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Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001.

Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal

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Agenda 29/11/2008 às 00:00

2. Da Aparente Inconstitucionalidade da Medida Provisória nº. 1.549/97 ao alterar a Lei Complementar nº. 73/93, da Advocacia-Geral da União

Declara o art. 131, caput, da Constituição Federal de 1988:

"Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo".

A Carta Magna de 1988 proclama, pois, que à Advocacia-Geral da União (AGU) incumbe a representação judicial e extrajudicial da União, sendo a sua organização e funcionamento matéria de lei complementar, posteriormente editada a Lei Complementar nº. 73, de 10.2.93 (AGU).

Questiona-se: se a Constituição Federal determina, em primeiro lugar, que a competência da Advocacia-Geral da União (AGU) é de representar judicial e extrajudicialmente a União, e, em segundo lugar, que a organização e funcionamento da AGU são matéria privativa de lei complementar (art. 131, caput, Constituição de 1988), poder-se-ia admitir que uma medida provisória (MP 1.549/97), ou mesmo lei ordinária, que nem ao menos foi examinada pelo Congresso Nacional, altere a lei complementar, dispondo sobre a matéria objeto da lei de quórum especial?

Responde o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho [05] (destaques não originais):

"A lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim um sinal de certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderação especial. Aliás, é princípio geral de direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma(...) Em segundo lugar, a lei ordinária, a medida provisória e a lei delegada estão sujeitas à lei complementar. Em conseqüência disso, não prevalecem contra ela, sendo inválidas as normas que a contradisserem. Pode-se pretender que não. Que, sendo toda e qualquer lei uma complementação da Constituição, na medida em que dispõe onde e segundo esta consentiu, a complementaridade decorreria simplesmente de um elemento formal objetivo: a sua aprovação pelo rito previsto na Constituição. Assim, em última análise, seria complementar e, portanto, superior à lei ordinária e à lei delegada toda e qualquer lei que houvesse sido proposta como tal e aprovada por maioria absoluta em ambas as Casas do Congresso Nacional. Essa interpretação, porém, não parece ser a correta. Reprova-o o bom senso. Criando um tertium genus, o constituinte o faz tendo um rumo preciso: resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou o que não deve contar com essa estabilidade particular. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela matéria. Fê-lo por considerar a especial importância dessas matérias, frisando a necessidade de receberem um tratamento especial. Só nessas matérias, só em decorrências dessas indicações expressas, é que cabe a lei complementar".

Acentua o professor Celso Ribeiro Bastos [06]:

"Um dos traços que individualizam a lei complementar é o fato de só poder tratar das matérias que expressamente a Constituição diz ser própria dessa espécie normativa. Nenhuma outra pode cuidar dos assuntos afetos a essa sorte de lei. Daí a razão de ser ela imodificável pelas leis em geral. É que ela (lei complementar) desfruta de matéria própria, subtraída da competência das demais normas. Além de ter matéria própria prevista na Constituição, a lei complementar se caracteriza por um processo de elaboração especial. Sua aprovação exige a maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional (art.69)".

Por conseguinte, se a matéria da organização e do funcionamento da Advocacia-Geral da União está afeta à disciplina de lei complementar, já em vigor (Lei Complementar 73, de 10.2.93), evidente que, consoante a lição de Celso Ribeiro Bastos, "nenhuma outra pode cuidar dos assuntos afetos a essa sorte de lei. Daí a razão de ser ela imodificável pelas leis em geral. É que ela (lei complementar,) desfruta de matéria própria, subtraída da competência das demais normas". Não pode lei ordinária nem menos ainda uma medida provisória alterar o disposto em lei complementar, sob pena de grosseira inconstitucionalidade.

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Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho [07], é que a lei complementar se dispõe

"a resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou o que não deve contar com essa estabilidade particular. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela matéria. Fê-lo por considerar a especial importância dessas matérias, frisando a necessidade de receberem um tratamento especial. Só nessas matérias, só em decorrências dessas indicações expressas, é que cabe a lei complementar".

Se a Constituição estabelece que a matéria da organização e do funcionamento da AGU será objeto de lei complementar, que demanda a maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional para ser aprovada (art. 69, Constituição Federal de 1988), não era licito a medida provisória alterar o previsto em lei complementar e mesmo na Constituição Federal, que limita a competência da Advocacia- Geral da União à representação judicial da União (art. 131, caput, Carta Magna de 1988), não de agentes públicos.

Tem sido alargada, lamentavelmente, a abrangência das matérias passíveis de disciplina por medida provisória, hoje empregada sem limites, mesmo em casos sem urgência e relevância, como exige o caput do art. 62, da Lei Maior. Não é válida, entretanto, medida provisória que trate de matéria de lei complementar, como estipulada a própria Carta Magna de 1988:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

..............................................................................................

III – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Da mesma forma, a MP não pode ser empregada para modificar norma constitucional, só passível de alteração por emenda à Constituição, sob pena de ofensa não somente aos dispositivos constitucionais atinentes a processo legislativo, mas ainda contra o princípio cardeal da Separação dos Poderes, na medida em que o Presidente da República se arvoraria em titular do Poder Legislativo, desde que qualquer norma constitucional e mesmo leis complementares poderiam ser modificadas por medida provisória, que nem ao menos é lei.

Ensina Michel Temer [08]:

"As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição. É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe editar atos que obriguem. A medida provisória não é lei, é ato que tem ‘a força da lei’. Por que não é lei? Lei é ato nascido do Poder Legislativo que se submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica, ou seja, criar direitos e deveres (...) Não é lei porque não nasce no Legislativo. Tem a força de lei, embora emane de uma única pessoa, é unipessoal, não é fruto de representação popular, estabelecida no art.1º. Parágrafo único (todo poder emana do povo). Medida provisória não é lei".

Repugna ao direito constitucional a edição de medida provisória sobre matéria reservada a lei complementar, máxime quando já existente a lei de quórum especial, cuja alteração só seria possível por meio de outra lei complementar, nunca mediante MP.

Para os que entendem, concessa venia sem razão, que qualquer lei ordinária ou mesmo medida provisória que fosse aprovada por maioria absoluta na Câmara dos Deputados e no Senado Federal teria o condão de se classificar como lei complementar, pede-se licença para recorrer ao argumento de autoridade, do Dr. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que nega esse tipo de fungibilidade, simplesmente porque a norma tem que possuir a natureza de lei complementar, e não meramente o quórum qualificado do art. 69 da Constituição Federal de 1988, sob pena de, se seguidos os critérios elencados no §2º do artigo 60 da Lei Solar, uma medida provisória ou lei ordinária ser convertida em emenda constitucional.

In casu, se o Estatuto da Advocacia-Geral da União é uma lei complementar (L.C. 73/93), não poderia uma medida provisória, posterior à norma complementar, impor alteração na matéria, de sorte a se apontar para a inconstitucionalidade da MP nº. 1549/97.

Conseqüentemente, nem medida provisória nem mesmo lei ordinária pode alterar a Lei Complementar 73/93 (AGU), até porque é princípio geral de direito que um ato só pode ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma (princípio do paralelismo das formas), pois, do contrário, lei ordinária teria o condão de revogar emenda constitucional, numa teratológica negativa da rigidez constitucional vigente no direito positivo brasileiro, em que as emendas constitucionais e as leis complementares têm requisitos mais elaborados de quórum e procedimentos do que as leis ordinárias e as medidas provisórias (rejeitadas ou não pelo Congresso Nacional).

Além disso, o art. 131, caput, da Constituição Federal de 1988, delimita a competência da Advocacia-Geral da União como "instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente". A imputação da defesa dos agentes públicos pela AGU apresenta fortes indícios de inconstitucionalidade, ao modificar uma competência institucional estabelecida pela Lex Suprema, sobretudo quando a modificação não foi prevista na Lei Complementar 73/93, mas por meio de medida provisória, que, em absoluto, não pode alterar ou revogar, no todo ou em parte, uma lei complementar. Por isso, de igual modo, afigura-se incabível cometer-se aos Procuradores do Distrito Federal uma competência sem previsão na Constituição Federal ou no Código de Processo Civil, com base na Medida Provisória nº. 1.549/97 e na Lei nº. 9.028/95, ambas maculadas por vício de inconstitucionalidade e que não se prestam como paradigma.


3. A Competência Institucional do artigo 132, da Constituição Federal de 1988

O artigo 132, da Constituição Federal de 1988, dispõe:

"Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas, organizados em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, observado o disposto no art. 135".

Comenta o professor Celso Ribeiro Bastos [09]:

"Já agora figura na Constituição da República, no seu art. 132, a contemplação da situação dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal. Fica ali dito que serão eles organizados em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e de títulos, com a incumbência de exercer a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas ".

Adiciona José Afonso da Silva [10]:

"Procuradorias e consultorias estaduais. A carreira de Procurador do Estado e do Distrito Federal foi institucionalizada em nível de Constituição Federal. Isso significa a institucionalização dos órgãos estaduais de representação e de consultoria dos Estados, uma vez que os Procuradores, a que se incumbe essa função no art. 132 daquela Carta Magna, hão de ser organizados em carreira dentro de uma estrutura administrativa unitária em que sejam todos congregados(...) Então, temos, combinado o disposto no art. 132 e com o art. 69 do ADCT, a institucionalização das Procuradorias-Gerais dos Estados e das Advocacias-Gerais, onde houver, sem prejuízo de que cada Estado, assim, fica com a liberdade de alterar a denominação, mas não de mudar suas funções de representação e consultoria, nem a denominação de seus membros: Procurador do Estado ou do Distrito Federal.

A regra do art. 132, da Constituição Federal de 1988, diz respeito, sim, à competência institucional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal: cabe-lhes representar em juízo as suas respectivas entidades federadas, as pessoas jurídicas de direito público. Não se inclui aí qualquer alusão à defesa de pessoas físicas (servidores comuns ou com função de direção ou mesmo autoridades administrativas).

Nem se diga que o preceito somente teria o condão de diferenciar a atividade de defesa judicial da União, outrora desempenhada pelo Ministério Público Federal, que exercia a função de fiscal da lei, e de advogado da entidade federada. Na verdade, o que estabeleceu essa distinção foi o prescrito no art. 131, caput e parágrafos, da Constituição de 1988, que criou a Advocacia-Geral da União, para distinguí-la do Ministério Público Federal, este convertido em fiscal da lei, não mais imbuído de qualquer representação judicial da União.

O art. 132, porém, nada tem a ver com a distinção de atribuições entre a AGU e o Ministério Público Federal quanto à representação judicial da União. Os Procuradores do Distrito Federal, e não o Ministério Público Federal, já exerciam as atribuições funcionais de defesa do Distrito Federal em juízo antes do advento da Constituição Federal de 1988. Por corolário, se o escopo do art. 132, da Lei Suprema, não é, como visto, o mesmo daquele do art. 131, uma outra finalidade deve estar contida no disposto no indigitado artigo 132 da Carta Magna: é justamente firmar a competência dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal no sentido de representar judicialmente as suas respectivas Unidades Federadas, em harmonia com o art. 12, I, do Código de Processo Civil.

É essa a missão constitucional já de imensa responsabilidade dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, nela não compreendida, todavia, a defesa judicial de autoridades e agentes públicos quando estes estiverem em juízo em nome próprio.

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Da inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 4º da Lei Complementar distrital nº 395/2001.: Representação judicial de agentes políticos por procuradores do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1977, 29 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12015. Acesso em: 23 dez. 2024.

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