RESUMO: O presente artigo busca analisar a passagem do modelo de Estado social para regulador no Brasil a partir de elementos colhidos na obra "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, tais como cultura da personalidade, patrimonialismo e fragilidade da sociedade civil. Pretende-se identificar se a passagem do Estado Social para o Estado Regulador trouxe ganhos para a sociedade brasileira e, em caso positivo, em que medida tais ganhos teriam se dado.
PALAVRAS-CHAVE: Estado social; Estado regulador; patrimonialismo; cultura da personalidade; sociedade civil; privatização; agências reguladoras.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Estado social e regulador: breves anotações e delimitação da discussão; 3. Sociedade civil frágil, patrimonialismo e o Estado social; 4. Sociedade civil frágil, patrimonialismo e o Estado regulador; 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Obra de grande prestígio desde a sua primeira publicação, Raízes do Brasil procura conhecer a sociedade brasileira por meio da análise da gênese do Brasil, em especial o modo de colonização imposto pelos portugueses, a escravidão, a forma de ocupação da terra e a organização política. Nesse contexto é que Holanda (1995) identifica fenômenos como a cultura da personalidade, o patrimonialismo, a sociedade civil frágil (ou gelatinosa, no dizer de Gramsci), elementos que serão trabalhados no curso do texto.
Tais características, presentes na gênese da formação da sociedade brasileira e ainda hoje visíveis nas nossas instituições, desenharam o presente que vivenciamos e ainda prometem modelar o nosso futuro próximo. Pretende-se analisar a mudança do modelo de Estado Social, que teríamos tido até o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, para o modelo de Estado Regulador, sob a ótica dos elementos colhidos na aludida obra.
A finalidade da análise é buscar identificar se a passagem do Estado Social para o Estado Regulador trouxe ganhos para a sociedade brasileira e, em caso positivo, em que medida tais ganhos teriam se dado.
2. Estado social e regulador: breves anotações e delimitação da discussão.
De início, entendo pertinente fazer breve desenho da passagem do modelo de Estado social para regulador no Brasil, ressaltando as características de cada modelo. Vale esclarecer que o enfoque que pretendo dar na distinção a ser feita é a atuação do Estado na ordem econômica em sentido lato, ou seja, como o Estado se comporta em um e outro modelo quanto à produção de bens e prestação de serviços.
O Estado Social ganhou terreno no mundo ocidental entre os anos 20 e 30 do século passado, quando se difundiu a chamada social-democracia ou intervencionismo. O socialismo ocidental, contrariamente ao socialismo marxista, não tem em mira a coletivização dos bens de produção nem a centralização do sistema econômico, mas advoga presença ativa e bastante ampla do Estado, inclusive na modalidade absorção, isto é, com o exercício da atividade empresarial pelo Estado em alguns tantos setores econômicos tidos como estratégicos.
Nas nações mais maduras de atuação intervencionista, os Estados têm agido primordialmente no campo do bem-estar social. De outro lado, nos países de economia ainda por desenvolver, como é o caso do Brasil, a ação estatal ainda se preocupa com o objetivo de promover o desenvolvimento.
Muito se discute se o Brasil teria tido um Estado verdadeiramente social, com ênfase para o atendimento de necessidades essenciais da população, inclusive por meio de redistribuição de renda. Tal discussão, no entanto, será deixada de lado aqui, o que será feito com a finalidade de concentrar a atenção na forma, e não na qualidade, da atuação do Estado brasileiro.
Social ou não, fato é que o Estado brasileiro, até o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, possuía papel importante na produção de bens e serviços.
Efetivamente, quanto à produção de bens, os três níveis de governo integrantes do Estado brasileiro vinham se encarregando diretamente na organização de fatores de produção, podendo ser citadas como exemplos do fenômeno a produção de petróleo e energia e o exercício da atividade de siderurgia pela União; até a produção de leite por empresas pertencentes a Estados – podendo ser citada como exemplo a CILPE, no caso do Estado de Pernambuco, entre muitos outros.
O mesmo fenômeno ocorreu quanto à prestação de serviços. Deve ser mencionado que um grande leque de atividades era qualificado como serviço público, inclusive alguns por determinação constitucional, podendo ser citados como exemplos serviços de telefonia, transmissão e distribuição de energia elétrica (atividade, esta, geralmente exercida por empresas estatais estaduais). Outras tantas atividades, apesar de não qualificadas como serviço público, passaram a ser exercidas pelo Estado em regime de competição com a iniciativa privada, como é o caso dos serviços bancários prestados por bancos estatais estaduais. Característica do desempenho de tais atividades pelo Estado é a utilização da propriedade pública como forma de regular os mercados.
E, no caso brasileiro, a regulação por meio da propriedade pública funcionou basicamente com a utilização das empresas estatais, ou seja, das empresas públicas (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, por exemplo) e sociedades de economia mista (Petrobrás, por exemplo).
A idéia que se tinha quanto a esta forma de regulação era que a propriedade pública conferiria ao Estado a habilidade para regular a economia e, principalmente, proteger os interesses públicos.
Tal forma intervencionista de atuação do Estado não foi um fenômeno brasileiro isolado. Conforme anota Majone (1997), "historically, public ownership has been the main mode of economic regulation in Europe".
Enfim, um ponto a ser destacado no modelo brasileiro de Estado social é o agigantamento das funções do Estado e, assim do seu tamanho, com a criação de grande quantidade de empresas estatais – a exigir uma elevada tributação para instituí-las e para mantê-las em adequado funcionamento. Nada obstante a tributação no Brasil sempre ter se mantido em graus elevados, não se pode afirmar que os serviços públicos brasileiros alguma vez tenham tido a qualidade correspondente ao seu custo.
Passando, agora, ao modelo regulador, sua característica é a diminuição do tamanho do Estado e a alteração da forma de atuação na ordem econômica: em vez da absorção, o Estado atua economicamente por meio da direção. No modelo regulador, a propriedade é estatal apenas no núcleo estratégico e nas atividades exclusivas de Estado. No outro extremo – no setor de bens e serviços para o mercado –, a produção é realizada pelo setor privado.
A privatização da prestação de serviços de utilidade pública é normalmente seguida de regulação de preços, acompanhada da introdução da concorrência. Segundo idéia disseminada entre alguns doutrinadores, pressupõe-se que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente. Daí deriva a defesa da subsidiariedade da atuação do Estado: só deve ser estatal a atividade que não puder ser eficazmente controlada pelo mercado.
Além disso, difundiu-se a idéia de que a crise fiscal retirou do Estado a capacidade de investir nas empresas estatais, o que tornaria aconselhável privatizá-las.
A falha de regulação por meio da propriedade estatal também explicaria a mudança para um modo alternativo de controle no qual os serviços públicos e outros setores, considerados importantes por afetarem o interesse público, são deixados em mãos privadas, mas sujeitos a normas elaboradas e aplicadas por agências especializadas.
Esse ideário, tal qual ora exposto, foi implantado no Brasil no curso do primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando foram promovidas as grandes privatizações e a quebra de monopólios estatais.
Ou seja, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, no âmbito da União, tanto houve a privatização de empresas estatais que exerciam atividade econômica em sentido estrito, como sucedeu com a Companhia Vale do Rio Doce, quanto de empresas estatais que prestavam atividades enquadradas como serviço público, caso das empresas do sistema Telebrás e Embratel. No mesmo passo, parte da execução dos serviços públicos passou a se dar por meio de empresas privadas a título de concessões, e não mais pelo Estado.
É verdade que já no governo do presidente Fernando Collor de Melo se instituiu o Plano Nacional de Desestatização, o que foi feito por meio da Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990. Entre os anos de 1990 e 1994, foram privatizadas 33 empresas nos setores de siderurgia, fertilizantes e petroquímica, tendo sido arrecadados US$ 8,5 bilhões (oito bilhões e quinhentos milhões de dólares).
No entanto, a maciça desestatização apenas ocorreu efetivamente a partir da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, que, em seu art. 1º, dispunha que o Programa Nacional de Desestatização se destinava a reordenar a posição estratégia do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. No art. 1º ainda consta expressamente a intenção de que o Estado deveria concentrar seus esforços nas atividades em que sua presença seja fundamental para a "consecução das prioridades nacionais". Assim é que se transformaram em objeto de desestatização as empresas controladas direta ou indiretamente pela União, serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização, instituições financeiras públicas estaduais e, ainda, bens móveis e imóveis da União.
Realmente, a partir de 1997 foram realizadas as grandes privatizações, com a venda da Cia. Vale do Rio Doce, o término da desestatização da RFFSA com a venda da Malha Nordeste, o arrendamento do terminal de containeres 1 do Porto de Santos, a venda do Banco Meridional do Brasil S.A., com arrecadação de US$ 4.265 milhões (quatro bilhões e duzentos e sessenta e cinco milhões de dólares). Também se deu ênfase às privatizações de âmbito estadual.
A venda das empresas de telecomunicações de propriedade da União tornou-se possível com a edição da Lei Geral de Telecomunicações, em 16.07.1997. No mesmo ano foram licitadas concessões de telefonia móvel celular para três áreas do território nacional, no valor de US$ 4 bilhões (quatro bilhões de dólares).
Nos anos seguintes deu-se curso ao processo de privatização, tendo sido o ano de 2000 o de maior arrecadação, com o montante de US$ 10,7 bilhões (dez bilhões e setecentos milhões de dólares).
Diminuiu-se, assim, o tamanho do Estado e a quantidade de atividades a seu cargo: algumas foram devolvidas integralmente à iniciativa privada; outras foram entregues à iniciativa privada por meio de concessões, restando ao Estado a regulação e a fiscalização.
Na outra ponta, no entanto, não houve diminuição da carga tributária; ou seja, apesar da diminuição do tamanho do Estado e de suas atividades, reduzindo-se presumivelmente o seu custo de instalação e de operação, não se pode afirmar que tal diminuição de custo tenha sido repassada à sociedade. Esta questão será retomada mais adiante.
Realizado breve esboço das formas de atuação do Estado brasileiro nas últimas décadas, pretendo, ao passo seguinte, analisar o Estado social e o Estado regulador frente a uma sociedade civil frágil e diante do fenômeno do patrimonialismo.
3. Sociedade civil frágil, patrimonialismo e o Estado social.
Em Raízes do Brasil, Holanda (1995) visualiza desde o início o caráter de fragilidade da sociedade civil e busca identificar as suas razões no contexto brasileiro.
Uma primeira razão para a existência de uma sociedade civil inexpressiva seria a herança de Portugal de uma cultura da personalidade, dando-se mais importância ao individual que ao coletivo.
Para Holanda (1995), "foi essa mentalidade, justamente, que se tornou o maior óbice, entre eles (portugueses), ao espírito de organização espontânea, tão característica de povos protestantes, e sobretudo de calvinistas". A unificação social seria sempre produzida por uma força externa, como o governo, a quem caberia se preocupar com o coletivo: "nelas predominou, incessantemente, o tipo de organização política artificialmente mantida por uma força exterior, que, nos tempos modernos, encontrou uma das suas formas características nas ditaduras militares". Apesar de todas as diferenças que as separam, a cultura brasileira absorveu da portuguesa esta cultura da personalidade.
Outras causas dessa ausência de preocupação com o coletivo e com o exercício de atividades econômicas voltadas para o coletivo seriam a lavoura latifundiária na estrutura da economia colonial e a escravidão, que teriam desestimulado "qualquer esforço sério na cooperação nas demais atividades produtoras, ao oposto do que sucedia em outros países, inclusive nos da América espanhola". No Peru, conforme relata, em sentido diferente, a organização social era tamanha na época colonial que no primeiro século da conquista de Lima já existiam grêmios de oficiais mecânicos.
O que Holanda (1995) identifica, assim, é a falta de uma capacidade livre e duradoura de associação entre os elementos empreendedores do país, o que trazia dificuldade para execução de atividades voltadas para o coletivo, como o seriam os serviços públicos.
Utilizando a imagem criada por Gramsci, pode-se comparar a sociedade brasileira nascente (e, aliás, também a sociedade brasileira de até há pouco tempo) com as sociedades orientais, na qual o Estado é tudo e a sociedade civil é primitiva e gelatinosa; não se observa autonomia da sociedade em relação ao Estado.
A sociedade civil brasileira, assim, historicamente, pouco participou da definição de seus destinos, não se podendo falar que haja conhecido longos períodos verdadeiramente democráticos. Para Mello (2004), aliás, até o momento o Brasil teve pouco mais de 35 anos de cambaleante democracia política; "democracia social não teve um único dia". Essa também era a leitura de Holanda (1995), que interpretava a democracia brasileira como artificial e imposta pelas classes dominantes conforme seus interesses.
Nesse contexto é que se deve compreender que o Estado naturalmente foi assumindo a responsabilidade pela execução de atividades que normalmente competiriam à sociedade civil, a qual não ocupou tais espaços econômicos. Ou seja, o Estado não se limitava a promover a justiça estatal, a educação, a saúde, entre outros serviços tidos como essenciais, mas passou a exercer, diretamente ou por meio de autarquias ou empresas estatais, atividades econômicas em sentido estrito e a qualificar outras tantas atividades como serviço público, executando-as também diretamente ou por meio da administração indireta. A sociedade civil brasileira permitiu que o Estado se agigantasse.
Em outras sociedades, como é o caso da norte-americana, historicamente, o Estado pouco tem se preocupado com a execução direta de atividades econômicas, já que a sociedade civil é organizada ao ponto de atender a quase todas as suas necessidades.
Enfim, o que se deve ressaltar é que, responsável por um grande leque de atividades, o Estado viu-se na contingência de ter que tributar em graus elevados para fazer frente às grandes despesas e investimentos a si atinentes.
E, nada obstante o Estado brasileiro tenha se tornado uma grande estrutura, com grande poder político frente a uma sociedade civil amorfa ao longo dos tempos, com graus elevados de tributação (carga tributária em elevação nos anos recentes) e, assim, representando um custo elevado para os brasileiros, cabe perguntar porque nem assim as suas obrigações mais básicas foram cumpridas. Ou seja, cabe perguntar porque educação e saúde de qualidade não foram postas à disposição da totalidade da população, porque não houve redistribuição de renda por meio da tributação e de programas sociais e assistenciais.
É evidente que a resposta a essas perguntas não é simples nem algo evidente. Se o fosse, já teríamos há muito a respondido e encontrado o caminho da justiça social. Mas, no meu entender, é certo que parte da resposta pode ser reputada ao que Holanda (1995) chama de patrimonialismo.
Holanda (1995) inicia a exposição com a descrição do círculo familiar típico formado no Brasil, que era aquele constituído nos domínios rurais pelos senhores de engenho, em um primeiro momento, e pelos barões do café, em momento posterior. Esse círculo familiar, desenvolvido distante dos centros urbanos, se organizava segundo as normas do velho direito romano-canônico, também herança ibérica, no qual era característica a imensa autoridade do pater familias. A entidade privada representava uma instituição tão estruturada e organizada que resultaria natural que tivesse mais importância que a esfera pública.
Segundo análise feita pelo próprio autor, o "resultado era predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família".
Tal invasão do público pelo privado, ou seja, da familiarização do Estado, teria ocorrido sobremaneira quando da chegada da família portuguesa ao Brasil em 1808, momento a partir do qual o Brasil ganhou importância política e em que se revelou necessária a formatação de uma burocracia administrativa. Naturalmente que os filhos da "nobreza" nativa ocuparam tais espaços, imbuídos, evidentemente, do espírito "familiar" no qual haviam sido criados, o que, para Holanda (1995), era algo inevitável: "não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público".
Desse modo, a burocracia administrativa e a classe política brasileira nasceram a partir das famílias da classe dominante. Havia como que uma descendência em linha reta da família para o Estado, e não uma oposição entre ambos. O Estado, portanto, não era uma instituição supra-familiar, transcendente da família, mas se encontrava envolvido com a família de modo inseparável.
Frente a essas constatações é que Holanda (1995) faz uma consideração bastante veemente, melhor entendida quando lida em suas próprias palavras:
No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos chamados "contatos primários", dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas.
Com efeito, o patrimonialismo tem se manifestado ao longo de nossa história de forma bastante visível no Estado brasileiro. Inúmeros seriam os exemplos à disposição, tão conhecidos de todos, mas dois bastante claros são os seguintes: a possibilidade, antes da Constituição Federal de 1988, da nomeação de servidores públicos efetivos sem concurso, ao bel prazer das autoridades, e, mesmo após a CF/88, a existência de enorme quantidade de cargos de provimento em comissão na estrutura administrativa brasileira.
Nesse aspecto, é de se notar que, quanto maior o tamanho do Estado, mais espaço existe para a prática do patrimonialismo.
Assim é que a adoção de um modelo de Estado social veio a coincidir com o anseio de alguns grupos familiares pela conquista de espaço público. Quanto mais cargos, contratos e financiamentos para dividir entre os familiares e amigos, mais destaque teria o grupo do poder.
As empresas estatais, responsáveis pelo exercício de atividades econômicas ou de serviços públicos, foram particularmente utilizadas conforme os interesses dos ocupantes do poder e de seu grupo. E, segundo Mello (2004), a razão é simples: as empresas estatais surgiram como figuras híbridas, ou seja, públicas na essência do capital, mas privadas na forma de atuação. Assim é que durante muito tempo se tentou fazer, com sucesso, que as empresas estatais escapassem das amarras impostas à Administração Pública em geral, como a obrigatoriedade de licitar, de admitir trabalhadores exclusivamente por concurso público, controle pelos Tribunais de Contas, entre outras.
Também inúmeros seriam os exemplos de utilização de recursos públicos com finalidade exclusivamente privada, utilizando-se para tanto empresas estatais, merecendo destaque um caso mais emblemático e outro mais recente: os bancos estatais foram utilizados durante muito tempo para conceder empréstimos baratos aos produtores de cana-de-açúcar, que não honraram a dívida e deixaram prejuízo de mais de R$ 2 bilhões de reais; mais recentemente, pode-se citar a utilização de empresas estatais no financiamento de campanhas políticas no Rio Grande do Sul.
Ou seja, o que pretendo enfatizar é que a cultura do patrimonialismo encontrou um habitat propício para se desenvolver no modelo de Estado social. Não que o Estado social traga, em si, o mal – peso desarrazoado para a sociedade e ineficiência – que acometeu o Estado brasileiro. Na experiência brasileira, a cultura do patrimonialismo foi o que corroeu as forças do Estado, desviando-as do atendimento de necessidades públicas e colocando-as a serviço de interesses particularizados.
Visto isso, cabe-nos analisar, ao passo seguinte, qual a repercussão de uma sociedade civil frágil e da cultura do patrimonialismo no âmbito do Estado regulador.