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Ônus subjetivo e ônus objetivo da prova

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Agenda 15/12/2008 às 00:00

6.Críticas à distinção entre fatos constitutivos, impeditivos, extintivos e modificativos.

O Código de Processo Civil pátrio de 1973 seguiu a doutrina italiana e acatou, no art. 333, a distinção entre fatos constitutivos, modificativos, impeditivos e extintivos.

Os fatos constitutivos são aqueles que servem de fundamento para a pretensão deduzida em juízo. O autor deve prová-los para assegurar que detém o direito que pretende se valer em relação ao réu. É importante salientar que lhe cabe essa prova em relação tanto aos fatos positivos, quanto aos negativos.

Ao réu cabe provar a presença de fatos que impeçam que o fato constitutivo produza esses efeitos. Assim, deve provar fatos impeditivos, que paralisam os efeitos jurídicos dos fatos constitutivos ou fatos extintivos, que são o fundamento das exceções peremptórias. Os fatos modificativos, segundo MANUEL DE ANDRADE, apud RANGEL, podem ser constitutivos ou extintivos, dependendo do sentido da modificação. [32]

A dificuldade da aplicação de normas gerais aos casos concretos gerou a evolução do direito germânico no sentido da abolição dessas normas gerais de repartição do ônus da prova. Quando houver a presença do caso concreto, de acordo com os princípios de direito material, o ônus da prova será distribuído. [33]

Essa dificuldade reside no fato de não haver fatos cuja prova incumba sempre a uma determinada parte, há variações dependendo da ação e da posição da parte no processo. Por conseguinte, segundo exemplo de MANUEL DE ANDRADE, apud RANGEL, enquanto em uma ação, onde haveria a demanda por inadimplemento contratual, o autor provaria a existência de um contrato e o réu um vício de vontade, em outra, esse vício de vontade estaria sob a carga do autor caso ele postulasse a declaração da plena validade do ajuste. [34]

Assim, a distinção entre fatos constitutivos, impeditivos, extintivos e modificativos possui uma carga de arbitrariedade. Por exemplo, quando o autor alega fatos impeditivos ou extintivos, cabe a ele a prova desses fatos. Acrescenta RANGEL que caso o autor faça prova dos fatos considerados impeditivos ou extintivos, eles passam a ser constitutivos. [35] GUASP ressalta a dificuldade de distinguir entre essas espécies de fatos. [36]

Essa dificuldades nos levam à conclusão de que a distinção entre fatos constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos, em termos práticos, é pouco precisa, pois, há grande dificuldade, frente ao caso concreto, em operar a mencionada distinção.

Para amenizar tais problemas, ou seja, ante a impossilidade de caracterizar esses fatos de forma absoluta, a solução é classificá-los de forma relativa, ou seja, na dependência do caso concreto. Nesse sentido, RANGEL:

(...) Esta classificação dos factos jurídicos em constitutivos, impeditivos e extintivos não tem uma significação absoluta e abstracta, mas antes, relativa e concreta porque depende, em cada caso concreto, da função que o facto desempenha na acção de acordo com a posição das partes e o efeito jurídico que cada uma pretende obter por via do processo. [37]

Nesse mesmo sentido, ECHANDÍA aponta o que considera o erro básico da distribuição do ônus da prova segundo a mencionada classificação dos fatos:

El error básico de este teoría consiste em asignarle em todo tiempo al demandante la carga de probar los hechos constitutivos, y siempre al demandado la de los extintivos o impeditivos. Si se contempla la natureleza del hecho com independencia de la situación procesal de la parte y se considera el efecto jurídico perseguido o la norma legal sustancial cuya aplicación se reclama, la mayoría de las objeciones que se le han formulado quedan descartadas. (...) [38]

Entretanto, assevera que o critério de fato constitutivo e impeditivo não serve para a elaboração de uma regra geral. [39] ECHANDÍA, após apontar falhas nos critérios de distribuição do ônus probatório, apresenta seu conceito:

"corresponde la carga de probar um hecho a la parte cuya petición (pretensión o excepción) lo tiene como presupuesto necesario, de acuerdo con la norma jurídica aplicable; o, expresada de outra manera, a cada parte le corresponde la carga de probar los hechos que sirven de presupuesto a la norma que consagra el efecto jurídico perseguido por ella, cualquiera que sea su posición procesal". [40]

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A sistematização operada pelo mencionado autor tem a pretensão de eliminar as objeções à classificação anterior, sendo uma forma válida para a distribuição do ônus da prova, fundamentada no interesse que tem a parte da aplicação de uma norma a um fato para a produção dos efeitos dessa norma. Para atingir esse intento, deve provar o fato. Ressalta-se que tal concepção não menciona o aspecto objetivo do ônus da prova, o qual é de grande importância.

Por conseguinte, embora a repartição do ônus da prova segundo a classificação dos fatos em constitutivos, impeditivos, extintivos e modificativos possua seus defeitos, apreendido o caráter relativo dessa classificação, pode-se extrair, pelo menos, um ponto de partida para a distribuição do ônus probatório.


7.Casos de inversão do ônus da prova, regrados no Código Civil e em Leis Extravagantes.

Consoante anteriormente exposto, a repartição do ônus da prova no direito pátrio está positivada no art. 333 do Código de Processo Civil. Trata-se de norma geral, que pode ser afastada por norma especial ante o disposto no § 2º do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil).

O sistema probatório introduzido pelo CPC destina-se à generalidade dos casos, onde o ordenamento jurídico não distingue, a priori, qualquer disparidade na posição das partes. Quando já há antevisão de desproporcionalidade entre o poder, seja econômico, seja de outra forma, atribuído a uma das partes, essa disposição deve ser atenuada ou mesmo expressamente invertida.

Pode-se detectar duas hipóteses básicas onde se faz necessária a inversão do ônus da prova, trata-se da hiposuficiência em um dos pólos da relação jurídica processual ou de prova de produção extremamente onerosa, e quando está presente o interesse público. O primeiro caso é objeto, por exemplo, do Código de Defesa do Consumidor e do Direito do Trabalho, já o segundo é pertinente ao Direito Administrativo.

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990), expressamente, prevê a inversão do ônus da prova no inciso VIII do art. 6º. Esse dispositivo estabelece que constitui direito básico do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos. Assim, no processo civil, pode haver a inversão do ônus da prova, quando, a critério do juiz, a alegação for verossímil ou quando ele for hiposuficiente.

Outra disposição do mesmo CDC nesse sentido é a retratada no seu art. 38, o qual prevê que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. Importante ressaltar que essa inversão do ônus da prova não passa pelo crivo do juiz, ao contrário da antecedente.

O Direito do Trabalho também opera com algumas inversões do ônus da prova. Considerando a disparidade entre as posições do empregado e do empregador, a jurisprudência e a doutrina consolidaram posições onde essa inversão é feita, por ser extremamente oneroso ao empregado produzir certas provas. Exemplos de inversão podem ser detectados na prova da existência de relação de emprego e de horas-extras. Nesse sentido há o enunciado da Súmula/TST nº 338:

Súmula/TST Nº 338 - REGISTRO DE HORÁRIO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A omissão injustificada por parte da empresa de cumprir determinação judicial de apresentação dos registros de horário (CLT art. 74 § 2º) importa em presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (RA 36/94 - DJU 18.11.1994)

Essas inversões são fundamentadas no fato de que, em muitos casos, o autor não tem acesso aos documentos que poderiam demonstrar os fatos sob os quais se apóia o seu direito.

O Novo Código Civil também traz hipóteses de inversão do ônus da prova, cita-se o exemplo do art. 936, onde aquele que tem animal sob sua guarda responde pelos danos que vierem a ser causados por terceiros, somente se isentado de pagar a indenização caso prove que se tratou de culpa exclusiva da vítima, ou que houve força maior. Nessa hipótese detecta-se um caso onde a prova de culpa, ou seja, negligência, imperícia ou imprudência seria muito onerosa ao autor.

Outra caso de inversão do ônus da prova está estabelecido na Medida Provisória nº 2.172-32, de 23 de agosto de 2001, que estabelece a nulidade de algumas disposições contratuais usurárias e inverte o ônus da prova nas ações intentadas para sua declaração:

Art. 3º Nas ações que visem à declaração de nulidade de estipulações com amparo no disposto nesta Medida Provisória, incumbirá ao credor ou beneficiário do negócio o ônus de provar a regularidade jurídica das correspondentes obrigações, sempre que demonstrada pelo prejudicado, ou pelas circunstâncias do caso, a verossimilhança da alegação.

O Direito Administrativo, fundado na supremacia do interesse público, apresenta algumas hipóteses de inversão de ônus da prova. Alguns exemplos podem ser encontrados nos casos onde os responsáveis pela gestão de recursos públicos têm o ônus de comprovar a sua regular aplicação. Nesse sentido encontra-se o art. 113 da Lei nº 8.666/1993:

Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

E também o art. 93 do Decreto-Lei nº 200/1967:

Art. 93. Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprêgo na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.

Importante observar que a inversão do ônus da prova é uma medida excepcional e como tal deve ser tratada. Dessa forma, cabe intepretação restritiva, nos moldes do brocardo "exceptiones sunt strictissimoe interpretationis".


Bibliografia:

BUZAID, Alfredo. Do Ônus da Prova. In: Estudos de Direito. v. 1. [S.I.]: Saraiva, 1972. (nº 1 e seg., p. 45 e seg.)

ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria General de La Prueba Judicial. v. 1. 6ª ed. [S.I.]: Zavalia, 1988. (nº 119 e seg., p. 394 e seg.)

RANGEL, Rui Manuel de Freitas. O Ônus da Prova no Processo Civil. 2ª ed. [S.I.]: Almedina, 2000. (nº 5.5 e seg., p. 125 e seg.)


Notas

  1. BUZAID, Alfredo. Do Ônus da Prova. In: Estudos de Direito. v. 1. [S.I.]: Saraiva, 1972. (nº 1 e seg., p. 49)
  2. ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria General de La Prueba Judicial. v. 1. 6ª ed. [S.I.]: Zavalia, 1988. (nº 119 e seg., p. 426)
  3. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 61;
  4. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. O Ônus da Prova no Processo Civil. 2ª ed. [S.I.]: Almedina, 2000. (nº 5.5 e seg., p. 125.)
  5. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 65
  6. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 127
  7. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 424
  8. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 427
  9. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 126
  10. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 130
  11. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 427
  12. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 127
  13. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 430
  14. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., pp. 435-436
  15. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 49
  16. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 50
  17. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 422
  18. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 139
  19. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 63
  20. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 453
  21. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 140
  22. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 72
  23. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., pp. 143-144
  24. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 73
  25. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 144
  26. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., p. 70
  27. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 146
  28. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., p. 426
  29. BUZAID, Alfredo. Ob. cit., pp. 75-76
  30. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 149
  31. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 149
  32. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 152
  33. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 153
  34. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 156
  35. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 158
  36. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 158
  37. RANGEL, Rui Manuel de Freitas. Ob. cit., p. 158
  38. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., pp. 469-470
  39. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., pp. 486
  40. ECHANDÍA, Hernando Devis. Ob. cit., pp. 490
Sobre o autor
Sandro Grangeiro Leite

Consultor Jurídico do Tribunal de Contas da União. Graduado em direito pela Universidade de Brasília - UnB. Graduado em engenharia mecânica-aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Sandro Grangeiro. Ônus subjetivo e ônus objetivo da prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1993, 15 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12084. Acesso em: 23 nov. 2024.

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