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Sequestro de carbono: possibilidade de aplicação em áreas de preservação permanente e reserva legal

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Resumo

A emissão de gases de efeito estufa tem provocado grandes alterações na composição da atmosfera, provocando sérios problemas ambientais, como o aquecimento global. Para tentar minimizar tais problemas foi criado o Protocolo de Quioto com a finalidade de propor medidas de redução de emissões desses gases na atmosfera, através da participação de mecanismos de mercado, dentre eles, o seqüestro de carbono. O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade jurídica de implantação de projetos de seqüestro de carbono em áreas de preservação permanente e reserva legal, tendo em vista a grande capacidade do país em receber projetos de reflorestamento, com fundamento nos conceitos de limitação administrativa da propriedade e nos requisitos exigidos pelo Protocolo de Quioto.

Palavras chaves: aquecimento global, Protocolo de Quioto, seqüestro de carbono.

Abstract

The greenhouse gases emission have ever been taken big changes in the atmosphere composition, taking serious environment problems, as the global warming. For try to reduce these problems was created the Kyoto Protocol with the purpose to consider reduction evaluations to these gases emission in the atmosphere, through the participation of market mechanisms, including the carbon sink. This paper purpose analyzes the juridical possibility of projects implantation of carbon sink permanent preservation areas and legal reserve, considering the capacity of the country in receives reforestation projects, with fundament in the concepts of administrative limitation of property, and in the Kyoto protocol rules.

Key words: global warming, Kyoto Protocol, carbon sink.


Introdução

A preocupação em traçar medidas preventivas e punitivas de proteção ambiental tomou força a partir da década de 70. Naquela época, entretanto, os problemas ambientais eram vistos de forma localizada, em que as maiores preocupações eram com o acúmulo de lixo, com a poluição dos leitos dos rios, com o desmatamento, com a preservação de espécies da flora e da fauna em extinção.

Atualmente, estamos à frente de um novo problema ambiental: a poluição global, ocasionada especialmente pela poluição atmosférica, que, por não encontrar barreiras, afeta todos os países do mundo, podendo gerar sérios prejuízos, entre eles, o chamado efeito estufa, fenômeno físico que provoca o aquecimento do globo terrestre, devido à emissão de gases que causam alteração na composição da atmosfera, como o gás carbônico – CO2, advindo de um dos principais efeitos da ação humana no meio ambiente, a queima de combustíveis fósseis e o conseqüente lançamento de CO2 na atmosfera (Goldemberg, 2000).

A comunidade científica chegou ao consenso que a mudança climática é uma das maiores ameaças da atualidade, dadas a sua amplitude, intensidade e efeitos danosos. Cada vez mais, a pesquisa científica comprova que grande parte do aquecimento do planeta tem origem antrópica e que, portanto, a própria ação humana poderia e deveria intervir para o seu refreamento (Chang, 2002).

Com base nesses fatos, no início dos anos 90 surgiram as primeiras idéias sobre o seqüestro de carbono, como um instrumento de compensação e de retenção do lançamento de CO2 na atmosfera. Mas, foi em 1997, com o surgimento do Protocolo de Quioto que esse instrumento exteriorizou-se para os diversos países signatários do tratado (Árvores Brasil, 2005).

A partir daí o seqüestro de carbono foi ganhando força, com o estabelecimento de mecanismos de flexibilização, que tinham por objetivo permitir maior eficiência no combate ao efeito estufa, através da criação de um mercado internacional de quotas de emissões.

Os compromissos de redução de gases de efeito estufa assumidos no Protocolo de Quioto começam a ser exigidos a partir de 2008 e o Brasil é um forte candidato para receber projetos hospedeiros dos países desenvolvidos, que se comprometeram em atingir metas de redução. Isto porque, dentre as categorias de projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo, temos as atividades relacionadas ao uso da terra como o florestamento, o reflorestamento e a recuperação de áreas degradadas, com grande potencial em nosso país.

Assim, o presente estudo tem por finalidade verificar a possibilidade de utilização de dois institutos da legislação ambiental brasileira para o recebimento de projetos de seqüestro de carbono, com conversão em créditos de carbono: as áreas de preservação permanente e reserva legal, como forma de viabilizar a utilização econômica da propriedade e a preservação ambiental.


1. Mudanças climáticas e o Protocolo de Quioto

O Protocolo de Quioto é um tratado complementar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, criado na III Conferência das Partes – COP-3, realizada em Quioto, no Japão, no ano de 1997, que surgiu em virtude da preocupação mundial com efeitos danosos das mudanças climáticas sobre a humanidade.

Nas conferências mundiais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima foi verificado que o efeito estufa é um dos maiores responsáveis pelas mudanças climáticas, gerado pela emissão descontrolada de gases na atmosfera, fato que motivou a conclamação dos Estados para a adoção de um tratado internacional sobre o assunto. Assim, foi estabelecido o Protocolo de Quioto, que tem como objetivo primordial firmar compromissos entre os Estados-Partes para a redução da emissão de seis dos gases que provocam o efeito estufa (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluorcarbonos, perflurcarbonos e hexafluoreto de enxofre), em níveis que evitem a interferência antrópica perigosa no clima mundial (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006).

Tal tratado engloba países desenvolvidos, denominados "Países do Anexo I" [01], os quais assumiram compromissos de reduzir a emissão de gases que provocam o efeito estufa em no mínimo 5% abaixo dos níveis de 1990, no período de 2008 a 2012, e países em desenvolvimento, conhecidos por "Países não incluídos no Anexo I", que, basicamente, tem por obrigação elaborar, atualizar e publicar inventários nacionais de emissões e promover o resgate de emissões através de sumidouros [02] e da estocagem dos gases de efeito estufa gerado pelas atividades antrópicas.

O Brasil é signatário deste tratado, considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, por meio do Decreto Legislativo n. 144, de 20 de junho de 2002, que ratificou o citado Protocolo em 23 de agosto de 2002, que o citado Protocolo entrou em vigor internacional em 16 de fevereiro de 2005 e tendo em vista a promulgação do tratado em 12 de maio de 2005 pelo Decreto n. 5.445.

Segundo Chang (2002), para atingir as metas traçadas pelo Protocolo de Quioto foram adotados três mecanismos de flexibilização:

a) implementação conjunta: dá maior flexibilidade aos países do Anexo I para investirem entre si no cumprimento de seus compromissos de redução;

b) mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL): permite aos países industrializados financiar projetos que ajudem na redução de emissão em países em desenvolvimento e receber créditos, de maneira a cumprir o seu compromisso de redução;

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c) mercado internacional de emissões: possibilita aos países do Anexo I comercializarem entre si as quotas de emissão e os créditos adquiridos através do MDL em países em desenvolvimento.

O Brasil não assumiu os compromissos de redução formal de gases de efeito estufa, mas assumiu as obrigações de colaborar com a implementação da Convenção do Clima, podendo receber projetos de MDL dos países do Anexo I, entre eles, o seqüestro de carbono, sistema que promove o resgate de emissões de CO2 na atmosfera através de atividades relacionadas ao uso da terra, como o florestamento, o reflorestamento e recuperação de áreas degradadas.


2. Princípio do poluidor-pagador e a redução de emissões

O Protocolo de Quioto tem como um dos pontos primordiais a preocupação com a liberação excessiva de CO2 na atmosfera, o que tem causado mudanças funestas no clima.

Um dos instrumentos desenvolvidos no Protocolo de Quioto foi a cooperação mútua entre os países do Anexo I e os não incluídos no Anexo I para o desenvolvimento de mecanismos que visem minimizar a liberação de CO2 na atmosfera, entre eles, o aclamado seqüestro de carbono, que tem por finalidade conter e reverter o acúmulo de CO2 na atmosfera, visando à diminuição do efeito estufa, utilizando a preservação de florestas nativas, a implantação de florestas e a recuperação de áreas degradadas como ações para a conservação de estoques de carbono nos solos, florestas e outros tipos de vegetação.

O artigo 2.1 do Protocolo de Quioto dispõe sobre necessidade de implantação e aprimoramento de políticas e medidas que visem à limitação e redução de emissões de gases de efeito estufa, entre elas:

A proteção e o aumento de sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, levando em conta seus compromissos assumidos em acordos internacionais relevantes sobre o meio ambiente, a promoção de práticas sustentáveis de manejo florestal, florestamento e reflorestamento.

A cooperação mútua entre as Partes do Protocolo inclui a possibilidade dos países do Anexo I, que não tenham condições de promover a redução da emissão de gases de efeito estufa em seu território, desenvolverem projetos nos países em desenvolvimento para alcançar as metas e compromissos assumidos, utilizando-se das reduções certificadas de emissões, popularmente conhecidas por créditos de carbono, conforme disposto no artigo 12.3 do Protocolo de Quioto, a saber:

3. Sob o mecanismo de desenvolvimento limpo:

(a) As Partes não incluídas no Anexo I beneficiar-se-ão de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de emissões; e

(b) As Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3, como determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo.

A certificação do carbono encontra respaldo na legislação ambiental brasileira, pois está contida nas bases do princípio do poluidor-pagador, o qual preleciona que todo aquele que através de sua conduta causar dano ao meio ambiente deve ser responsabilizado por seu ato lesivo, segundo prevê a Lei nº 6.938/81, em seu artigo 4º, ao dispor que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição de recursos ambientais com fins econômicos.

Esse princípio está diretamente relacionado à teoria econômica de internalização dos custos externos, ou seja, o custo social da poluição deve ser assumido pelo poluidor, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza.

Entretanto, o pagamento pela poluição não deve refletir a idéia equivocada de que quem paga pode poluir, ao contrário, tal princípio não objetiva tolerar a poluição, eis que a cobrança só pode ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, sob pena de se admitir o direito de poluir (Milaré, 2005).

O princípio do poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos danos causados pela poluição. Seu alcance é mais amplo, incluídos todos os custos da proteção ambiental, quaisquer que eles sejam, abarcando, a nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental [...] (Benjamin, 1993 in Fernandes, 2005).

Dessa forma, o recebimento de projetos de seqüestro de carbono dos Países do Anexo I, que possuem compromissos quantificados de redução e limitação de gases de efeito estufa, com a conversão em créditos de carbono, coaduna com o princípio do poluidor-pagador, pois prevê a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos que propiciem uma contraprestação pela poluição ambiental. Espancando-se a idéia de que os certificados de emissões dariam àquelas partes o direito legal de poluir.


3. Seqüestro de carbono em áreas de preservação permanente e reserva legal

Um dos mecanismos de desenvolvimento limpo utilizados para a minimização dos efeitos do CO2 na atmosfera é a preservação de florestas, através de práticas de florestamento, reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, os quais permitem que o carbono, pelo crescimento das árvores, seja removido da atmosfera. Assim, a floresta atuaria como um sumidouro de carbono ou promoveria o seqüestro de carbono. Esse seqüestro é possível porque a vegetação realiza a fotossíntese, processo pelo qual as plantas retiram carbono da atmosfera e o incorporam à sua biomassa (troncos, galhos e raízes).

Segundo Watzlawick et. al (2002) as florestas estocam tanto na biomassa acima como abaixo do solo mais carbono do que atualmente existe em relação ao estoque de carbono na atmosfera. Isso é justificado em função das florestas cobrirem cerca de 30% da superfície da terra e fixar em torno de 85% do carbono orgânico, fato que justifica a viabilidade da utilização de práticas florestais em projetos de seqüestro de carbono.

Além dos aspectos econômicos da comercialização de certificados de redução de emissão, a manutenção e recuperação das florestas são salutares para o país, tendo em vista a sua importância ecológica [03], aliada ao fato de que grande parte de emissões de CO2 na atmosfera advém de desmatamentos e queimadas, sendo que a maior contribuição do Brasil na redução de emissões seria através da mitigação e do controle dessas práticas.

Nesse diapasão, interessante se faz o estudo da possibilidade de se utilizar dois instrumentos jurídicos previstos no Código Florestal, Lei nº 4.771/65, que tem por finalidade a manutenção do patrimônio florestal brasileiro: áreas de preservação permanente e reserva legal, em projetos hospedeiros de seqüestro de carbono, com a conseqüente conversão em certificados de redução e comercialização no mercado internacional.

As áreas de preservação permanente consistem em uma faixa de preservação de vegetação estabelecida em razão da topografia ou do relevo, geralmente ao longo dos cursos d’água, nascentes, reservatórios e em topos e encostas de morros, destinadas à manutenção da qualidade do solo, das águas e também para funcionar como corredores de fauna.

Já a reserva legal consiste na destinação de uma porção contínua de cada propriedade rural para preservação da vegetação e do solo de: a) 80%, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; b) 35%, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal; c) 20%, na propriedade rural em área de campos gerais e; e) 20% nas demais regiões do país, conforme previsto no artigo 16 do Código Florestal.

As áreas de preservação permanente e de reserva legal estão definidas no art. 1º, §2º, II e III, do Código Florestal, da seguinte forma:

II - Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

III - Reserva legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas (grifa-se).

Tratam-se, nos dois casos, de institutos de direito público, normas cogentes de aplicação imediata, limitações administrativas da propriedade, impostas de forma gratuita e unilateral, com a função de condicionar o exercício do direito de propriedade em prol do bem comum. Machado (2002) faz uma sábia conjectura entre a utilização das florestas e a imposição de limitações administrativas ao afirmar:

O interesse comum na existência e no uso adequado das florestas está ligado, com forte vínculo, à função social da propriedade. Essa função não é uma faculdade, mas uma obrigação indeclinável, como se vê da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXIII): ‘a propriedade atenderá à sua função social’. Essa norma não é uma inovação da Constituição em vigor, pois segue diversas Constituições anteriores, como as de 1967 (art. 157, III), de 1946 (art. 147) e de 1934 (art. 113, 17).

A diferença da área de preservação permanente e reserva legal reside, especialmente, na finalidade, na destinação específica de cada área, sendo esta de conservação ambiental, em que se permite o uso sustentável dos recursos florestais. Enquanto àquela destina-se à preservação ambiental, sendo vedada a intervenção antrópica, salvo as exceções previstas por lei.

Passamos, pois, à verificação da possibilidade da conversão em crédito de carbono por meio de aplicação de mecanismos de desenvolvimento limpo nas áreas acima definidas.

Primeiramente, há que se ressaltar que nem todos os projetos que impliquem na redução de gases que provocam o efeito estufa serão admitidos para fins de conversão em crédito de carbono. Isto porque, o Protocolo de Quioto, em seu art. 12.5, estabelece alguns requisitos mínimos a serem cumpridos, a saber:

5. As reduções de emissões resultantes de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo, com base em:

(a) Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida;

(b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima, e

(c) Reduções de emissões que sejam adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada do projeto.

Da análise do dispositivo acima citado, tem-se que apenas serão certificados os projetos em que houver participação voluntária por cada país envolvido, que proporcionem benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo para a mitigação da mudança do clima, propiciando reduções de emissões adicionais às que ocorreriam na falta do projeto.

O requisito traçado na alínea "b" do art. 12.5 do Protocolo é perfeitamente atendido pelas áreas de preservação permanente quanto pela reserva legal, haja vista a importância ecológica que desempenham e a capacidade de reterem CO2 da atmosfera.

Quanto o critério da participação voluntária, uma análise superficial do tema poderia levar a crer que em nenhuma dessas áreas haveria participação voluntária, eis que se trata de limitações à propriedade impostas por lei. No entanto, diferencia-se a reserva legal das áreas de preservação permanente por ser essa destinada à preservação ambiental, que devem ser mantidas intactas, não sendo permitida a ação humana para extração de recursos naturais, pois são áreas que exercem função ambiental de extrema importância, lhe incumbindo a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora e da proteção do solo, assegurando o bem-estar das populações humanas; enquanto aquelas são definidas por lei como áreas de conservação ambiental, podendo ser utilizadas sob o regime de manejo florestal sustentável.

Desta forma, a vegetação existente nas áreas de preservação permanente não pode ser computada para fins de certificação de redução de emissão de gases de efeito estufa, tanto por não atender ao requisito da participação voluntária e da adicionalidade, haja vista ser uma área de uso indireto, quanto pelo fato de se tratar de verdadeira limitação administrativa, pois traz um retorno ao próprio proprietário do imóvel, que usufrui dos benefícios proporcionados pelo equilíbrio ambiental.

Em contrapartida, a reserva legal merece um estudo mais apurado à luz da interpretação dos três requisitos traçados pelo Protocolo de Quioto e do conceito de limitação administrativa, perquirindo-se sobre a função ambiental dessas áreas e a utilização econômica do bem.

A contrario senso dos critérios estabelecidos para as áreas de preservação permanente, na reserva legal os requisitos da participação voluntária e da adicionalidade estabelecidos pelo Protocolo são aplicáveis.

A participação voluntária advém da possibilidade do proprietário rural optar pela exploração, embora sustentável, dos recursos naturais existentes na área de reserva legal ou pela manutenção da vegetação nativa existente na propriedade com finalidade de convertê-la em crédito de carbono.

Uma atividade é considerada adicional quando promove a remoção de gases além do que comumente e naturalmente acontece ou se as emissões de CO2 na atmosfera forem menores do que na ausência do projeto. Assim, a opção pela manutenção da floresta nativa representaria uma adição à redução de emissões, eis que o CO2 permaneceria por um maior tempo retido na biomassa vegetal e evitaria novas emissões de gases, por outro lado, também ajudaria a reverter o problema do desmatamento e queimada de áreas de reserva legal para destinação econômica, como a extração de madeira e atividades agropecuárias. Sem, contudo, retirar a utilização econômica da terra, ajustando-se ao conceito de limitação administrativa imposto a essas áreas, segundo assinala Meireles (2002):

Em qualquer hipótese, porém, as limitações administrativas hão de corresponder às justas exigências do interesse público que as motiva sem produzir um total aniquilamento da propriedade ou das atividades reguladas. Essas limitações não são absolutas, nem arbitrárias. Encontram seus lindes nos direitos individuais assegurados pela Constituição e devem expressar-se em forma legal. Só são legítimas quando representam razoáveis medidas de condicionamento do uso da propriedade, em benefício do bem-estar social (CF, art. 170, III), e não impedem a utilização da coisa segundo a sua destinação natural.

Destaca-se do texto acima, que as limitações administrativas não podem impedir a utilização econômica do bem, sob pena de se estar criando verdadeira restrição. Conforme salienta Moraes (2002):

Tal patrimônio, fisicamente explorável, pois não está vinculado a nenhuma necessidade de proteção dos recursos naturais, não mais o será, por determinação legal prejudicial ao proprietário, mas benéfica a toda a nação. Se todos se beneficiam, todos devem arcar com o ônus, cabendo ao Estado equalizar tal situação.

Dessa forma, a manutenção integral da vegetação existente na área de reserva legal representaria uma alternativa econômica ao agricultor, que vê nessas áreas um verdadeiro óbice à propriedade rural, especialmente pela proibição do corte raso [04].

Além disso, a função ambiental das reservas legais estão aquém da desempenhada pelas áreas de preservação permanente, veja-se pela finalidade dada por lei à reserva legal, considerada área de conservação ambiental.

Nesse contexto, tem-se que uma das formas do Estado garantir a utilização econômica da reserva legal aliado à preservação do ambiente, seria a possibilidade de se destinar as áreas de reserva legal para projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo – seqüestro de carbono, com a conversão em certificados de redução de emissões.

No Brasil, a empresa AES Tietê propôs a criação de projetos de seqüestro de carbono em áreas de preservação permanente, que desenvolveu uma metodologia aplicada a atividades de projeto de florestamento/reflorestamento implantadas em áreas protegidas de campo não-manejado (áreas de proteção permanente ou de reserva legal, por exemplo), ou onde o uso da terra mais provável é florestal, com ou sem exigência legal para florestar ou reflorestar. Aplica-se também a projetos de reflorestamento a serem implantados a uma taxa mais rápida do que aquela sendo realizada de forma voluntária ou por exigência legal, mantidas as circunstâncias nacionais, barreiras ou incentivos. As condições para aplicação da metodologia são as seguintes: (1) não existência de interferência humana direta que acarrete perda de estoque de carbono dentro dos limites do projeto (por exemplo, corte seletivo de madeira, produção de lenha, corte); (2) não desenvolvimento de atividades econômicas (tais como agricultura, pastagem); (3) uso da terra atual é caracterizado por uma área de campo em estado de equilíbrio (quando os ganhos e perdas anuais de carbono se anulam) ou em estado de regeneração natural, sem expectativa de reverter para uma floresta (Krug, 2006).

Entretanto, pelos fundamentos já aduzidos, a implantação desses projetos só seria possível em áreas de reserva legal, em que o proprietário seria devidamente compensado pelo ônus que teve para compor a área e ainda proporcionaria uma diminuição no número de desmatamentos, culminando num acréscimo da manutenção de florestas nativas e um resgate das áreas degradadas, com conseqüente melhoria ao meio ambiente.

Para tanto, deve também o Estado garantir mecanismos seguros, transparentes e menos burocráticos para que projetos de MDL sejam recebidos no Brasil e negociáveis por um preço justo e rentável, como o estabelecimento de bolsas e commodities ambientais [05] e a manutenção de procedimentos simplificados para projetos de pequena escala de florestamento e reflorestamento, envolvendo a participação das partes mais vulneráveis dos projetos, como os pequenos proprietários rurais.

Sobre os autores
Katia Maria da Costa

Advogada.Especialista em Gerenciamento e Auditoria Ambiental pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná.Pós-graduanda em Advocacia Empresarial pela Metrocamp - Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas.

Marcelo Galeazzi Caxambu

Doutor em Ciências Biológicas pela UFPR. Professor titular da UTFPR, Campus Campo Mourão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Katia Maria; CAXAMBU, Marcelo Galeazzi. Sequestro de carbono: possibilidade de aplicação em áreas de preservação permanente e reserva legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2110, 11 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12599. Acesso em: 22 dez. 2024.

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