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Requisitos para aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil

Agenda 30/11/2008 às 00:00

Entre todas as alterações promovidas pela última reforma processual, certamente a inovação mais polêmica está na previsão do julgamento de improcedência liminar, positivado no artigo 285-A pela Lei 11.277/206. [01] Tanto é assim que o Conselho Federal da OAB ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade [02] contra o referido dispositivo, cujo pedido de medida cautelar para suspender seus efeitos ainda está pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Na referida ADI foi admitida a intervenção do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, na qualidade de amicus curiae, cuja manifestação foi brilhantemente subscrita pelo Professor Cassio Scarpinella Bueno.

Já existem inúmeros artigos e manifestações sobre o polêmico dispositivo – notadamente sobre sua (in)constitucionalidade -, razão pela qual me limito a comentar (e sugerir) os requisitos para a correta e segura aplicação desse novel instituto processual, que deverá ser de extrema relevância para a rápida solução de demandas repetidas, fadadas ou não ao insucesso.

O primeiro dos requisitos diz respeito à natureza da matéria controvertida. Aqui, mais uma vez, o legislador começou mal, ao menos do ponto de vista da boa técnica processual. É que, a rigor, não há ainda matéria controvertida, muito menos objeto litigioso, eis que o réu sequer foi citado para integrar a lide, tornando controvertidos os pedidos do autor. Quis o legislador referir-se ao objeto da ação, vale dizer, a matéria trazida nos autos pelo autor é unicamente de direito. Penso que aqui é possível fazer uma interpretação extensiva, aplicando por analogia o artigo 330, I, do CPC, de modo que sendo a matéria de direito e de fato, poderá o juiz aplicar o artigo 285-A sempre que não houver necessidade de produzir prova oral. Assim, estando os fatos previamente comprovados, dispensada a instrução ou dilação probatória, estaria o juiz autorizado a proferir o julgamento super-antecipado.

O segundo requisito está na existência de precedentes do próprio juízo (pelo menos dois), que tenham anteriormente julgado ações idênticas. Aqui, embora a doutrina esteja exigindo apenas dois casos como suficientes a caracterizar a tal jurisprudência vinculante do próprio juízo, penso que a prudência, a segurança jurídica e a experiência prática recomendam um número expressivo de precedentes. Novamente, o legislador introduz redação tecnicamente errônea, na medida em que ações idênticas, no direito processual, tem significado próprio, a exigir a presença das mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido (CPC, artigo 301, §2º). Assim, por razoes óbvias, quis o legislador referir-se a ações semelhantes, porque, se idênticas fossem, o desfecho processual não seria pela aplicação do 285-A, mas pela extinção do processo sem resolução de mérito em face da litispendência ou da coisa julgada (CPC, artigo 267, V).

Em seguida, o legislador exigiu que os precedentes invocados pelo juízo tenham sido pela total improcedência, o que me parece restrição salutar. Com efeito, se ações similares anteriores tiveram seu julgamento pela procedência parcial, não há como aplicar o julgamento liminar. De outro modo, não haveria sentido, uma vez que o processo prosseguiria quanto à parte procedente dos pedidos. E aí restaria inócua a aplicação do instituto, que pretende exatamente resolver o processo na origem, ab initio, evitando que o Judiciário se ocupe com processos repetidos, cujo desfecho já é de todos conhecido. E aqui reside, a meu juízo, o equívoco de alguns autores e operadores do direito, quando admitem a aplicação parcial do artigo 285-A. Para eles, o juiz pode proferir a sentença liminar de improcedência em relação a parte dos pedidos, devendo a ação prosseguir com relação aos demais. Não me parece razoável: a uma, porque retira do instituto sua efetividade; a duas, porque pode causar transtornos e atrasos indesejáveis ao processo. Imaginando que o juiz assim procedesse, estaríamos diante de uma sentença parcial de improcedência liminar ou uma decisão interlocutória? Em princípio, uma decisão interlocutória, porque o processo terá seu curso normal com relação aos demais pedidos, não havendo extinção do processo nem encerramento de fase processual. Além do que, se fosse sentença, o recurso sabível seria apelação, mas os autos não teriam como subir ao tribunal imediatamente porque os demais pedidos ainda seriam processados pelo juízo a quo. E como não temos a figura da "apelação por instrumento", muito menos da "apelação retida", teria mesmo que ser tratada como decisão interlocutória. Ocorre que a intenção do legislador, ao que parece, foi instituir nova modalidade de sentença de indeferimento da inicial, desta feita com resolução de mérito por rejeição do pedido do autor. Tanto é assim, que o dispositivo está inserido no capítulo referente à petição inicial, especialmente na seção relativa aos requisitos da petição inicial. Por outro lado, admitindo-se que o autor interponha agravo contra essa decisão, como fica o procedimento do pedido agora desmembrado? Sendo o agravo retido, ficaria nos autos principais até o eventual julgamento preliminar à apelação interposta contra o julgamento dos outros pedidos. Caso o tribunal desse provimento ao agravo retido, afastando a aplicação do artigo 285-A, os autos teriam que retornar ao juízo de origem para que processasse regularmente tais pedidos. E aí? Como ficariam os demais pedidos, que já foram julgadas? A situação é ainda mais grave se o agravo fosse de instrumento, ajuizado diretamente no tribunal em autos próprios. E se o tribunal desse provimento ao agravo para determinar o julgamento daqueles pedidos, estando a ação originaria já em fase de instrução ou mesmo com sentença proferida? Por tudo isso, pedindo vênia às opiniões de peso em sentido contrário, não me parece um bom caminho admitir a aplicação parcial do artigo 285-A, dados os transtornos que poderiam surgir da sua difícil operacionalização. Em nome da segurança jurídica, da ordem e da celeridade processuais.

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Confesso que numa primeira análise dessa nova norma, me preocupou a adoção desses precedentes vinculantes do próprio juízo. Para que sua aplicação fosse criteriosa, me pareciam necessários dois requisitos mais: (a) que o precedente houvesse transitado em julgado, e (b) que esse trânsito houvesse ocorrido após a vigência da nova lei. Ambas exigências são medidas de segurança jurídica. A primeira, porque não seria sensato que o juízo invocasse precedentes que ainda não transitaram em julgado, ou que foram reformados nas instancias superiores. A segunda, para preservar o princípio da não-surpresa, preparando os jurisdicionados para a nova sistemática. Amadurecidas essas ponderações, hoje penso que não se justificam tais exigências. Estou convencido de que o artigo 285-A é um valiosíssimo instituto de política judiciária, com o que ganham todos. Deveras, se o precedente invocado restou modificado nas instâncias superiores – e isso não foi suficiente para modificar o entendimento do magistrado -, é interessante para o autor que o juiz profira de logo a sentença liminar de improcedência, oportunizando a apelação prevista no §1º, de modo a tentar reverter a sentença nos tribunais. É medida que antecipa o processo que já se sabe será desfavorável ao autor. A ele também não interesse ter todo um processo regular, formal, burocrático, com ampla instrução, para, ao final, obter um pronunciamento desfavorável. Assim, a rápida obtenção de uma sentença, ainda que improcedente, também beneficia o autor. Já com relação à aplicação da norma processual aos precedentes que ainda não transitaram em julgado quando do eu advento, também não me parece sustentar-se a exigência. Não só pela aplicação geral e imediata das normas processuais (CPC, artigo 1.211), mas também porque a razoável duração do processo, com a possibilidade da sentença liminar de improcedência, como visto, a todos interessa.

De mais a mais, o legislador acertou quando referiu-se à citação do réu para responder ao recurso. Deveras, como o réu está sendo chamado pela primeira vez ao processo, e é só agora que lhe está sendo oportunizada a defesa, é correto falar em citação. Em que pese parecer estranho a citação para oferecer contra-razões de apelação (o correto seria intimação), o fato é que o réu deve não só responder ao recurso contra a aplicação do artigo 285-A (presença ou não dos seus requisitos), mas também contestar os pedidos do autos, já que não terá outra oportunidade para fazê-lo caso o tribunal dê provimento à apelação e julgue o mérito da ação madura (CPC, artigo 515, §3º).


Notas

  1. Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

    § 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

    § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

  2. ADI 3.695/DF.
Sobre o autor
Luís Marcelo Cavalcanti de Sousa

Procurador do Estado do RN. Advogado. Especialista em direito processual pela PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti. Requisitos para aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1978, 30 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12027. Acesso em: 22 dez. 2024.

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