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A possibilidade de reconhecimento "ex officio" da prescrição no processo do trabalho

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A aplicação da nova sistemática dada à prescrição pela Lei 11.280/2006 vem dividindo a doutrina e a jurisprudência tanto na justiça comum cível quanto na trabalhista.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO; 2 DA PRESCRIÇÃO EM GERAL; 2.1 A Lei 11.280/2006; 3 A aplicabilidade do §5º do art. 219 do CPC ao Processo do Trabalho; 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

O instituto da prescrição é um dos temas mais instigantes da Ciência do Direito no Brasil, isso porque durante muito tempo não havia uma normatização precisa sobre o tema. O Código Civil de 1916 não trazia uma sistematização a respeito da prescrição que permitisse ao operador do direito diferenciá-la com segurança da decadência.

O Código Civil atual, Lei nº 10.406/02, dispensou à prescrição um tratamento individualizado que permitiu, mais confortavelmente, diferenciá-la do insituto da decadência. O novo código trouxe prazos prescricionais exaustivos para os mais diversos tipos de pretensão, além de trazer regras específicas sobre os fatos e atos que impedem, suspendem e interropem tais prazos. E, ainda, originalmente, em seu art. 194, seguindo a tradição histórica do instituto, vedava o reconhecimento de ofício pelo juiz da prescrição, cabendo à parte interessada sua alegação.

A Lei 11.280/2006 procurou dar efetividade ao comando constitucional contido no último inciso do art. 5° da Constituição Federal, o qual assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, "a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Ela revogou o art. 194 do Código Civil e deu nova redação ao §5° do art. 219 do CPC, permitindo ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição.

A aplicação da nova sistemática dada à prescrição pela Lei 11.280/2006 vem dividindo a doutrina e a jurisprudência tanto na justiça comum cível, quanto na trabalhista.

O presente ensaio tem por escopo estudar a possibilidade de reconhecimento ex officio da prescrição no processo do trabalho, entendido este como o que envolve a discussão entorno da relação de emprego (empregador versus empregado). O artigo tenta responder alguns questionamentos: a) o que mudou na sistemática do reconhecimento da prescrição com a entrada em vigor da Lei 11.280/2006? Como deve ser a aplicação da nova sistemática da prescrição no processo civil? É possível a utilização subsidiária do §5° do art. 219 do CPC no processo do trabalho?


2 DA PRESCRIÇÃO EM GERAL

A preocupação em se estabelecer um instituto nos moldes da prescrição encontra seu fundamento na pacificação social [01], na medida em que um direito subjetivo não pode ficar pendendo ad eternum à espera de uma atitude de seu titular. A segurança jurídica e a estabilidade social exigem do legislador a fixação de limites no que se refere ao exercício de direitos e critérios temporais. [02]

"Esse instituto [a prescrição] foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado" (DINIZ, 2007, p. 384)

A prescrição já era prevista no Código Civil de 1916, no entanto diversos aspectos referentes à temática permaneciam carentes de maiores definições. Isso porque aquela codificação não trazia uma sistematização segura acerca da prescrição e da decadência, transformando em tarefa hercúlea a diferenciação entre os dois institutos.

Considerações mais profundas e esclarecedoras acerca da temática foram feitas pelo professor Agnelo Amorim Filho, em artigo publicado na Revista dos Tribunais, em 1961, sob o título "Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência", ainda sob a vigência do Código Beviláqua. Tal estudo estabeleceu pontos de identificação permitindo a caracterização da prescrição bem como a sua diferenciação em relação à decadência, o que acabou por influenciar o tratamento dispensado na atual codificação, onde é possível identificar com certa facilidade [03] os prazos prescricionais e decadenciais.

Com efeito, no Código Reale, com fundamento no supramencionado estudo, a prescrição está associada às ações condenatórias, correspondentes às próprias pretensões pessoais. Por sua vez, a decadência foi associada às ações constitutivas, de caráter positivo ou negativo, que têm prazo especial fixado em lei, e se ligam a direitos potestativos ou formativos. As ações constitutivas são definidas como aquelas buscadas quando se procura obter "não uma prestação do réu, mas a criação de um estado jurídico, ou a modificação, ou a extinção de um estado jurídico anterior" (FILHO, 1961). Foram ainda tratadas no supracitado artigo as ações de cunho declaratório, as quais não estariam sujeitas nem à decadência nem à prescrição, de modo que seriam imprescritíveis, perpétuas.

No atual Código Civil de 2002, o tema "Da Prescrição" é previsto nos arts. 189 e seguintes. Seus prazos são regulamentados, exaustivamente, pelos arts. 205 e 206 do mesmo código. Em linhas gerais o Código Civil estabelece que, uma vez violado um direito material, nascerá para o seu titular a pretensão a qual se extinguiria nos prazos previstos pelo próprio Código [04].

Como se percebe o Código Civil prevê que a pretensão, nascida a partir da violação de um direito, pode ser extinta através da prescrição. Entretanto, o novel codex faculta ao devedor a renúncia da prescrição, seja ela tácita ou expressa (art. 191). Ou seja, não obstante o prazo prescricional tenha se esgotado a seu favor, o devedor poderia renunciar o direito de ver reconhecida a prescrição, o que denotaria o caráter patrimonial, de interesse particular e sua disponibilidade [05] deste instituto. Fredie Didier Jr. (2007, p. 416) colhe um exemplo onde a renúncia à prescrição interessaria ao devedor:

o art. 940 do Código Civil confere o direito do demandado por quantia paga a pedir o dobro do que foi indevidamente cobrado. Se a improcedência do pedido fundar-se em prescrição, não incide o dispositivo, pois não houve o reconhecimento de inexistência da dívida, que, como visto, permanece íntegra. O devedor pode ter o interesse, portanto, no reconhecimento da inexistência do crédito, exatamente para pleitear a dobra do art. 940 do Código Civil.

Bem se constata que as questões referentes à prescrição estabelecem uma discussão acerca da extinção da pretensão ou do próprio direito de ação. Maria Helena Diniz (2007, p. 383) destaca que "a prescrição atinge a ação em sentido material e não o direito subjetivo; não extingue o direito, gera a exceção, técnica de defesa que alguém tem contra quem não exerceu, dentro do prazo estabelecido em lei, sua pretensão". A renomada autora acrescenta ainda que "o que caracteriza, na verdade, a prescrição é que ela visa a extinguir uma pretensão alegável em juízo por meio de uma ação, mas não o direito propriamente dito" (DINIZ, 2007, p. 386). No mesmo sentido Fredie Didier Jr.(2007, p. 414-415), traçando um comparativo entre a prescrição civil, a penal e a tributária:

[...] o instituto da prescrição é de direito positivo. No âmbito penal, a prescrição extingue o jus puniendi, o direito de punir, ou o direito de executar a sentença penal condenatória, se se tratar de prescrição intercorrente; no âmbito tributário, a prescrição é causa de extinção do próprio crédito tributário (art. 156, V, Código Tributário Nacional); no direito civil, a prescrição é causa de extinção da pretensão, mas não do direito subjetivo, sendo essa a razão pela qual não é lícito ao devedor que pagou dívida prescrita pedir a sua devolução.

No geral, é majoritária a doutrina no sentido ora defendido, segundo o qual a prescrição extinguiria a pretensão e não o próprio direito material [06].

Em outra quadra, é importante destacar também – e para o alcance dos objetivos pretendidos neste ensaio – quais são os requisitos necessários ao reconhecimento da prescrição.

Clóvis Beviláqua (1980, p. 290) resumiu os requisitos da prescrição em dois: a) a negligência ou inação do titular do direito e b) o decurso do tempo. Maria Helena Diniz (2007, p. 387), inspirada por Câmara Leal, aponta quatro requisitos para o reconhecimento da prescrição, quais sejam: a) existência de uma pretensão que possa dar ensejo ao uma ação; b) inércia do titular da ação (em sentido material); c) continuidade dessa inércia durante certo lapso de tempo; e d) ausência de algum fato ou ato a que a lei confere eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional. Ou seja, para ambos os civilistas, bastaria o decurso do tempo e a inércia do titular do direito para que opere in tontum a prescrição da pretensão.

De modo diverso, destaca Alexandre Freitas Câmara que, sendo a prescrição renunciável, para o seu reconhecimento seria necessário um procedimento (uma seqüência de fatos e atos) dividido em três fases: a) o decurso do prazo; b) o ajuizamento intempestivo de uma demanda; c) a alegação pelo demandado. Bem se vê que para o festejado processualista o reconhecimento da prescrição só poderia ocorrer em juízo, sendo, pois, imprescindível o ajuizamento de uma ação e a manifestação do devedor. Deste modo, caso o devedor (o único interessado no reconhecimento da prescrição) não se manifeste, operaria a renúncia tácita à prescrição, não podendo o juiz supri-la de ofício. Por certo, Freitas Câmara privilegia o aspecto processual da prescrição, ao total arrepio da lei civil, e desprezando a lição do saudoso mestre Pontes de Miranda para quem a prescrição seria instituto de direito positivo, assim cabe a lei regular a prescrição como melhor lhe parecer (apud DIDIER JR., 2007, p. 414).

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Ficamos, pois, com aqueles que reconhecem a prescrição como um fato jurídico (e não um procedimento), onde a vontade das partes é irrelevante, bastando o decurso do tempo estabelecido em lei e a inércia do credor para fazer perecer a pretensão do titular do direito.

Assim, neste ponto, destacam-se as seguintes premissas a respeito da prescrição: 1) tem fundamento na manutenção da ordem pública e visa à pacificação social; 2) tutela direitos patrimoniais, em regra, disponíveis; 3) visa proteger o devedor, o qual pode renunciá-la, caso lhe seja conveniente; 4) seus prazos estão intimamente ligados a ações condenatórias; 5) constitui-se em fato jurídico e incide independentemente da vontade das partes, pelo simples decurso do tempo somado à inércia do titular do direito prescrito.

2.1 A Lei 11.280/2006

Até a edição da Lei nº 11.280/2006 era praticamente unânime que a prescrição, caso tutelasse direitos disponíveis, constituiria matéria de exceção substancial, sendo esta entendida como aquela que cabe somente ao réu alegar, não podendo o magistrado conhecê-la de ofício [07], ainda que estivesse provada nos autos do processo. Isso porque violaria o princípio da demanda o juiz tutelar ex officio direito subjetivo da parte [08]. Reforçava este entendimento o art. 194 do Código Civil que, antes de ser revogado pela referida lei, dispunha que: "o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz".

Ocorre que, o instituto da prescrição sofreu modificações, com destaque no que tange a seu reconhecimento no curso do processo.

Com efeito, a Lei 11.280/2006 provocou uma importante alteração no Código de Processo Civil o qual, no § 5º de seu art. 219, passou a prever que "o juiz pronunciará, de oficio, a prescrição" [09]. A mesma norma também revogou expressamente – por notória incompatibilidade – o referido art. 194 do Código Civil. O objetivo principal da alteração era dá efetividade ao inciso LXXVIII da Constituição Federal, introduzido pela E.C. nº 45/2004, que elevou à categoria de direito fundamental a celeridade processual [10].

Diversos questionamentos foram então desenvolvidos acerca do reconhecimento da prescrição de ofício pelo juiz. A modificação recebeu críticas de diversos doutrinadores, inclusive quanto a sua duvidosa constitucionalidade [11]. Alexandre Freitas Câmara retrata bem a preocupação da doutrina:

"Tenho para mim que está é uma modificação amalucada ou, como disse no título que atribuí ao presente estudo, descabeçada. Penso, e o digo aqui sem qualquer pudor, que o legislador brasileiro demonstra, agora, que perdeu totalmente o juízo" (CÂMARA, 2007).

Conforme o renomado processualista, seria absolutamente inaceitável que se desse ao julgador o poder de reconhecer de ofício a prescrição se aquele a quem ela aproveita (o Réu), conforme visto anteriormente, pode renunciá-la. Acrescenta, ainda, que:

"[...] a norma ora em exame, ao estabelecer que o juiz tem o poder de reconhecer de ofício a prescrição, invade, de forma absolutamente desarrazoada e irracional, a esfera da autonomia privada dos participantes de uma relação jurídica obrigacional, ao levar o juiz a ter de reconhecer uma prescrição que o prescribente não quer que lhe aproveite. Penso, assim, que há aqui mais uma inconstitucionalidade do dispositivo sub examine, que viola o princípio constitucional da liberdade." (CÂMARA, 2007)

De outra banda, mesmo superados os fortes argumentos quanto à inconstitucionalidade do novo §5º do art. 219 do CPC, destaca-se a dificuldade em sua aplicação, isso porque o dispositivo rompeu com a sistemática até então vigente (doutrinária e legislativamente) sobre a prescrição.

"Como se vê, a alteração do texto é substancial, justamente o oposto do que estava sendo tratado. Cai o mito de que a prescrição não pode ser conhecida de oficio. Isso, em prol da suposta celeridade processual. Em tom crítico, pode-se dizer que o Código Civil era harmônico quanto ao tema da prescrição, principalmente se confrontado com a decadência. Mas essa harmonia foi quebrada pela reforma processual[...]". (TARTUCE, 2008, p. 413)

Destarte, essa aparente desarmonia na sistemática da prescrição, trazida pela Lei nº 11.280/2006, gerou, é óbvio, dificuldades para a aplicação da nova regra de seu reconhecimento de ofício pelo magistrado. Vejamos alguns posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito.

Para CÂMARA (2008, p. 300) é impossível, em qualquer caso, o reconhecimento de ofício da prescrição pelo magistrado, vez que inconstitucional o dispositivo. E, caso admitido sua constitucionalidade, continuaria a viger o sistema anterior, pelo qual o magistrado deve sempre oportunizar ao Réu o direito de renunciar ou não à prescrição e, em caso de silêncio deste último, deve-se interpretar como se tivesse renunciado a ela.

Para DIDIER JR. (2007, p. 418) a possibilidade de reconhecimento ex officio da prescrição é uma opção legislativa (por ser instituto de direito positivo) e, por isso, não haveria nenhum obstáculo contra isto, como já era corrente no Processo Penal e no Tributário. No entanto, só admite uma única ocasião em que seria possível o reconhecimento de ofício da prescrição no Processo Civil, qual seja, quando se tratar de direitos indisponíveis (por exemplo, de incapazes, os quais não poderiam renunciar a prescrição) e, apenas, no despacho que (não)recebe a Petição Inicial, devendo o juiz indeferi-la liminarmente, sem necessidade de ouvir o Réu. Em todas as outras situações o magistrado não poderia agir de ofício, só podendo reconhecer a prescrição caso fosse provocado pelo Réu.

Flávio Tartuce (2008, p. 414), tomando por premissa o Enunciado n. 295 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil [12], posiciona-se entre aqueles que defendem a idéia de que nunca o juiz poderá reconhecer de ofício a prescrição sem ouvir o Réu previamente. Acrescenta, igualmente, um outro argumento, o de que seria injusto, caso o juiz reconheça inaudita altera partes a prescrição, não oportunizar às partes a discussão acerca de causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição.

Sobre a temática, já se manifestou a 2ª Turma do Colendo STJ. Eis alguns trechos do acórdão [13]:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO EX OFFICIO. PRÉVIA OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA. NULIDADE. INEXISTENTE. 1. ‘Apesar da clareza da legislação processual, não julgamos adequado o indeferimento oficioso da inicial. De fato, constata-se uma perplexidade. O magistrado possui uma ‘bola de cristal’ para antever a inexistência de causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas ao curso da prescrição?’ (Nelson Rosenvald in Prescrição da Exceção à Objeção. Leituras Complementares de Direito Civil. Cristiano Chaves de Farias, org. Salvador: Edições Jus Podivm, 2007, pág. 190). 2. A prévia oitiva da Fazenda Pública é requisito para a decretação da prescrição prevista no art. 40, § 4º, da Lei 6.830/1980, bem como da prescrição referida no art. 219, § 5º do CPC, ainda que esse último dispositivo silencie, no particular. 3. Deve-se interpretar sistematicamente a norma processual que autoriza o juiz a decretar ex officio a prescrição e a existência de causas interruptivas e suspensivas do prazo que não podem ser identificados pelo magistrado apenas à luz dos elementos constantes no processo. [...] 6. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1.005.209/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 08.04.2008, DJ 22.04.2008, p. 1, sem negrito no original)

Diante do exposto, não há como deixar de concordar com os autores aqui invocados, no sentido de que não cabe ao magistrado a tutela dos direitos do Réu, sobrepujando-se o interesse do Estado em manter a celeridade processual ao do indivíduo, mormente quando este pode ter interesse em renunciar à prescrição consoante facultado pelo art. 191 da Lei Civil. No entanto, é mister reconhecer que a atitude do magistrado, ao se deparar com a prescrição da pretensão do autor, mudou com a alteração legislativa, passando a assumir papel ativo no processo não podendo mais fazer "vista-grossa" diante da prescrição.

Por isso, defende-se também que ao magistrado, uma vez verificada a prescrição nos autos, caberia, antes de extinguir o feito com resolução do mérito (art. 269, IV, do CPC), ouvir ambas as partes: o autor, para que possa provar algum fato impeditivo, suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional; e o Réu, para que possa exercer ou não o seu direito de renunciar. Em qualquer caso, entretanto, o silêncio do Réu deverá ser interpretado como se houvesse renunciado à prescrição, por ser esta a posição mais congruente com o sistema obrigacional vigente no país [14].


3 A aplicabilidade do §5º do art. 219 do CPC ao Processo do Trabalho

A CLT prevê, em seu artigo 769, a possibilidade de aplicação subsidiaria do processo civil ao processo do trabalho, in verbis: "nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título".

Entretanto, esta aplicação não poderá ser feita de qualquer forma, ela exige a observância de certos requisitos, quais sejam, segundo CARRION (2007, p. 584): a) não esteja no processo do trabalho regulado de outro modo; b) não ofendam os princípios do processo laboral (não seja incompatível); c) se adaptem aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista).

"[...] Assim, do ponto de vista jurídico, a afinidade do direito processual do trabalho com o direito processual comum (civil, em sentido lato) é muito maior (de filho para pai) do que com o direito do trabalho (que é objeto de sua aplicação). [...] Isso leva a conclusão de que o direito processual do trabalho não é autônomo com referência ao processual civil e não surge do direito material do trabalho. O direito processual do trabalho não possui princípio próprio algum, pois todos os que o norteiam são do processo civil (oralidade, celeridade etc.); apenas deu (ou pretendeu dar) a alguns deles maior ênfase e relevo". (CARRION, 2007, p. 584-585)

Carlos Henrique Bezerra Leite (2007), mutatis mutandi, embora reconhecendo a autonomia e a existência de princípios próprios do direito processual do trabalho, concorda com o saudoso mestre Valentin Carrion, no sentido de que o direito processual civil constitui fonte formal direta do processo do trabalho, devendo ser aplicado "subsidiariamente em caso de lacuna da legislação trabalhista e desde que haja compatibilidade daquele com os princípios [deste]" (LEITE, 2007, p. 40).

Destarte, resta clara a possibilidade de utilização subsidiária do CPC no Processo do Trabalho. Contudo, quando tratamos, em especial, da aplicação subsidiária do parágrafo 5º do art. 219 do CPC, faz-se necessário evocar os requisitos acima destacados para se chegar a uma conclusão prudente.

A partir das considerações presentes na obra de Carlos Henrique Bezerra Leite (2007, p. 500-501), pode-se identificar três vertentes de posicionamento que se destacam na análise da declaração da prescrição ex officio ao processo trabalhista.

Há, inicialmente, aqueles para os quais a nova regra da declaração ex officio, deve ser aplicada integralmente, uma vez que o direito material e processual do trabalho sempre se socorreram das mesmas regras do CPC e do CC alusivas a prescrição, não havendo embasamento científico para deixar de fazê-lo diante das novas redações.

Para outros, a nova regra prescricional do CPC não se aplicaria ao processo laboral devido a

indisponibilidade do crédito trabalhista (natureza alimentícia) e à situação de vulnerabilidade jurídica, econômica e social do trabalhador, especialmente pelo entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência especializadas do chamado "direito potestativo" de dispensa reconhecido ao empregador, o que, na prática, impede que o empregado possa exercer o seu direito de acesso à justiça (LEITE, 2007, p. 500-501).

Existem, por fim, aqueles, dentre os quais se encontra o supracitado autor, que admitem a aplicação ao processo do trabalho da nova regra do CPC. No entanto, para que seja possível tal aplicação, faz-se necessário que o juiz, antes de decretar a prescrição de oficio, abra vistas dos autos ao autor, para que este possa demonstrar a existência de alguma causa, dentre aquelas previstas nos art. 197 a 204 do CC, impeditiva, interruptiva ou suspensiva da prescrição; bem como ao réu, para que este se manifeste a respeito da prescrição, cujo silêncio deverá valer como renúncia tácita. Do mesmo modo que defendemos para o processo comum.

No mesmo sentido, manifesta-se Renato Saraiva (2008, p. 125-126):

[...] entendemos que, embora seja aplicável ao processo do trabalho a regra contida no art. 219, parágrafo 5º, do CPC, deverá o Magistrado ouvir previamente as partes da decretação da prescrição, pois:

• O reclamante pode renunciar a prescrição (art. 191 CC), bem como pode ter interesse no julgamento do mérito propriamente dito da demandada, objetivando promover futura ação de reparação em face do autor (art. 574 do CPC e art. 940 do CC).

• O reclamante também deve ser ouvido, pois a declaração da prescrição representa fato extintivo do direito do autor. Além disso, pode o reclamante apresentar eventuais causas suspensivas ou interruptiva da prescrição.

Contudo, não concordamos integralmente com a corrente defendida por SARAIVA e LEITE, isso porque é notória a incompatibilidade do dispositivo do CPC em questão com os princípios que norteiam o processo do trabalho. Além disso, jamais o Estado poderia sobrepujar a celeridade processual à proteção dos hipossuficientes. Mesmo a doutrina processualista comum vem concordando com esta posição. Por todos, Fredie Didier Jr. (2007, p. 417, sem negrito no original):

[...] É preciso indagar sobre a possibilidade de conhecimento de oficio da prescrição em desfavor do consumidor ( art. 5º, XXXII, CF/88), trabalhador (art. 7º, CF/88), idoso (art. 230 da CF/88). Trata-se de grupos humanos protegidos constitucionalmente pelo Estado, que lhes reconhece hipossuficiência bastante para merecer tutela estatal. Não encontraria abrigo constitucional uma interpretação que permitisse ao próprio Estado (Estado-Juiz), a quem compete a proteção de tais sujeito atuasse ex officio para prejudicá-los, reconhecendo uma prescrição que lhes seja desfavorável, sem alegação da parte adversária.

Nesta pisada, resgatando os requisitos supramencionados para que se aplique uma regra própria do processo civil ao processo do trabalho, passa-se a analisar a (im)possibilidade de aplicação subsidiária do §5º, do art. 219 do CPC.

De início, destacamos que não há na CLT qualquer dispositivo vedando nem, tampouco, autorizando o juiz a reconhecer de ofício a prescrição, ou seja, há uma lacuna quanto à matéria. Assim, o primeiro dos requisitos para aplicação subsidiária do CPC ao processo do trabalho ("não esteja no processo do trabalho regulado de outro modo") não representa nenhum óbice à utilização do dispositivo em comento.

Quanto ao segundo dos requisitos (não ofendam os princípios do processo laboral) parece que o § 5º do art. 219 mostra-se incompatível com alguns deles, por exemplo, o princípio da conciliação (art. 764, 831, 846 e 850 da CLT), o da finalidade social e o da indisponibilidade. Imaginemos a seguinte situação: aberta a audiência, o juiz propõe as partes fazer a conciliação; as partes fazem um acordo; o juiz ao homologar os termos do acordo percebe que a ação foi proposta há mais de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho; diante disso, não cabe ao magistrado tomar outra atitude senão homologar o acordo. A um, porque a prescrição é renunciável pelo devedor (geralmente o empregador) ao qual é facultado pagar dívida prescrita e, no processo do trabalho, comumente dispõe de maiores informações que o credor (em geral, o empregado). Segundo porque a "finalidade social" do processo do trabalho quebra a igualdade formal entre as partes em comparação ao processo comum, o objetivo é dar efetividade às normas de proteção do trabalhador e, com isso, alcançar a isonomia material [15]. Terceiro porque, como alerta Fredie Didier Jr., se a justiça do trabalho surge como espaço de proteção ao trabalhador, não se pode inverter tal proteção com vistas apenas à celeridade processual e à pacificação geral, enquanto o trabalhador é vilipendiado em seus direitos. Por fim, cabe ao Estado-juiz velar para que os direitos trabalhistas não sejam objeto de livre disposição pelo trabalhador, o qual diante da necessidade de sobrevivência acaba aceitando "qualquer negócio", uma vez que interessa a sociedade como um todo o cumprimento dos direitos básicos trabalhistas (direitos humanos fundamentais). Este talvez seja o espírito que motivou a edição da Orientação Jurisprudencial n. 130 da SDI-1 do TST [16].

Em outro giro, se é verdade que "não há impossibilidade material de aplicação" (4º requisito) – pelo menos aparente – do reconhecimento de ofício da prescrição pelo magistrado trabalhista, tendo em vista que a mesma é matéria constante da própria Constituição Federal (art. 7º, XXIX) e, portanto, seria de ordem pública [17], também é notório que a prescrição trabalhista envolve uma série de peculiaridades, as quais a letra fria da lei não leva em consideração. Como bem assevera Mônica Sette Lopes (2008, p. 1220),

[...] O sistema prescricional no direito do trabalho traz o empecilho que não está presente em outras searas do direito e que diz respeito à efetividade autônoma da vontade. Entre os atos-fatos geradores de direitos e deveres no contrato de trabalho subordinado está a ausência de garantia do emprego e, via de conseqüência, a possibilidade de dispensa sem justa causa, como ato incondicionado do empregador. Isto significa que, paradoxalmente, a opção por deixar o tempo fluir, na relação não-eventual, não é incondicionada sob o prisma do empregado: ele sabe que, se reclamar, porá em risco o seu emprego. – destaque nosso

Portanto, na seara trabalhista, o empregado tem de suportar o ônus de "colaborar" forçadamente para a perda de seus direitos. Isso porque se encontra impossibilitado de reclamar em juízo, pois tem medo de perder o emprego, vez que a manutenção deste é o que há de mais importante [18]. Apesar desta imponente barreira ao livre exercício do direito de ação do empregado, a lei não lhe outorgou qualquer meio de compensação como, por exemplo, fez com os incapazes (art. 198, I do CC). Assim, seria ainda mais injusto com o trabalhador – o qual está tacitamente "impedido" de ingressar em juízo para interromper a prescrição na constância do contrato de trabalho – o reconhecimento ex officio da prescrição. Isso também não recomenda a aplicação subsidiária do dispositivo sob análise ao processo trabalhista.

Um outro ponto importante, diz respeito à forma de aplicação da regra prevista no CPC, o que acabaria gerando uma impossibilidade de sua adequação ao processo (procedimento) trabalhista por incompatibilidade material (4º requisito). É porque o §6º do art. 219 do CPC diz que "passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento", o que transmite a idéia de que a prescrição seria reconhecida de ofício in limine litis, sem a oitiva do Réu, o qual só deveria ser comunicado após o trânsito em julgado da decisão. Então, se no processo do trabalho a audiência é marcada automaticamente e somente nela, ou seja, após a notificação do Reclamado, é que o juiz terá a oportunidade de manifestar-se sobre a reclamação, a sistemática contida no CPC para aplicação do §5º de seu art. 219 não se mostra compatível com o rito processual trabalhista. Assim,

no processo do trabalho não há lugar para as etapas previstas no art. 219 da CLT [rectius, do CPC]. O saneamento é feito, por sua ritualística peculiar, no momento da audiência, que é também aquele em que cabe a argüição da prescrição pelo réu. Isto constitui uma incompatibilidade do dispositivo com o sistema específico do processo do trabalho, até porque, concretamente, qualquer manifestação ou indicação do juiz, mesmo como fonte argumentativa nos debates que cercam a tentativa de conciliação, poderá levar ao suprimento da defesa em que ela não tenha sido frontalmente argüida. (LOPES, 2008, p. 1228)

Igualmente, por força do §6º, do art. 219, do CPC, um outro fator importante a ser considerado é o de que as causas trabalhistas envolvem, quase sempre, prestações periódicas, em que é muito mais comum a ocorrência da prescrição qüinqüenal, em relação à data de propositura da ação, do que propriamente a prescrição bienal, extintiva de toda a pretensão. Neste passo, não seria lógico o juiz declarar de ofício a prescrição parcial – o que implicaria em extinguir o processo com resolução de mérito – e, ainda assim, continuar no seu ofício de julgar, o que impossibilitaria o "trânsito em julgado da sentença" (segundo a parte inicial do aludido §6º).

Pela impossibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição no processo do trabalho parece, acertadamente, caminhar também a jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. MAT É RIA DE DEFESA. REVELIA. DECLARAÇÃO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. DIFERENÇAS DA MULTA DE 40% DO FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. NÃO-CONHECIMENTO. Não há como se aferir violação literal dos dispositivos de lei e da Constituição Federal quando a r. decisão recorrida foi pautada na impossibilidade de pronúncia de prescrição pelo MM. Juízo de 1º grau quando não r e querida pela parte a quem a aproveita em defesa, porque revel, além de ter ficado assente naquele julgado a inexistência de pedido de reconhecimento de prescrição constante das contra-razões apresentadas pela reclamada ao recurso ordinário. A aplicação de ofício da prescrição não condiz com os princípios do Direito do Trabalho, diante da regra protetora dos créditos trabalhistas. Recurso de revista não conhecido. (RR - 1864/2003-001-02-00. 6 T. DJ - 10/10/2008, grifamos)

Do voto condutor do supracitado acórdão extrai-se a seguinte passagem:

Quanto à possibilidade de decretação de ofício da prescrição, norma instituída no § 5º do artigo 219 do CPC, a partir do advento da Lei nº 11.280/2006, não é demais acrescentar que o artigo 769 da CLT apenas dispõe sobre a aplicação subsidiária do direito processual comum, como fonte, quando houver omissão e inexistir incompatibilidade com as normas da CLT.

A prescrição é a perda da pretensão pela inércia do titular no prazo que a lei considera ideal para o exercício do direito de ação.

Ao contrário da decadência, onde a ordem pública está a antever a estabilidade das relações jurídicas no lapso temporal, a prescrição tem a mesma finalidade de estabilidade apenas que entre as partes.

A aplicação subsidiária do direito comum tem como pressuposto a lacuna da lei trabalhista, subordinada a uma regra maior de não confrontar com os princípios que regem o direito quer material, quer processual do trabalho.

Os conflitos de interesse que pressupõem a iniciativa da parte para a solução judicial ou extrajudicial exige do Estado condições mínimas de exercício, isto é, o acesso à Justiça.

A prescrição por atingir apenas a pretensão e não o direito pode ser objeto de renúncia a quem a aproveita. O beneficiário da prescrição, por isso, ao não argüi-la, reconhece a subsistência do direito.

A questão social, a hipossuficiência, a dificuldade de acesso trazem incompatibilidade da aplicação da prescrição de ofício pelo juiz com os princípios do direito do trabalho, de modo a impedir a aplicação subsidiária do artigo 219, § 5º, do CPC. - destacamos

Deste modo, diante de todo o exposto, é imperioso concluir ser inviável a aplicação do §5º, do art. 219 do CPC ao processo do trabalho. E ainda, mesmo que se encontrem argumentos para justificar sua aplicação, é mister que o juiz, antes de declarar de ofício a prescrição, ouça ambas as partes. E, por fim, jamais o dispositivo deverá ser aplicado para reconhecer ex oficio a prescrição parcial (qüinqüenal) de alguns direitos pleiteados pelo reclamante, isso porque a ratio essendi do dispositivo é fazer extinguir completamente a ação, inclusive sem necessidade de manifestação do réu, por motivos de economia e celeridade.

Sobre os autores
Aline dos Santos Silva

Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal do Maranhão

José Carlos Bastos Silva Filho

Advogado.Procurador do Estado do Piauí.Professor. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão.Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Labora/ Universidade Estácio de Sá-RJ. Especialista em Direito Processual do Trabalho pela OAB/ESA-MA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Aline Santos; SILVA FILHO, José Carlos Bastos. A possibilidade de reconhecimento "ex officio" da prescrição no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2114, 15 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12625. Acesso em: 17 nov. 2024.

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