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Medida cautelar em ação rescisória na Justiça do Trabalho

Agenda 01/12/1999 às 01:00

Muito se tem falado e discutido acerca das decisões do C. TST que concedem liminares em ações cautelares incidentais ou preparatórias de ações rescisórias quanto à questão dos planos econômicos (Bresser - IPC/87, Verão - URP/89, e Collor – IPC/90), uma das quais publicadas em ilibada revista jurídica de âmbito nacional.

Tais decisões têm por fundamento o poder geral de cautela do juiz, fulcrado na regra inserta no art. 798 do CPC que diz : "Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação."

Contudo, em razão do caráter protetivo de que se reveste o aparato obreiro, críticas são suscitadas a esse entendimento do Pretório Superior Trabalhista; a maioria delas invocando o prejuízo de um empregado hipossuficiente que, embora já tendo obtido a declaração do seu direito, tem de suportar a paralisação da execução que se processa em seu favor.

Outro argumento que se antepõe a medida é a violação à regra do art. 489 do vigente Estatuto Processual Civil, que diz : "A ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda.".

Pois bem, da simples leitura do dispositivo retrotranscrito, abstrai-se a sua literalidade que, a prima facie, se encarregaria de decretar a invalidade da prefalada liminar.

Ocorre que o Direito, como ciência normativista, não pode pretender ser mais que a realidade, sobre que, aliás, incide.

No caso específico dos planos econômicos, que se tornaram uma verdadeira mácula para o país nos últimos dez anos, ante o alvoroço de discussões e polêmicas que provocaram, observa-se, com nitidez esse contexto.


O Supremo Tribunal Federal manifestou-se de forma precisa quando declarou tais reajustes como indevidos, por se constituírem mera expectativa de direito e, portanto, perfeitamente constitucionais, já que não violariam a regra inserta no art. 5º XXXVI daquela Carta Maior.

Essa decisão espraiou seus efeitos por sobre toda a jurisprudência que se estava a produzir até então, levando o Tribunal Superior do Trabalho a acatá-la, por todos os seus fundamentos, chegando, inclusive, a editar a Súmula n.º 315 que, tratando do IPC de março/90, assim se expressa : "A partir da vigência da Medida Provisória n. 154/90, convertida na Lei n. 8.030/90, não se aplica o IPC de março de 1990, de 84,32% (oitenta e quatro, trinta e dois por cento), para a correção dos salários porque o direito ainda não se havia incorporado ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, inexistindo ofensa ao inciso XXXVI do art. 5º da Constituição da República."

Do ponto de vista material, a decisão do Supremo, porquanto polêmica, obviamente, aprofunda a discussão para temas como o enriquecimento ilícito do empregador, de um lado; o colapso a que o país estava exposto caso não fosse adotado esse entendimento, e o caráter político da decisão, mormente no que se refere ao funcionalismo público, de outro. Isso, contudo, não é objetivo dessa digressão.

Sobre isso, necessário se faz dizer, desde já, que o presente estudo não tem em mira a análise do mérito da questão em debate na ação rescisória, qual seja, a procedência das razões que embasam a decisão do STF, acerca da aplicação do percentual dos planos como fator de reajuste salarial, mas sim debruçamo-nos, tão somente, por sobre o aspecto processual da questão, cuja relevância é inegável, diante das inúmeras manifestações pretorianas em seu redor.

De todo modo, a possibilidade jurídica da interposição dessa medida cautelar estaria, processualmente inviabilizada, diante do dispositivo acima invocado.


Por seu turno, a tutela cautelar tem como objetivo maior o acautelamento de estados de fato que interessem ao desate de uma lide da qual é acessória e exige, para a sua concessão, a presença de seus requisitos básicos, conhecidos pelos brocardos latinos : fumus boni juris e pericullum in mora.

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A "fumaça do bom direito", nada mais é do que a plausibilidade das razões suscitadas em Juízo, a possibilidade de que tais argumentos obtenham guarida, através de um provimento favorável, à vista de se apresentarem, em dado momento, como palpáveis, factíveis, concretos.

Numa ação rescisória ajuizada em face de sentença ou acórdão que concedeu ao trabalhador Reclamante o reajuste vindicado, por vislumbrar a prefalada violação constitucional, a fumaça do bom direito está amplamente escorada na predita decisão do Pretório Excelso que, como dito, foi absorvida pelos Tribunais Trabalhistas, gerando a procedência de inúmeros pleitos desconstitutivos, postos à apreciação dessas Cortes.

O perigo da demora é ainda mais claro. O trabalhador é um hipossuficiente, economicamente desfavorecido na relação laboral. Portanto, caso venha a sucumbir no pleito rescisório, não teria este condições de fazer retornar a situação ao status quo ante, com a devolução dos valores ilegalmente pagos na execução. Assim, para evitar que esta alcance o seu fim, com a satisfação de um crédito que já fora declarado plenamente ilegal pela Corte Máxima do país, urge a sua suspensão, exatamente como medida de acautelamento de um direito que, afinal de contas, ainda pende de decisão final. A irreversibilidade da quitação das parcelas está patente, enfim, como elemento caracterizador desse requisito.

Com efeito, é de todo bom senso a paralisação do feito executório da sentença rescindenda, mesmo com a predita violação à letra do art. 489 do Estatuto Buzaid, eis que se nos apresenta uma situação em que a ciência jurídico-normativa deve sucumbir aos ditames da realidade, que impõe uma mitigação na abrangência dessa regra.

Como dito, do ponto de vista material, e até mesmo pela natureza protecionista, inerente à jurisdição trabalhista, muito há que se discutir se foi ou não acertada a decisão do STF quanto à matéria.

Porém, no contexto que esta decisão construiu, outra saída não há para a solução do problema. O ordenamento está, a partir daí, lastreado de um instrumento que permite ao empregador a suspensão da execução contra si processada.

Diante disso, demonstrado o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da tutela cautelar, a violação ao art. 489 da lei processual civil se afigura viável e até necessária, para acorrer a um estado jurídico cujo resultado útil sofre iminente risco de imprestabilidade.

É o que vem pontificando a cediça jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, como se abstrai do julgado abaixo colacionado :

"A e. SDI desta Corte entende que, verificadas as figuras do "fumus boni juris" e do "pericullum in mora", cabe a suspensão da execução mediante a concessão de medida cautelar." (AC 399631/97.1, Ac. SBDI-2) José Luciano de Castilho Pereira - TST

Observe-se que a concessão da referida liminar se presta a atender situações excepcionais em que transpareça cristalina a probabilidade de êxito na ação rescisória.

Nesse passo, vale ressaltar trecho do voto do Exmo. Sr. Dr. Min. João Orestes Dalazen no Processo n.º TST-RO-AC-395.377/97.0, publicado na Edição Suplementar Leis & Decisões, da conceituada REVISTA CONSULEX no mês de ago/98, pg.02-20/367 que, com propriedade, preleciona :

          "Insta ter presente, por derradeiro, que, em certos casos teratológicos, a suspensão liminar da execução do julgado rescindendo é um imperativo ético e de bom senso para não esvaziar e tornar inócuo o pronunciamento de mérito na própria ação rescisória." (grifos apostos)

Em passagem anterior, o d. Magistrado cita o escólio de GALENO LACERDA que aduz o seguinte :

"Ora, esse remédio existe, com todas as letras, na descrição fecunda e ampla do art. 798.[...]. A ação rescisória se constitui em lide nova, com finalidade legal e constitucional de cassar a sentença viciada. Se se revestir, desde logo do fumus boni juris e se houver pericullum in mora, em virtude da execução atual ou virtual do julgado rescindendo, legitima-se, portanto, de modo inequívoco, o uso de outra ação, de outra função jurisdicional, cuja finalidade consiste, precisamente, em tornar possível, útil e eficaz o resultado da rescisória." (grifos apostos)(in Ação rescisória e suspensão cautelar da execução do julgado rescindendo, Revista do Processo n.º 29 – jan/mar/83, pg.40)

Não se afiguram enfim, excludentes os dispositivos em confronto, eis que a melhor exegese da regra do art. 489 do CPC é a de que a SIMPLES PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA NÃO SUSPENDE A EXECUÇÃO DO JULGADO RESCINDENDO. Porém, a eficácia da coisa julgada pode ser temporariamente suspensa por via oblíqua, ou seja, através de uma outra relação jurídico-processual, de natureza acessória, mas, ao mesmo tempo, autônoma : a cautelar, desde que preenchidos os seus requisitos específicos.

Por fim, é imperioso salientar que, apesar da fértil produção jurisprudencial que se verifica nesse sentido, a matéria não é pacífica, encontrando fortes combatentes, nas vozes de autorizados juslaboristas, que não admitem a violação à regra do art. 489 do CPC.

Sobre o autor
Gustavo Vaz Salgado

advogado em Belém (PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALGADO, Gustavo Vaz. Medida cautelar em ação rescisória na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1272. Acesso em: 2 nov. 2024.

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