Estão causando muita polêmica as Portarias baixadas pelos Juízos paulistas, das Comarcas de Fernandópolis e também de Ilha Solteira. Pelo provimento, que vale também para os municípios de Meridiano, Macedônia, Pedranópolis, e Itapura, foram determinadas faixas de horário para o recolhimento de menores a seus lares, caso estejam na rua desacompanhados. A medida, conforme a imprensa divulgou, já valia em Fernandópolis, desde 2005, por ordem do Juiz Dr. Evandro Pelarin, que teria atendido a um requerimento do Ministério Público.
O "Fantástico" noticiou, o "Bom Dia Brasil" repercutiu, a imprensa escrita fez suas suítes. O debate chegou a outros magistrados, promotores de justiça, famílias, imprensa e ao CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Há muita divisão nas argumentações. É provável que o imbróglio, se imbróglio há, chegue aos Tribunais superiores. Pela voz do advogado Ariel Castro Carvalho, O CONANDA, por exemplo, acha que há restrição a direito fundamental dos menores de 18 anos. A Juíza da Comarca de Serra, no Espírito Santo, Dra. Janete Pantaleão, afirma que é caso para ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), recusando-se a imaginar a adoção da medida em sua Comarca e dizendo preferir atitudes de conscientização das famílias. O Dr. Paulo Roberto Luppi, de Vitória/ES, afirma que a família é quem deve regular o assunto. O Subsecretário de Justiça de S. Paulo, Dr. Isaías Santana criticou a providência. Mas o insuspeitíssimo jurista Dalmo Dallari, conhecido militante progressista, membro do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, achou que a medida preserva a integridade de crianças e adolescentes. A Juíza de Catanduva, Drª Sueli Juarez Alonso, onde ocorreu dos mais chocantes casos de pedofilia, pensa em adotar a mesma orientação.
O Prefeito Edson Gomes, de Ilha Solteira, afirma que a medida foi tomada após ampla discussão com a sociedade do Município, sob aplauso geral das famílias e do poder público, não esperando que ocorram recursos judiciais contra a Portaria.
Em Teresópolis/RJ, a Juíza da Vara da Infância e da Juventude, Dra. Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho, por muito tempo foi acusada de determinar "toques de recolher", autoritários, aleatórios e descabidos. Na verdade, nunca o fez. O que ocorreu foi, na Portaria nº 04/06, que regula os festejos carnavalescos, determinar que os menores de 14 anos, após às 22 horas, não poderiam estar nas ruas desacompanhados, devendo ser encaminhados ao Conselho Tutelar para entrega às famílias.
No mais, a mesma Juíza sempre realizou o que denomina "Redes de Acolhimento". Trata-se de operação que reúne prepostos do Juízo, a Polícia Militar, a Guarda Municipal e o Conselho Tutelar. Em equipes, percorrem as ruas da cidade, em algumas madrugadas, especialmente em regiões de concentração de bares e casas noturnas, verificando a presença de menores desacompanhados. Tão logo localizados, são levados à Vara da Infância, sendo os pais chamados para entrega dos filhos e para o aconselhamento e advertências cabíveis.
O entendimento, em Teresópolis, é da desnecessidade da Portaria específica e geral para a ação. Isto porque o Estatuto da Criança e do Adolescente, dando minudência ao princípio da proteção integral, estabelecido pelo art. 227 da Constituição Federal, prevê a possibilidade da providência judicial protetiva, sempre que houver ameaça ou violação dos direitos de criança ou adolescente. E isso, conforme o art. 98 da Lei Especial, pode ocorrer por "ação ou omissão da sociedade ou do Estado", por "falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáve"l e em razão da própria "conduta da criança ou adolescente".
E o capítulo II do ECA prevê as medidas que podem ser adotadas, dentre as quais, se encontra o "encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade", bem como a "orientação, apoio e acompanhamento temporários" (incisos I e II do art. 101/ECA). É exatamente o que é feito nas operações da Rede de Acolhimento. E, não raro, medidas adicionais podem ser necessárias, em caso de consumo de álcool ou entorpecentes, ou de comprovado descumprimento do dever de zelo e cuidado inerente ao poder familiar, situação que pode ensejar Representação por Infração Administrativa pelo Ministério Público.
Nada como um dia depois do outro. Provocaria, nos que sempre quiseram maiores cuidados, um riso contido, se não fosse trágico, ver o pasmo de tantos, o alívio de muitos e o clamor das multidões de pais e mães aflitos, em sua grande maioria, saudando a iniciativa paulista. E isso porque, durante muito tempo, a Dra. Inês – como outros juízes ativistas e precavidos – foram taxados de dinossauros autoritários, saudosos do Código de Menores e adjetivos mais desagradáveis, que não convêm mencionar.
Nada como um dia depois do outro. Independente do sucesso ou da viabilidade técnica da medida paulista, o fato é que ela confirma a necessidade de ação do Judiciário, proativa, em defesa do adolescente e da sociedade, sem a inércia ingênua e inconseqüente que, simplesmente, aguarda que as famílias cumpram seu papel. O incêndio grassando em labaredas selvagens e o sujeito lá, com seus baldes d’água parados, porque a tarefa... é dos bombeiros... Assim, queimamo-nos todos!
Do ponto de vista técnico, convém lembrar que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pelo seu Conselho da Magistratura, firmou entendimento de que Portarias Normativas do Juiz da Infância e da Juventude devem obedecer a determinados ritos que garantam contraditório, democracia e participação da comunidade na elaboração do provimento. Assim determina a Resolução nº 30/06. Assim se tem feito em Teresópolis, em que as Portarias existentes (nºs 03 e 04/06, disponíveis da Rede) não representam somente a vontade do Juiz, mas sim verdadeiros pactos comunitários.
Não sabemos como foram elaboradas as Portarias, nos municípios do Estado de São Paulo. Mas supomos que ocorreu processo similar, já que os jornais noticiaram que o Juiz agiu em atendimento a requerimento do Ministério Público, e o prefeito de Ilha Solteira indica que houve debate prévio, tanto assim, que inexistiriam recursos contra a medida. Ou seja, participação e fiscalização do Ministério Público, e oitiva da sociedade: tudo o que prega a Resolução 30/06.
É necessário conscientizar as famílias e a sociedade, sim, como querem os juízes capixabas mencionados. É preciso garantir às crianças e adolescentes o direito de ir e vir. Mas, ao contrário do que imaginam, a Portaria não obsta este direito ou aquela conscientização. Pelo contrário, ajuda. Até porque não vivemos exatamente num paradisíaco oásis de pais conscientes, responsáveis e maduros. E a Portaria cumpre, exatamente este papel de "chamar às falas". E o direito de ir e vir da criança e do adolescente, se não for adequadamente regulamentado, pode se transformar em violação de outros direitos, do próprio adolescente ou da sociedade, eventualmente atingida pelo resultado de comportamentos inadequados e, muitas vezes, ilícitos.
De qualquer forma, alguns resultados já são positivos. Reabriu-se o recorrente debate nacional sobre o papel do Juiz da Infância e da Juventude que, defendemos – e há muito mais tempo do que nós, defende e pratica, com sensibilidade, zelo e ministério, a Dra. Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho, de Teresópolis –, não pode ser o de mero espectador que aguarda demandas. É uma jurisdição especial, que exige proatividade.
Positivo também porque a existência da Portaria nos municípios paulistas, ao fim das contas, renova a constatação inevitável da quase falência da instituição familiar, oprimida no Brasil por má compreensão do ECA, por ataques midiáticos à sua autoridade e por concessões indevidas de poder a crianças e adolescentes. Iniciativas como a dos juízes paulistas tem o mérito de estapear as faces da sociedade para que acordem da sua inércia. É como um grito necessário e inadiável: resgatemos as famílias!
E há o mérito direto da iniciativa, qual seja, a redução dos índices de vitimização e autoria de ilícitos envolvendo menores de 18 anos, constatado pelos Conselheiros Tutelares da região e pelas autoridades policiais.
É necessário garantir o direito de ir e vir do adolescente. Mas é necessário lhe dar rumos e destinos, para que não fique à deriva. Deriva social é o naufrágio do futuro. O menor de 18 anos deve ir do bom para o melhor. Do bem para a virtude. Da família sã para a cidadania responsável. E isso é um aprendizado que envolve disciplina, horários de sair e chegar, itinerários permitidos e itinerários vedados. Envolve genitores comprometidos com a construção, em seus filhos, de homens e mulheres de bem. E, quando necessário, envolve o Juiz da Infância e da Juventude. Este que, como disse este autor no título de outro artigo, "não é pai de todos, mas não deve ser padrasto, nem cego".