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Os altos empregados no Brasil e no direito comparado

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Agenda 02/04/2009 às 00:00

5. Sócio-empregado

A pessoa jurídica é uma entidade distinta das pessoas físicas que se associam para formá-la, isto é, dos seus sócios. Dessa forma, em princípio, o sócio poderia ser seu empregado, sendo esta a regra-geral. Assim, é inconsistente a afirmação de que o sócio não pode ser empregado porque o seria dele mesmo, como sustenta Orlando Gomes [17], vez que a relação de emprego seria estabelecida entre ele e a sociedade, que é uma pessoa distinta. Como observa Amauri Mascaro Nascimento:

"Na doutrina italiana expressivos juristas afirmam que entre uma sociedade e os seus sócios pode instaurar-se uma relação de trabalho subordinado, entre os quais Privitera (Il contratto d’impiego privato, Roma, 1952, p. 50), Greco (Il contratto di lavoro, Torino, 1939, p. 151), Napoletano (Il lavoro subordinato, Milano, 1955, p. 193), Sinagra (Istituzioni di diritto del lavoro, Palermo, 1955, p. 149), Di Marcantonio (Appunti di diritto del lavoro, Milano, 1958, p. 15), etc." [18].

Arnaldo Süssekind afirma que "a compatibilidade deve ser admitida como regra, sem constituir um princípio absoluto, enquanto a natureza da sociedade ou a intensidade da participação do sócio na sua gestão pode determinar uma incompatibilidade" [19]. Analisemos então os tipos de sociedade.

Há casos em que o sócio responde pelas obrigações da sociedade de forma ilimitada. Esse tipo de sócio é responsável pela administração da sociedade, pode ter o seu nome inserido na razão social e cabe-lhe precipuamente representá-la. O seu envolvimento na condução dos negócios sociais é tão intenso que é incompatível com a idéia de subordinação. Como exemplo, temos todos os sócios da sociedade em nome coletivo (art. 1039 do Código Civil de 2002); os sócios comanditados na sociedade em comandita simples (art. 1045 do CC/02; os sócios comanditários somente respondem pelo valor de sua quota); o acionista que é eleito diretor na sociedade em comandita por ações (art. 1091 do CC/02; o diretor deve ser acionista e pode haver mais de um diretor, havendo responsabilidade solidária entre eles); todos os sócios da sociedade em comum, a qual abrange a sociedade de fato e a sociedade irregular (art. 990 do CC/02). Nesses casos o sócio não pode ser simultaneamente empregado da sociedade.

A sociedade de capital e indústria era prevista pelos arts. 317 a 324 do Código Comercial, mas não encontra previsão no CC/02. O sócio de indústria, que é aquele que contribui com o seu trabalho para a formação da sociedade e não responde pelas suas dívidas e eventuais prejuízos, é invariavelmente verdadeiro empregado. Esse tipo societário, não previsto pelos Códigos europeus desde o final do século XIX, é utilizado na prática como forma de fraudar a legislação trabalhista [20].

Nos demais tipos societários, que, em verdade, são os de maior recorrência na realidade – sociedade anônima e sociedade por quotas de responsabilidade limitada [21] –, a responsabilidade do sócio se restringe à integralização do valor das ações ou quotas. A regra é a da possibilidade de o sócio ser empregado, mas deve-se analisar o caso concreto. Deve-se verificar se o número de ações ou o valor das cotas tornam realmente efetiva a participação do sócio no comando da empresa, para ver se o serviço prestado por ele à sociedade será feito em termos subordinados ou, ao contrário, com autonomia e prevalência do affectio societatis (v.g., o acionista controlador na sociedade anônima) [22].

A prática judicial trabalhista revela que muitas vezes a sociedade é utilizada como forma de fraudar a legislação laboral, simulando uma efetiva relação de emprego. O Código Civil de 1916, em seu art. 104, previa que os simuladores não podem alegar a simulação em juízo, pois se considera que as partes visaram obter um benefício maior violando a lei e, assim, não poderiam alegar a própria torpeza. Mas no caso do empregado a celebração de um falso contrato de sociedade não é para lhe trazer maiores benefícios (até porque o contrato de emprego é que lhe assegura maiores direitos), mas é uma imposição fática da parte contrária.

O Código Civil de 2002, sem seu art. 167, por sua vez, prevê que o negócio jurídico dissimulado (isto é, o verdadeiramente pactuado pelas partes) pode ter sua validade defendida em juízo. De todo modo, há norma especial na esfera trabalhista (art. 9º da CLT), que fulmina com a nulidade os atos que fraudam as normas laborais. Todavia, a presença de documentação atestando um contrato de sociedade vai impor ao autor o ônus de desconstituir a sua validade, comprovando a relação de emprego (art. 389, I, do CPC).


6. Práticas discriminatórias

No que tange à prática de discriminação quanto à ocupação de cargos de confiança, Alice Monteiro de Barros ressalta o seguinte:

"Os postos de chefia e de direção, que envolvem poder de mando, continuam sendo conferidos aos homens, inclusive nas profissões em que as mulheres são maioria, como é o caso do setor de ensino. Obstáculos implícitos derivados de preconceitos psicológicos e estruturais constituem as chamadas ‘barreiras invisíveis’, que impedem o acesso das mulheres aos cargos diretivos em todos os países." [23].

A autora cita um estudo realizado por uma especialista em assuntos laborais da Organização Internacional do Trabalho (OIT): no Canadá, em pesquisa realizada nas 5002 maiores empresas em 1996, as mulheres ocupavam apenas 2,4% dos postos de direção superior. No Japão, este percentual, em 1990, era de 13%, mas incluindo grandes e médias empresas. Nos Países Baixos, o percentual era de 18%. Na Alemanha, em 1995, uma pesquisa feita em 70.000 das maiores empresas demonstrou que a proporção de mulheres nos altos cargos ou como membros dos conselhos de administração oscilava entre 1% e 3%. No Brasil, um estudo realizado em 1991 mostrou que apenas 3% dos postos diretivos de empresas eram ocupados por mulheres, sendo que nas 40 maiores empresas estatais esta proporção não chegava a 1%.

A autora conclui: "a essa discriminação denomina-se segregação vertical. Ela é o traço mais evidente da discriminação ocupacional, que predomina em todos os segmentos do mercado de trabalho." [24]


7. Direito comparado

O Código Civil de 1942, em seu art. 2095, divide os trabalhadores subordinados em quatro grandes categorias: operários (operai), empregados (impiegati), quadros (quadri) e dirigentes (dirigenti). Os requisitos que definem cada categoria são estabelecidos pela contratação coletiva e o enquadramento do trabalhador depende das funções para as quais ele foi contratado.

A distinção entre operários e empregados encontra-se no Real Decreto-lei n. 1825 de 1924. Este prevê uma série de tutelas aos empregados, as quais só foram estendidas aos operários posteriormente, por meio do CC/42 e da contratação coletiva, permanecendo, todavia, algumas diferenças.

São operários, em linhas gerais, os que prestam trabalho manual, desenvolvendo uma atividade de simples execução, sem poderes de decisão e iniciativa autônomos. Os empregados, em geral, não executam trabalho manual, prestando a sua colaboração em sentido técnico. Eles são prepostos de um determinado setor, com responsabilidade e certa liberdade de iniciativa, limitada àquele setor, mas devem agir sempre segundo as diretrizes determinadas pelo empresário ou por trabalhador de grau superior (quadro ou dirigente).

A contratação coletiva, na época fascista e até o início dos anos 70, separava rigidamente as categorias de operários e empregados. Mas a partir de 1973-74, foi realizado o denominado "enquadramento único", colocando-se operários e empregados juntos em uma única classificação, articulada em diversos níveis. Muitas das diferenças de disciplina foram superadas, mas permanecem ainda algumas distinções, como a remuneração mais elevada conferida a níveis superiores da categoria dos empregados e a menor duração do contrato de experiência e do aviso-prévio para os operários.

A categoria dos quadros foi criada pela Lei n. 190 de 1985, que alterou a redação do art. 2095 do CC/42. Pertencem a essa categoria os trabalhadores que "mesmo não pertencendo à categoria dos dirigentes, desenvolvem funções com caráter continuativo de relevante importância aos fins do desenvolvimento e da atuação dos objetivos da empresa". A aludida lei, no entanto, confirmando o princípio geral, delega à contratação coletiva a fixação dos requisitos de enquadramento na categoria dos quadros. Essa última é disciplinada pelos mesmos contratos coletivos aplicáveis aos operários e empregados.

7.1.2.A categoria dos dirigentes

Os dirigentes constituem a categoria mais elevada dos trabalhadores subordinados, sendo também identificados pelos critérios estabelecidos pelos contratos coletivos. Desde a época do fascismo, eles se organizam em sindicatos distintos, separados dos demais trabalhadores supra mencionados, celebrando, assim, contratos coletivos igualmente distintos. Essa separação se justifica pelo vínculo de particular fidúcia que os liga ao empregador, cuja figura acabam por incorporar em suas relações com o restante do pessoal na empresa.

O critério de agregação dos sindicatos dos dirigentes são os grandes setores econômicos (indústria, comércio, crédito, seguros), e não o ramo de indústria, como ocorre com os demais trabalhadores. Esse critério foi adotado pela lei com relação à Administração Pública, cujos dirigentes estipulam contratos coletivos de área, distintos dos contratos coletivos de repartição celebrados pelos outros empregados (art. 45, §3º, do Decreto Legislativo n. 29/1993 e art. 40, §2º, do Decreto Legislativo n. 165/2001) [25].

No momento da contratação, o trabalhador tem o direito de que seja definida a categoria e qualificação (subdivisão da categoria) em que se enquadra, o que é feito objetivamente, ou seja, a partir das funções para as quais ele foi contratado (art. 96 das disposições de atuação do CC/42), e não subjetivamente, isto é, com base na sua formação profissional. O enquadramento é importante para que o trabalhador receba o tratamento conferido pela lei e pelos contratos coletivos relativos à sua respectiva categoria e qualificação.

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Na ausência de norma legal conceituando a categoria do dirigente, a doutrina e jurisprudência italianas dividem-se acerca do tema. Uma primeira corrente, defendendo um conceito ontológico, afirma que ele é o alter ego do empregador, responsável por toda a empresa ou por um ramo autônomo desta, com amplos poderes de decisão e de representação, submetido apenas às ordens gerais do empregador. Só se enquadrariam no conceito, portanto, os denominados "dirigentes de vértice [26].

Uma segunda corrente, no entanto, com base no art. 2095 do CC/42, afirma que o conceito é estabelecido pelo contrato coletivo, que pode qualificar como dirigentes trabalhadores que não se enquadram na noção acima explicitada de alter ego empresarial, isto é, os denominados "dirigentes menores". Esta posição mais conservadora é defendida por Antonio Vallebona e por parte da jurisprudência da Corte de Cassação [27].

Na hipótese de o dirigente ser também administrador da sociedade onde trabalha surge a controvérsia se ele seria ou não empregado. A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que deve se verificar a existência da subordinação, como através da existência de um Conselho Administrativo do qual o dirigente receba ordens e ao qual preste contas [28].

7.1.3. Regime especial dos dirigentes: exclusão de algumas tutelas

A disciplina legal da relação de trabalho dos dirigentes é caracterizada pela exclusão de algumas tutelas, como nas matérias de jornada de trabalho e descansos, da contratação por prazo determinado e da dispensa injustificada. Os dirigentes das empresas industriais possuíam também um instituto previdenciário específico (INPDAI), o qual recentemente deixou de existir (art. 42 da Lei 289/2002), sendo incorporado pelo instituto geral (INPS)

Também para os dirigentes da Administração Pública é prevista uma disciplina especial, que visa melhorar a eficiência e a economicidade da organização (arts. 4 e 13 a 29 do DL n.165/2001, com a alteração efetuada pela Lei n.145/2002). O acesso ao cargo de dirigente ocorre por meio de concurso de provas ou curso-concurso seletivo de formação junto à Escola Superior da Administração Pública (art. 28).

O mandato do dirigente é por tempo determinado (máximo de três anos para os dirigentes de estruturas articuladas em direções gerais e para os dirigentes gerais e de cinco anos para os demais dirigentes). A discricionariedade na atribuição ou renovação do mandato, aliada à previsão de uma duração máxima, prejudicam a independência dos dirigentes em relação aos órgãos políticos. O dirigente assume a responsabilidade pelo resultado da atividade por ele coordenada e, caso não alcance os objetivos ou não observe as diretivas, não obtém a renovação daquele encargo específico, ao passo que, nos casos mais graves, é determinada a perda do encargo ou até mesmo a sua dispensa.

7.1.3.1. Duração do trabalho

Na Itália, a matéria relativa à duração do trabalho é atualmente regulada pelo DL n. 66/2003, que, ao dar execução à Lei de Delegação n. 39/2002, cuidou de adequar a ordem jurídica nacional à Diretiva Comunitária n. 104/1993, modificada pela Diretiva n. 34/2000.

A duração normal de trabalho é fixada em 40 horas semanais (art. 3º, §1º, do DL n. 66/2003), podendo ser reduzida pelos contratos coletivos. Estes podem estabelecer também um regime de banco de horas, com a duração máxima de 1 ano (art. 3º, §2º).

A Constituição italiana não estabelece a duração máxima da jornada de trabalho, delegando tal fixação ao legislador ordinário (art. 36, §2º). O regime legal vigente, por sua vez, delega à contratação coletiva o estabelecimento de um limite de duração máxima de trabalho semanal, desde que não supere 48 horas semanais, já compreendidas aí as horas extraordinárias.

Essa duração máxima é verificada calculando-se a média semanal em um período de 4 meses, o qual pode ser aumentado até doze meses pelos contratos coletivos (art. 4º do aludido DL). Desse modo, salvo disposição contrária do contrato coletivo, o limite de 48 horas pode ser validamente superado em algumas semanas, desde que seja respeitado como média no período de referência. O limite da jornada diária pode ser inferido da norma que impõe um repouso de ao menos 11 horas consecutivas (art. 7º do referido DL), de modo que o trabalho diário não pode superar 13 horas, respeitando-se, obviamente, a duração máxima semanal [29].

A recepção da diretiva da União Européia pelo DL 66/2003 modificou também a questão do trabalho noturno, pois, ao contrário da anterior disciplina civilística (art. 2108, §2º, CC/42) não se preocupa apenas em garantir a sua sobre-remuneração, mas em estabelecer restrições ao seu exercício.

A disciplina da duração do trabalho, prevista pelo DL n. 66/2003, aplica-se "a todos os setores de atividade públicos e privados" (art. 2º, §1º). Todavia, são excluídos os trabalhadores para os quais a duração do trabalho não pode ser medida ou pré-determinada ou é determinada pelos próprios obreiros (como os trabalhadores em domicílio). Enquadram-se nessa exclusão os dirigentes. Permite-se, no entanto, a fixação de um horário normal de trabalho por meio de contrato coletivo e, em todo caso, não é permitido o superamento de limites de razoabilidade para a proteção da saúde psico-física do obreiro, conforme pacificado pela jurisprudência [30]. Tais contratos coletivos prevêem, além disso, uma indenização especial fixa para tais trabalhadores excluídos dos limites de horário.

7.1.3.2. Contratação por prazo determinado

A Lei n. 230/62 estabelecia rigorosa tipificação das hipóteses em que o trabalhador poderia ser contratado por prazo determinado. Tratava-se de situações em que não havia uma ocasião de trabalho permanente, à semelhança do art. 443 da CLT. Cabia ao patrão o ônus de comprovar a ocorrência de uma das hipóteses autorizativas no caso concreto. Se desrespeitados os limites legais, o contrato tornava-se por prazo indeterminado. O aludido diploma excluía os dirigentes, que podiam ser contratados a termo, sem qualquer justificativa, por um prazo máximo de 5 anos.

Posteriormente, a Lei n. 56/87 veio a permitir a previsão pela contratação coletiva de outras hipóteses autorizativas, além daquelas da Lei n. 230/62. Para adequar a ordem jurídica italiana à Diretiva Comunitária n. 70/99, foram editadas a Lei de Delegação n. 422/2000 e o Decreto Legislativo n. 368/2001. Esses diplomas revogaram as leis anteriores, substituindo o sistema das hipóteses taxativas por uma justificativa genérica, vez que para a contratação a termo são suficientes "razões de caráter técnico, produtivo, organizativo ou substitutivo" (art. 1º, §1º). Com relação aos dirigentes, não houve qualquer alteração, pois, à semelhança da disciplina anterior, eles podem ser contratados a termo sem justificativa alguma, por um período máximo de cinco anos.

7.1.3.3. Possibilidade de dispensa "ad nutum"

A ordem jurídica italiana estabelece diversos limites, formais e substanciais, à dispensa do trabalhador. A regra-geral é a de que o obreiro contratado por prazo indeterminado somente pode ser dispensado se houver praticado uma justa causa ou se estiver presente um justificado motivo (objetivo ou subjetivo), consoante o art. 1º da Lei n. 604/66. Caso a dispensa ocorra em desrespeito a essa regra, as conseqüências podem ser de duas ordens, distinguindo-se aí dois regimes.

O primeiro, denominado tutela obrigatória, aplica-se aos obreiros que trabalham para empresas de menor dimensão (esta é calculada com base no número de empregados) e para empregadores não empresários, que desenvolvam atividades de natureza política, sindical, cultural, educativa ou religiosa, denominados "organizações de tendência" (arts. 2º e 4º, §1º, da Lei n. 108/90). Nesse regime, caso se comprove ter sido a dispensa imotivada, o empregador pode optar entre readmitir o empregado ou pagar-lhe uma indenização, cujo valor varia entre 2,5 e 6 vezes o quantum da última remuneração do obreiro (art. 8º da Lei n. 604/66)

O segundo, denominado tutela real ou forte, abrange os empregadores de maior dimensão (art. 18 da Lei n. 300/70 - Estatuto dos Trabalhadores - com a nova redação conferida pela Lei n. 108/90). A dispensa imotivada gera para o empregador o dever de reintegrar o empregado em seu posto de trabalho, além de indenizá-lo pelos prejuízos sofridos, no valor de toda a remuneração devida desde a data da dispensa até o momento da efetiva reintegração.

Todavia, como exceção à regra-geral, há algumas categorias de trabalhadores que são excluídos da proteção contra a dispensa imotivada, podendo ser dispensados ad nutum, fazendo jus apenas ao aviso-prévio. Dentre eles encontram-se os dirigentes (art. 10, da Lei n. 604/66, e art. 2º, §3º, da Lei n. 190/85). A justificativa para a exclusão do dirigente do regime de proteção legal contra a dispensa imotivada apóia-se no fato de ele ser o alter ego do empregador, gozando de uma especial confiança deste, a qual pode ser abalada em razão de diversas circunstâncias.

Importa ressaltar o entendimento de parte da jurisprudência da Suprema Corte italiana (Corte de Cassação), no sentido de estarem submetidos à dispensa imotivada apenas os dirigentes que ocupam uma verdadeira posição de vértice na organização da empresa (denominados dirigenti apicali). Por outro lado, alguns juízes, invocando o princípio fundamental da boa-fé na execução dos contratos (art. 1375 do CC/42), não admitem que a dispensa do dirigente seja totalmente desprovida de motivação.

No entanto, vários contratos coletivos aplicáveis a esses obreiros lhes garantem uma proteção equivalente à tutela obrigatória, prevendo o pagamento de uma indenização no caso de dispensa imotivada, cujo valor, em regra, é determinado em função do tempo de serviço e da idade do dirigente. Todavia, como esses instrumentos não abrangem todos os dirigentes, muitos doutrinadores defendem a extensão legal da referida tutela a toda a categoria, até mesmo pelo fato de a fidúcia presente nessa relação não ser tão forte a ponto de justificar a dispensa ad nutum, como ocorre com o doméstico.

7.2. Espanha

7.2.1. Definição de empregado

A definição de empregado é dada pelo art. 1.1 do Estatuto dos Trabalhadores espanhol (Lei n. 8 de 1980, reeditada com alterações pelo Real Decreto Legislativo n. 1 de 1995). Trata-se de "trabalhadores que voluntariamente prestem seus serviços remunerados por conta alheia e dentro do âmbito de organização e direção de outra pessoa, física ou jurídica, denominada empregador ou empresário.".

A partir desse conceito a doutrina e a jurisprudência espanholas inferiram os elementos fático-jurídicos da relação de emprego: pessoa física, pessoalidade, voluntariedade, prestação por conta alheia (ajenidad), dependência e retribuição. O requisito da "prestação por conta alheia" compreende dois aspectos: apropriação dos frutos do trabalho por pessoa diversa do empregado, isto é, por aquele que recebe a prestação de serviços, e atribuição a este último dos riscos econômicos. O conceito acima descrito é importante para definir o âmbito de aplicação do Estatuto dos Trabalhadores e das demais leis trabalhistas [31].

7.2.2. Exclusão dos administradores e conselheiros

O art. 1.3., "c", do ET exclui do seu campo de aplicação "a atividade que se limite, pura e simplesmente, ao mero desempenho do cargo de conselheiro ou membro dos órgãos de administração das empresas que revistam a forma jurídica de sociedade", sempre que sua função dentro da empresa "somente comporte a realização de encargos inerentes a tal cargo". Conforme ressaltado pelo Tribunal Supremo espanhol, "a exclusão afeta a todos aqueles que formam parte dos órgãos de governo da sociedade, independentemente de sua denominação: membros do conselho de administração, administradores solidários, administradores conjuntos ou administrador único" [32].

Esta exclusão deve-se, sobretudo, à ausência de dependência no trabalho, vez que se trata de pessoas que formam parte do órgão máximo de direção da empresa. Às vezes também falta o pressuposto da "prestação por conta alheia", em virtude da participação recorrente dessas pessoas no capital social. As funções tipicamente desempenhadas por esses indivíduos são a representação e a suprema direção da empresa. Sendo de caráter civil a relação estabelecida entre elas e a empresa, ela é regulada pelas normas civis e pelo contrato.

Importe ressaltar que a relação em comento é distinta daquela estabelecida por gerentes ou altos diretores com as empresas, vez que estas são empregatícias, sendo reguladas pelo Direito do Trabalho, conforme exposto a seguir.

7.2.3. Altos empregados

O art. 2.1 do ET elenca as "relações de trabalho de caráter especial", de forma não taxativa, vez que a lei poderá vir a definir como tal outras relações aí não expressas. Trata-se de vínculos de caráter empregatício, em que estão presentes os requisitos do art. 1.1 do ET (acima exposto), mas que apresentam alguma especificidade e, assim, contam com uma disciplina especial.

A primeira dessas relações especiais citada pelo art. 2 do ET é a "relação do pessoal de alta direção não incluído no art. 1.3.c)", sendo regulada por uma lei específica: o Real Decreto n. 1.382 de 1985. Este abrange os trabalhadores que "exercitam poderes inerentes à titularidade jurídica da empresa e relativos aos objetivos gerais da mesma, com autonomia e plena responsabilidade, limitadas apenas pelos critérios e instruções diretas emanadas da pessoa ou dos órgãos superiores de governo e administração da entidade que ocupem aquela titularidade".

A partir do conceito legal acima, podemos inferir os requisitos necessários à caracterização do alto empregado. O primeiro é o exercício de "poderes inerentes" à titularidade da empresa. Não se inclui aí toda pessoa que exerce funções de direção na empresa, nem todos os que ocupam postos de mando ou chefia, mas unicamente quem participa das decisões que são fundamentais para a direção e governo da empresa e que afetam o núcleo da organização produtiva. Conforme ressaltado pelo Tribunal Supremo, em geral o ocupante desse cargo recebe da empresa poderes expressos de representação (v.g., contrato de mandato), mas a qualificação de alto diretor não depende da denominação de seu cargo, nem da outorga expressa de poderes de representação, mas das funções ou atividades realmente desempenhadas [33].

O segundo requisito é a necessidade de que as funções exercidas por esse empregado se refiram à inteira atividade da empresa ou a aspectos transcendentais de seus objetivos, com dimensão territorial plena ou referida a zonas ou centros de trabalho nucleares para tal atividade, pois apensas dessa forma serão "inerentes" à titularidade da empresa. Segundo o Tribunal Supremo (decisão de 24 de janeiro de 1990), o alto empregado deve situar-se no "vértice" desta e atuar como alter ego do empresário.

O terceiro requisito é que tais funções devem ser desempenhadas "com autonomia e plena responsabilidade". O alto diretor recebe seus poderes diretamente do titular da empresa e, a partir desse momento, os exerce conforme o seu entendimento, sujeitando-se exclusivamente aos critérios e instruções diretas emanadas das pessoas ou dos órgãos superiores de governo e administração da entidade, aos quais deverá consultar ou informar. A autonomia e plena responsabilidade se manifestam, sobretudo, frente ao restante dos trabalhadores.

O cargo de alto diretor não se confunde com outros possíveis cargos ou relações com a empresa, como o de conselheiro ou membro de Conselho de Administração das sociedades (que gera uma relação de caráter civil, mesmo que inclua funções de direção e gestão) e o de diretor de caráter ordinário, ainda que seja de grande qualificação e responsabilidade (este é regido pelas normas trabalhistas comuns). Por tal razão a promoção à alta direção implica a extinção da relação empregatícia comum, se assim dispuserem expressamente as partes, ou a sua suspensão (art. 9º, §2º, do RD n. 1.382/85)

Observa-se que a condição de sócio é compatível com o cargo de alto diretor, desde que aquele não possua participação majoritária ou muito relevante no capital social, nem detenha o controle efetivo da empresa.

O RD n. 1.382/85 prevê, em seu art. 2º, que a relação de trabalho especial do pessoal de alta direção se baseia "na recíproca confiança entre as partes", considerando a especial posição desses empregados no organograma da empresa e a transcendência de seus atos e decisões para o êxito desta. Por tal razão e também pela maior força contratual do alto diretor (menor hipossuficiência), os direitos e obrigações das partes se regulam em primeiro lugar pela autonomia da vontade destas, respeitadas as normas do RD e as demais normas aplicáveis a esse contrato especial (art. 3º, §1º).

Todavia, as regras previstas pelo RD são escassas e flexíveis, deixando assim um grande espaço à autonomia privada em aspectos como a duração do contrato (art.6º), a determinação da duração do trabalho (jornada, horário, repousos semanais, férias – art 7º), a dispensa do empregado (art.11). Há algumas regras imperativas, que em muitos casos visam à proteção do alto diretor, mas também a maiores restrições à sua liberdade de trabalho (v.g., ampliação do período de prova, proibição da concorrência, compromissos de permanência mínima, aviso-prévio mínimo de 3 meses para o pedido de demissão, etc.).

O Real-Decreto faz remissão à disciplina da legislação trabalhista comum em vários aspectos, como no tocante a garantias salariais e infrações e sanções do empresário. As normas trabalhistas comuns (como o Estatuto dos Trabalhadores) aplicam-se somente em caso de remissão expressa do RD ou do contrato individual (art. 3, §2º). Todavia, com relação aos aspectos não regulados pelo pacto individual ou pelo RD, este determina a aplicação subsidiária não da legislação trabalhista, mas das leis civis e comerciais e de seus princípios gerais, onde detém primazia a autonomia da vontade (art. 3º, §3º).

7.2.3.1. Jornada de trabalho

A regulação da duração máxima da jornada de trabalho na ordem jurídica espanhola resulta da articulação das normas estatais e daquelas contidas nos contratos coletivos. O Estatuto do Trabalhador (art.34) determina que a duração máxima da jornada ordinária será de 40 horas semanais, considerando-se a média anual, não se podendo, em princípio, ultrapassar 9 horas diárias. O contrato individual pode estabelecer uma duração anual e diária menor, mas nunca maior, e os contratos coletivos devem respeitar o máximo anual, mas podem determinar uma distribuição do tempo de trabalho na qual se ultrapasse o limite diário de 9 horas.

No que tange aos altos diretores, o RD permite que a jornada seja fixada pelo contrato individual, mas este não pode estabelecer "prestações a cargo do empregado que excedam notoriamente as que sejam usuais no âmbito profissional correspondente". Trata-se de uma limitação à autonomia da vontade, a qual, todavia, não é de fácil aplicação na prática. [34]

7.3. Inglaterra

A tradição do Direito inglês, caracterizada pela "common-law", marca também o Direito do Trabalho, onde a presença de leis escritas é bem menor do que nos países europeus continentais, que adotam o sistema de "civil-law". Nos últimos anos, todavia, sob a égide do governo trabalhista de Tony Blair, tem-se verificado a edição de diversos diplomas legais trabalhistas, em matérias como flexibilização da duração do trabalho, patamar salarial mínimo, equiparação salarial, discriminação em razão da religião, raça, sexo, orientação sexual e deficiência. Essa maior produção legislativa pode ser explicada em parte pela recepção das normas emanadas pela União Européia, mas também pelas diretrizes do próprio partido trabalhista inglês.

Uma das leis trabalhistas de maior relevância é o Employment Rights Act de 1996, o qual define a relação de emprego como aquela que deriva de um contrato de emprego (art. 230). Este, por sua vez, é definido como um contrato de serviço ou aprendizagem. Observa-se que o contrato de serviço (contract of service) - regido pela legislação trabalhista - não se confunde com o contract for services, o qual é regulado pelas leis civis, correspondendo, no Direito brasileiro, ao contrato civil de prestação de serviços. O contrato de emprego pode ser expresso (oral ou escrito) ou tácito.

7.3.1. A atividade construtiva da jurisprudência na definição da relação de emprego

Percebe-se que não há uma definição legal dos requisitos necessários à configuração da relação empregatícia, cabendo a sua determinação à atividade criativa da jurisprudência inglesa. Simon Honeyball relata que a primeira vez que as cortes se depararam com o problema de se determinar se um trabalhador era empregado ou não foi no julgamento de casos relativos à responsabilidade da empresa por danos causados por aquele a terceiros [35]. Nesse contexto, passou-se a entender que a pedra de toque para se definir tal relação era o controle exercido, não somente sobre a atividade do trabalhador, mas também sobre a forma como esta era exercida, além do exercício do poder disciplinar pela empresa. Essas idéias aproximam-se do conceito de subordinação.

Em outros casos, considerou-se decisivo para a configuração da relação de emprego o fato de o trabalhador, no exercício de suas atividades, estar totalmente integrado na organização empresarial [36]. Por outro lado, considerou-se que uma contratação casual e de curta duração, no curso da qual o trabalhador também tenha prestado serviços em outros lugares, afasta a relação de emprego [37]. Essas idéias se aproximam do conceito de não eventualidade.

É interessante observar que, em algumas decisões, considerou-se que a pessoalidade não é requisito essencial à configuração da relação de emprego [38], enquanto que outras decidiram que se trata de um pressuposto necessário [39].

Considerou-se, ainda, que a propriedade de ferramentas e instrumentos pelo trabalhador aponta na direção de trabalho autônomo, pois que sugere um grau de independência, ao passo que o pagamento de salários em época de doença indica que se trata de um empregado, vez que o autônomo em geral recebe um quantum fixo por seu trabalho, suportando os riscos dele advindos. Ressaltou-se, portanto, que a assunção dos riscos do empreendimento pelo trabalhador sinaliza a ausência de vínculo empregatício (Global Plant Ltd. v. Secretary of State for Social Services, em 1972). Outro aspecto considerado indicador da ausência da relação de emprego foi a discricionariedade do trabalhador em decidir quando o seu trabalho será realizado.

A jurisprudência inglesa acolhe o que denominamos princípio da "primazia da realidade" sobre a forma. No caso Young and woods Ltd. v. West (1980), desconsiderou-se a existência de um contrato formal de prestação de serviços para reconhecer o vínculo empregatício e a legitimidade ativa, em uma reclamação contra a dispensa injusta de um trabalhador que tinha uma jornada de trabalho regular, recebia salário calculado por hora e utilizava instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador. Atualmente, a proibição de simulações tendentes a fraudar a legislação trabalhista encontra-se no art. 203 do Employment Rights Act de 1996.

7.3.2. Altos empregados

Assim como não há uma definição legal em termos precisos da relação de emprego - e, portanto, da figura genérica do empregado – não há uma definição do que seria um empregado ocupante de cargo de confiança. Isso requer, obviamente, uma atividade jurisprudencial intensa nessa seara. A importância dessa distinção reside no fato de que tais empregados recebem menor proteção da legislação trabalhista, como no que tange à duração do trabalho, como veremos.

Há determinados trabalhadores, denominados officers, que, em princípio, estão excluídos da disciplina do Direito do Trabalho, mas podem firmar um contrato de emprego com a sociedade que representam, se assim o desejarem. Dentre eles destaca-se a figura do diretor. A contratação deste a título empregatício sujeita-se a duas previsões específicas contidas no Companies Act de 1985. A primeira é a exigência de uma maior formalidade: se o contrato for escrito, a empresa deve manter uma cópia do mesmo; se celebrado oralmente, deve haver um memorandum escrito. A segunda determina que o contrato não pode ter duração superior a 5 anos, salvo se aprovado por resolução da Assembléia-geral.

A distinção entre as duas figuras – o contrato de emprego e o pacto civil de prestação de serviços – nem sempre é fácil, ensejando debates jurisprudenciais. Ilustrativamente, no caso Albert J. Parsons & Sons Ltd v. Parsons (1979), a Corte de Apelação considerou que não havia contrato de emprego na situação de um diretor que trabalhava em tempo integral, era remunerado somente através de verbas de cunho civil (pro labore) e não era tratado como empregado para fins previdenciários [40].

7.3.2.1. Duração do trabalho

Em 1º de outubro de 1998, entrou em vigor o Working Time Regulations, que implementando-se na ordem jurídica inglesa as normas da Diretiva da União Européia n. 104/1993, relativa à duração do trabalho, e algumas normas da Diretiva n. 33/94 sobre os trabalhadores jovens. Foram estabelecidas, assim, restrições legais à duração do trabalho. A principal delas estabelece que "a duração de trabalho, incluindo as horas-extras, em qualquer período de referência aplicável ao trabalhador, não pode exceder a média de 48 horas, para cada 7 dias".

Estabeleceu-se também que a faixa horária considerada como trabalho noturno deve ser determinada por um acordo relevante e, na ausência deste, é o período entre 23:00 e 6:00 horas. A jornada de trabalho noturno normal, em qualquer período de referência, não pode exceder uma média de 8 horas para cada 24 horas. Por outro lado, as férias anuais remuneradas foram fixadas em 4 semanas e determinou-se que um trabalhador adulto tem direito a um intervalo intra-jornada não inferior a 20 minutos ininterruptos, quando a sua jornada é superior a 6 horas.

Os limites relativos à duração laborativa – duração máxima semanal, trabalho noturno, intervalos inter-jornadas, intervalor intra-jornada, repouso semanal – não se aplicam aos obreiros cuja duração do trabalho não pode ser medida (unmeasured working time). Essa expressão é definida pela lei como "onde, considerando as características específicas da atividade na qual o trabalhador está envolvido, a duração do seu trabalho não é medida ou pré-determinada pelo próprio trabalhador". Enquadram-se nessa hipótese os empregados ocupantes de cargo de confiança [41].

7.3.3. Sócio-empregado

No que tange ao sócio, considera-se que, em princípio, não há qualquer impedimento para que ele seja também um empregado da sociedade. Consoante decidido pela Corte de Apelação nos casos Secretary of State for Trade and Industry v. Bottrill (1999) e Sellars Ltd. v. Connolly (2001), não há nenhuma previsão legal que impeça que um acionista controlador seja um empregado e, portanto, um controle acionário majoritário deve ser apenas um fator a ser levado em conta para se averiguar a configuração de um contrato de emprego.

Deve-se estar atento para o fato de que, em alguns casos, tal acionista pode querer usar a personalidade jurídica para obter vantagem indevida, invocando para tal a condição de empregado. Seria o exemplo de deixar de pagar a si mesmo os salários para cobrá-los da Secretaria do Estado no caso de insolvência da empresa. Mas, em situações em que não se configura uma fraude, não há qualquer razão que impeça a configuração da relação de emprego desse sócio [42].

Sobre a autora
Lorena Vasconcelos Porto

Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Lorena Vasconcelos. Os altos empregados no Brasil e no direito comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12571. Acesso em: 23 dez. 2024.

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