6. A BOA-FÉ OBJETIVA E O RECONHECIMENTO DE FILHOS
Tema explosivo do atual Direito de Família que gera várias repercussões práticas é reconhecimento de filhos. A matéria está tratada pelo Código Civil de 2002 (arts. 1.596. a 1.617), pela Lei n. 8.560/1992, pela Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e também pela Constituição Federal de 1988, que igualou em direitos todos os filhos, havidos ou não durante o casamento, em direitos patrimoniais e extrapatrimoniais (art. 227, § 6º).
Acreditamos que, no âmbito das relações privadas de cunho familiar, a matéria reconhecimento de filhos é aquela que hoje gera um maior número de questões controvertidas para o aplicador do Direito: a relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade; as presunções advindas do art. 1.597. do atual Código Civil (pater is est); a certeza absoluta ou não do exame de DNA, que revolucionou a matéria; a paternidade ou parentalidade socioafetiva; as presunções advindas da negativa à realização do exame e os limites de incidência da Súmula n. 301. do Superior Tribunal de Justiça. 47
Aqui pretendemos apresentar mais uma questão polêmica sobre o tema: a aplicação da boa-fé objetiva para as questões que envolvem o reconhecimento de filhos. No caso em questão, não pretendemos aplicar os arts. 113. e 422 do novo Código Civil, pois não há um negócio jurídico constituído entre as partes envolvidas, mas sim o art. 187. da mesma codificação a casos que se tornam cada vez mais comuns no dia-a-dia.
Mais uma vez, caso prático será muito importante para captar a matéria que estamos discutindo. Imaginemos, mais uma vez, que a história ocorra em uma pacata cidade do interior do Estado de Minas Gerais. Tício é um jovem empresário, solteiro e filho de uma rica família da cidade interiorana. Certo dia, ele tem relação sexual com Maria José, o que aconteceu apenas uma noite. Um mês após o ocorrido, Tício recebe a notícia de Maria José: ela está grávida e o filho é seu. Tício desconfia, pois lembra que tomou todas as precauções naquela noite. De qualquer modo, a dúvida incomoda-o. Mesmo assim, movido pela boa-fé, o jovem acredita no que lhe foi confidenciado, mas mantém a notícia escondida de toda a sociedade e de sua família. Justamente por acreditar na história e por agir de boa-fé, Tício passa a sustentar o nascituro e Maria José. Aluga um apartamento para eles residirem, paga-lhes todas as despesas mensais. Mesmo assim, a situação atormenta o jovem empresário: além da dúvida, ele sente angústia, depressão em decorrência de todo o ocorrido. Mas prefere não contar nada à sua família. Oito meses depois, a criança nasce. Tício vai visitá-la e, quando a conhece, a desconfiança transforma-se em quase certeza: a criança em nada parece com ele. Assim sendo, não registra a criança em seu nome. Tício procura um advogado e o profissional recomenda que seja feito um exame extrajudicial de DNA em laboratório idôneo. A mãe hesita no início, mas acaba submetendo-se à perícia, junto com o filho. O exame constata, com 99.99% de certeza que Tício não é o pai da criança.
O ódio o acomete e ele quer receber todos os alimentos que pagou à criança desde a notícia dada por Maria José até o resultado do exame. Por certo, não poderá pleitear os alimentos pagos, pois os mesmos são irrepetíveis, não cabendo a actio in rem verso. Mas, sem dúvida, Maria agiu de má-fé. Com certeza, ela sabia que Tício não era o pai de seu filho. Aliás, se tinha dúvidas, não deveria ter informado o jovem empresário daquela forma. Nesse caso, o desrespeito à boa-fé é flagrante. Podemos até defender a aplicação máxima tu quoque, apontada pelo Direito Comparado como fórmula relacionada com a boa-fé objetiva. 48 Maria violou um direito relacionado com a confiança e tentou tirar benefícios dessa violação.
Já defendemos, outrora, que a tu quoque está também amparada na vedação de que a pessoa não faça contra o outro o que não faria contra si mesmo, citando as palavras de Cláudio Bueno de Godoy. 49 Em decorrência da boa-fé, a violação desse dever gera o abuso de direto, nos moldes do art. 187. do novo Código Civil. Para concluir, no caso descrito poderá Tício pleitear indenização por danos morais de Maria Augusta.
Em outra situação, se Maria passar a pressionar Tício ou mesmo lhe fazer ameaças, dizendo que o filho é seu, poderá o mesmo ingressar com ação específica com vistas afastar a existência do vínculo de paternidade, conforme vem reconhecendo a jurisprudência. 50 Aliás, a mesma jurisprudência já reconheceu a possibilidade de um marido enganado pleitear danos morais da esposa, segundo nosso entendimento, por flagrante desrespeito à boa-fé objetiva. O mesmo julgado reconhece serem irrepetíveis os alimentos no caso em questão. 51
Como se pode perceber, a encerrar o tratamento da matéria, a responsabilidade civil apresenta uma nova feição, um novo dimensionamento nas relações de cunho familiar. 52 Muitas vezes, esse novo tratamento surge do desrespeito à boa-fé objetiva.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto, podemos chegar às seguintes conclusões:
a)os princípios do novo Código Civil são a socialidade, a eticidade e a operabilidade. Tais regramentos merecem aplicação direta em todos os ramos do Direito Privado, o que inclui o Direito de Família;
b)a boa-fé objetiva mantém relação direta com esses três princípios, constituindo a evolução do próprio conceito de boa-fé e estando relacionada com a boa conduta que deve estar presente em todas as fases dos negócios jurídicos em geral. A boa-fé objetiva está ainda relacionada com os deveres anexos, cuja quebra gera a violação positiva do negócio, de modo a imputar responsabilidade objetiva àquele que a desrespeitou;
d)na nova codificação, a boa-fé objetiva tem três funções básicas: função de interpretação (art. 113, CC), função de controle (art. 187, CC) e função de integração e correção (art. 422, CC). Os três comandos legais não só podem como devem ser aplicados aos institutos de Direito de Família. A função de controle gera a responsabilidade objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva (Enunciado n. 37. do Conselho da Justiça Federal);
e)como exemplo de aplicação da boa-fé objetiva no casamento, podemos citar a responsabilidade civil decorrente da quebra de promessa de casamento futuro, seja no noivado, seja no namoro. Há, no caso em questão, uma responsabilidade civil pré-negocial casamentária ou pré-contratual decorrente do casamento, o que engloba inclusive danos morais. O fundamento jurídico para o dever de indenizar em casos tais é o art. 187. do novo Código Civil;
f)a boa-fé objetiva também pode ser aplicada à união estável, particularmente para as situações que envolvem as uniões paralelas. Além da possibilidade de reconhecimento da união estável putativa – pela boa-fé subjetiva –, é possível também reconhecer o dever de indenizar, em casos tais – pela quebra da boa-fé objetiva;
g)o art. 1.708, parágrafo único, do atual Código Civil apresenta inovação interessante ao prever a cessação do dever de indenizar daquele que teve comportamento indigno em relação ao credor. Para nós, trata-se de importante cláusula geral, que mantém relação direta com a boa-fé objetiva, auxiliadora do seu preenchimento. Diante desse comando legal, surge uma espécie de responsabilidade civil pós-negocial casamentária ou pós-contratual decorrente do casamento. Entendemos que, por razões óbvias, o dispositivo legal em questão também pode ser aplicado à união estável;
h)a boa-fé objetiva também entra em cena nos casos que envolvem o reconhecimento de filhos, para atribuir eventual dever de indenizar àquele que agiu mal, em abuso de direito, ao imputar paternidade inexistente a outrem. Quem age assim também comete abuso de direito, por desrespeito à boa-fé objetiva, nos moldes do sempre invocado art. 187. do Código Civil em vigor;
i)ao encerrar-se o presente estudo, evidencia-se, mais uma vez, o importantíssimo papel exercido pela boa-fé objetiva no Direito Privado atual, o que também engloba as relações privadas familiares. Constitui um ledo engano pensar-se que essa importante cláusula geral apenas se aplica ao contrato, negócio jurídico patrimonial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos. Do código de defesa do consumidor ao novo código civil. São Paulo: Método, 2005.
NOTAS
Vale conferir para consulta: Miguel Reale. O projeto do novo código civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 7-12
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Nas palavras de Judith Martins-Costa, percebe-se, em virtude da linguagem empregada na nova codificação, um sistema aberto ou de "janelas abertas", o que permite a constante previsão e solução de novos problemas, seja pela jurisprudência, seja por uma atividade de complementação legislativa. São suas estas brilhantes palavras, que explicam muito bem a intenção do legislador: "Estas janelas, bem denominadas por Irti de concetti di collegamento, com a realidade social são constituídas pelas cláusulas gerais, técnica legislativa que conforma o meio hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos ainda não expressos legislativamente, de standards , arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo. Nas cláusulas gerais a formulação da hipótese legal é procedida mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significado intencionalmente vago e aberto, os chamados ‘conceitos jurídicos indeterminados’. Por vezes – e aí encontraremos as cláusulas gerais propriamente ditas – o seu enunciado, ao invés de traçar punctualmente a hipótese e as conseqüências, é desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela vagueza semântica que caracteriza os seus termos, a incorporação de princípios e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, do que resulta, mediante a atividade de concreção destes princípios, diretrizes e máximas de conduta, a constante formulação de novas normas" (O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 118).
A suposta "confusão", pode ser percebida do seguinte trecho da obra de Miguel Reale, em que o mesmo comenta sobre a eticidade: "O novo Código, por conseguinte, confere ao juiz não só poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com os valores éticos, ou se a regre jurídica for deficiente ou inajustável à especificidade do caso concreto" (O projeto do novo código civil, cit., p. 8). Nesse ponto, parece-nos, o jurista faz mais referência à efetividade das cláusulas gerais, à operabilidade.
Francesco Carnelutti. Teoria geral do direito. São Paulo: Lejus, 1999, p. 432.
Essa subjetivação da boa-fé é explicada pelo autor português António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro: "No Direito romano da recepção – e, daí, no Direito comum –, a boa-fé era, simplesmente, a versão subjectivo-psicológica traduzida, na posse, pelo convencimento, do possuidor, de ser o proprietário – Bártolo – ou, pelo menos, de não lesar direitos alheios. A subjectivação da boa-fé durante o período da recepção do Direito Romano é confirmada através de Acúrsio e de Bártolo tomados como expoentes máximos dos glossadores de dos pós-glossadores, respectivamente. Como método de investigação, foram pesquisadas, nas obras respectivas, as referências à boa-fé e ao dolo. No primeiro caso, apenas podem ser relevadas, praticamente, referências ao possuidor. O segundo tem um interesse muito especial. Recorde-se que o dolo, através da ch. inerência da expeção respectiva, foi, muitas vezes, apontado pelo literatura como traço essencial do regime próprio dos b. f. iudicia. Quer na Glosa ordinaria de Acúrsio, que nos Commentaria, de Bártolo, trata-se a questão sem referir a bona fides. Como pano de fundo, é patente o interesse escasso denotado, em ambos os autores pela boa-fé. O que, a ser a boa-fé um dado psicológico elementar, será explicado" (A boa-fé no direito civil. Lisboa: Almedina, 2001, p. 187).
António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. A boa-fé no direito civil, cit., p. 212.
António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. A boa-fé no direito civil, cit., p. 224.
Sobre o tema: Judith Martins-Costa. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
Em relação à quebra dos deveres anexos, foi aprovado o seguinte enunciado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, em 2002: Enunciado 24 – "Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422. do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa". Apesar de o enunciado referir-se ao art. 422. do novo Código Civil, que trata dos contratos, acreditamos que a ementa tem aplicação a qualquer negócio jurídico, como é o caso dos institutos de Direito de Família, dos quais decorrem deveres anexos importantes.
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Sobre esse comando legal, já tivemos a oportunidade de comentar: "Seguindo tendência ética-socializante, o artigo 113 do novo Código Civil prevê que ‘os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração’. Nesse dispositivo, a boa-fé é consagrada como meio auxiliador do aplicador do direito para a interpretação dos negócios, particularmente dos contratos. Entendemos, na verdade, que o aludido comando legal não poderá ser interpretado isoladamente, mas em complementaridade com o dispositivo anterior, que traz regra pela qual nas ‘declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem’ (art. 112. do novo Código Civil). Quando esse dispositivo menciona a intenção das partes, traz em seu bojo o conceito de boa-fé subjetiva, por nós já apresentado" (Flávio Tartuce. Função social dos contratos. Do código de defesa do consumidor ao novo código civil. São Paulo: Método, 2005, p. 172).
"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Conforme o Enunciado n. 37, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, a responsabilidade civil que decorre do abuso de direito é objetiva, isto é, não depende de culpa.
"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé". Quanto à aplicação da boa-fé em todas as fases negociais, citamos a previsão de dois enunciados do Conselho da Justiça Federal: Enunciado n. 25. - "Art. 422: o art. 422. do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual" e Enunciado n. 170. – "Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato". O primeiro enunciado é da I Jornada, enquanto o segundo é da III Jornada de Direito Civil. Apesar de parecidos, os enunciados têm conteúdos diversos: o primeiro é dirigido ao juiz, ao aplicador da norma no caso concreto; o segundo é dirigido às partes do negócio jurídico.
"Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem a mútua assistência" (Sílvio Rodrigues. 27.ed. Direito civil. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 6, p. 19).
Flávio Tartuce. Função social dos contratos, cit., p. 25.
Particularmente, quanto ao contrato, interessante verificar o conteúdo do Enunciado n. 26. do Conselho da Justiça Federal, também aprovado na I Jornada de Direito Civil: "Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422. do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes".
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Nesse ponto, interessante transcrever o que ensina Maria Berenice Dias quanto à natureza jurídica do casamento: "Muitos consideram o casamento um contrato sui generis, isto é, um contrato diferente, com características especiais, ao qual não se aplicam as disposições legais dos negócios patrimoniais. Daí afirmar-se que o casamento-ato é uma instituição. De qualquer modo, é descabido tentar identificar o casamento com institutos que tenham por finalidade exclusivamente questões de ordem obrigacional. Os pressupostos dos contratos de direito privado não são suficientes para explicar a sua natureza. O casamento é um negócio jurídico bilateral que não está afeito à teoria dos atos jurídicos. É regido pelo direito de família. Assim, talvez a idéia de negócio de direito de família seja a expressão que melhor sirva para diferenciar o casamento dos demais negócios de direito privado. Ainda que o casamento não faça surgir apenas direitos e obrigações de caráter patrimonial ou econômico, não se pode negar que decorre de um acordo de vontade. É uma convenção individual, devido ao seu caráter de consenso espontâneo e aos pressupostos exigidos para que as pessoas o possa contrair. Inquestionavelmente, é o envolvimento afetivo que gera o desejo de constituir uma família: lugar idealizado onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo, a cada um, se sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade" (Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 145). Apesar da renomada doutrinadora mencionar que não se aplica ao casamento as regras gerais previstas para o ato e negócio jurídico, entendemos que o princípio da boa-fé objetiva pode ser perfeitamente aplicado ao instituto casamento, até porque essa nova feição da boa-fé mantém relação direta com os relacionamentos pessoais.
Nesse sentido, Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk: "Outro efeito gerado pelo casamento é o da mútua assistência, que consiste, essencialmente, em ajuda e cuidados nos aspectos morais, espirituais, materiais e econômicos. Tais deveres expressam-se em vários momentos da vida familiar, como no cuidado do outro quando enfermo, no conforto prestado nas adversidades e vicissitudes da vida, compartilhado dores e alegrias. Assim, é um dever de conteúdo ético, variável historicamente conforme os costumes de uma sociedade em dado tempo e determinado local". (Código civil comentado. Álvaro Villaça de Azevedo (Coord.). São Paulo: Atlas, 2003, v. XV, p. 209). A relação entre esse dever do casamento e a boa-fé aflora quando os autores enfatizam o seu valor ético.
Nesse sentido, Sílvio Rodrigues (Comentários ao código civil. Antônio Junqueira de Azevedo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 17, p. 126).
Concordamos com Antonio Carlos Mathias Coltro, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Tereza Cristina Monteiro Mafra quando afirmam, quanto o dever de vida em comum do domicílio conjugal, que "esse dever não se viola com as separações transitórias, às vezes até necessárias, tampouco em razão de necessidade funcional ou profissional" (Comentários ao novo código civil. 2.ed. Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. XVII, p. 301). Lembramos que o art. 1.569. do novo Código Civil prevê que o cônjuge, eventualmente, poderá ausentar-se para atender a encargos públicos, ao exercício da sua profissão, ou a interesses particulares relevantes.
"Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses."
A essa mesma conclusão chegam Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzuk no seguinte sentido: "Refere-se o art. 1.561. ao denominado casamento putativo. Trata-se de tutela jurídica àquele que manifesta o consentimento em estado de ignorância quanto a vício capaz de dirimi-lo, que se designa por meio da figura jurídica da boa-fé. A noção de boa-fé pode apresentar-se como princípio, e é designada por boa-fé objetiva (Treu und Glauben), ou como estado, tratando-se de boa-fé subjetiva. Trata-se, aqui, como é evidente, da denominada boa-fé subjetiva, que se manifesta como estado de ignorância, e não, propriamente, da boa-fé objetiva, que se coloca como princípio. Sem embargo, não se pode deixar de reconhecer que a boa-fé também se aplica às relações de família, e que pode ser identificada, até mesmo, em certas hipóteses de casamento putativo, embora de modo puramente acidental, sem repercussão no que tange a seus efeitos" (Comentários ao novo código civil, cit., p. 188).
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2004, p. 401.
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"Falando em dano moral e ressarcimento pela dor do fim do sonho acabado, o término de um namoro também poderia originar responsabilidade por dano moral. Porém, nem a ruptura do noivado, em si, é fonte de responsabilidade. O noivado recebia o nome de esponsais e era tratado como uma promessa de contratar, ou seja, a promessa do casamento, que poderia ensejar indenização. Quando se dissolve o noivado, com alguma freqüência é buscada a indenização não só referente aos gastos feitos com os preparativos do casamento, que se frustou, mas também aos danos morais. Compete à parte demonstrar as circunstâncias prejudiciais em face das providências porventura tomada em vista da expectativa do casamento. Não se indenizam lucros cessantes, mas tão-somente os prejuízos diretamente causados pela quebra do compromisso, a outro título que não o de considerar o casamento como um negócio, uma forma de obter o lucro ou vantagem. Esta é a postura que norteia a jurisprudência" (Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 118).
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"RESPONSABILIDADE CIVIL – ROMPIMENTO DE NOIVADO ÀS VÉSPERAS DO CASAMENTO – FALTA DE MOTIVO JUSTO, GERANDO RESPONSABILIDADE E INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO MODERADAMENTE – RECONVENÇÃO IMPROCEDENTE FACE À CULPA DO RÉU PELO ROMPIMENTO – RECURSO DA APELANTE PROVIDO E DO APELADO DESPROVIDO. O noivado não tem sentido de obrigatoriedade. Pode ser rompido de modo unilateral até momento da celebração do casamento, mas a ruptura imotivada gera responsabilidade civil, inclusive por dano moral, cujo valor tem efeito compensatório e repressivo, por isto deve ser em quantia capaz de representar justa indenização pelo dano sofrido." (Tribunal de Justiça do Paraná, Acórdão n. 4651, Apelação Cível, relator: des. Antonio Gomes da Silva, comarca: Londrina, 3ª Vara Cível, órgão julgador: Quinta Câmara Cível, data public.: 13/03/2000.)
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - FALSA IMPUTAÇÃO DE CONDUTA DESONROSA, ENSEJADORA DO TÉRMINO DE DURADOURO RELACIONAMENTO AMOROSO – CULPA CARACTERIZADA – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – ARBITRAMENTO – PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR. I – Não coaduna com o ordenamento jurídico pátrio a conduta daquele que, sendo pretendente de uma determinada mulher, que, à toda evidência, não correspondia às suas pretensões, põe-se a difamá-la, notadamente para com o seu então namorado de longos anos, com o qual já falava em noivado, vindo a ensejar o rompimento do namoro, com nefastas conseqüências de ordem emocional para ela. II – Deve-se fixar o valor da compensação do dano moral com cautela e prudência, atendendo às peculiaridades próprias ao caso concreto, de modo que o valor arbitrado não seja elevado ao ponto de culminar aumento patrimonial indevido ao lesado, nem demasiadamente inexpressivo, por desservir ao seu fim pedagógico, advindo do ordenamento jurídico atinente à espécie." (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0378853-0 Apelação Cível, 2002, comarca: Belo Horizonte/Siscon, órgão julg.: 1ª Câmara Cível, relator: juiz Osmando Almeida, data julg.: 25/02/2003, decisão: unânime.)
"CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – ALEGAÇÃO DE DEFLORAMENTO E DE PROMESSA DE CASAMENTO – CONCUBINATO – ROMPIMENTO – OFENSA À HONRA – NÃO CARACTERIZAÇÃO. O ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito, de sorte que, alegando a autora, mas não provando, que foi desvirginada pelo réu e que este lhe fez promessa de casamento, em razão da qual teria deixado os estudos e o trabalho, não há que se falar em ofensa à honra e, por conseguinte, no dever de indenizar. O rompimento unilateral de concubinato não constitui ato ilícito, ofensivo à honra do concubino abandonado, e, via de conseqüência, não gera, por si só, direito à indenização por dano moral." (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0369540-9, Apelação Cível, 2002, comarca: Guaxupé, órgão julg.: 3ª Câmara Cível, relator: juiz Maurício Barros, data julg.: 11/12/2002, dados publ.: não publicada, decisão: unânime.) "DANOS MORAIS – NOIVADO – PROMESSA DE CASAMENTO – DESFAZIMENTO. É incabível dano moral contra o parceiro que desiste de contrair casamento. Improcedência do recurso e condenação da recorrente nos ônus de sucumbência, suspensa a exigibilidade em face da concessão a assistência judiciária gratuita" (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Processo n. 71000485318, 2004, comarca: Passo Fundo, órgão julg.: 3ª Turma Recursal Cível, relator: juíza: Maria José Schmitt Santanna).
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"NOIVADO – ROMPIMENTO – DANO MORAL E MATERIAL – DESCARACTERIZAÇÃO. – Somente se caracteriza a ocorrência do dano moral indenizável em decorrência de rompimento de noivado, quando este se verifica às vésperas da data do casamento. Não se configura a ocorrência de danos materiais decorrentes de despesas contraídas em virtude da declaração da data do casamento, quando, após o rompimento, os bens adquiridos permaneceram de posse da parte autora. – Recurso não provido." (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0382351-0, Apelação Cível, 2002, comarca: Belo Horizonte/Siscon, órgão julg.: 2ª Câmara Cível, relator: juiz Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, data julg.: 20/05/2003, dados publ.: não publicada, decisão: unânime.)
"INDENIZAÇÃO – ROMPIMENTO DE NAMORO – PROMESSAS DE CASAMENTO – DANO MORAL E MATERIAL – AUSÊNCIA DE PROVAS – RESSARCIMENTO AFASTADO. Para que enseje a ruptura de namoro de longa duração o dever de reparação, devem restar devidamente demonstrados o dano material e o dano moral, além da estabilidade da relação com a promessa de casamento, posto que o rompimento de relacionamento de namoro, por si só, não é capaz de ensejar presunção de tais danos." (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0410802-5, Apelação Cível, 2003, comarca: Belo Horizonte/Siscon, órgão julg.: 7ª Câmara Cível, relator: juiz D. Viçoso Rodrigues, data julg.: 17/03/2004, dados publ.: não publicado, decisão: unânime).
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Vale transcrever o art. 927, caput, do atual Código Civil, dispositivo que trata do dever de indenizar em decorrência do ato ilícito ou do abuso de direito: "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186. e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
O conceito é do saudoso Rubens Limongi França e consta de nosso livro Função social dos contratos, cit., p. 186.
Para Arnaldo Rizzardo, "a fidelidade dá ensejo à presunção da sociedade de fato. Não que se configure como condição indispensável, pois nada impede que duas pessoas constituam um patrimônio comum, sem que mantenham a fidelidade. Daí se apresentar um tanto forte o pensamento de Adhyil Lourenço Dias: ‘O elemento essencial dessa união é a fidelidade, a dedicação monogâmica, recíproca vivendo em more uxorio, em atitude ostensiva de dedicação em laços íntimos, que o direito espanhol chama de barrangania, ou seja, la union sexual permanente y de cierta fidelidad entre hombre y mujer no ligados por matrimonio’". (Direito de família. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 891)
A questão é abordada por Rolf Madaleno em A união (ins)estável (relações paralelas). In Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 63.
"Tal fidelidade é exigida porque nossa cultura baseia-se no princípio monogâmico. Se alguém mantiver relação afetiva com duas amantes, vindo a casar-se com uma delas, não poderá excluir a outra da partilha de bens adquiridos, com sua contribuição, em razão de sociedade de fato, e não de união estável, por ser esta inexistente" (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. 17.ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2002, p. 321).
"Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos."
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"O mesmo se diga das uniões desleais, isto é, de pessoa que viva em união estável e mantenha uma outra simultânea relação amorosa. Uma prejudica a outra, descaracterizando a estabilidade da segunda união, caso persista a primeira, ou implicando eventual dissolução desta, não só pelas razões expostas, como pela quebra dos deveres de mútuo respeito. Do que ficou exposto, conclui-se que não é possível q simultaneidade de casamento e união estável, ou de mais de uma união estável. Mas cumpre lembrar a possibilidade de união estável putativa, à semelhança do casamento putativo, mesmo em casos de nulidade ou anulação da segunda união, quando haja boa-fé por parte de um ou de ambos os cônjuges, com reconhecimento de direitos (art. 221. do CC/16; art. 1.561. do NCC). A Segunda, terceira ou múltipla união de boa-fé pode ocorrer em hipótese de desconhecimento, pelo companheiro inocente, da existência de casamento ou de anterior ou paralela união estável por parte do outro. Subsistirão, em tais condições, os direitos assegurados por lei ao companheiro de boa-fé, desde que a união por ele mantida se caracterize como duradoura, contínua, pública e com o propósito de constituição de família, enquanto não reconhecida ou declarada a nulidade." (Euclides de Oliveira .União estável. 6.ed. São Paulo: Método, 2003, p. 128)
"Negar existência de uniões paralelas, quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis, é simplesmente não ver a realidade. A justiça não pode chancelar essas injustiças. Mas, é como vem e inclinando a doutrina. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros, convivem, às vezes, têm filhos, e há construção patrimonial em comum. Destratar mencionada relação, não lhe outorgando qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filho porventura existentes. Além disso, reconhecer apenas efeitos patrimoniais, como sociedade de fato, consiste em uma mentira jurídica, porquanto os companheiros não se uniram para construir uma sociedade" (Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 181).
O nosso conceito está amparado em Orlando Gomes, citado por Maria Helena Diniz (Curso de Direito civil brasileiro, cit., p. 458).
Destacamos.
Quanto a esse enunciado, foram as justificativas do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Luiz Felipe Brasil dos Santos, autor da proposta: "Inovação do atual diploma civil, a regra do parágrafo único do artigo 1.708 deve receber interpretação restritiva. Primeiro, porque, em sendo norma limitativa de direito, não pode ser passível de hermenêutica ampliativa, como é cediço. Segundo, porque, se assim não for, o devedor dos alimentos buscará exercer permanente fiscalização sobre o comportamento de seu ex-cônjuge, buscando caracterizar, a cada atitude deste, uma forma de comportamento indigno, de molde a liberar-se da obrigação alimentar. Ademais, o conceito de indignidade já está consagrado em nosso ordenamento jurídico (art. 1.814. c/c 1.815), não havendo necessidade de ampliá-lo a outras hipóteses aleatórias".
É a exata previsão do art. 1.814, incs. I e II: "Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro". Por uma questão lógica, o inc. III do comando legal em comento foi excluído de aplicação pelo Enunciado n. 264. CJF: "III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade".
"O art. 557. do Código Civil, que trata da revogação da doação por ingratidão pode também fornecer diretriz para o intérprete". (Silmara Juny Chinelato. Comentários ao código civil. Antônio Junqueira de Azevedo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2004, v. 18, p. 519.)
"O novo Código Civil estabeleceu um novo sistema para a revogação da doação por ingratidão, pois o rol legal previsto no art. 557. deixou de ser taxativo, admitindo, excepcionalmente, outras hipóteses" (Enunciado n. 33. do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil).
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Comenta Carlos Roberto Gonçalves que "Francisco Cahali mostra preocupação com a redação do mencionado parágrafo único do art. 1.708. do novo diploma, a merecer enorme dose de cautela para evitar perplexidade. Aguarda-se, neste contexto, complementa o autor: ‘seja prudente e razoável o aplicador da norma, para não transformar o conceito vago em perseguição do ex diante do ponderado exercício da liberdade afetiva do credor, valendo-se do permissivo legal apenas para evitar abusos, rechaçando, o quanto possível, eventual parasitismo possível de ser criado pelo recebimento da pensão’". (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. VI, p. 486.) Maria Berenice Dias ensina que o "conceito de indignidade deve ser buscado nas causas que dão ensejo à revogação da doação (557) ou à declaração de indignidade do herdeiro para afastar o direito à herança (1.814). O exercício da liberdade afetiva do credor não pode ser considerado postura indigna, a dar ensejo à exoneração da obrigação alimentar em favor do ex-cônjuge, mormente quando considerado que, com o término da relação, não mais persiste o dever de fidelidade" (Manual de direito das famílias, cit., p. 480.).
Nesse sentido: Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves. Código civil anotado. São Paulo: Método, 2005, p. 874.
E completa o doutrinador gaúcho: "Como se analisará ao final do presente item, o simples relacionamento sexual com outra pessoa não é causa de extinção da obrigação alimentar" (Arnaldo Rizzardo. Direito de família, cit., p. 777).
No que tange aos contratos, a doutrina fala em culpa post pactum finitum, que corresponde "à projeção simétrica da culpa in contrahendo no período pós-contratual. Segundo Jhering e seus seguidores poderia, antes de concluído um contrato, constituir-se, a cargo das partes, um dever de indemnizar, por culpa contratual. Desta feita, ocorreria o fenómeno inverso: depois de extinto, pelo descumprimento ou por outra forma diversa, um processo contratual, subsistiriam, ainda, alguns deveres para os ex-contraentes". (António Manuel da Rocha Menezes Cordeiro. A boa-fé no direito civil, cit., p. 626.)
O dever de assistência deve ainda ser mantido em casos excepcionais como naquele previsto no art. 1.704, parágrafo único, do CC/02: "Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência". Diante do piso mínimo de direitos que deve ser assegurado à pessoa, à luz dos princípios constitucionais de proteção da dignidade humana (art. 1º, inc. III, da CF/88) e da solidariedade social (art. 3º, inc. I, da CF/88), entendemos que tal comando legal deve ser aplicado mesmo no caso de divórcio.
Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".
"A fórmula tu quoque traduz, com generalidade, o aflorar de um regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído." (António Manuel da Rocha Menezes Cordeiro. A boa-fé no direito civil, cit., p. 837.)
Em nosso livro Função social dos contratos (cit., p. 171), chegamos a essa conclusão ao citar o trabalho do magistrado paulista, constante em sua obra Função social do contrato. De acordo com o novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 88. (Coleção Agostino Alvim).
"NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – AÇÃO PROPOSTA PELO SUPOSTO PAI. Carência da ação argüida pelo ministério público e não acolhida por decisão judicial, que considerou parte legitima o promovente do pedido, dado o nítido cunho declaratório deste e o direito daquele em pretender comprovar a existência de erro ou falsidade do registro, o que se enquadra nos termos do art. 348. do código cível. Recurso desprovido." (Tribunal de Justiça do Paraná, Acórdão n. 14035, Agravo de Instrumento, relator: des. Silva Wolff, Comarca: Mal. Cândido Rondó, Vara Cível da Infância, Juventude, Família e anexos, órgão julgador: 3ª Câmara Cível, data publ 10/08/1998, decisão: unânime.)
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"RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – MARIDO ENGANADO – ALIMENTOS. RESTITUIÇÃO. A mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem. - A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco, o que não acontece no caso dos autos. Recurso não conhecido" [Superior Tribunal de Justiça, Acórdão n. Resp n. 412684/SP (200200032640), Resp n. 463280, data julg.: 20/08/2002, órgão julgador: 4ª Turma, rel.: min. Ruy Rosado de Aguiar, data publ.: 25/11/2002, veja: (PENSÃO ALIMENTÍCIA – IRREPETIBILIDADE E INCOMPENSABILIDADE) STJ, REsp n. 25730-SP (RT 697/202).]
Sobre as novas vertentes da responsabilidade civil, podemos citar a tese de livre-docência de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, intitulada Responsabilidade pressuposta. A renomada autora busca, na verdade, uma nova concepção da matéria, nos seguintes termos: "Provavelmente será necessário revisar, reler, reconsiderar sem demora, e em tempo já não tão distante de chegar, aquelas mesmas objeções que foram levantadas, ao longo da segunda metade do século que findou, contra uma efetiva possibilidade de se fundar, sobre a noção de mise en danger, ou sobre um critério melhor, que se possa logo estruturar, um mecanismo de reparação de danos cometidos às vítimas, que não fosse simplesmente um mecanismo assentado sobre a velha noção de culpa, mas que fosse um tal mecanismo no qual a exposição ao risco pudesse representar algo além da mera identificação causal do dano reparável, apresentando-se, quiçá, como um verdadeiro critério de imputação da responsabilidade sem culpa, elevado à categoria de règle à valeur d’ordonnancement juridique". (Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 353). Uma coisa é certa: quando se trata de responsabilidade civil, a noção do que seja dano – efeito ou conseqüência danosa – é extremamente fluida e dinâmica, em constante evolução, "sofisticando-se ao longo da história, na exata proporção em que se amplia também a tutela dos direitos da pessoa", nas palavras de Luiz Felipe Brasil Santos (Pais, filhos e danos. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?op=true&cod=5294>. Acesso em: 10 de junho de 2005). É ele também quem refere Konrad Zwegert e Hein Kötz, citado por Eugênio Facchini Neto (Da responsabilidade civil no novo código. In: Ingo Wolfgang Sarlet (Org.). O novo código civil e a constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 151), que diz que "o principal objetivo da disciplina da responsabilidade civil consiste em definir, entre os inúmeros eventos danosos que se verificam quotidianamente, quais deles devam ser transferidos do lesado ao autor do dano, em conformidade com as idéias de justiça e eqüidade dominantes na sociedade".