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A possibilidade de reconhecimento "ex officio" da prescrição no processo do trabalho

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4 CONCLUSÃO

Sob o aspecto material, a prescrição tem fundamento na manutenção da ordem pública e visa à pacificação social, constituindo-se em fato jurídico incidindo independentemente da vontade das partes, pelo simples decurso do tempo somado à inércia do titular do direito prescrito. Ela é responsável pela tutela de direitos patrimoniais, em regra, disponíveis e seus prazos estão intimamente ligados a ações condenatórias. Visa também proteger o devedor, o qual pode renunciá-la, caso lhe seja conveniente.

De outro modo, sob o olhar processual, a prescrição historicamente constitui-se em matéria de defesa que deve ser alegada pelo réu, sendo classificada como exceção substancial, defesa indireta de mérito.

Ao que parece, a Lei 11.280/06, ao dar nova redação ao art. 219, §5º do CPC e revogar o art. 194 do CC, transformou a prescrição em objeção de mérito, facultando ao juiz que dela conheça de ofício com vistas à economia processual e à rápida duração do processo. O juiz passa, então, a ter papel ativo no reconhecimento da prescrição no curso do processo. Entretanto, sendo duvidosa a constitucionalidade do dispositivo, ele deve ser aplicado com o devido cuidado para não representar ingerência injustificada do Estado-juiz na autonomia privada.

Por isso, defende-se que ao magistrado, no processo civil, uma vez verificada a prescrição nos autos, cooperando para a solução do litígio, caberia ouvir ambas as partes: o autor, para que possa provar algum fato impeditivo, suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional; e o Réu, para que possa exercer ou não o seu direito de renunciar. Em qualquer caso, entretanto, o silêncio do Réu deverá ser interpretado como se houvesse renunciado à prescrição, por ser esta a posição mais congruente com o sistema obrigacional vigente no país.

No processo do trabalho, não obstante a existência de lacuna, não é prudente o reconhecimento de ofício da prescrição, por aplicação subsidiário do §5º do art. 219 do CPC, por incompatibilidade com o rito da processualística laboral e por conflitar com alguns de seus princípios.

E ainda, mesmo que se encontrem argumentos para justificar a aplicação da nova regra no processo do trabalho, é mister que o juiz, antes de declarar de ofício a prescrição, ouça ambas as partes. Por fim, jamais o dispositivo deverá ser aplicado para reconhecer ex oficio a prescrição parcial (qüinqüenal) de alguns direitos pleiteados pelo reclamante, isso porque a ratio essendi do dispositivo é fazer extinguir completamente a ação por motivos de economia e celeridade processuais.

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REFERÊNCIA

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CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 32. ed. atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2007.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podivm, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil Brasileiro, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24. ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007.

FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTR, 2007.

LOPES, Mônica Sette. A prescrição de ofício e o processo do trabalho – o interno e o entorno. Revista LTR, vol. 72, nº 10. São Paulo, out. 2008, p. 1217-1230.

REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2718>. Acesso em: 03 fev. 2009.

SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para concursos públicos. 9. ed. São Paulo: Método, 2008.

_________. Curso de direito processual do trabalho. 3. ed. São Paulo: Método, 2006.

TARTUCE, Flávio. Direito civil 1: Lei de introdução e parte geral. 4. ed. São Paulo: Método, 2008.


NOTAS

  1. "Com fundamento na pacificação social, na certeza e na segurança da ordem jurídica é que surge a matéria da prescrição e da decadência. Pode-se afirmar que a prescrição e a decadência estão fundadas em uma espécie de boa fé do próprio legislador". (TARTUCE, 2008, p. 405)
  2. "Por sua vez, ensina PONTES DE MIRANDA que o instituto da prescrição "serve à segurança e à paz públicas", e é este, precisamente, o ponto de vista que, de modo geral, prevalece, a respeito do assunto, na doutrina e na jurisprudência, embora ainda haja quem procure apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo à negligência, a aplicação do principio dormientibus non sucurrit ius". (Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961.)
  3. Segundo o próprio Miguel Reale (2002), a "operabilidade" (assim entendida como a facilidade de interpretação e aplicação pelo operador do direito) seria um dos princípios que inspiraram a codificação de 2002.
  4. "Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que se referem os arts. 205 e 206".
  5. "Se bem que a prescrição seja, quanto ao seu fundamento, uma instituição de ordem pública, ela é, quanto aos seus efeitos, de ordem privada, por isso que regula relações jurídicas entre particulares, extinguindo as ações que protegem direitos privados. Tendo por fim superar a inércia da ação, a bem da estabilização do direito tornado incerto pela violação, o seu objetivo perde a sua razão de ser uma vez que a ação se põe em movimento, porque essa terá por efeito estabilizar o direito controvertido. Eis porque, apesar de seu caráter de ordem pública, a lei permite a sua renúncia pelo prescribente, visto como esta dará lugar ao exercício da ação, pela qual desaparecerá a incerteza do direito". (DIDIER JR., 2007, p. 418)
  6. Em sentido diverso, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 296), escorado nas lições de Caio Mário da Silva Pereira e San Tiago Dantas, defende que tanto o instituto da prescrição quanto o da decadência fulminam o direito material, "nenhum dos dois, portanto, fazendo perecer a ação". Isso porque sendo o direito de ação abstrato, não poderia ser atingido por um instituto de direito material, caso contrário a decisão que reconhecesse a prescrição não seria de mérito e sim de "carência de ação".
  7. "A prescrição é um instituto de ordem pública, cuja disciplina, prevista em lei, não pode ser derrogada no âmbito privado. Isto não significa, todavia, que o juiz tenha o poder de declarar de ofício que um direito esteja atingido pela prescrição; aquele a quem a prescrição aproveita, se quer vê-la aplicada, tem o ônus, onde haja os pressupostos, de deduzir a exceção de prescrição. O interessado pode renunciar a fazê-la valer, tanto mais quando ela é completa." (TRABUCCHI apud LOPES, 2008, p. 1224)
  8. Sobre o tema, consultar Fredie Didier Jr. (op. cit., p. 440-446).
  9. Antes da alteração provocada pela Lei 11.280/2006, o parágrafo 5º, do art. 269 do CPC, previa que "Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de oficio, conhecer a prescrição e decretá-la de oficio".
  10. Neste sentido Flávio Tartuce (2008, p. 413) e Fredie Didier Jr. (2007, p. 413).
  11. Por todos, consultar CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de ofício da prescrição: uma reforma descabeçada e inócua. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc.asp > Seção Processo Civil. Acesso em: 03 fev. 2009.
  12. Eis a redação do Enunciado: "A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renuncia admitida no art. 191 do texto codificado".
  13. Mais recentemente o STJ vem posicionando-se pela possibilidade de reconhecimento ex officio da prescrição, mesmo sem a oitiva da parte contrária (vide REsp 1060388-RJ, T1, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 26/11/2008; AgRg no REsp 1011443, T2, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 01/12/2008; e, ainda, REsp 968365-SP, T5, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 20/10/2008).
  14. "o sistema do Código Civil está todo comprometido com a livre disponibilidade da prescrição consumada. [...] A estrutura jurídica do sistema é, inquestionavelmente, a de uma exceção de direito material, quer se mantenha ou não a disposição do art. 194 da lei substancial. A alteração legislativa seria aceitável se o sistema das obrigações no direito privado fosse alterado, o que não aconteceu". (DIDIER JR., 2007, p. 416-417)
  15. Sobre o "princípio da finalidade social" consultar Carlos Henrique Bezerra Leite (2007, p. 76-78).
  16. In litteris: "PRESCRIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ARGUIÇÃO. CUSTOS LEGIS. ILEGITIMIDADE. Ao exarar o parecer na remessa de ofício, na qualidade de custos legis, o Ministério Público não tem legitimidade para argüir a prescrição em favor de entidade de direito público, em matéria de direito patrimonial (art. 194 do CC de 2002 e 219, § 5º, do CPC)". Acredita-se que mesmo depois da Lei 11.280/06, com fundamento nos princípios do direito material e processual do trabalho, a orientação deverá ser mantida.
  17. Esta argumentação é utilizada por LEITE (2007. p. 501) para defender a constitucionalidade da utilização do §5º do art. 219 do CPC no processo do trabalho.
  18. "[...] Quais empregados, vislumbrando no horizonte o perigo de perder o emprego, se recusarão a prestar horas extras além do limite estabelecido pela lei, não farão as tarefas que julgam não compor o contrato de trabalho, ou não sofrerão conformados os excessos cometidos pelo patrão em seu poder de disciplina e de punição? Os direitos do empregado correm o risco da irrelevância ante o risco de perder o emprego" (FONSECA apud LOPES, 2008, p. 1221)
Sobre os autores
Aline dos Santos Silva

Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal do Maranhão

José Carlos Bastos Silva Filho

Advogado.Procurador do Estado do Piauí.Professor. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão.Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Labora/ Universidade Estácio de Sá-RJ. Especialista em Direito Processual do Trabalho pela OAB/ESA-MA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Aline Santos; SILVA FILHO, José Carlos Bastos. A possibilidade de reconhecimento "ex officio" da prescrição no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2114, 15 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12625. Acesso em: 19 dez. 2024.

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