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Os altos empregados no Brasil e no direito comparado

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Agenda 02/04/2009 às 00:00

4. França

Adaptando-se às estruturas concretas do mundo do trabalho, a lei e, sobretudo, o contrato coletivo, além da própria prática profissional, estabelecem uma primeira distinção genérica essencial, embora demasiadamente vaga, entre três grupos de trabalhadores subordinados: operários (ouvriers), empregados ou colaboradores (employés ou collaborateurs) e quadros (cadres).

É no momento da contratação que se opera a qualificação do trabalhador em função do posto que ele irá ocupar, das funções que irá exercer, sem correspondência necessária com seus títulos de estudo ou empregos anteriormente ocupados. A qualificação é, portanto, essencialmente contratual.

A figura do operário é ligada ao trabalho manual e goza de um menor nível remuneratório do que o empregado. As duas categorias constam de anexos diversos nos contratos coletivos, atribuindo-se, invariavelmente, um maior patamar de direitos aos empregados.

A distinção entre as duas categorias, operada empiricamente em sua origem, pela prática profissional, tornou-se cada vez mais imprecisa. Uma lei referente às eleições para o Conselho de prud’hommes define o empregado como aquele que não participa da execução material dos trabalhos industriais. Outra definição proposta é a da colaboração na administração da empresa e nas relações com os fornecedores e a clientela. Esse conceito é muito abrangente, indo do modesto empregado subalterno ao chefe de serviço.

A presença de níveis bastante diversos na categoria dos empregados torna-se evidente na defesa dos interesses coletivos, pois que aqueles de nível mais elevado se filiam às mesmas organizações sindicais dos quadros. Com efeito, a doutrina observa que o Direito do Trabalho francês caminha em direção à unificação do status jurídico do operário e do empregado subalterno [43].

4.1. A categoria dos quadros

O termo "quadro" (cadre) foi tomado de empréstimo do vocabulário militar (significando aqueles que lideravam a tropa – les gradés encadrent la troupe) e passou a ser utilizado por volta de 1936. Mas é necessário não confundir os quadros com os mandatários sociais, que são os verdadeiros dirigentes da empresa.

Os contratos coletivos consagram, em geral, um anexo à categoria dos quadros - técnicos, administrativos ou comerciais - definida por tais contratos. A pertinência à categoria é normalmente subordinada a uma dupla condição. A primeira é ter recebido a formação necessária para exercer a função, o que é freqüentemente atestado por um diploma (são os quadros "por título"). Mas tal formação profissional pode também ter sido adquirida pela experiência pessoal ou pela formação permanente, e reconhecida de modo equivalente pelo empregador.

A segunda condição é exercer por delegação do empregador um comando sobre os colaboradores de todo tipo ou funções que exijam a utilização de uma técnica, deixando ao interessado uma margem de iniciativa e de responsabilidades. A jurisprudência considera esse critério essencial [44]. Nascida da evolução das técnicas e da estruturação crescente das empresas, a categoria dos quadros aumenta rapidamente e se diversifica.

4.2. A disciplina especial dos quadros

Situados no vértice dos trabalhadores subordinados, os quadros ocupam uma posição privilegiada na empresa, situados próximos da direção, da qual a sua carreira depende. Todavia, eles não dispõem de poderes próprios, sendo estes necessariamente delegados.

No plano das relações individuais, eles se beneficiam de uma remuneração fixada pelo contrato individual invariavelmente muito superior aos valores hierárquicos fixados pelos contratos coletivos, aumentada por prêmios e gratificações. A estabilidade no emprego é preservada por um longo aviso-prévio e uma indenização de dispensa elevada, calculada em razão da antigüidade. Até recentemente, o desemprego na França não atingia os quadros, situação esta que se alterou, gerando uma sensibilização mais geral aos problemas do emprego.

O Código do Trabalho, de 2 de janeiro de 1973, responsabiliza os quadros pelas infrações cometidas no serviço ou estabelecimento cuja autoridade lhes foi delegada.

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Na ordem jurídica francesa, a partir da Lei de 13 de julho de 1973, a dispensa do trabalhador contratado por prazo indeterminado não pôde mais ser imotivada, devendo necessariamente ser justificada por uma causa real e séria. Essa proteção é estendida à generalidade dos obreiros, independentemente do seu tempo de serviço e da dimensão da empresa. Esses fatores são relevantes, no entanto, para diferenciar as sanções advindas da dispensa irregular [45].

A necessidade de justificação da dispensa aplica-se também aos quadros. Todavia, a jurisprudência tende a apreciar o comportamento desses trabalhadores em relação à empresa com um rigor maior (ao menos no que tange os quadros médios e superiores). Nesse sentido, todo desacordo, toda atitude que inspira a desconfiança do empregador justifica a sua dispensa. Trata-se da obrigação dita "de lealdade" dos quadros [46].

Os quadros também não têm direito ao pagamento de horas suplementares e freqüentemente consta de seus contratos um período de prova ou uma cláusula de não-concorrência. Além disso, o seu regime de aposentadoria é diverso daquele aplicável aos outros trabalhadores.

No plano do Direito Coletivo, os quadros, na maioria das vezes, não são sindicalizados. Quando o são, formam os seus próprios sindicatos, os quais se filiam seja às centrais operárias, seja a uma confederação particular. As convenções coletivas reservam aos quadros subalternos e médios um anexo distinto. A lei prevê a participação própria dos quadros nas eleições dos representantes do pessoal na empresa. Uma instituição especializada assegura a colocação no mercado de trabalho dos quadros desempregados.

No plano jurisdicional, satisfazendo uma reivindicação há muito formulada, a Lei de 18 de janeiro de 1979, relativa aos Conselhos de prud’hommes, instituiu uma nova Seção: a Section de l’encadrement.

4.3. Os mandatários sociais

A verdadeira direção da empresa está nas mãos dos mandatários, que se distinguem dos quadros. A diferença entre eles reside em três fatores principais. Os mandatários não são recrutados por meio do contrato de trabalho, mas sim investidos em seus postos pelo estatuto da sociedade ou eleitos pelo órgão deliberativo desta. Eles geralmente são dispensados sem exigência de motivo preciso, sem aviso-prévio e sem indenização. Todavia, nas sociedades de responsabilidade limitada (S.A.R.L.), a lei exige um justo motivo e os tribunais aplicam a teoria do abuso de direito, da qual deriva o direito à indenização. O terceiro fator de diferenciação é que os únicos limites aos poderes dos mandatários são aqueles decorrentes do interesse da sociedade que eles representam. Assim, seus poderes são normalmente de caráter geral, podendo ser delegados.

A relação do mandatário com a empresa não é regida pelo Direito do Trabalho. Todavia, na prática, os direitos a eles concedidos tendem a se aproximar daqueles aplicáveis aos quadros. Eles recebem uma remuneração (que não é um salário), cujo modo de fixação e natureza jurídica para fins fiscais ensejam grandes dificuldades. Devem cumprir devidamente o seu trabalho, sob pena de responsabilização perante seus mandantes e terceiros.

Os mandatários sociais beneficiam-se de proteção previdenciária, devendo ser cadastrados seja no regime geral (dos trabalhadores subordinados), seja no regime dos trabalhadores autônomos. Não é rara a percepção pelos mandatários de uma pensão complementar da empresa, a qual possui a natureza jurídica de uma liberalidade. Por vezes lhes é concedida também uma indenização quando revogado o seu mandato. Desse modo, percebe-se que a relação dos mandatários com a empresa, mesmo não sendo regida pela legislação trabalhista, é regulada na prática por um verdadeiro Direito Social [47].

Questão de grande discussão é a possibilidade de se acumular um mandato social com um contrato de trabalho. Como regra-geral, essa acumulação não é proibida, mas, como pode gerar abusos, é restritivamente admitida. Para que ocorra validamente, a jurisprudência exige duas condições. A primeira é a de que o contrato de trabalho de um mandatário social só é válido se ele corresponde a um emprego efetivo (não fictício), isto é, a funções especiais, distintas do mandato social. A segunda condição é que no exercício de tais funções o mandatário social esteja em posição de subordinação. Caso contrário, o contrato de trabalho é inválido [48].

Todavia, em geral, as decisões judiciais preferem dizer que o contrato de trabalho, quando anterior ao mandato, resta absorvido por este (isto é, se extingue) ou é suspenso no momento em que o trabalhador recebe o mandato social, sendo retomado ao término deste. Tais regras aplicam-se às sociedades limitadas, onde a legislação é silente sobre a matéria. No caso das sociedades anônimas, existem regras específicas que prescrevem que um mandatário social não pode celebrar um contrato de trabalho, mas um empregado pode tornar-se um mandatário social.


5. Colômbia

A ordem jurídico-trabalhista colombiana confere um tratamento especial aos empregados ocupantes de cargo de confiança, com a limitação e exclusão de alguns direitos. Embora não haja uma definição legal genérica desse tipo de cargo, o Código do Trabalho colombiano, ao regular a disciplina especial desses empregados em algumas matérias, acaba por citar, a título exemplificativo, alguns cargos de confiança, tais como "diretores, gerentes, administradores" (art. 32) e "altos empregados dirigentes das empresas" (art. 389).

A doutrina ressalta que se trata de trabalhadores que "podem atuar com certa liberdade no serviço em nome do patrão". O cargo há de ser de confiança – chegando-se a ele através da indicação do empregador e não por critérios objetivos de ascensão na carreira – e a função exercida, as atividades concretamente desempenhadas, devem também ser substancialmente de confiança. Nesse sentido, a jurisprudência destaca que:

"em todo trabalhador se deposita um mínimo de confiança que responde às exigências de lealdade, honradez, aptidão e demais qualidades derivadas da especial natureza da relação de trabalho. Mas quando a essas condições comuns se agregam outras que por comprometer essencialmente os interesses morais ou materiais do patrão, implicam o exercício de funções próprias deste, o elemento confiança adquire singular relevo e ele é usado para qualificar ou distinguir o caráter do empregado." [49]

5.2. Normas especiais aplicáveis aos altos empregados

O Código do Trabalho colombiano (Decretos n. 2663-3743 de 1950) prevê, em seu art. 161, que a duração máxima da jornada normal de trabalho é de 8 horas diárias e 48 horas semanais. Todavia, determina, em seu art. 162, que estão excluídos dessa regra os trabalhadores que ocupam cargos de confiança.

Tais empregados são também considerados representantes do patrão para o fim de obrigá-lo perante os demais obreiros (art. 32). O objetivo dessa norma é defender o empregado comum e seu respectivo contrato frente à atuação dos altos empregados, que atuam como alter ego do patrão no quotidiano da empresa.

Além disso, os altos empregados não podem participar da junta diretiva de um sindicato obreiro, nem ser designados funcionários deste. Assim, é nula a sua eleição e o empregado que, devidamente eleito, passe a ocupar uma função de direção ou confiança do empregador, perderá automaticamente o seu cargo sindical (art. 389).

Considera-se, no entanto, que a caracterização da função de direção ou confiança não depende da denominação dada pela empresa porque, se assim o fosse, "o direito dos trabalhadores a serem eleitos para cargos diretivos sindicais dependeria exclusivamente do arbítrio do patrão, que facilmente poderia inabilitar os filiados melhor capacitados para servir e defender os interesses dos sindicalizados." (art. 389). Deve-se, portanto, averiguar o exercício in concreto de funções de direção ou confiança.

Nos termo do art. 186, o trabalhador que houver prestado seus serviços durante 1 ano tem direito a 15 dias úteis consecutivos de férias remuneradas. O obreiro deve gozar anualmente pelo menos 6 dias úteis contínuos, podendo os demais dias ser acumulados, por vontade das partes, por até 2 anos. Essa acumulação, todavia, pode ocorrer por até 4 anos quando se trate do obreiro ocupante de cargo de confiança (art. 190). Observa-se que a possibilidade de se acumular férias é criticada pela doutrina, que defende a extensão de sua proibição, atualmente válida para os empregados menores, a todos os trabalhadores [50].

Considerando que os altos empregados invariavelmente recebem salários mais elevados, eles sofrem outra restrição no que tange ao cálculo da indenização devida na dispensa sem justa causa ou na resilição indireta do contrato (justa causa empresarial). É que quando o trabalhador ganha mensalmente menos do que 10 salários-mínimos, a indenização é o valor de 30 dias de salário se o tempo de serviço é inferior a 1 ano, quantum que é acrescido de 20 dias de salário a cada ano subseqüente ao primeiro, se o tempo de serviço é superior a 1 ano. Mas se o obreiro recebe salário mensal igual ou superior a 10 salários-mínimos, a indenização em questão corresponde ao valor de 20 dias de salário (tempo de serviço inferior a 1 ano), acrescido do valor de 15 dias de salário para cada ano trabalhado subseqüente ao primeiro.


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Sobre a autora
Lorena Vasconcelos Porto

Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Lorena Vasconcelos. Os altos empregados no Brasil e no direito comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12571. Acesso em: 23 dez. 2024.

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