lei, portanto), que elimina a possibilidade jurídica de existência de relação de emprego, por enfatizar outro aspecto singular também na mesma relação.

É o que se passa com o servidor público sob regime administrativo – servidor do tipo estatutário ou sob regime jurídico único ou ainda sob o vínculo denominado função pública. Tais trabalhadores lato sensu não formam vínculo contratual privatístico com os entes estatais a que servem – mas vínculo de natureza pública, sob padrão normativo distinto, juridicamente incomparável". [30]

Os servidores estatutários não são, portanto, empregados para efeitos justrabalhistas, estando submetidos a regime jurídico específico que afasta tais relações do campo de incidência do Direito do Trabalho.

Cumpre ressaltar que as observações supra referem-se unicamente aos servidores estatutários, não sendo aplicáveis aos servidores celetistas, cujo contrato de trabalho se submete, sim, ao sistema jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho. Este é empregado da pessoa jurídica de direito público para quem trabalha, sendo que sua relação de emprego com o ente estatal atrai a incidência do Direito do Trabalho.

É o que se depreende de reiteradas decisões jurisprudências acerca da possibilidade de negociação coletiva no serviço público, a exemplo da ementa que se segue, proferida em julgamento realizado pela Sétima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em sede de Recurso Ordinário:

"EMENTA: NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SERVIÇO PÚBLICO. EMPREGADO PÚBLICO. VIABILIDADE COM LIMITAÇÕES. O artigo 39, §3°, da CF/88, ao estender determinados direitos previstos no seu artigo 7° aos servidores públicos, sem incluir o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI), expressamente se refere àqueles servidores ocupantes de "cargo" público, uma vez que a própria Constituição faz distinção entre tais servidores e os ocupantes de "emprego" público. Estes últimos, empregados públicos, são inteiramente regidos pelas normas celetistas, sendo-lhes, portanto, aplicável o artigo 7° da CF/88, naturalmente com os contornos e limitações impostas pela própria Constituição e à Administração Pública em geral. Assim, não existe empecilho à negociação coletiva no serviço público, para a regulamentação das condições de trabalho do empregado público. Entretanto, nos termos do artigo 169, §1° e incisos da CF/88, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas com prévia dotação orçamentária e autorização legal específica, limitações que se estabelecem à negociação coletiva. Impõe-se, portanto, conferir validade ao acordo coletivo celebrado no âmbito do serviço público celetista municipal, no que diz respeito à alteração de jornada, matéria que não se insere na proibição de ajuste via negociação coletiva pelo município, já que não envolve aumento de despesa" [31].

Sobre os empregados públicos contratados pelo regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público, observe-se a assertiva de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, que levanta algumas peculiaridades que permeiam a aplicação do Direito do Trabalho a esses empregados:

"(...) são contratados sob regime da legislação trabalhista, que é aplicável com as alterações decorrentes da Constituição Federal; não podem Estados e Municípios derrogar outras normas da legislação trabalhista, já que não têm competência para legislar sobre Direito do Trabalho, reservada privativamente à União (art. 22, I, da Constituição). Embora sujeitos à CLT, submetem-se a todas as normas constitucionais referentes a requisitos para a investidura, acumulação de cargos, vencimentos, entre outras previstas" [32].

Importante observar que, após a Emenda Constitucional n. 45 de 2004, o artigo 114, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 passou a ter nova redação, atribuindo à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar "as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal se posicionou contrariamente à disposição textual do artigo 114, adotando o entendimento de que a competência da Justiça do Trabalho, relativamente aos servidores públicos, se resume às ações oriundas da relação estabelecida entre a Administração Pública e os empregados contratados sob o regime celetista, sendo que os conflitos surgidos entre a Administração e os servidores públicos estatutários devem ser solucionados perante a Justiça Comum.

Este é o conteúdo da ementa que se segue, proferida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade e relatada pelo Ministro Cezar Peluso:

"EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária" [33].

Reconhece-se à Justiça do Trabalho, portanto, a competência para dirimir os conflitos oriundos de quaisquer relações laborais, para além das relações empregatícias, ressalvada a hipótese de conflitos nascidos entre os servidores públicos estatutários e o Poder Público. [34]

1.4. TRABALHADORES NÃO-EMPREGADOS POR PRESUNÇÃO RELATIVA DE AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO

1.4.1. Cooperados

As cooperativas são meios modernos de organização da produção, afastando a intermediação e o lucro, trazendo benefícios múltiplos para os cooperados. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz o cooperativismo como princípio geral da atividade econômica, prescrevendo, expressamente, o dever do Estado de apoiá-lo e estimulá-lo, no artigo 174, §2º.

A Lei n. 5.764, de 1971, em seu artigo 3º, dispõe que:

"Art. 3° Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro."

As cooperativas são uma reunião de pessoas que se aderem voluntariamente, contribuindo para alcançar um fim comum. Elas não possuem fins lucrativos e têm por objeto social a prestação de serviços ou outras atividades a bem de seus associados. Os cooperados são, ao mesmo tempo, prestadores de serviço e beneficiários dos serviços ofertados por essas organizações, que estão presentes em qualquer setor da economia. No Código Civil de 2002 as cooperativas encontram regulação nos artigos 1.093 a 1.096.

Como é sabido, as atividades dos cooperados também não se regem pelas normas do Direito do Trabalho pois, sendo trabalhadores autônomos, não se estabelece relação de emprego entre eles e a cooperativa.

O parágrafo único do artigo 442 da CLT ganhou nova redação a partir da edição da Lei n. 8.949 de 1994, que repete o conteúdo já previsto no artigo 90 da Lei n. 5.764:

"Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela."

AMAURI MASCARO NASCIMENTO, diante do recente fenômeno das terceirizações fraudulentas, executadas sob a forma de cooperativas de trabalho, afirma que:

"Não é a cooperativa um mal, mas a forma como, por alguns, é usada, quando há fraude, astúcia ou burla à legislação trabalhista. É um erro pensar que o parágrafo único do artigo 442 é uma carta em branco para o empregador. Não é. A cooperativa de trabalho não é uma alternativa formal para o contrato individual de trabalho" [35].

Na mesma esteira, MAURÍCIO GODINHO DELGADO afirma que "o objetivo da lei foi retirar do rol empregatício relações próprias às cooperativas – desde que não comprovada a roupagem ou utilização meramente simulatória de tal figura jurídica", isso por que o objetivo da lei teria sido favorecer o cooperativismo com a presunção de ausência de vínculo empregatício e não a criação de "um instrumental para obrar fraudes trabalhistas". Por isso, afirma o autor que, restando comprovado que o envoltório cooperativista não atende às finalidades e princípios inerentes ao cooperativismo, fixando, ao revés, vínculo caracterizado por todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, esta deverá ser reconhecida, afastando-se a simulação perpetrada. [36]

Veja-se, a respeito, trecho do voto proferido pela Desembargadora Emília Facchini, da Sexta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em sede de Recurso Ordinário:

"Os artigos 4º e 7º, da Lei n. 5.764/71, estabelecem que a caracterização da sociedade cooperativa é a prestação direta de serviço aos associados, sendo essa a razão de sua constituição. Impõe-se sempre o respeito aos objetivos sociais e ao conjunto de previsões legais e estatutárias. E as normas jurídicas que regulam essa sociedade são bastante rígidas, haja vista cuidar o exercício de negócio comercial consoante o artigo 87 (ibidem). Ausente uma destas características, compromete-se a existência da sociedade cooperativa como ente coletor de interesses obreiros em face de dado empregador. Desvirtuada a relação cooperativista disciplinada pela Lei n. 5.764/71, não cabe subsumi-la ao parágrafo único, do artigo 442, da CLT, hipótese em que a formalidade constitutiva da cooperativa e a associação do Reclamante se tornam irrelevantes, pois os fatos preponderam sobre os documentos. Não há dúvidas de que a Cooperativa criada, no caso específico, funcionou como verdadeira "agência de serviços", cuja atuação na consecução dos serviços inerentes e permanentes da Recorrente contratante dos serviços de mão-de-obra, configurando verdadeiro marchandage, fora das hipóteses de intermediação de mão-de-obra lícita reconhecidas pela jurisprudência e ordenamento pátrios, distante dos objetivos verdadeiros visados pelo espírito cooperativo. Resta evidente que a primeira Reclamada apenas tentou esquivar-se das obrigações trabalhistas, fraudando, assim, os direitos do trabalhador" [37].

O cooperativismo deve ser informado por alguns princípios que norteiam a formação e atuação das cooperativas, possuindo especial relevo o princípio da dupla qualidade e o princípio da retribuição pessoal diferenciada. Segundo entendimento de MAURÍCIO GODINHO DELGADO, o princípio da dupla qualidade revela que "a pessoa filiada tem de ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo vantagens dessa duplicidade de situações". O princípio da retribuição pessoal diferenciada, por sua vez, quer significar que ao cooperado é atribuído "um complexo de vantagens comparativas de natureza diversa muito superior ao patamar que obteria caso atuando destituído da proteção cooperativista", posto que a cooperativa "potencia as atividades humanas".

Deste modo, imperioso reconhecer que as cooperativas de trabalho têm finalidade nobre, pois objetivam a melhoria das condições sociais e econômicas de seus associados. Não se prestam, portanto, à redução de custos operacionais e administrativos dos tomadores de serviço. Verificando-se que, em verdade, o trabalhador não ostenta a condição de associado da cooperativa e que a prestação de seus serviços ocorre com a presença dos elementos fático-jurídicos característicos do vínculo empregatício, este se formará.

Sobre a autora
Júlia Corrêa de Almeida

Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Júlia Corrêa. Os créditos trabalhistas na sucessão de empresas.: Análise crítica da Lei nº 11.101/05. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1950, 2 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11901. Acesso em: 18 nov. 2024.

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