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Modernidade tardia e/ou "tempos modernos".

Direito ou negação, autonomia ou excipio?

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Agenda 03/01/2009 às 00:00

Luta por Reconhecimento

Qualquer definição nesta esfera de ação e de interpretação da práxis humana não é simples e não pode ser simplista, ainda que devamos simplificar, para elevar o próprio entendimento político de tais lutas. Em uma frase, uma curta definição de luta por reconhecimento, poderia ser assim: A legítima defesa asseguradora/reparadora dos meios de sobrevivência pessoal ou social, mormente quando diante de grave ameaça ou insuportável injustiça social.

Assim, historicamente, podemos ver a luta por reconhecimento por vários ângulos, esferas e níveis de ação/alcance, incluindo-se muitas lutas nas esferas mais formais ou tradicionalmente repetidas: luta de classes; lutas sindicais e partidárias democráticas (do voto ao debate aprofundado); luta parlamentar assecuratória do básico direito a ter direitos; participação e envolvimento dos intelectuais, a partir de posições acadêmicas intramuros (institucionais) no esclarecimento de "questões" importantes para a sociedade; atração da mídia democrática.

Além da afirmação de lutas sociais e populares de ONGs legítimas, movimentos sociais reivindicatórios (MST, Movimento dos Sem Teto), coletividades como de negros, homossexuais e/ou minorias, em termos de poder político, a exemplo do feminismo e da igualdade real de direitos e de oportunidades. Também se incluem no rol que acolhe as mulheres em sua luta justa, os interesse individuais homogêneos de deficientes físicos, como a observância da reserva legal de vagas, por meio das cotas (ações afirmativas).

Em determinados casos, pode-se alegar ou indicar a luta ou envolvimento pessoal de determinados líderes, como alavanca, ainda que localizadas, pois que obtém alto impacto sócio-político: de Thoreau a Thomas Paine (nos EUA e na França), de Malcolm X a Dalai Lama. No exemplo adotado a seguir, evidencia-se a via judiciária, o aprofundamento democrático (desde a Constituição Mexicana, de 1917) que nos legou a possibilidade da coletivização dos conflitos, a partir do inusitado da ação individual.

Em campos menos formais: debates e inclusão política de novas ou outras formas de engajamento político-cultural, incluindo novas mídias. O exemplo mais conhecido é a luta por reconhecimento do Partido Pirata [06], na Suécia, na tentativa de se validar um partido virtual, mas com presença legislativa real e, evidentemente, com temas polêmicos: abolição em território sueco da legislação protetiva/projetiva dos direitos autorais, a liberação da Internet como meio de comunicação, a não-restrição de mensagens políticas que não violem a mesma tolerância política que as carreou até aquele ponto (Martinez, 2001).

A luta contra a xenofobia, intolerância, preconceito, racismo de quaisquer cores e bandeiras, enfim, estão neste amplo rol do reconhecimento, pois, trata-se de reconhecer o Outro — e reconhecimento implica em aceitação e afirmação. Portanto, é preciso dar voz aos sitiados de todo gênero.


Reconhecimento: "toda luta de classes é uma luta política"

Com o uso do método dialético e materialista, Marx percebeu que a divisão social do trabalho tanto gerou o chamado Homo Faber (O Prometeu e Patrono do Trabalho), quanto esta divisão do trabalho se aprofundaria (além da primitiva divisão sexual), entre trabalho intelectual e manual, e assim viria à própria modernidade. Do mesmo modo, levar o projeto da modernidade á plena extensão revelaria o consumismo (para além do iluminismo) e este projeto requer exatamente a subjugação do trabalho intelectual e manual na mesma atividade produtiva. Seria exatamente o fim das especializações.

No aspecto político, se a modernidade fosse ao seu termo (consumismo= modernidade futura), então a revolução proletária também deveria apoderar-se do Estado Moderno. Este projeto modernista-futurista requer a revolução proletária. Por isso, vivemos uma constante sensação de Modernidade Interrompida, uma vez que, no sistema capitalista, o principio da igualdade, por exemplo, jamais se tornaria igualdade real.

É possível ver, portanto, que o verdadeiro projeto iluminista e libertário, universalista, é o comunismo proposto. Para Marx, o projeto da modernidade tem dois pólos: o Iluminismo, anterior e o comunismo posterior; o Iluminismo, idealista e o comunismo, utópico. A modernidade é também uma ficção, utopia ou ideologia e, por isso, também chamaremos esta segunda fase da modernidade, a modernidade iluminista do século XIX, de Modernidade Interrompida ou Tardia, uma visão inspirada, sobretudo no jovem Marx.

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Se as relações entre ambas as classes não podem ser pacíficas (ainda que pacificadas mediante o uso de alguns suplementos, como democracia representativa, Estado de Direito, ideologias pacíficas), então, é em meio à luta de classes que, principalmente, o proletariado aprenderá. É assim que se vemos no Manifesto:

Mas toda luta de classes é uma luta política [...] A burguesia mesma, portanto, fornece ao proletariado os elementos de sua própria educação, isto é, armas contra si mesma [...] com o progresso da indústria frações inteiras da classe dominante são lançadas no proletariado [...] Também elas fornecem ao proletariado uma massa de elementos de educação (Marx, 1993, p. 75).

Em duas notas de rodapé, remetendo à edição de 1888, ainda lemos que tratavam de "elementos de sua própria educação política e geral" e de "elementos de instrução e de progresso" (Marx & Engels, 1993, p. 75). Em texto de 1913, nos preparativos da Revolução de 1917, Lênin seguiu esse mesmo pensamento: "O proletariado instrui-se e educa-se travando a sua luta de classe; liberta-se dos preconceitos da sociedade burguesa, adquire uma coesão cada vez maior e aprende a apreciar os seus êxitos pelo seu justo valor, retempera as suas forças e cresce irresistivelmente" (Lênin, 1978, p. 75).

Desse modo, no século XX, o projeto libertário-proletário do consumismo proposto por Marx, seria suspenso, outra vez, em 1983. Assim, novamente, não se concretizava o apelo humano para se constituir em realidade objetiva, o empírico universal (o "cidadão do mundo" por outra tentativa: Kant, 1990). Como vimos pela história, o agente dessa transformação não se configurou plenamente — o proletariado não se viu como cidadão do mundo.

No comunismo ou modernidade futura, transformando-se o proletariado em cidadão do mundo, a autonomia real em relação aos meios de produção (apropriação coletiva) e não só como ficção jurídica, seria exigência máxima desse projeto de modernidade. O próprio método do materialismo histórico, único recurso que permite perceber essa transformação, (materialismo dialético) é também fruto da modernidade e dessa transformação, mas já será um olhar crítico a partir de sua origem, pondo-se além e como meio propenso à superação.

Portanto, Marx faz a crítica de uma modernidade retraída, tardia, interrompida, na medida em que, queria ver estendido, empírica e universalmente, os valores de muitos dos movimentos de grande força que o precederam ou com os quais ainda iria conviver: Iluminismo, socialismo, comunitarismo, igualitarismo, evolucionismo (por exemplo, da barbárie à civilização). Neste sentido de Iluminismo interrompido, Engels (no texto Sobre a autoridade) reforçou o sentido dado pelo jovem Marx nos Manuscritos (1989), de que o trabalho sob a máquina não permite autonomia: "Para as horas de trabalho, pelo menos, pode inscrever-se sobre a porta da fábrica: hasciate ogni autonomia voi Che entrate!" (Engels, 1975, p. 55). Aqui, Engels cita a Divina Comédia, de Dante, Inferno: "Vós que entrais, abandonai toda a autonomia.

Assim, da forma como foi exposta no texto, e adaptada ao nosso contexto, a consciência para si é uma consciência para o Outro. Mas, quem é o Outro, pergunta-se Honneth (2003)? O Outro é aquele-um insatisfeito, quando limitado a si mesmo. O Outro, portanto, sempre procura o Outro, e nem sempre a-si-mesmo. Porque ver-a-si é desvelar para si o que não pode ser contido em-si-mesmo, isto é, o que precisa ser expandido. Então, como consciência expandida-de-si, o outrora limitado a-si-mesmo, agora é capaz de perceber e de se abrir ao Outro. Pois, vê o Outro quem deixou de só ver-a-si-mesmo, ou seja, o Outro é um para além-de-si: em perspectiva ampliada, do aqui ao aí, e deste ao ali e ao acolá.

Ver-a-si é necessário, mas insuficiente; ver-o-Outro também é necessário, mas incompleto, se não se revela a-si-mesmo e aos outros. Educar com os clássicos, portanto, sempre é virtuoso, porque é como ir do real em diante, mas para além do real, buscando sua transcendência crítica. Aliás, não há nada mais virtual (Lévy, 1996) — como um pós-real, pós-moderno — do que a célebre afirmação de Marx, de que "tudo que é sólido, desmancha no ar". Mas, foi, exatamente, esta frase que abriu a modernidade (Berman, 1986)?

A luta pelo (re)conhecimento não é só luta política, pois a militância pode seguir o vai da valsa da conveniência do jogo político ou do próprio determinismo realista da política. Por isso, passa antes pelo trabalho decente, consciente, realizado de forma profissional e humanizante. Como luta pelo (re)conhecimento funciona/atua como um (re)conhecer a si mesmo, um tipo de outra-vez-estou-me-vendo (e não por meio de Narciso), daí que é um (re)conhecer a si mesmo como luta inerente pelo reconhecimento-do(a)-Outro(a). Diz-se que, quem se conhece um pouco que seja (conhece-te a ti mesmo), está prestes/perto de conhecer o(a) Outro(a).

Este trabalho bem realizado, como luta pelo conhecimento e pelo "ensinar certo" (Freire, 2000), imprime seus efeitos na alma/aura — revela o EU por dentro, isto é, desvela, trespassa o egoísmo. Como educação (revelare), revela o EU para o(a) Outro(a). Mas, a grande diferença entre a militância e o trabalho sério, desalienado [07] (retomando-se as rédeas) é que, no caso do trabalho comprometido com a educação, suas inscrições são feitas no córtex cerebral [08], no lóbulo central — e isto é irreversível. Como parte do processo de aprendizagem/aprendizado, autonomia e civilizatório, a educação é uma vocação (vocacio = trabalho) destinada a servir ao desencantamento do mundo (Weber, 1979). Como vemos nesta passagem de Enrique Dussel:

A posição ereta do primata superior permitiu ao Australopithecus, que culminará com a espécie Homo, acelerar o processo evolutivo [...] Os hominídeos, aos quais pertencemos, têm mais de quinze milhões de anos; há uns quatro milhões existe o Homo habilis. Nesse tempo foi se desenvolvendo a "cooperação e coordenação de conduta aprendida" através da linguagem, que propiciou recursos para acumular criativamente uma indefinida quantidade de novas distinções de "objetos" que sem a linguagem não teriam podido ser manejados – em primeiro lugar a distinção entre entorno e linguagem (Dussel, 2002, pp, 100-101).

Por isso, o clássico pode ser contemporâneo. Para o Outro, aquele que ainda virá, o clássico contemporâneo será um pensador do passado, mas que, olhando muito bem o seu e o nosso presente, pode estar atento ao futuro do Outro: o vir-a-ser.


Luta por Conservação

Para melhor esclarecer os fundamentos ou argumentos que procuram dar sustentação a este trabalho, vamos entender Luta por Conservação, como sinônimo de Razão de Estado. Portanto, não se trata de qualquer luta por sobrevivência, uma vez que poderia ser facilmente confundida (até mesmo para desqualificar a luta pelo reconhecimento) com a luta justa de todos nós, no dia-a-dia. Em suma: exclui-se desse debate a própria legítima defesa, quando individual (que estaria melhor posicionada como reconhecimento do direito à vida, como afirmação do ser-ético), e também porque poderia ser facilmente confundida com a reação a agressão indevida e injusta.

Em outras palavras, luta por conservação pode incluir a reação, mas não se limita a isto. Ainda adentrando ao tema da legítima defesa, pode-se dizer que haveria certa validade em determinados casos, mas, excluindo-se a posição reativa do Estado, no curso da resposta por meio da Razão de Estado. Esses seriam os casos daqueles que se batem pelo próprio direito ao/do trabalho, à educação, saúde etc.

Veja-se que, neste caso, a consciência está toda em si, ensimesmada, não se abrindo a nenhuma oportunidade de se agir para si, mas tendo o Outro como parâmetro. Portanto, não se fala em consciência para si (Marx, 1983), se não se falar em ação para si — enquanto coletivo, é inegável pela lógica simples que o Outro não foi descoberto.

Como ensina Honneth (2003), se não há o Outro, é porque não há o EU ou porque só há o eu-mesmo-e-nada-mais. A luta por conservação, não raramente, portanto, vê-se repleta de obstáculos, estranhamentos, negações ou ofendículos para que não se converta ou se metamorfoseie em luta pelo (re)conhecimento.

Normalmente, a luta por auto-conservação é empregado no contexto do individualismo metodológico para sugerir que indivíduos isolados lutem pela sua auto-conservação de forma utilitarista. Tal enfoque se liga sobretudo à dimensão material da vida social. Contudo, o paradigma do reconhecimento de Honneth (2003) opõe-se a isso.

A questão não é tanto de distribuição (renda), mas moral, entendendo que lutas por reconhecimento (re)escrevem relações sociais de um ponto de vista normativo, isto é, reformulam normas e instituições sociais. Se bem sucedida, tal reescrita significa reconhecimento nos planos afetivo, jurídico e da solidariedade.

Um exemplo clássico é a luta das mulheres: ao longo do tempo e a partir do desenvolvimento de uma semântica coletiva, as mulheres foram sendo mais reconhecidas nas sociedades capitalistas. Algo similar ocorre antes com o movimento operário.

Numa linha derradeira: nunca houve equivalência entre essas esferas de ação, individual ou socialmente falando. Porém, é esta zona movediça em que se encontram traços/restos da tradição, da modernidade e de uma situação para além da própria modernidade geradora (pós-modernidade).

Entre tradição, moderno e pós-moderno, a luta pelo (re)conhecimento é uma luta pela afirmação do presente-legítimo, mas sobretudo uma forma de educação para o (re)conhecimento, para o conhecimento revigorado e sem verdades inabaláveis, postas à luz do meio-dia. Ao contrário, além da certeza de que a Modernidade Tardia não deposita suas crenças em afirmações retóricas (tem a ironia por método), não restaram tantas certezas infensas. Há verdades que ressoam dos clássicos e de sua telecinésia, que (n)os transcendem.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Modernidade tardia e/ou "tempos modernos".: Direito ou negação, autonomia ou excipio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2012, 3 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12145. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Uma versão sintética do artigo foi publicada em: http://www.gobiernoelectronico.org/node/6441

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