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O direito à educação no Estado cientificista.

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Agenda 21/04/2009 às 00:00

7ª PARTE

O que, podemos dizer, com alguma segurança, que é real ou virtual e moderno ou pós-moderno, bem como distinguiria mais claramente Civilização e Barbárie?

Neste sentido, o que há de semelhante entre um quadro como Guernica (Picasso, 1937), a Faixa de Gaza (ontem e hoje), filmes como Exterminador do Futuro ou Mad Max, livros como Mein Kampf ("Minha Luta", de A. Hitler), livros como A Arte da Guerra (Maquiavel), Numância de Cervantes ou A Peste, de Camus, um game do tipo Command&Conquer – Genrals ou um jogo analógico e de carbono, ao estilo de War?

Há ligas entre tudo isso? Estranhamente ou curiosamente para a maioria, nenhuma; para esta brevíssima análise, tudo, pois, são relatos, retratos, metáforas, narrativas, aforismos (máximas), alegorias, das fases porque veio passando e se transformando o que se convencionou chamar de Modernidade: do Renascimento aos dias atuais, da Modernidade Tardia.

Tanta confusão, contrários imiscuídos, não seria demasia dizer-se que "acabou de começar o começo do que já acabava" — fim ou começo? Pleonasmo é só uma figura de linguagem, repetição e redundância que trazem o novo pela metáfora, mas re-significando exatamente os que são/estão, aparentemente, contraditórios, como claro-escuro. Agora, só há claro ou escuro? Assim, pleonasmo é mesmo só um trejeito dos contrários. No popular: sonhar com a morte é sinal de vida, algo tão antigo quanto o esoterismo. Então, o que é a modernidade, senão a soma das duas?

A modernidade é o sorriso da Monalisa. Vejamos a belíssima narrativa de Walter Benjamin:

A imagem do artista de Baudelaire aproxima-se da imagem do herói [...] A força de vontade, assim se lê no Salon de 1845, deve ser um dom realmente precioso e aparentemente nunca se utiliza em vão, pois é suficiente para emprestar algo de inconfundível "...mesmo a obras de segunda categoria...O espectador aprecia o esforço; ele bebe o suor" [...] A apreciação mais feliz é do simbolista Gustave Kahn quando diz que "o trabalho poético se parecia em Baudelaire com um esforço físico" [...] Trata-se da metáfora do esgrimista. Nesta, Baudelaire gostava de apresentar os traços marciais como traços artísticos. Quando descreve Constantin Guys [...] como esgrime com o seu lápis, sua pena, seu pincel [...] como trabalha depressa e com ímpeto [...] Assim ele é marcial embora solitário, contra-atacando seus próprios golpes (Benjamin, 1975, p. 07-08).

Para o Baudelaire, resgatado por Benjamin, a virtù é marcial, mas é igualmente virtuosidade, virtuose: A imagem do artista de Baudelaire aproxima-se da imagem do herói. Contudo, a modernidade é bélica porque é fruto do Renascimento, altamente conflitivo, conquistador, a exemplo dos jesuítas no Brasil, dos portugueses na África com o escravismo e no México, com Cortez e o seu Estado de Sítio:

A conquista do México foi liderada por Fernão Cortez, que em 1519 foi designado para comandar uma expedição à região. Durante os 15 anos anteriores Cortez viveu nas Antilhas, onde obteve terras, riqueza e prestígio [...] O confronto iniciou-se no final de 1519 e estendeu-se até agosto de 1521. Cortez, em desvantagem numérica conseguiu reforços das Antilhas e da Coroa -- homens, cavalos e canhões -, de grupos indígenas e também da varíola. Os Astecas sitiados na capital durante meses acabaram sucumbindo, quando então a cidade foi tomada e os habitantes que restavam foram expulsos 49.

A modernidade nunca abriu mão do Estado de Exceção, porque é a parte fulcral de seu método de ação e de conquista — rigoroso como método de pesquisa ou severo como arte marcial: força, vigor, destemor, enfrentamento e severos códigos de treinamento e de conduta, como entre os samurais. O poder instiga no sujeito, o que há de mais primal no ser humano; o medo ao poder sem controle o transforma-o em serial Killer. É preciso lutar muito para ser digno, além de provar que é inocente, não culpado, é preciso lutar para não adotar a ideologia dominante, em que o Outro é inimigo: Assim, a cada um é solicitado não a ser o mais consensual possível, porém reaprender a lutar (Enriquez, 2004, p. 54). A sociedade geme quando o sitiado quer ser integrado, mas não assimilado, recusando-se a se dobrar diante da aculturação ou imposição do direito do conquistador impor seus valores culturais.

Nas sociedades conflituosas do século XIX e do início do século XX, os estrangeiros, embora muitas vezes numerosos, encontram a duras penas um lugar, ou aceitando assumir os trabalhos mais vis, tornando-se no início tão invisíveis quanto possível (caso dos que emigraram para os Estado Unidos durante todo o século XIX, ou para a França no século XX, até por volta de 1960 – com exceção dos judeus, que constituem um grupo com uma história específica) e integrando-se essencialmente como trabalhadores de mérito; ou, ao contrário, conquistando um lugar de destaque ao sol graças a seu talento criativo (Hollywood foi "inventada" por imigrantes essencialmente judeus: as grandes companhias – Metro-Goldwin-Mayer, Waner Bros, Fox ou Universal – foram todas fundadas por judeus) ou à violência, burlando as leis ( a Máfia siciliana e os gângsteres judeus nos Estados Unidos no início do século XX) [...] O estrangeiro ou se funde na paisagem (e agradece-se a eles por isso), ou ocupa um lugar à força, provocando com isso fascinação e estupor [...] pode também aceitar grupos (sicilianos, judeus) perturbadores, pois eles são veículo para o escândalo [...] e, principalmente, invejados, pois ousaram se comportar de modo diferente, como nômades em um país sedentário, como alguém que realiza os seus desejos em uma sociedade aprisionada por um superego coletivo, como se falasse a língua das pulsões mais viris e mais espetaculares em um universo civilizado tanto os invisíveis como os demasiadamente visíveis acabam excentrado [...] Permanecem, excêntricos [...] Em nossas sociedades, ainda conflituosas mas agora complexas [...] os novos imigrantes não se contentam com um trabalho vil ou servil [...] Querem (a maioria pelo menos) integrar-se sem ser assimilados, ou seja, sem ser forçados a adotar exclusivamente os "padrões" da sociedade que os acolhe. Ao contrário, tentam (sem que nem sempre seja um projeto consciente), moldar esses padrões à sua maneira acrescentar sua criatividade própria e, como dizia Foucault a respeito do pensamento de Nietzche, "utilizar [essa sociedade], deformá-la, fazê-la gemer e protestar" [...] eles, sabem, como dizia Nietzsche, "qualquer coisa decisiva só se constrói com base em um apesar de tudo" [...] Ora, o homem médio do país precisa de certezas, de respostas prontas [...] Ele gosta de idéias prontas e prefere espontaneamente o que é próximo e conhecido ao que oferece uma "estranheza inquietante" [...] Ele se sente invadido. É acometido de um complexo legítimo, complexo de intrusão, o qual expressa o temor, e até a angústia, de quem vê seu "eu-pele" perfurado e suas defesas maltratadas [...] nessa sociedade conflituosa complexa marcada pela "luta dos lugares" [...] O estrangeiro, o imigrante, torna-se nesse momento o portador de todos os pecados, da sujeira universal do mal radical (com exceção daqueles, geralmente atletas – mas são raros -, que favorecem a glória nacional) (Enriquez, 2004, pp. 55-57).

Quando só a presença já interroga, disto só pode resultar ou surgir o medo:

Nem todos os nascidos no país, naturalmente, reagem desse modo [...] Mas o fato é que a presença, em um território, de muitos estrangeiro que começam a tomar a palavra desperta em cada um algum movimento de medo, de modo que ninguém está a salvo do ódio de si e do ódio do outro [...] O estrangeiro incomoda [...] Pois um estrangeiro é sempre um "exotista" é aquele que interroga, com sua própria existência, as normas, os usos e costumes da sociedade que o "acolhe" [...] Não há homem (e grupo) totalmente aberto. Cada um precisa de seu próprio muro, sob pena de tornar-se uma esponja e perder sua consistência [...] em uma sociedade tão conflituosa o termo sociedade pode se aplicar à realidade atual [...] Assim, é preciso manter a vigilância e não se faze de santo, sob pena de, quem sabe, despertar a fera que cada um traz dentro de si (Enriquez, 2004, p. 57).

Não há tolerância total – só se fôssemos tratar de um homem-esponja. Não há luta pelo reconhecimento sem lutas pela conservação — toda luta pela autoconservação é uma luta política (Honneth, 2003). Por isso, da fera satisfeita virá o homem insatisfeito (à espera do próximo confronto):

Tudo, em nossa sociedade (continuemos esse termo) é feito para que ninguém participe do conjunto do funcionamento social. O povo se sente distante da nação, os eleitores, dos homens políticos, os executivos, dos dirigentes das grandes empresas, os habitantes de uma região, dos de outra região (pelo fato de levar-se em conta as diferenças culturais), as mulheres, dos homens, os filhos, de seus pais... É desnecessário estender uma lista que logo se tornaria enfadonha. Participamos apenas de alguns segmentos do socius (Enriquez, 2004, pp. 57-58).

Há tanto medo do Outro e do próprio narcisismo, que se prefere chorar para/por si mesmo:

Como se reconhecer numa sociedade em que os grupos se diversificam ao infinito, mesmo sem necessariamente se tornarem tribos, e em que cada um imita os outros, prega o conformismo e vive na "insignificância", para retomar o termo de Castoriadis? [...] Diversificação e uniformização alcançam o mesmo objetivo: cada homem se torna cada vez mais parecido com o outro, e cada um, por isso mesmo, vê aumentar a própria angústia diante do duplo que assalta, e cada um, igualmente, para proteger-se, refugia-se no "narcisismo das pequenas diferenças" [...] Estrangeiros pra si mesmo, estrangeiro para os outros, apesar e por causa de sua similitude. Quando esse processo é levado ao ápice, chega então "o tempo dos assassinos" (Rimbaud) [...] Bósnia, Kosovo e Ruanda são exemplos extremos [...] A humanidade, em sua marcha caótica, soube até o momento resolver – mais ou menos bem – os problemas que eram apresentados a ela. Não há nenhum motivo para desânimo, mesmo que saibamos que temos que lutar "na contra-encosta, lutar contra nós mesmos (contra a nossa parte mortífera) (Enriquez, 2004, pp. 58-59).

Então, se a modernidade expressa a morte do herói e do quixotesco, a pós-modernidade soterrou o romantismo. Hoje: "Essa instabilidade é dramaticamente acentuada pelo declínio do monopólio da força armada, que já não está nas mãos dos governos" (Hobsbawm, 2007, p. 87). Porque: "Desde o dia 11 de setembro de 2001, Washington vem impondo com descarado cinismo sua política ao resto do mundo" (Mészáros, 2003, p. 10). Hoje, o Império contra-ataca, mas tão fragilmente quanto às torres gêmeas que não suportaram nem o frescor e nem o ardor do Oriente. Como se reportou ao fatídico dia 11 de setembro de 2001, Noam Chomsky faz um retrospecto histórico para projetar seu significado no presente e ao futuro:

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Para os Estados Unidos, é a primeira vez, desde a Guerra de 1812, que o território nacional sofre um ataque, ou mesmo é ameaçado [...] Pela primeira, as armas voltaram-se contra nós. Foi uma mudança dramática [...] O mesmo é verdade, e de maneira ainda mais dramática, em relação à Europa [...] A Inglaterra não foi atacada pela Índia, nem a Bélgica pelo Congo, nem a Itália pela Etiópia, nem a França pela Argélia (que a França também não reconhecia como uma "colônia") (Chomsky, 2002, pp. 11-12).

Conforme nota de rodapé explicativa, a Guerra de 1812: "Também chamada de A Segunda Guerra da Independência dos EUA. Foi a guerra declarada contra a Inglaterra [...] Em um de seus episódios mais dramáticos, um batalhão inglês, num ousado ataque, conseguiu chegar até Washington, onde incendiou alguns edifícios públicos, obrigando o presidente a fugir da Capital" (Chomsky, 2002, p. 11). Este é um exemplo de que o inusitado tira forças da virtù, dormente naqueles que se acostumaram com a vitória (ou impunidade).

Diante disso, o chamado mundo pós-moderno sua frio, tem pesadelos por sua fragilidade, sobretudo, quando houve soar às portas o infra/intra-moderno (como Roma e seus bárbaros), a tradição corrompida e seus traidores: os tradicionalismos.

A Modernidade Tardia alimentou/a crenças no imponderável e foram tantas que: um dia alguém acreditou que a fortuna e a cornucópia olhariam para Tertius, e elas olharam. Quem sabe o raio não caia duas vezes no mesmo lugar...

A tradição e a civilização são antepastos de nossa cultura, assim como a barbárie (os tradicionalismos e utilitarismos "modernos"), são nossos antípodas e antepostos. Na dialética de T. Adorno, de A Mínima Moralia:

Tal como despontou historicamente [...] individualidade burguesa emergente se combina com os fracos remanescentes das convenções aristocráticas legadas pelo ancien régime [...] Daí sua dialética [...] Nem pura auto-referência da individualidade nem convenção opressiva, pois: mas ambas definindo-se e limitando-se mutuamente. A civilização quase dispensa a convenção e quase dispensa o móvel interno: joga com ambos. É o momento, raro e fugidio [...] entre o compromisso externo e o impulso interno, entre a renúncia e a plenitude. Como fazê-lo perdurar, cobrar a promesse de civilisation sem a qual não há promesse de bombeur? A civilização envolve, primeiro, a unidade tensa entre conteúdos materiais da experiência socialmente compartilhada e os padrões de interpretação que lhe dão sentido. Depois, configura a unidade maior, entre a civilidade no plano social e a cidadania no plano político; entendida esta na sua dupla dimensão, também inseparável, de exercício de direitos (que são universais) e de participação na coisa pública pelo exercício de virtudes civis (que são contextuais) (Cohn, 2004, pp. 83-84).

O que intriga, deveras, é pensar se há direitos civis e/ou corporativos sob a coroa do Rei João Sem Terra, pois, pelo prumo dado, ali há civilização com ou sem heresia e sua Santa Inquisição ou os mais simples e terrenos crimes de lesa-majestade ou, ainda, direitos costumeiros e que alimentaram a cultura de uma tradição elitista e perversa, como o da prima note.


8ª PARTE

Mais do que ver na política um instrumento de conquista de poder, "o direito à educação pela via republicana" deveria nos nortear a procurar e compreender de que forma os meios políticos podem favorecer a formação para a vida social ou pública (no caso do "aluno" que pensa em ocupar postos de comando). Procurar destacar, a partir dos próprios meios políticos, qual o conteúdo pedagógico (educativo) que daí se destaca, priorizando-se valores sociais e inclusivos, como: tolerância, direitos humanos, democracia comunitária e cidadania radical (ativa).

Neste sentido, é necessário ao menos pontuar o que poderia ser tido como possível à Educação em Direitos Humanos, sobretudo diante da realidade do século XXI.

Qual é a essência dos direitos humanos? Em que termos se colocam democracia, cidadania e participação, "educação baseada na ética"? O que poderia ser pensado para a Educação em Direitos Humanos? Procuramos destacar o "ideal" que se projeta pelo sentido de "supradimensionalidade dos direitos humanos".

Conceitos básicos: democracia, valores e participação política.

Para o filósofo-educador americano John Dewey, por exemplo, é impossível separar a educação do mundo da vida, porque a educação não é preparação nem conformidade: "Educação é vida, é viver, é desenvolver, é crescer". Para Dewey, a é escola uma micro-comunidade democrática, o ponto de partida para a socialização democrática da sociedade como um todo. A sociedade democrática é mais plural e, por isso, pode haver igualdade de oportunidades dentro dum universo social de diferenças individuais. A diversidade leva à diferença, mas não à desigualdade, porque devem atuar mecanismos compensatórios, como ações afirmativas, "discriminação positiva".

Uma das tarefas da "educação para a vida", portanto, é preparar o sujeito para a liberdade e igualdade. Um dos caminhos, certamente, seria alavancar resistências ao mal. Neste caso, o mal maior provém das ameaças e do enfraquecimento do modelo democrático, ao mesmo tempo em que há um recrudescimento do uso/abusivo da coerção — uma espécie de Estado de Exceção Permanente. Portanto, a "educação para a liberdade" é toda "educação contra as exceções (espúrias)", é toda "educação após Auschwitz", isto é, uma "educação contra o mal" sempre está contra o Estado de Exceção e seu inerente "direito à exclusão".

Axel Honneth (2003) é o filósofo alemão "herdeiro" de Habermas e da Teoria Crítica, mais conceituado na atualidade, e que levou adiante o debate acerca da Teoria do Reconhecimento. No texto Democracia como cooperação reflexiva, Honneth (2001) recupera Dewey para traçar dois perfis de democracia: liberal e radical. Os dois módulos seriam antagônicos se as posições se acirrassem na defesa "intransigente" de que só um modelo poderia sair vencedor 50, aquele que fosse o detentor do "modelo mais metódico".

Honneth (2001) também diferencia dois modelos políticos complementares: o Republicano (no qual se filia Hannah Arendt) e o Procedimentalista (este formulado por Habermas). O modelo republicano (de Arendt) retoma a virtus, de definição clássica, como meio/instrumento de educação/formação de valores/virtudes. O que propõe Habermas é que a democracia tome assento nos meios ou nos procedimentos, em que se forma ou se educa o cidadão (para a política). Neste caso, poder-se-ia pensar na educação política de modo prático (pragmático ou até militante), mas de acordo com os procedimentos dispostos anteriormente pelo próprio pacto polítco-constitucional 51.

Entretanto, o que nos propõe Honneth (2001) é exatamente retomar Dewey por completo, não dividido em duas metades, como aparece com a proposição de Arendt e de Habermas. Honneth então incorpora Dewey para um modelo unificador, inclusivo, estendido, entre: meios e fins; valores e ações; planejamento e instrumentos; educação e política; Estado e Sociedade. Assim, em Dewey e Honneth, há um modelo político de cooperação e superação dos conflitos, e constante na forma de se educar para uma cidadania radical, expansiva e ativa: "Para Dewey, que partilha com Arendt e Habermas a intenção de criticar a interpretação individualista de liberdade, a encarnação da liberdade comunicativa não é discurso intersubjetivo, mas o emprego comunal [gemeinschaftlich] de forças individuais para contender com um problema" (Honneth, 2001, p. 70. – grifos nossos).

O que Dewey nos apresenta é um modelo de democracia comunitária e a idéia de que o povo americano, literalmente, encarna a soberania popular, como se cadenciasse a ontologia da política republicana:

Não sem orgulho, Dewey destaca que essa noção de uma incorporação de soberania popular em cada cidadão representa a contribuição central feita pela revolução americana à história das idéias políticas [...] Porque uma "vontade comum" sempre é articulada, de forma mais ou menos consciente, em razão da mera cooperação social, o aparato estatal deve ser encarnado como a instituição política de execução dessa vontade [...] na democracia, persiste uma confiança recíproca em que, em um desenvolvimento ilimitado da personalidade, cada indivíduo pode achar sua função apropriada dentro do complexo de cooperação da sociedade (Honneth, 2001, pp. 72-73 – grifos nossos).

Dewey articula procedimentos reflexivos e comunidade política, como forma de deliberação democrática a partir de valores quanto aos fins da comunidade, como "cooperação social capaz de combinar comunidade democrática e deliberação racional". Há, então, a possibilidade de uma "integração de cidadãos em uma determinada comunidade auto-organizada", unificando a idéia de autopoiésis (auto-organização do ser) e sua própria ontologia política. Mas, como ser social, o homem não conhece o Estado antes da comunidade: "Para ele, é muito irreal, mera ficção, acreditar que a vida social se desenrola sem qualquer associação entre os indivíduos anterior à formação de uma unidade política" (Honneth, 2001, p. 71). Do que se pode concluir que a democracia é uma forma reflexiva de cooperação comunitária.

Educação, democracia e direitos essenciais 52

Como diz Benevides, este modelo da educação política que propõe unificar ação e prudência, resultados e ética, é uma retomada dos clássicos gregos:

A educação política para a cidadania é um tema tão antigo quanto, pelo menos, o da democracia. Para o pensamento político clássico, a principal tarefa dos governantes — e principal virtude dos regimes políticos — era justamente propiciar a educação política do povo. A formação da sociedade pressupunha um povo "adulto’ na política, e não tutelado. Era esse, aliás, o leitmotiv de Platão, no diálogo com os sofistas e, certamente, o de Aristóteles em Política e Ética a Nicômaco. No século XIX, a educação para a cidadania foi ardorosamente defendida por pensadores como Stuart Mill (em Governo Representativo), embora, a essa época, a cidadania significasse, para muitos tementes a Deus, a formação de bons contribuintes e trabalhadores qualificados (Benevides, 1994, pp. 13-14 – grifos nossos).

Mas é claro que a eficácia política, neste caso representada pela soberania popular, também depende de meios e de instrumentos favoráveis. É como se dissesse que na democracia ativa ou radical (para Dewey "comunitária") meios e fins estão emparelhados, concorrem para a mesma média e medida, isto é, diminuir o "déficit democrático":

A introdução do princípio da participação popular no governo da coisa pública é, sem dúvida, um remédio contra aquela arraigada tradição oligáquica e patrimonialista; mas, não é menos verdade que os costumes do povo, sua mentalidade, seus valores, se opõem à igualdade — não apenas a igualdade política, mas a própria igualdade de condições de vida [...] Daí sobrelevar-se a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa — numa sociedade republicana e democrática (Benevides, 1991, p. 194).

Para a autora, que é taxativa: "Não resta dúvida de que a educação política — entendida como educação para a cidadania ativa — é o ponto nevrálgico da participação popular. Mas como educar sem praticar?" (Benevides, 1991, pp. 20-21 – grifos nossos). Não resta dúvida, porque é preciso reafirmar esse projeto de educação política popular:

Tais considerações reforçam minha avaliação inicial, referente às vantagens da participação popular como uma "escola de cidadania’, como "educação política’ do povo — apesar de toda a argumentação contrária que exagera as condições de apatia e despreparo absoluto do eleitorado, assim considerado incapaz, submisso e "ineducável’ —, como a "multidão suína’ de que falava Burke, o "rebanho miserável com suas paixões ensandecidas e ignorantes que, se não forem controladas pela lei, justificariam o mais duro despotismo (Benevides, 1991, p. 21).

Outros autores brasileiros também caminham no sentido de que a política é em si mesma um ato educativo:

A dimensão política da educação consiste em que, dirigindo-se aos não-antagônicos a educação os fortalece (ou enfraquece) por referência aos antagônicos e desse modo potencializa (ou despontecializa) a sua prática política. E a dimensão educativa da política consiste em que, tendo como alvo os antagônicos, a prática política se fortalece (ou enfraquece) na medida em que, pela sua capacidade de luta ela convence os não-antagônicos de sua validade (ou não-validade) levando-os a se engajarem (ou não) na mesma luta (Saviani, 1989, p. 94).

Porém, em Benevides, isto é explicitado na forma da participação popular através dos instrumentos jurídicos disponíveis:

Se assim é, a questão, a meu ver, não se esgota em entender o "fracasso’ — seja técnico, seja político — mas em tentar argumentar pelo lado contrário, ou seja, que os institutos de democracia semidireta contribuem para a educação política do povo [...] Finalmente é bom lembrar que a educação política através da participação em processos decisórios, de interesse público — como em referendos, plebiscitos e iniciativas populares —, é importante em si, independentemente do resultado do processo. As campanhas que precedem às consultas populares têm uma função informativa e educativa, de valor inegável, tanto para os participantes do lado "do povo’, quanto para os próprios dirigentes e lideranças políticas (Benevides, 1991, pp. 196-8 - grifos nossos).

Em contexto próximo, o jus-filósofo italiano toma experiências nos EUA como exemplos de tentativa de definição da educação para a cidadania. Porém, o esforço americano não acentuava tão claramente a participação popular :

A educação para a cidadania foi um dos temas preferidos da ciência política americana nos anos cinqüenta, um tema tratado sob o rótulo da "cultura política’ e sobre o qual foram gastos rios de tinta que rapidamente perdeu a cor: das tantas distinções, recordo aquela estabelecida entre cultura para súditos, isto é, orientada para os output do sistema (para os benefícios que o eleitor espera extrair do sistema político), e cultura participante, isto é, orientada para os input própria dos eleitores que se consideram potencialmente empenhados na articulação das demandas e na formação das decisões (Bobbio, 1986, p. 32).

Como quer toda a tradição clássica da política, do liberalismo à democracia radical, a educação como direito público-subjetivo requer isonomia e isegoria (direito de livre-expressão) dos seus cidadãos:

Porque a igualdade dos cidadãos implica a igualdade dos indivíduos em relação ao saber e à formação. Surge enfim, a questão do tipo de educação do cidadão assim definido. Essa educação não pode mais simplesmente consistir numa informação ou instrução que permita ao indivíduo, enquanto governado, ter conhecimento de seus direitos e deveres, para a eles conformar-se com escrúpulo e inteligência. Deve fornecer-lhe, além dessa informação, uma educação que corresponda à sua posição de governante potencial (Canivez, 1991, p.31).

Para Benevides (1996), há várias questões presentes: no caso de ainda haver disputa pelo poder — pois subsistiriam interesses políticos variados em jogo, individuais ou de grupos e estratos sociais —, então, de fato, uma proposta de Educação Para a Democracia (EPD) deveria contemplar o binômio governantes-governados. Porque a rotatividade do poder (dissenso-consenso-dissenso) e a alternância nos cargos (troca constante dos governos) constituiriam uma regra predominante (ou uma realidade) e, por meio de sua verificação, as minorias poderiam (re)compor-se e (re)agrupar-se em nova maioria; ao passo que a maioria governante poderia ser desfeita momentaneamente (passando a governada), mas podendo no momento futuro se realinhar e redefinir, a fim de novamente intervir na definição e escolha das prioridades públicas.

Do contrário, caso os interesses políticos individuais ou grupais estivessem totalmente subsumidos no interesse coletivo, então, o binômio governados-governantes seria uma quimera. Quando o interesse coletivo sobrepuja e amálgama os interesses individuais, ainda que com virtual deliberação dos envolvidos, tem-se a unanimidade e não o Bem Comum; portanto, não há sentido de se propor a EPD como uma educação política (intencionada) para o fortalecimento do exercício rotativo do poder. Seria muito tênue o limite que separa o consenso da unanimidade.

Deste modo, a possibilidade do dissenso poderia ser entendida como disfunção social, como uma questão anômala, anômica, e seus agentes perseguidos e punidos como tal. Ou seja, o consenso deixaria de ser uma busca rotineira, conflituosa sem dúvida, mas participativa, organizada a partir da arte da argumentação, e intermediada e intermediadora das propostas de organização política. Não haveria, enfim, solidariedade, que, inversamente à unanimidade, busca justiça.

EDUCAÇÃO: um Direito democrático

No sentido estritamente jurídico, a educação é um direito público-subjetivo. O debate quanto ao real significado e alcance desse direito é certamente amplo e percorre vários matizes de interpretação da lei. Porém, há alguns aspectos que lhe são fundamentais e, assim, inquestionáveis - sendo definidos pela filosofia do direito e também regulados pela Constituição Federal de 1988. Daí se dizer que, no direito à educação são entendidas também as garantias da gratuidade, do ensino fundamental e médio, e da universalidade quanto às oportunidades de acesso e permanência no interior da escola.

Outra questão é o debate que se faz em torno da democratização e da qualidade do ensino. Independentemente do direito, a história da educação no Brasil demonstra que as reformas que ampliaram o acesso (aumentando a quantidade de vagas), não conseguiram - dialeticamente falando - manter a mesma qualidade do ensino oferecido anteriormente a uma parcela reduzida da população. O princípio da universalização foi atendido, mas a massificação do ingresso não encontrou a mesma equivalência da qualidade antes elitizada. Com o que chegamos à última questão: a democracia exige dos governantes um ensino de qualidade para as camadas populares.

Modernidade Trans-individual - Educação em Direitos Humanos

Como vimos, a prática da soberania popular e a efetivação dos direitos humanos são requisitos básicos da democracia. Se pensarmos de maneira direta, concluiremos que a cidadania só sai fortalecida no âmbito democrático — tendo a educação como substrato — quando a teoria e a prática da educação política popular orienta-se pelos princípios democráticos e se concretiza no respeito e na aplicação integral dos Direitos Humanos.

A temática dos direitos humanos deve ser transversal a todo o processo educativo e não exclusividade desta ou daquela especialidade ou ramo do conhecimento. Por isso não há sentido em se falar de disciplinas relacionadas aos Direitos Humanos que forem implementadas no 1º e 2º graus. Porém, há sentido em se falar de disciplinas específicas quando a referência é o ensino superior ou cursos centrados no tema — como os debates em eventos — porque, neste caso, trata-se de um aprofundamento do tema, das teorias e da história, de suas conseqüências sociais — além de pedagógicas.

Daí que se fala unicamente de Educação em Direitos Humanos e não de Educação para Direitos Humanos (como se fosse algo que se quisesse alcançar), porque a efetivação ou a violação da realidade dos direitos humanos promove ou obstrui a todos os seres. Em outro exemplo, tomando o lema do movimento feminista internacional, Nenhum direito a menos, alguns direitos a mais, poderíamos depositar a ênfase nos Direitos Humanos, e não somente no direito positivo como está na frase. Com o que teríamos: Nenhum direito a menos, alguns Direitos Humanos a mais.

A maior vantagem estaria na afirmativa de que os Direitos Humanos recobrem toda a realidade da pessoa humana. Infelizmente, ainda hoje, é necessário deixar claro que os Direitos Humanos não se aplicam a este ou a aquele grupo social de interesses, independentemente até mesmo da inequívoca justiça que recubra suas aspirações. O lema adaptado à amplitude dos Direitos Humanos ainda traria outra vantagem. Deve ficar claro que, defendendo a adaptação do lema, não desconsidero a história de luta e organização que o conforma. Para o momento, bastaria lembrar o massacre das mulheres trabalhadoras têxteis, nos EUA, como marco do Dia Internacional da Mulher.

A vantagem está, justamente, na incorporação da própria história do lema e do movimento social que o gerou. Assim, é como se dissesse que a história fala por intermédio de novos interlocutores: agora, homens e mulheres, crianças e adultos etc. É a revelação do princípio universal, na medida em que desperta o universal presente no local. Por aí também se vê um bom exemplo de transversalidade dos Direitos Humanos: a luta feminina transformando-se num novo pólo de acessibilidade dos Direitos Humanos, com homens e mulheres em igualdade.

Educação para direitos afins

Por outro lado, têm recrudescido os argumentos que negam a universalização do tema. Baseados nas teses do relativismo cultural, analistas dizem que os Direitos Humanos são valores ocidentais e por isso não se pode forçar países islâmicos em aceitar seus valores. Mas se já não bastasse a argumentação de que os Direitos Humanos pertencem a todos, islâmicos ou democratas, parece necessário indicar a falácia relativista. Se as Repúblicas Islâmicas não incorporam a democracia e o respeito integral aos Direitos Humanos, por outro lado, têm incorporado como estrutura de sua sociedade uma noção realmente capitalista e ocidental — que é a engenharia do cálculo frio e a forma adaptada da razão instrumental. Hobsbawm é claro neste sentido:

Para o senso comum do século XIX, é inconcebível que um enorme progresso material coexista com um retrocesso moral. Mas a experiência demonstra que é possível. Também parece possível a combinação de ideologias anti-racionais com o controle de uma tecnologia baseada em fundamentos racionais. Em alguns países da Ásia, os movimentos fundamentalistas se apóiam em engenheiros e em especialistas em cálculos. Parece muito estranho que alguém que acredite no Alcorão possa ser, ao mesmo tempo, um engenheiro químico. É preciso ver como se resolve isso (Hobsbawm, 22/06/97).

Neste momento, antes de passarmos à frente, creio que é necessário retomar a distinção entre a idéia de direito a ter direitos (Arendt) e direito ao direito. A subsunção do direito à propriedade é claro no pensamento de Hegel — o que o distingue claramente da proposta de Arendt — como indica Bobbio:

O primeiro conceito jurídico com que deparamos é o de propriedade; mas isto ocorre quando a dialética da necessidade — de que nasce o trabalho — e do trabalho — de que nasce a posse — está em pleno desenvolvimento. O ato que transforma a posse em propriedade, isto é, o direito (neste contexto, propriedade e direito são sinônimos, tanto é que o direito à propriedade é definido como "direito ao direito’), é o reconhecimento por parte dos outros: a propriedade é a posse reconhecida (Bobbio, 1989, p. 64).

Daí que se Marx colocou Hegel de cabeça para baixo, uma leitura invertida de Hegel — direito ao direito — pode nos conduzir até Arendt com seu direito a ter direitos — onde a propriedade deixa de ser pré-requisito do próprio direito, ou seja, como se vê nas garantias expressas nas principais declarações universais de direitos humanos. Porque os direitos humanos independem, sobretudo, da condição social e econômica.

Ainda sobre aspectos convergentes, em geral, costuma-se tratar a Educação em Direitos Humanos, como sinônimo da Educação para a Democracia. Nesse sentido, pode-se dizer que, até certo ponto, ambas (Educação para a Democracia e Educação em Direitos Humanos) tratam de questões intercomunicantes. Para tomar outro exemplo, a liberdade, como se sabe, é uma questão intrínseca à democracia. Mas também é um direito básico, previsto no artigo terceiro da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Em sentido diverso, pode-se apontar a obviedade que educar para a democracia é educar para a política. O que não é tão óbvio, porque, no plano concreto, as relações políticas nem sempre estabelecem relações humanas pacíficas. Para a Realpolitik — entre outros, Maquiavel, Hobbes, Marx e Weber —, a violência é o eixo da política. E assim, se a Educação em Direitos Humanos não é neutra, e sim política, seria possível pensarmos numa contradição. Mas ocorre que a Educação para a política não é uma via de mão única. Se tomarmos a separação entre a prática política e a reflexão ética, e hoje isto está mais presente do que nunca, é fácil constatar que de um lado está a violência e do outro, a ética. E, então, se a Educação em Direitos Humanos é intencionada politicamente, a intenção deve ser claramente ética.

Se pensarmos que a Educação para a cidadania não pode estar lastreada pela desigualdade, então também é fácil localizar o conteúdo ético — e que, é bom ressaltar, não deixa de ser político, ainda que não receba o enfoque da violência. Por fim, além de verificarmos que todas estas intenções ou modalidades específicas de educação são interligadas, certifica-se a noção de que o cidadão só pode ser um sujeito social apto aos valores humanos e à ética-política. O que o habilita para noções muito além daquelas previstas pelas relações do trabalho, uma vez que o cidadão não é sinônimo de trabalhador e nem a cidadania se conforma aos caprichos da produtividade capitalista. Como se vê, a abordagem confirma uma tese de Norberto Bobbio (1995, p. 23):

...a esquerda deveria se identificar cada vez mais com a defesa dos direitos de cidadania, em favor sobretudo dos direitos não aquisitivos e dos direitos de autonomia. Quanto aos direitos sociais, conquista histórica da esquerda, sustenta que uma esquerda digna deste nome tem hoje a obrigação de resistir à tentativa liberal de desmantelar os aparatos do Estado social.

Desse modo, é um dever progressista defender o direito à educação como princípio emancipatório e republicanamente hegemônico, e não só como sustentação do Estado de Direito.

Supradimensionalidade dos direitos humanos

Vale reforçar que os Direitos Humanos são considerados naturais e universais, porque pertencem a todos os seres humanos e independem de sexo, etnia, idade, poder aquisitivo, julgamento moral, orientação política e ideológica, religião, opção sexual, condição social ou física. São considerados patrimônios da humanidade. Esses direitos são entendidos como um tipo de salvaguarda ou pleno reconhecimento, seja por parte do governo ou de qualquer outra pessoa. Exigem, portanto, uma defesa intransigente.

Os direitos humanos também são considerados inalienáveis, indivisíveis, intransferíveis e inamovíveis. Em primeiro lugar, isto quer dizer que não podemos dispor (alienar: tirar de si) de nossos direitos. São indivisíveis porque não recebemos apenas uma parte desses direitos. Tome-se o exemplo dos presos: eles não têm direito de liberdade (dada a pena de reclusão) mas estão ao alcance de todo o significado das declarações de direitos, como: direito ao trabalho, à educação, segurança, saúde, lazer, bons tratos etc.

Mas procede perguntar se a liberdade não é um direito humano e se privar alguém do seu exercício não constitui grave violação dos direitos humanos. No geral, é evidente que sim. Mas note-se que a liberdade também é um direito individual e está regulado pela legislação de cada país. Aqui, portanto, faz-se necessária outra distinção: entre os chamados direitos da cidadania ou direitos positivos (referentes a cada Estado e regulados por legislação própria) e os direitos humanos. Ainda no exemplo dos presos, é bom lembrar que também têm suspenso o direito ao voto. Isso se deve ao mesmo fato: o direito de voto é um direito político, estando regulado pelo ordenamento jurídico de cada país.

Por que os direitos humanos são considerados intransferíveis? São considerados assim, porque, para retomar o exemplo dos presidiários, nenhuma pessoa pode transferir seu direito a outro. O direito de liberdade não é exceção: uma mãe não pode transferir seu direito de ir e vir para o filho, indo ocupar seu lugar na prisão. Uma pessoa que ocupe o lugar de outra na prisão, enganando os guardas na hora da visita, por exemplo, responderá pelo crime de falsidade ideológica. E isto é fato real, já tendo ocorrido em vários casos.

Apesar de haver comunicação entre vários tipos de direitos (no mesmo exemplo, políticos, individuais e universais), também dizemos que os direitos humanos são inamovíveis. Nenhum governo pode alegar confusão entre os níveis (individual x universal) para negar ou violar um direito humano. Essa espécie de conflito de interesses entre o que quer o Estado (definido como monopólio legítimo do uso da força e do poder) e o que é direito da pessoa humana é falsa. Para retomar o exemplo dado, mas de forma radical, o governo brasileiro não poderia alegar superlotação carcerária para aplicar a pena de morte (contrariando o artigo 1º, que é o direito à vida), ou alegar falência e deixar de alimentar os presos.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O direito à educação no Estado cientificista.: Estado, sociedade, cidadania e o direito à autonomia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2120, 21 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12666. Acesso em: 24 nov. 2024.

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