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A decisão "histórica" do Superior Tribunal de Justiça.

Os "temporários-permanentes" da Paraíba

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Agenda 08/01/2009 às 00:00

5. O caso do Tribunal de Contas dos Municípios

Mas bem antes da Lei Complementar nº 7/91, que iniciou esse processo, ou essa farra, de contratação de temporários no Estado do Pará, bem antes, ainda no Governo Jader Barbalho, a Lei nº 5.033/82 autorizava a nomeação de servidores, sem concurso público, para o recém criado Conselho de Contas dos Municípios, hoje Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará.

De acordo com o noticiário mais recente, existiriam 37 servidores dos altos escalões (procuradores e auditores), além dos técnicos, todos nomeados sem concurso público, com base no art. 46 e seu parágrafo único, da Lei nº 5.033/82, posteriormente alterado pela Lei nº 5.292/85. Seriam todos parentes do ex-Governador Jader Barbalho, do ex-Prefeito Hélio Gueiros, e de alguns outros políticos. Não se sabe quantos já terão sido aposentados, com a devida aprovação do Tribunal de Contas do Estado do Pará, que também tinha, em seus quadros, inúmeros servidores temporários.

No entanto, esse artigo 46, que permitia a nomeação sem concurso público, para os quadros do Tribunal de Contas dos Municípios, já foi julgado inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, na Representação nº 1.359-6/PA. Veja aqui o Acórdão do STF

Essa Decisão do Supremo Tribunal Federal, de 28.05.1987 – há mais de vinte anos, portanto -, foi unânime. Uma Ação Popular, ajuizada contra essas nomeações, porém, ao que se sabe, ainda tramita no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Um Ofício, que teria sido enviado ao Governo do Estado, pelo Min. Marco Aurélio, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2.002, exigindo o cumprimento dessa Decisão, está desaparecido, até hoje. A imprensa nada mais noticiou. Mas o certo é que a Decisão do Supremo ainda não foi cumprida, e que o Estado do Pará ainda não sofreu uma intervenção federal.

Veja aqui as notícias da época: STF manda anular nomeações de Jader, Decisão do STF é recebida com surpresa, Anulação invalida atos do TCM contra Prefeitos, e Burocracia emperra demissões no TCM.

Será que, também neste caso, estão todos preocupados com a segurança jurídica? Ou será o excepcional interesse social?

Quando o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do art. 46 da Lei nº 5.033/82, ainda não existia o mecanismo da "modulação dos efeitos" da declaração de inconstitucionalidade, criado apenas em 1.999, conforme será exposto a seguir.


6. As origens do controle de constitucionalidade

Para melhor compreensão, precisamos recordar como surgiu, nos Estados Unidos, a idéia do "judicial review" e da nulidade da lei inconstitucional, no famoso caso Marbury X Madison (1.803). Em seu voto, o Chief Justice John Marshall dizia, ressaltando a superioridade normativa da Constituição:

"Ou havemos de admitir que a Constituição anula qualquer medida legislativa, que a contrarie, ou anuir em que a legislatura possa alterar por medidas ordinárias a Constituição. Não há contestar o dilema. Entre as duas alternativas não se descobre meio-termo. Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável por meios comuns; ou se nivela com os atos de legislação usual, e, como estes, é reformável ao sabor da legislatura. Se a primeira proposição é verdadeira, então o ato legislativo, contrário à Constituição, não será lei; se é verdadeira a segunda, então as Constituições escritas são absurdos esforços do povo, por limitar um poder de sua natureza ilimitável. Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições escritas, sempre o fizeram com o intuito de assentar a lei fundamental e suprema da nação; e, conseguintemente, a teoria de tais governos deve ser que qualquer ato da legislatura, ofensivo da constituição, é nulo."

Esse cânone, da supremacia constitucional, e o da conseqüente nulidade de qualquer ato normativo que conflite com a Constituição, e que não foi, ressalte-se, uma criação exclusiva da mente de Marshall, porque suas raízes estão na própria Inglaterra, que até hoje não tem uma Constituição escrita, foi acolhido entre nós, a partir da Constituição de 1.891, quando mudamos o eixo de nosso constitucionalismo da Europa para os Estados Unidos.

Inicialmente, adotamos apenas o controle difuso, para a declaração da nulidade das leis que eventualmente contrariassem a Constituição, com decisões que tinham apenas efeito inter partes, que somente poderia ser ampliado (erga omnes) após uma decisão do Senado Federal, que suspendesse a execução da lei que tivesse sido julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Depois, a partir de 1.965, sob a inspiração de algumas constituições européias, e especialmente após a Constituição de 1.988, passamos a adotar também instrumentos do controle concentrado, com efeitos erga omnes, teoricamente capazes de retirar, imediatamente, da ordem jurídica, as leis inconstitucionais, tais como a Adin, a ADC, a ADPF e tantos outros, um inexcedível arsenal de instrumentos, que são as plumas e paetês – parafraseando o Professor Calmon de Passos – que ornamentam nossa fantasia de um Estado de Direito, que pretendia ter uma Constituição verdadeira, respeitada, efetiva, porque a nossa jurisdição constitucional seria perfeitamente capaz de afastar da ordem jurídica todo e qualquer ato normativo que contrariasse a Constituição.

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Para se ter uma idéia, ainda que superficial, do problema, basta dizer que, em 2.008, o Supremo Tribunal Federal, o "guardião da Constituição", teve 117.699 processos protocolados e que foram julgados, em decisão final, 69.308 casos. De 1.988 até 2.008, foram distribuídas, no Supremo Tribunal Federal, 4.168 Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Dessas, 2.735 tiveram decisão final, 464 tiveram apenas decisão liminar, e 969 ainda aguardam julgamento. (Fonte: STF -http://telescopium.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi)


7. "Ex tunc" ou "ex nunc"?

Deve ser examinado, ainda, com maior profundidade, o tema dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, crucial para a compreensão daquela "decisão histórica" do Superior Tribunal de Justiça, que originou este artigo.

A declaração de inconstitucionalidade pode anular todos os efeitos que a lei inconstitucional tenha produzido, desde a data da sua edição, "ex tunc", ou pode manter os efeitos anteriores, aplicando-se apenas a partir da data da decisão, "ex nunc". O normal, evidentemente, seria o efeito "ex tunc", porque não se pode compreender – recorde-se a citação de Marshall - que uma lei inconstitucional possa produzir qualquer efeito, por menor que seja.

Ou seja, em outras palavras, se temos uma Constituição, que deve ser respeitada, "para que tenhamos um governo de leis e não um governo de homens", ou, em outras palavras, para que tenhamos um Estado de Direito, não seria possível que os juízes ou tribunais tivessem o poder de decidir que uma lei inconstitucional poderia prevalecer contra a Constituição, ainda que por pouco tempo.

No entanto, em duas leis, já anteriormente referidas, ambas de 1999, a Lei nº 9.868/99 e a Lei nº 9.882/99, passamos a dispor, em nosso "complexo" sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade, de um novo mecanismo, que a doutrina batizou de "modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade".

Dispõe o art. 27 da Lei nº 9.868/99:

"Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."

Dispõe o art. 11 da Lei nº 9.882/99:

"Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."

A constitucionalidade desses artigos foi questionada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, nas ADIns. 2.154, 2.231, e 2.258. Até esta data (desde o ano de 2.000), essas ADINs estão com pedidos de vista e o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu limitar (!!!) o seu próprio poder de atuar como uma verdadeira Constituinte, mas também ainda não decidiu pela constitucionalidade dos arts. 27 da Lei nº 9.868/99 e 11 da Lei nº 9.882/99.


8. Segurança jurídica ou excepcional interesse social?

Em trabalho recentemente publicado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, "A Limitação dos Efeitos Temporais da Declaração de Inconstitucionalidade no Brasil", (disponível na internet em: http://www.pucrs.br/edipucrs/efeitostemporais/index.html), a Dra. Aline Lima de Oliveira afirma que a segurança jurídica e o excepcional interesse social são, também, princípios constitucionais. A segurança jurídica é uma decorrência do próprio Estado de Direito, enquanto que a organização jurídica em sociedade representa a prevalência de uma determinada série de interesses coletivos (...)

Dessa maneira, seria possível que o julgador efetuasse a ponderação entre esses princípios e o princípio da nulidade da lei inconstitucional. Pela maioria qualificada de dois terços e pelo Supremo Tribunal Federal, evidentemente.

A Autora lembra, ainda, que alguns julgamentos do Supremo Tribunal Federal têm afirmado a legitimidade da fórmula adotada – a "modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade" – como fundamento para a limitação da eficácia retroativa e até mesmo para admitir a aplicação da lei inconstitucional enquanto não superada a situação jurídica imperfeita.

A respeito do tema, é muito interessante, também, a leitura do estudo apresentado pelo Dr. André Serrão, Consultor da Advocacia Geral da União, na ADIn nº 2.154, citado pela Dra. Aline, em especial o item IV – Da Impugnação ao art. 27 da Lei nº 9.868, de 1.999. (Disponível na internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_13/Agu.htm)

O Dr. André Serrão concluiu a sua defesa do art. 27 com as seguintes palavras:

Se se tem presente que é somente a possibilidade de uma tal ponderação o que legislador veio a facultar à Corte Constitucional, é forçoso concluir pela sua legitimidade, pois os princípios em face dos quais será ponderado o princípio da nulidade da lei inconstitucional possuem hierarquia igualmente constitucional – como acima sugerido. Ademais, a prevalência, intensificada desde a promulgação da Constituição Federal, do sistema de controle de constitucionalidade concentrado em nosso ordenamento jurídico tende a aproximar a disciplina dos efeitos de suas decisões daquela própria do sistema austríaco, isto é, a admissão de decisões de eficácia ex nunc (o que, de resto, é absolutamente rotineiro nas decisões relativas a medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade: ADIMC-1981/DF; Relator Ministro Néri da Silveira; DJ 05.11.99, p. 00002). Ao se considerar que tal fato amplia ainda a capacidade decisória do Supremo Tribunal Federal e permite uma adequada, universal e ótima ponderação entre todos os valores constitucionais envolvidos ou afetados por determinada decisão, seria legítimo supor que a concessão à Corte Constitucional de faculdade semelhante àquela inscrita no art. 27 da Lei nº 9.868, de 1999, é, antes, exigida pelo complexo sistema constitucional brasileiro. Essa exigência decorreria exatamente da necessidade de promover, por meio da ponderação, a concordância prática (CANOTILHO, op. cit., p. 234) entre os distintos bens, direitos e valores constitucionais afetados em uma decisão da jurisdição constitucional. Nessa medida, inexiste, tal como demonstrado, ilegitimidade alguma na disposição inserida no art. 27 da Lei nº 9.868, de 1999."

Até esta data, como já foi dito, o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu a respeito da constitucionalidade desse artigo, e também da constitucionalidade do art. 11 da Lei nº 9.882, de idêntica redação. Resta saber, por um absurdo, se e quando o Supremo Tribunal Federal decidisse, finalmente, pela inconstitucionalidade desses dispositivos, qual poderia ser a solução adotada para a modulação dos efeitos dessa decisão??


9. Considerações Finais

Dentre as conquistas da civilização, na eterna luta do Direito contra o poder, a mais importante seria o reconhecimento do princípio da legalidade. No Estado de Direito, a lei deve prevalecer até mesmo sobre a vontade do Rei. Em caso contrário, teremos o arbítrio e o despotismo.

Quando se pensou em escrever constituições, como "leis fundamentais", a finalidade principal foi a de garantir a segurança jurídica, especialmente contra os abusos praticados pelos próprios governantes. Da supremacia constitucional decorre, evidentemente, o princípio da nulidade da lei inconstitucional.

Discute-se, agora, se os juízes e tribunais, ao aplicarem a lei, podem descumprir a Constituição, discricionária ou arbitrariamente. Quais seriam os limites a esse poder?

Por outro lado, seria a lei justa, ela própria? Será que a lei foi elaborada de acordo com o interesse social? Os nossos legislativos, em todos os níveis, não são, exatamente, confiáveis. As leis costumam ser feitas – existem tantos outros exemplos, além dos já citados – para beneficiar determinados grupos, em detrimento do interesse público. O próprio Presidente da República, aliás, tem legislado mais do que o Congresso Nacional, pelo abuso na edição das medidas provisórias.

Se os juízes e tribunais, agora, puderem livremente, também, afastar o respeito à Constituição, bastando alegar a "segurança jurídica" e o "interesse social", teremos uma nova forma de arbítrio, e, como conseqüência, a mais completa insegurança jurídica, porque as decisões serão tomadas de acordo com os interesses do momento, criando normas dirigidas aos casos concretos. O problema assume maiores proporções, evidentemente, quando se trata de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o "guardião da Constituição".

Tomemos, aqui, também, o exemplo das súmulas vinculantes, editadas pelo Supremo Tribunal Federal, que nos deverão render anos de debates e de opiniões "jurídicas" a respeito de sua constitucionalidade.

Quanto àquela decisão "histórica" do Superior Tribunal de Justiça, ela protegeu, na minha opinião, não apenas a "segurança jurídica" dos servidores temporários, ameaçados de demissão, mas também a segurança e o feudo dos políticos e/ou das autoridades interessadas em sua nomeação, acostumados a lidar com o serviço público como se fosse a sua propriedade particular. Por outro lado, é evidente que essa decisão prejudicou o interesse público, porque permite a continuação das nomeações, sem concurso público, de pessoas incompetentes – essa é a presunção – para o desempenho de cargos públicos, que deveriam ser acessíveis a todos os brasileiros que tivessem a necessária qualificação.

Quanto àquela outra decisão, do Supremo Tribunal Federal, de 1.987, que declarou a inconstitucionalidade da lei paraense que autorizava o Governador do Estado a nomear, sem concurso público, os servidores do Tribunal de Contas dos Municípios, por que será que ela ainda não foi cumprida?

Teria sido em respeito à "segurança jurídica"?

Ou, talvez, devido ao "excepcional interesse público" que existia, ou ainda existe, no cumprimento daquela lei, embora inconstitucional, para assegurar o direito de permanecerem nos seus respectivos cargos, no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará, a todos aqueles servidores, nomeados sem concurso, e que durante todos esses anos foram responsáveis pelo exame da regularidade das contas de todos os administradores municipais de nosso Estado, bem como pelo combate às fraudes e à improbidade administrativa, em todas as suas modalidades.

Por que será que essa Decisão do Supremo Tribunal Federal, de 1.987, ainda não foi cumprida?

Seria, por acaso, devido ao prazo decadencial de cinco anos, para que a administração pública possa rever os seus atos, como no caso da Decisão "histórica" do Superior Tribunal de Justiça?

Em suma: será que caducou, depois de 21 anos, a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Representação nº 1.359-6/PA? Ou ninguém tem mais tempo para se preocupar com essas "plumas e paetês" da nossa fantasia democrática?

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. A decisão "histórica" do Superior Tribunal de Justiça.: Os "temporários-permanentes" da Paraíba. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2017, 8 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12175. Acesso em: 22 nov. 2024.

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