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Thomas Hobbes: um precursor do direito positivo?

Agenda 14/02/2009 às 00:00

01- Introdução

O presente estudo se presta a fazer uma pontual análise do pensamento hobbesiano sobre jusnaturalismo e nuances que podem ser interpretadas como diretrizes iniciais do Positivismo. Respeitáveis estudiosos de Hobbes tentaram perfilhar este pensador como um dos ícones do Jusnaturalismo. Em nosso modesto entendimento, inobstante o fausto das obras que encaram Hobbes como um teórico do Direito Natural, esta é uma observação muita limitada e inexoravelmente incompleta da obra hobbesiana. O Positivismo Jurídico deve muito da construção de seus principais postulados a Hobbes, que teve influências indeléveis nas obras de Bentham, Austin, Kelsen e Schmitt. Contudo, uma afirmação aparentemente dúbia e contraditória aqui será lançada e só com o avanço das ponderações será possível obtemperar melhor sobre a idéia de que Hobbes não pode ser enquadrado, de forma pura e definitiva, nem entre os positivistas, nem tampouco entre os jusnaturalistas. A riqueza da obra hobbesiana perpassa rótulos e ele, muito embora tenha inspirado decisivamente o Positivismo, tem também traços marcantes de destacado jusnaturalista. Entender o pensamento hobbesiano não é uma tarefa singela.

O que aqui se colima é evitar maniqueísmos, diminuir o discurso incisivo no sentido de que Hobbes deve ser encarado apenas como pensador jusnaturalista e fincar bases que, ao invés de acirrar o debate Jusnaturalismo x Positivismo, sejam capazes de fazer profícuas junções destas modalidades de pensamento jurídico.


02- Premissas básicas de Hobbes

Hobbes, maldito para uns, gênio para outros, precisa ser melhor contextualizado. Muitas das acusações que se lançam contra este nobre pensador são, de certa maneira, fruto da incompreensão de sua obra e da realidade na qual ele estava inserido. Contudo, de outro giro, o culto exagerado à obra hobbesiana exige abrandamentos. Existem vicissitudes que não podem ser ignoradas.

No entender de muitos e do próprio Hobbes, passa-se a idéia de que dele nasceria a primeira teoria do Estado Moderno. De fato, Hobbes é um dos inauguradores da Modernidade. Contudo, a Modernidade em Hobbes não passa incólume de críticas. As construções geométricas do homem e do Estado, evocando um excessivo racionalismo, padeceram do pecado indisfarçável de ignorar elementos emotivos na formação humana. A visão mecanicista de Estado não tem se revelado na contemporaneidade a mais satisfatória. [01]

Precisa ser bem apreendido que os temas centrais da obra de Hobbes sempre giram em torno de um núcleo: a unidade do Estado. Mais do que restringir a liberdade do homem ou preconizar um Estado total, Hobbes está preocupado em assentar paradigmas para um Estado uno e no qual a paz, impossível no Estado de natureza, seja algo factível.Neste sentido, cumpre trazer a colação uma elucidativa passagem de Norberto Bobbio, aquele é reputado por Renato Janine Ribeiro como quem melhor fez uma exposição global da filosofia de Hobbes:

"Pretendemos investigar não tanto uma justificação moral ou política, mas sim uma justificação em bases históricas. Ora, deste ponto de vista, o processo de formação do Estado absoluto se explica como reação e resposta ao estado quase permanente de anarquia no qual incidiam naqueles tempos a Inglaterra- e a Europa em geral- devido às guerras de religião. Quando Hobbes descreve o estado de natureza não pensa numa condição hipotética ou, de qualquer maneira, pré-histórica da humanidade, mas tem diante de sua própria mente o estado de guerra civil, quando o poder central se dissolve e, devido às lutas intestinas, acabam por faltar ordem e paz. A guerra civil é para Hobbes um retorno ao estado de natureza. Pois bem, para reagir a tal estado, escreve suas obras com a intenção de contribuir para devolver a paz e a ordem ao seu país e à Europa". [02]

Com a devida venia que se deve cultuar em relação à tradição de estudiosos de Hobbes, adotamos idéia no sentido de que Hobbes não é um antecipador do totalitarismo. Hobbes é conservador, isto é inegável, mas a opção pelo grande apreço ao Estado e ao soberano é contextualmente justificada. Mais aversão ainda deve existir à pensamentos como os que inserem Hobbes na linha dos liberais. Macpherson não é feliz quando aponta em Hobbes a defesa do Estado liberal, querendo crer que o Estado forte que Hobbes preconizava visaria não a eliminação de conflitos e da competição, mas sim sua regulamentação. O soberano hobbesiano não é mero regulador de condutas. Seus poderes e possibilidades vão muito além disto.

Hobbes preferiu o excesso de autoridade do que o excesso liberal. Fundamentou a desigualdade como uma convenção entre o soberano e seus súditos. Ao contrário de Locke, disse que a propriedade não é um direito natural e só nasce com o Estado. Nestes posicionamentos, fica evidente que Hobbes não esteve perfilhado com a ideologia burguesa, nem tampouco pretendeu que a burguesia se apropriasse de seu discurso.

Logo, é a partir destas pegadas que devemos iniciar o roteiro de fixação de Hobbes no debate que envolve Direito Natural e Juspositivismo.


03- Positivismo x Jusnaturalismo

Certos esclarecimentos são fundamentais para dar seriedade ao presente estudo.

Hobbes pode ser lançado no rol de precursores do Direito Positivo, mas é preciso dizer que esta nomenclatura nunca foi expressamente mencionada em sua obra [03]. A não menção tem sua razão de ser. Em verdade, o Positivismo Jurídico [04] só tem seus pilares efetivamente fincados no século XIX, na Alemanha. [05]

O Positivismo Jurídico, fruto da tensão Direito Natural x Direito Positivo remonta a Antiguidade Clássica e as disputas entre Socrátes ("aquilo que é por natureza") e os sofistas ("o estipulado pela convenção dos homens). [06]

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É salutar apontar que na época clássica nem sempre era tão nítida a fixação de uma hierarquia entre o arcabouço jurídico positivista e Direito Natural, de maneira que um não era considerado flagrantemente superior ao outro. O Direito Natural era reputado como mais geral e a lei positiva restava evidenciada como mais particular. [07]

Já na Idade Média, por influência de visões jusnatualistas inicialmente fundadas na vontade divina (o "Jusnaturalismo clássico"), a lei positiva passou a ter status inferiorizado e, evidentemente, o Direito Natural passou a ser mais "glamourizado" em eventual comparação com diretivas contrárias.

No avançar da Idade Média, o Jusnaturalismo de matizes religiosas foi perdendo terreno em favor de uma versão mais "racional", na qual o Direito está intimamente vinculado aquilo que foi denominado "reta razão". Com a dissolução da sociedade medieval e o firmamento do Estado Moderno, desponta um crescente processo de monopolização da produção jurídica por parte do aparato estatal. O Positivismo Jurídico se consolida como doutrina segundo a qual não existe outro Direito senão o que está rigorosamente catalogado, codificado, positivado. [08]

Este movimento carece de mais argúcia para ser bem compreendido. Há, no pano de fundo desta ascensão positivista, o firme interesse em fortalecer o Estado, dotá-lo de um arsenal mais sistematizado e com capacidade de impor obediência à base da coerção, ressaltando-se o peso da sanção para os que não estão alinhavados com a ordem estatal. O Direito Natural, por vezes excessivamente abstrato, metafísico e refratário à certas trucagens, não era capaz de fornecer subsídios para tal guinada.


4- Hobbes e o Direito Positivo

Hobbes, nosso real foco de especulação, não deixou de ser um participante da celeuma lei civil x tradição consuetudinária na Inglaterra.

Teórico de um Estado forte e do poder absoluto, indivisível e de ilimitado poder do soberano, Hobbes sempre foi incisivo em evocar a prerrogativa exclusiva do soberano de delimitar o conteúdo do Direito. Veja-se, neste sentido, a seguinte menção: "não é a sapiência mas sim a autoridade que cria a lei". [09]

Hobbes revelou-se um feroz oponente de qualquer doutrina que redundasse em limitações ao poder do Estado e, assim sendo, não deixou de manifestar reprovação ao common law e ao poder eclesiástico. Com efeito, Hobbes não admite qualquer outro ordenamento senão o estatal.

Sua intolerância contra o ordenamento consuetudinário ganhou mais notoriedade na obra Introdução ao Dialogo entre um filósofo e um estudioso do direito comum da Inglaterra. Hobbes escreveu este livro já bastante idoso, com 78 anos de idade, e há relatos de que deixou a obra incompleta. Quem despertou a ira do ancião Hobbes foi Edwuard Coke, jurista renomado da linhagem do common law. Acusado de ateísmo pelo impacto causado com Leviatã, Hobbes precisava destruir a afirmativa de que havia cometido o delito de heresia. Para tanto, desqualificou Coke e disse que na Inglaterra sequer havia sido codificado tal delito. Com a arrogância que sempre lhe foi peculiar, fez sérias acusações no sentido de que Coke e a tradição do common law desconhecia bons argumentos históricos e teleológicos e, por conseguinte, revelava-se uma teoria juridicamente frágil [10].

Segundo Hobbes, o costume não é lei. Na verdade, neste ponto uma afirmação radical pode ser feita, sem maiores constrangimentos: só é lei conforme o modo de pensar hobbesiano aquilo que é ditado pelo soberano.

Para a perpetuação da paz, era caro a Hobbes a monopolização do poder normativo e do poder coativo nas mãos do Estado. Neste ínterim, Hobbes se apresentou como pensador de ética utilitarista, extremamente voltado em solidificar métodos de garantir o êxito do poder estatal.

Em Hobbes, a figura do Estado da natureza e da anarquia a ele inerente (a guerra de "todos contra todos") é decisiva para justificar sua escolha deliberada por um Estado forte e o soberano despido de freios.

Seguindo esta linha de raciocínio, a partir do momento no qual se institui o Estado, fica cada vez mais afastado o Direito Natural.Observar com esmero este cenário faz o leitor mais sensato de Hobbes ceder espaço em suas configurações iniciais sobre um Hobbes única e exclusivamente jusnaturalista.

O Positivismo Jurídico que se vislumbra a partir de Hobbes é formalista e imperativo. Formal na medida em que está mais ocupado com metódos do que considerações ontologicamente valorativas. Imperativo porque deve ser fixado erga omnes, sem acatar insurreições. Não há espaço para o direito à resistência. O soberano não tem limites, tudo pode [11]. Não está externamente obrigado a ninguém, senão sequer poderia ser considerado como soberano. Tem o poder de fixar o conteúdo da lei e pode até violar o Direito Natural [12].Em relação ao soberano, as leis naturais obrigam apenas sua consciência. Urge ser até mais direto e expor que em Hobbes cabe ao soberano a tarefa de fixar o efetivo conteúdo das leis naturais, tidas como ditames "ocos", flagrantemente indeterminados.

Sendo mais claro, neste tópico importante trazer à colação o seguinte escólio hobbesiano na célebre obra "O Cidadão":

"O justo e o injusto não existiam antes que fosse insituída a soberania; a natureza deles depende do que é ordenado; e toda ação, por si mesma, é indiferente: que seja justa ou injusta, isto depende do soberano. Portanto, os reis legítimos, ao ordenarem algo, tornam-no justo pelo único fato de o terem ordenado; e vetando-o, tornam-no injusto precisamente porque o proibiram". [13]

A concepção legalista de Justiça e a identificação da lei como idêntica à legitimidade, referenciais inafastáveis no Positivismo duro [14], ficam bem evidentes nesta passagem.

Ao súdito, fica o dever de obedecer. A desobediência só seria admitida em um único instante: se o súdito correr risco de vida. O soberano, neste caso, não pode ir contra este mínimo. [15]


05- Hobbes e o Direito Natural

As visíveis apologias de Hobbes ao um Direito que seja monopólio do Estado e emane da ilimitada vontade do soberano não fazem com que perspectivas jusnaturalistas sejam integralmente abandonadas. Como já se afirmou no início deste modesto estudo, a pretensão aqui é acabar com a visão parcial que vê em Hobbes apenas um reprodutor do Jusnaturalismo. Hobbes foi muito além do Jusnaturalismo tradicional e inaugurou uma nova concepção que mescla lei civil e lei natural com inigualável sofisticação metodológica.

Reproduzindo esta original mescla, Bobbio diz que o seguinte:

"Thomas Hobbes pertence, de fato, à historia do direito natural: não existe nenhum tratamento da história do pensamento jurídico e político que não mencione e examine sua filosofia como uma das expressões mais típicas da corrente jusnaturalista. Por outro lado, Hobbes pertence, de direito, à história do positivismo jurídico: sua concepção da lei e do Estado é uma antecipação, verdadeiramente surpreendente, das teorias positivistas do século passado...." [16]

Hobbes se posicionou radicalmente contra o jusnaturalismo tradicional, fincado em máximas religiosas. Metade do Leviatã e quase um terço de O Cidadão são demonstrativos razoáveis do firme propósito hobbesiano de retirar da Igreja o poder temporal. As perspicazes interpretações que Hobbes dá às Escrituras Sagradas, rejeitando anjos e demônios, desmistificando "milagres", acabando com a alegoria céu x inferno e tendo como consectário óbvio a idéia de que Jesus não veio ao mundo para comandar, mas sim para ensinar e que o reinado de Deus na Terra é apenas vindouro, refletem uma teoria jusnaturalista inteiramente isenta dos indeterminismos típicos do Direito Natural que se propõe a traduzir a "vontade divina".

Em sendo assim, cumpre, então, fazer a seguinte indagação: qual o viés jusnaturalista hobbesiano?

Hobbes teorizou aquilo que poderia ser denominado como uma "lei fundamental natural". O direito à vida e, por conseguinte, a paz, é o primaz direito natural. Todos os outros direitos são decorrências desta premissa.

Em O Cidadão há trecho no qual isto fica bem nítido, quando Hobbes diz que a observância das leis naturais é necessária para conservar a paz e a segurança é necessária à observância das leis naturais. [17]

O Estado, na verdade, nasce para instituir a paz. Este é o seu grandioso fundamento. Dependendo do jogo de palavras que se quiser adotar, um defensor ferrenho da vertente jusnaturalista em Hobbes diria que a lei civil só existe para tornar obrigatória a lei natural. Não é a nossa escolha no presente trabalho, mas não deixa de ser uma abordagem interessante.

A polêmica pode galgar novos parâmetros se considerarmos a célebre frase de Leviatã [18]na qual Hobbes é categórico em afirmar que a lei da natureza e a lei civil contêm-se reciprocamente e são de igual extensão. Ainda na mesma obra, de maneira mais enfática, Hobbes chega a expor que a lei civil e a lei natural não são gêneros diferentes de lei, mas partes diferentes de uma mesma lei, da qual uma parte, escrita, é chamada de civil, e a outra, não escrita, de natural. [19]

Esta consideração hobbesiana é nada despretensiosa. É com base nela que Hobbes manipula os dizeres de seus principais críticos e, em um trabalho de argumentação fantástico (algo estranho para quem atacava Aristóteles e a retórica), usa as razões de quem o critica para fortalecer ainda mais sua visão sobre o Estado e o soberano. Mais uma vez recorrendo a Bobbio, vislumbra-se isto da seguinte forma:

"Os adversários afirmavam que a presença de uma lei natural acima das leis positivas legitimava a resistência do cidadão contra a opressão. Pois bem: Hobbes é tão competente em trazer água para seu moinho que consegue demonstrar que a obediência absoluta e incondicional é, nada mais, nada menos, que o ditame primeiro e fundamental da própria lei natural" [20]

Com isto, vai ficando cada vez mais transparente a intrincada mentalidade hobbesiana na correlação lei natural e lei civil. A lei natural primeira de preservação da paz é a gênese do Estado e das leis civis. Contudo, tal lei natural é genérica em demasia, uma fórmula vazia que somente a lei civil, ditada pelo soberano, é capaz de preencher.

Em O Cidadão um longo trecho corrobora justamente isto:

" As leis da natureza proíbem o furto, o homicídio, o adultério e todas as espécies de injúria. Mas deve-se determinar por meio da lei civil, e não da natural, o que se deve entender, entre os cidadãos, por furto, homicídio, adultério, injúria. Com efeito, não é furto qualquer subtração daquilo que o outro possui, mas somente daquilo que é sua propriedade. Mas determinar o que é nosso e o que é do outro cabe precisamente à lei civil. Assim, tampouco todo assassinato é um homicídio; homicídio é apenas matar pessoas que a lei civil nos proíbe de matar. Nem todas as uniões são adultérios, mas só as uniões previstas pela lei civil". [21]

Para Hobbes, as leis naturais são inaplicáveis aos casos concretos e o que dá determinação a este conteúdo abstrato é certamente a lei positiva, firmada pela vontade do soberano.

A "redenção" da lei natural em Hobbes talvez se dê quando ele, diferente do Positivismo Jurídico tradicional, permite à lei natural ocupar o lugar de fonte integradora do Direito, servindo como subsidiária no caso de lacuna da lei positiva. Um positivista convencional sequer admite lacunas no Direito e diz, de forma não convincente, que aquilo que não é tratado pela lei positiva constitui o chamado "espaço jurídico vazio", ou seja, matérias as quais não é pertinente que o Direito se envolva. Este modelo de positivista imagina um Direito Positivo perfeito, onipresente, capaz de antever e resolver todos os conflitos, infalível, de interpretações literais da lei. Não é necessário muito esforço para qualificar tal cenário como uma quimera. Basta um olhar simplório para a realidade. [22]

Por fim, urge uma rápida comparação entre Hobbes e um positivista que de certa maneira bebeu suas lições, qual seja, Hans Kelsen.

Segundo Kelsen, uma norma não é evidente por si mesma, devendo haver um fundamento qualquer de sua validade. Este fundamento de validade seria uma norma superior, aquilo que ele chamou de norma fundamental, uma norma hipoteticamente pressuposta para fundar o ordenamento. [23]

Em Hobbes também é possível destacar uma norma superior que confere validade ao sistema. Contudo, ao contrário de Hobbes, esta norma não é um artifício hipotético vindo da própria lei positiva. A norma fundamental de Hobbes é a primeira lei natural, a lei que privilegia a busca da paz.


06- Conclusão

Seremos bastante lacônicos no desfecho desta investigação sobre Hobbes, lei natural e lei positiva. A conclusão será até parecida com a apresentação, ou seja, vige a insistência de que Hobbes é um pensador tão sagaz e único que não cabe configurá-lo em uma única planilha. Lei natural e lei civil foram tratadas com grande magnetismo por Hobbes, ora a balança tendendo mais para o Jusnaturalismo, ora cedendo espaço para o que mais tarde redundaria no Direito Positivo. Hobbes deixou bases bem sólidas para uma ordem positivista, mas o jusnaturalismo não pode ser sonegado de seus tratados.

Dando mais uma vez voz a Bobbio, o comentarista hobbesiano que nos acompanhou nesta jornada, urge expor o seguinte:

"Entende-se que se, por um lado, é preciso ter cautela ao admitir uma brecha no sistema hobbesiano para a penetração das leis naturais, parece que, por outro, é preciso evitar reduzir seu sistema, de modo demasiadamente simplista e com uma antecipação de séculos, a um sistema rigorosamente positivista". [24]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Positivismo Jurídico. Tradução Rosa Maria Cury Cardoso. São Paulo: Icone Editora, 1999.p.37

_________________ Thomas Hobbes. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 1991.p.64

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martins Claret, 2004

___________________ A Dialogue between a philosopher and a student of the common laws of England. Londres: W. Molesworth, 1829-1845

____________________ De cive. Turim: Utet, 1959

KELSEN, Hans. Teoria generale del dirito e delo stato. Trad. Italiana Comunitá. Milão, 1952


NOTAS

  1. Até em função destes excessos hobbesianos, Hegel o acusa de ser demasiadamente empírico e nada filosófico. Cumpre advertir que a consideração hegeliana, não obstante seu vigor, cheira um pouco a "leviandade". Embora tenha categoricamente se oposto à Escolástica e à tradição aristotélica, Hobbes foi muito preciso em várias observações sobre a natureza e o homem e não merece ser retirado da listagem de verdadeiros "filósofos".
  2. BOBBIO, Norberto. Positivismo Jurídico. Tradução Rosa Maria Cury Cardoso. São Paulo: Icone Editora, 1999.p.37
  3. Em Hobbes, a expressão mais próxima do que seria um arquétipo de Direito Positivo é o termo "lei civil".
  4. Vital não confundir marcos históricos e teorias. O Positivismo enquanto paradigma científico tem registros desde o século XVIII, na França, e muito embora tenha grandes similitudes com o Positivismo Jurídico, com ele não pode ser completamente equiparado.
  5. BOBBIO, Norberto op.cit. p. 15
  6. BOBBIO, op.cit.p. 16
  7. BOBBIO, op.cit. p. 16
  8. Muito embora os alemães sejam apontados como os fundadores de um efetivo Positivismo Jurídico, a Escola da Exegese, o Código Napoleônico (o Código Civil Francês, até hoje em vigor) e os apontamentos de Montesquieu não deixam de conferir um toque francês ao ápice do edifício positivista.
  9. HOBBES apud BOBBIO, Norberto. op.cit.p. 36
  10. Hobbes não mediu palavras para dizer que Coke, no seu entender, não era um bom argumentador, nem tampouco um jurista inteligente.
  11. Importante realçar em Hobbes a inexistência de uma teoria do abuso de poder.
  12. Neste ponto, Hobbes chega a ser mordaz, dizendo que, quando o soberano viola a lei natural, ele só deve prestar a contas a Deus, não a seus súditos. Como sempre soou sobre Hobbes a suspeita de não crer em Deus, tal afirmativa, de fato, pode até reforçar as vertentes positivistas de sua teoria.
  13. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 1991.p.64
  14. Preferimos aqui usar a expressão "Positivismo duro" para identificar a versão mais clássica do Positivismo, mais em voga no final do século XIX-início do século XX. O Pós Segunda Guerra Mundial inaugurou na visão de muitos um novo Positivismo Jurídico, que, na doutrina, tem dado origens a várias nóveis acepções positivistas (Pós- Positivismo, Positivismo Ético, Positivismo Humanista, Neoconstitucionalismo). Estas novas roupagens positivistas têm beleza intelectual e representam um saudável avanço do Direito, mas não serão objeto de maiores tratados no presente trabalho.
  15. Até este aparente "limite" ao poder do soberano não encontra sempre total guarida em Hobbes. Não pode passar sem menção o fato de que o pensador em destaque não tolheu do soberano o direito a fixar a pena de morte de seus súditos.
  16. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit.p.101
  17. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit. p. 113
  18. Alguns valorosos estudiosos de Hobbes chegam a separar um Hobbes mais inclinado para a lei civil em O Cidadão e um Hobbes mais jusnaturalista em Leviatã.
  19. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit. p. 113
  20. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit. p. 109
  21. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit. p. 114
  22. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit. ps. 116/117
  23. KELSEN, Hans. Teoria generale del dirito e delo stato. Trad. Italiana Comunitá. Milão, 1952, pp. 111/112
  24. HOBBES, Thomas apud BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. op.cit. p. 116
Sobre o autor
João Fernando Vieira da Silva

advogado, professor de Teoria Geral do Processo, Processo Civil, Direito Civil e Prática Jurídica das Faculdades Doctum - Campus Leopoldina, especialista em Direito Civil pela UNIPAC - Ubá (MG), mestrando em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ, pesquisador de grupo sobre Acesso à Justiça da PUC/RJ e do Viva Rio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Fernando Vieira. Thomas Hobbes: um precursor do direito positivo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2054, 14 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12334. Acesso em: 22 dez. 2024.

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