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O novo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal e a sua aplicabilidade, abrangência e procedimento na Justiça do Trabalho

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Agenda 30/04/2009 às 00:00

Com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, passou a Justiça do Trabalho a ser competente para processar e julgar uma série de ações que eram afetas à Justiça Comum, Federal ou Estadual.

Com a publicação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, intitulada de reforma do Poder Judiciário, houve radical modificação na redação do artigo 114 da Constituição Federal, passando a Justiça do Trabalho a ser competente para processar e julgar uma série de ações que eram afetas à Justiça Comum, Federal ou Estadual, bem como, também, houve a pacificação de controvérsias homéricas em que se debatiam a doutrina e a jurisprudência pátria.

Mais especificamente, foi acrescentado ao texto do artigo 114 o inciso IV, que assim vaticina: "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;".

E é neste particular que radica o objeto deste singelo ensaio, de forma que não tenho a pretensão de ser exaustivo, muito menos de enfrentar todas as modificações trazidas pela Emenda. Se conseguir, ao final, ao menos, suscitar dúvida e reflexão nos leitores, cumprido está o objetivo primordial deste trabalho.


1 – Evolução Histórica dos Institutos

Nos primórdios da formação dos Estados soberanos, o Rei tinha o poder supremo de privar a liberdade e os bens dos cidadãos pertencentes à nação, sem necessidade de qualquer fundamentação ou motivação justificada, tudo isso fruto da tirania e irresponsabilidade do soberano, que não precisava, consoante nos ensina a História, prestar contas de suas ações, muito menos procurar adequar seus atos aos ditames do Direito.

Desde aquela época, ventos democráticos sopravam, anunciando que era hora de fazer com que o Rei cedesse, já deixava claro que não era possível manter o monopólio e a irresponsabilidade das decisões a serem tomadas pelo Estado. Já se dizia que deveriam ser seguidos vários princípios, entre os quais o dever de garantir aos cidadãos o direito à liberdade, à propriedade e a publicidade dos atos estatais.

Neste contexto, o Rei João Sem Terra, nos campos de Runnymed na Inglaterra, outorgou a Magna Carta Libertatum em 1215, lastreada nos pilares da liberdade do indivíduo e da propriedade dos bens, de forma que em seu capítulo XXIX batizou o remédio heróico do writ of habeas corpus. Entrementes, outros autores defendem, tal qual J. E. DE CARVALHO PACHECO [01], que a origem do habeas corpus remonta ao Direito Romano, no qual era intitulado de interductum de libero homine exhibendo, cujos escopos principais eram embrionários em relação à compreensão atual da plenitude do direito de liberdade.

Até o Habeas Corpus de 1679, florescido durante o reinado de Carlos II na Espanha, o instituto tinha o único desiderato de albergar a liberdade de acusados por crime, vale dizer, não se questionava sua aplicabilidade, como é nos moldes hodiernos, para tutelar todas as formas de liberdade e locomoção dos indivíduos, seja fruto de processo criminal ou não, sua aplicação, pois, era restrita a poucas hipóteses legais, não açambarcando a restrição da liberdade imposta por atos da jurisdição trabalhista, caso esta existisse à época.

Apenas em 1816, com a edição do Habeas Corpus Act britânico, é que o remédio heróico ganhou os delineamentos na forma como é utilizado atualmente, aplicável não somente no âmbito criminal, mas também no civil. Em conseqüência de sua expansão por toda a Europa, foi trazido ao Brasil pelas mãos de D. João VI, por intermédio do Decreto de 23.05.1821. Após alguns anos, foi inserido no artigo 340 do Código de Processo Penal de 1832.

De uma forma ou de outra, tem-se que o primeiro dos remédios constitucionais surgidos para tutelar as liberdades e os direitos individuais foi o habeas corpus, a partir do qual desenvolveu-se o mandado de segurança e o habeas data, todos estes objeto deste estudo.

O mandado de segurança, surgiu em nosso ordenamento como corolário da restrição da Teoria Brasileira do Habeas Corpus, vez que este era manejado em uma multiplicidade de situações, para defesa das liberdades e garantias individuais, extrapolando sua função originária. Este citado espectro multifário de aplicação pode ser constatado pela lição do mestre RUI BARBOSA [02]:

"Logo o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal: o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade.".

Dentro destes parâmetros, com o escopo de delimitar a utilização do habeas corpus apenas às situações de restrição do direito de liberdade e locomoção, o legislador constitucional de 1934 batizou em nossa Carta Política o mandado de segurança, o qual foi posteriormente regulado pela Lei nº 1.533/51. A plêiade de estudiosos da época afirmavam que não havia instituto jurídico similar em qualquer legislação alienígena daquele tempo.

Por fim, floresceu o instrumento jurídico constitucional do habeas data, que somente veio integrar o sistema legal pátrio com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Corolário direto do Freedom of Information Act de 1978 da legislação norte-americana, presta-se a garantir o acesso do particular às informações e registros, públicos ou particulares, acessíveis à população, visando o conhecimento ou retificação dessas informações e outros dados.

O certo é que, como preceitua o artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, "Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo ante os tribunais competentes que a ampare contra atos violatórios de seus direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição e pelas leis.". E é nesse contexto histórico, que tentarei sistematizar os institutos do mandado de segurança, habeas corpus e habeas data na Justiça do Trabalho, em razão da modificação introduzida pela EC nº 45/2004 e suas vertentes interpretativas mais modernas.

Consoante as lições algures colacionadas, os três institutos jurídicos constitucionais a serem estudados neste trabalho trazem grande carga de influência um sobre os outros, com muitos requisitos e procedimentos semelhantes, de forma que, respeitando os limites deste simples trabalho, farei a remissão, quando adequado, do estudo de um instituto ao tópico estudado relativamente à outro, evitando-se repetições desnecessárias.


2 – Mandado de Segurança

Diz o artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso LXIX, que:

"conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;".

Vaticina o inciso LXX do mesmo artigo constitucional que:

"o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;".

O emérito Professor HELY LOPES MEIRELLES [03], em obra clássica sobre a temática, conceitua o writ of mandamus, verbis:

"Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.".

O texto do novel artigo 114 da Carta Política fala em cabimento na Justiça Especializada da ação de mandado de segurança, desde que a matéria seja afeta à sua jurisdição, sem fazer qualquer ressalva quanto a natureza individual ou coletiva desta ação, de forma que já é fora de dúvida que tanto o mandado de segurança individual quanto o coletivo são admitidos no âmbito da Justiça do Trabalho. É regra basilar da hermenêutica que: "Onde o legislador não fez a ressalva, não cabe ao intérprete fazê-la".

2.2 – Mandado de Segurança Individual

A doutrina clássica sempre fez a distinção entre as várias espécies de atos emanados pelo Estado, classificando-os basicamente em atos de gestão e atos de império. O primeiro representa as manifestações do Poder Público quando realizadas em condição de igualdade com o particular, despido, principalmente, das prerrogativas legais, afastada a incidência do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, aplicando-se as normas do Direito Civil.

Ao revés, os atos de império trazem consigo forte carga de supremacia da Administração Pública, subjugando os particulares que contratam com o Estado, colocando-os em condição de desigualdade, visando a proteção dos interesses públicos e aplicando as normas de Direito Público, principalmente Administrativo e Constitucional, bem como a legislação correlata extravagante.

Partindo-se dessa diferenciação, tem-se que o Estado quando contrata agentes públicos, sejam celetistas, estatutários ou de regime especial, age em condições de igualdade com o particular, praticando atos de gestão. Logo, para alguns, nestas hipóteses, não estaria autorizada a impetração do mandado de segurança, pois não há possibilidade da prática de atos genuinamente estatais que possam lesar direito liquido e certo dos possíveis impetrantes.

O posicionamento mais conservador e minoritário tem entre os seus defensores o Professor FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA [04], que leciona neste particular, verbo ad verbum:

"Tenha-se presente também em sede trabalhista que a autoridade pública, ao contratar empregados pelo regime trabalhista, abdica do seu poder de império (jus imperii) e o relacionamento será de empregado e de empregador.

Com a vinculação do Poder Público ao contrato de trabalho, deixa de existir a autoridade nos termos que lhe empresta a lei, do que resulta que não pode o empregado impetrar segurança contra o seu empregador. Isto porque a relação que passa a existir é de direito privado e não mais de direito público.".

Rogata maxima venia, penso em sentido diametralmente oposto, pois a distinção teórica da natureza dos atos estatais, em atos de gestão ou de império, não enseja maiores implicações práticas, uma vez que em qualquer das modalidades em que o Estado emana suas vontades, por intermédio dos atos administrativos, sempre haverá emanação de ato de autoridade, passível de configuração de ilegalidade, seja de que natureza for.

A distinção a ser feita é quanto a natureza do ato emanado pelo agente público. Quando este, investido em suas funções legais, fala em nome do Poder Público, haverá ato de autoridade, seja ato de império ou de gestão. Se o mesmo agente, v.g., invade ilegalmente a casa de um vizinho alegando ser sua, nesta hipótese haverá ato particular, sem interferência de suas qualidades funcionais públicas, de forma que não desafiará impetração da segurança, mas sim de ação possessória ou petitória.

Defendo, pois, que é plenamente cabível a impetração do mandamus para atacar atos ilegais ou abusivos praticados pelo Poder Público em situações ocorridas na relação de trabalho, situações estas que possam ferir direito líquido e certo do trabalhador, v.g. dispensa, redução salarial, mudança de função, suspensão disciplinar, negativa de aplicação de reajuste concedido, entre tantas outras situações, mesmo que doutrinariamente sejam classificadas como atos de gestão.

O doutrinador JOSÉ DA SILVA PACHECO [05], representante da corrente mais moderna, a qual adoto, leciona com maestria que:

"

Essa distinção, embora importante, não tem o dom de ressuscitar a velha teoria sob a dúplice personalidade do Estado, agindo como pessoa de direito público (ato de império), insuscetíveis de reexame ou controle, e como pessoa de direito privado (ato de gestão), muito salientado no direito francês. Nada disso. O Estado, atualmente, atua, sempre como pessoa de direito público (art. 18, CF) e seus atos, todos eles, são passíveis de serem apreciados pelo Poder Judiciário. Se forem ilegais ou abusivos e ameaçarem ou prejudicarem direito líquido e certo, nada impede que contra eles se impetre MS.".

O Excelso Pretório, há muito tempo, já se posicionou a respeito:

"(...) A atividade Estatal é sempre pública, ainda que inserida em relações de Direito Privado e sobre elas irradiando efeitos; sendo, pois, ato de autoridade, o Decreto Presidencial que dispensa servidor público, embora regido pela legislação trabalhista, a sua desconstituição pode ser postulada em MS." (STF, MS 21.109-DF, Decisão Plenária, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19.02.1993).

É de bom alvitre deixar registrado que não se há falar em impossibilidade de apreciação judicial de ato administrativo, mormente os praticados no âmbito da relação de trabalho, pois os atos administrativos são todos passíveis de apreciação judicial, salvo o chamado mérito do ato (discricionariedade), nesta hipótese somente admite-se a impetração do mandado de segurança na existência de abuso de poder ou desvio de finalidade, consoante as mais abalizadas vozes administrativistas, e é exatamente nestas duas hipóteses que materializa-se a ilegalidade que desafia a impetração do mandamus em seu cabimento da relação de trabalho.

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E mais. A Carta Política não faz qualquer ressalva quanto ao cabimento do remédio heróico somente nas hipóteses em que o poder público pratica atos de império, tanto é que permite a sua impetração até quando o particular pratica atos investidos de função pública (delegação). É certo que os institutos jurídicos garantidores dos direitos fundamentais do cidadão devem ser interpretados de maneira ampliativa, de forma que possa ser aplicável em um espectro dilatado de abrangência.

Logo, cerro fileira com a corrente mais moderna e majoritária, admitindo o cabimento do mandado de segurança na Justiça do Trabalho, tanto o individual como o coletivo, para questionar os atos praticados pelo Poder Público na condição de contratante nas relações de trabalho, sejam relacionadas aos celetistas, estatutários ou aos trabalhadores sujeitos à regime especial. De igual forma, entendo cabível nas hipóteses em que o empregador é pessoa jurídica de direito privado, desde que pratique atividades inerentes do Poder Público, nos limites da delegação, como são as empresas concessionárias de serviços públicos que foram privatizadas, as antigas prestadoras estatais.

Não se pode descuidar, neste particular, da questão relacionada à competência material trabalhista, mormente nas questões relacionadas aos servidores públicos estatutários, as quais foram declaradas recentemente de competência da Justiça Comum, em decisão liminar do Presidente do e. Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Juizes Federais, ADIn nº 3.395-DF.

Oportuno ressaltar que a ação direta de inconstitucionalidade nº 3.395-DF foi proposta pela Associação dos Juizes Federais (AJUFE), entidade de classe de âmbito nacional que representa os interesses dos juizes federais, como quer a norma do inciso IX do artigo 103 da CF/88, que traz o rol de legitimados ativos.

Como corolário da legitimação ativa para a propositura da ação direta, o e. Supremo Tribunal Federal, jurisprudencialmente, dividiu o rol de legitimados ativos em dois grupos, quais sejam: legitimados gerais e especiais. Aqueles podem propor a ação direta em qualquer situação; estes somente podem propor a ação direta quando a matéria questionada estiver de acordo com seus fins institucionais, é a chamada pertinência temática do requerimento.

Trago acórdão paradigma relatado pelo e. Ministro MOREIRA ALVES que bem explica essa questão da legitimidade, verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS – CNPL – FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA – Na ADI 1.792, a mesma Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL não teve reconhecida sua legitimidade para propô-la por falta de pertinência temática entre a matéria disciplinada nos dispositivos então impugnados e os objetivos institucionais específicos dela, por se ter entendido que os notários e registradores não podem enquadrar-se no conceito de profissionais liberais. – Sendo a pertinência temática requisito implícito da legitimação, entre outros, das Confederações e entidades de classe, e requisito que não decorreu de disposição legal, mas da interpretação que esta Corte fez diretamente do texto constitucional, esse requisito persiste não obstante ter sido vetado o parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.868, de 10.11.99. É de aplicar-se, portanto, no caso, o precedente acima referido. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida." (STF – ADI 2482 – MG – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 25.04.2003 – p. 0032).

Lastreado no posicionamento exposto pelo Excelso Pretório, a ilação lógica é que a Associação dos Juizes Federais não tem legitimação genérica para ajuizar a ADIn em qualquer hipótese, deverá, pois, demonstrar a pertinência temática entre o pedido feito e os fins institucionais da própria associação.

Como a AJUFE defende institucionalmente os interesses dos juizes federais, não teria, por lógico, pertinência temática o seu pleito de declaração de inconstitucionalidade do inciso I do novel artigo 114 da Constituição para declarar a competência da Justiça Estadual para processar e julgar as lides envolvendo servidores públicos estaduais e municipais e os órgãos da Administração Pública dos Estados e Municípios.

Logo, permanecem restritos os efeitos da liminar proferida pelo Presidente do e. Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIn nº 3.395-DF, apenas quanto à competência da Justiça Comum Federal para julgar os processos envolvendo servidores estatutários da União. Os servidores públicos estaduais e municipais continuam de competência da Justiça do Trabalho, por falta de pertinência temática da AJUFE no pedido em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Ultrapassada esta primeira controvérsia quanto aos limites da impetração do mandado de segurança nas relações de trabalho com o Poder Público, ou quem lhe faça as vezes, foge aos limites deste trabalho o enfrentamento de temas como a conceituação de direito líquido e certo, do prazo decadencial para impetração, da necessidade de indicação tanto da parte legitimada passiva [06] (pessoa jurídica de direito público) quanto da autoridade dita como coatora (agente público com poder decisório na emanação do ato ilegal), da necessidade de intimação do Ministério Público, da necessidade de representação por advogado, da obrigatoriedade do reexame necessário das sentenças concessivas da segurança, entre tantos outros conceitos já decantados na doutrina e jurisprudência pátria, que são, mutatis mutandis, aplicáveis na Justiça do Trabalho.

Antes da edição da Emenda Constitucional nº 45\2004 somente era admitida a impetração do remédio heróico na seara laboral quando a autoridade coatora fosse o próprio magistrado na prática de ato judicial, fato que gerava, por razões lógicas, a determinação da competência para seu conhecimento e julgamento aos Tribunais de grau superior, caso fosse o magistrado dito coator de primeira instância, ou instâncias hierarquicamente superiores, respectivamente.

A possibilidade de impetração do writ of mandamus em face de ato judicial é há muito tempo aceita pelos tribunais, precisamente desde a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE nº 76.909, relatado pelo Ministro Xavier de Albuquerque, com mais razão na seara laboral em que vige o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e que os recursos são, em regra, apenas devolutivos, passíveis, pois, de causar dano sem franquear ao jurisdicionado remédio processual adequado.

Essa sistemática não foi alterada com a Emenda Constitucional.

Entretanto, passa-se a admitir a impetração do mandamus em tantas outras situações, que não só as oriundas de atos judiciais, mas também as nascidas de atos praticados pelos próprios juizes em matéria administrativa e por outros agentes, tais quais os procuradores do trabalho, delegados regionais do trabalho, fiscais do trabalho, autoridades administrativas do INSS e todos os outros agentes públicos que praticam atos estatais, desde que a matéria em discussão seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada.

Em todas estas hipóteses citadas a competência funcional será, naturalmente, do juízo de primeiro grau, salvo nas hipóteses em que a lei declinar competência originária aos Tribunais de grau superior. A suspensão disciplinar de empregado de um Estado da federação, materializada em ato ilegal e arbitrário praticado pelo Governador do ente federativo, ou de Secretário de Estado, será de competência originária do Tribunal Regional do Trabalho, em obediência a determinação legal (geralmente Código de Organização Judiciária Estadual, aplicado por analogia na Justiça do Trabalho) que confere foro privilegiado em segunda instância a estes agentes políticos.

De igual forma, utilizando-se dos mesmos princípios e da interpretação sistemática do ordenamento, penso que os atos praticados pelos procuradores do trabalho, quando enquadrados como autoridade coatora em mandado de segurança, devem ser conhecidos e julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho originariamente, pois se ato judicial de magistrado de primeira instância tem esta mesma competência originária, deverá da mesma forma proceder com os membros do Ministério Público do Trabalho, que estão na mesma hierarquia que os magistrados das Varas do Trabalho (inciso I do artigo 108 da CF\88 c\c artigo 6º da Lei nº 8.906\94).

Nada obstante o Procurador-Geral do Trabalho oficie perante o Tribunal Superior do Trabalho, em face da ausência de previsão legal em sentido diverso, será competente o Tribunal Regional do Trabalho da respectiva região em que o ato foi praticado para processar e julgar a ação mandamental.

A competência dos tribunais de segunda instância para julgamento dos membros do Parquet federal, quando estes figuram como autoridade coatora na impetração dos remédios heróicos constitucionais, é acolhida pela jurisprudência majoritária. Veja-se a elucidativa passagem em julgado do TRF da 2ª Região:

"Competência – Habeas Corpus – Procurador da República como autoridade coatora – Julgamento afeto ao Tribunal Regional Federal – Inteligência do art. 108, I, a, da CF. Compete ao Tribunal Regional Federal processar e julgar os habeas corpus, quando a autoridade coatora for Procurador da República, uma vez que a esse Tribunal compete processar e julgar os membros do Ministério Público da União, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF\88, art. 108, I, a)" (RT 770/702).

O fato que define a competência funcional para processamento e julgamento do mandado de segurança é a categoria da autoridade dita como coatora e sua sede de atuação funcional. Se a ação mandamental for dirigida a juízo incompetente, este deverá remeter o processo ao juízo material e funcionalmente competente, de acordo com a regra geral da competência originária, ou as exceções dispostas expressamente na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais.

A interveniência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios não induzirá o deslocamento da competência originária da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum (parágrafo único do artigo 99 do CPC), seja Federal ou Estadual, desde que a matéria questionada seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada.

Com fundamento no raciocínio exposto linhas acima, é competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar os mandados de segurança impetrados em face de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público do Trabalho sem observância das determinações legais. Também, quando é aplicada multa pelos fiscais do trabalho em situações que não configuram infrações e quando o Delegado Regional do Trabalho lança indevidamente o nome de empregador em lista de empresas que utilizam trabalho escravo, entre tantas outras situações que só a prática forense diária ira revelar. As perspectivas são as mais ampliativas possíveis.

O procedimento a ser seguido na tramitação processual do mandado de segurança será aquele disposto na legislação específica de regência, consoante dispõe principalmente as Leis nº 1.533\51 e nº 4.348\64, observando-se algumas pequenas adaptações ao procedimento previsto na Justiça do Trabalho, entre os quais se destaca o ataque da sentença em mandado de segurança pelo recurso ordinário interposto no prazo de oito dias (Súmula 201 do TST). Observar-se-á a prerrogativa de prazo do artigo 188 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária.

Abro aqui um parêntese para consignar minha opinião pessoal, entre tantas nascidas após à edição da Emenda, de que todos os processos que tramitarão perante a Justiça Especializada, seja de que natureza for, trabalhista, administrativa ou civil, obedecerão, no que couber, o procedimento previsto na CLT (artigo 763), com a única exceção quanto aos procedimentos dispostos em leis especiais, como são os remédios heróicos tratados neste trabalho. Em conclusão: se existe procedimento especial, aplicar-se-á este; se o procedimento utilizado é o ordinário do Código de Processo Civil, passará a se utilizar o procedimento disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente quanto à prazos, hipóteses recursais, custas, depósito recursal etc. Continua aplicável de forma subsidiária a legislação processual ordinária quando omissa a Consolidação (artigo 769).

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região, em importante seminário para discussão das questões afetas à nova competência da Justiça do Trabalho, extraiu dos debates travados importantes conclusões. Uma das quais, representada pelo verbete nº 12, que coaduna com a sistematização processual feita no parágrafo supra. Vejamos o que diz o TRT baiano:

"RITO APLICÁVEL EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES OBJETO DA NOVA COMPETÊNCIA. Aplicam-se os procedimentos previstos na CLT, mais consentâneos com os princípios de celeridade, simplicidade e gratuidade, ressalvados os ritos especiais previstos em legislação específica.".

Outra questão que merece reflexão é aquela relacionada à possibilidade recursal em razão da decisão proferida em sede liminar em mandado de segurança, seja decisão concessiva ou denegatória da segurança vindicada. Nunca houve dúvida de que a decisão liminar em mandado de segurança tem natureza jurídica de decisão interlocutória, agravavél, pois, nos termos do Código de Processo Civil. Contudo, na seara laboral, dois problemas tormentosos surgem:

O primeiro é a restrição legal da Lei nº 1.533\51, que, diferentemente da legislação adjetiva civil, não traz qualquer possibilidade recursal em face da decisão interlocutória liminar em mandado de segurança. A doutrina e a jurisprudência pátria, após longo período de calorosos debates, os quais persistem até hoje, em menor grau por lógico, vem entendendo possível a aplicação subsidiária do CPC nestas hipóteses, pois nada obstante o legislador não tenha previsto a possibilidade recursal em face da decisão liminar, também não a vedou expressamente. Assim, o entendimento majoritário, inclusive dentro do c. Superior Tribunal de Justiça, é pelo cabimento do recurso de agravo de instrumento nestas hipóteses, ou do agravo regimental nas situações de decisão interlocutória monocrática proferida por membro de Tribunal que tenha esta citada espécie recursal prevista em seu Regimento Interno.

Transferindo o presente debate para os limites da Justiça do Trabalho, ter-se-ia o agravante da aplicação do princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias na Justiça Especializada (Súmula 214 do TST). Entrementes, penso que tal aplicação principiológica deve mudar com a ampliação da competência dada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, pois se passará a Justiça do Trabalho a ser competente para apreciar lides genuinamente de natureza civil, deve-se flexibilizar os princípios próprios para se aplicar a legislação especial ou processual comum nas hipóteses legais, relembrando a advertência que fiz linhas acima quanto ao procedimento a ser adotado.

Assim, entendo, sem qualquer dúvida, possível a aplicação da doutrina mais moderna quanto a recorribilidade da decisão liminar em mandado de segurança, admitindo o manejamento do agravo de instrumento, à exceção das hipóteses de cabimento do agravo regimental, sempre que o impetrante ou impetrado não concordarem com a decisão interlocutória liminar, até porque o direito líquido e certo da parte, quase sempre urgente, não pode ficar desamparado de proteção pelo simples fato de ser processado nos limites da Justiça do Trabalho.

A corrente moderna da doutrina vem sendo prestigiada pela jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu:

"Prevalece o entendimento, tanto doutrinário quanto jurisprudencial, no sentido de que desafia agravo de instrumento a decisão que indefere a liminar nos autos de mandado de segurança." (STJ – REsp 258131 – SP – 2ª T – Rel. Min. Franciulli Netto – DJU 14.06.2004 – p. 00187).

Que haverá perda da celeridade nestas situações, não há a menor dúvida (mesmo que excepcionalmente, diante do caráter apenas devolutivo do agravo de instrumento), entretanto a maior proteção dada ao direito da parte será prestigiada. Haverá mitigamento de um princípio para proteção de outro, tanto ou mais importante, qual seja a proteção contra a ilegalidade ou abuso de poder.

Poderá, também, a parte prejudicada com a decisão liminar lançar mão do instituto previsto no artigo 13 da Lei nº 1.533\51 e no artigo 4º da Lei nº 4.348\64, buscando a suspensão dos efeitos da medida liminar pelo Presidente do Tribunal hierarquicamente superior ao magistrado que concedeu a segurança em sede de decisão interlocutória, desde que demonstrados os requisitos dispostos nas mesmas legislações.

Tenho consciência da existência da Súmula 622 do e. Supremo Tribunal Federal, que dita regra no sentido do não cabimento de agravo regimental da decisão que concede ou indefere liminar em mandado de segurança, entretanto o próprio Excelso Pretório vem decidindo em sentido contrário, em razão dos argumentos já declinados, razão pela qual sustento a cabimento do agravo de instrumento e do regimental das decisões que deferem ou indeferem liminar em mandado de segurança. Enquanto não for editada Súmula Vinculante sobre o tema, permanece, oxalá, livre a apreciação da prova pelo magistrado, prestigiando o princípio da persuasão racional da prova e do livre convencimento motivado.

Em conclusão, quanto ao cabimento das hipóteses recursais em sede de ação mandamental, faço minhas as palavras do ilustre doutrinador HELY LOPES MEIRELLES [07], vez que plenamente aplicáveis à seara laboral, ipsis litteris:

"Os recursos agora cabíveis, especificamente, em mandado de segurança são os seguintes: apelação, da decisão que apreciar o mérito, e decretar a carência ou indeferir a inicial (Lei n. 1.533\51, arts. 8º e 12; CPC, art. 296); recurso de ofício, da sentença que conceder a segurança (Lei n. 1.533\51, art. 12, parágrafo único; CPC, art. 475, II); agravo regimental, do despacho do Presidente do Tribunal que suspender a execução da sentença ou cassar a liminar (Lei n. 1.533\51, art. 13; Lei n. 4.348\64, art. 4º; Regimento Interno do STF, art. 297).

Cabem, ainda, genericamente, os demais recursos contemplados pelo Código de Processo Civil (art. 496), desde que no processamento da impetração venham a ocorrer as situações que os ensejam, a saber, agravo de instrumento e embargos de declaração, bem como a apelação de terceiro prejudicado (CPC, art. 499) e o recurso adesivo (CPC, art. 500). Até mesmo o incidente de uniformização de jurisprudência (CPC, art. 476), como é agora denominado prolixamente o prejulgado, é admissível em mandado de segurança, perante qualquer Tribunal, como também o são, perante o STF, os embargos de divergência, quando o julgamento da Turma dissentir do julgamento de outra ou do Plenário (CPC, art. 546, parágrafo único; Regimento Interno do STF, arts. 330 a 332). (...) O recurso extraordinário, para o STF, só é admissível quando a decisão ‘contrariar dispositivos desta Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição’ (CF, art. 102, III, ‘a’ a ‘c’).".

Acrescento à lição colacionada supra a possibilidade da interposição de recurso ordinário e adesivo, no prazo de oito dias, para os Tribunais Regionais do Trabalho, das sentenças proferidas pelos magistrados de primeiro grau e para o Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas pelo Pleno ou Turma dos Tribunais Regionais do Trabalho em decisão de competência originária. A decisão liminar de Juiz Relator desafia recurso de agravo regimental para o Pleno ou Turma do mesmo Tribunal. Da mesma forma, é a sistemática quanto a decisão do Presidente que suspende a eficácia da decisão.

A coisa julgada material no mandado de segurança individual não ostenta qualquer particularidade em comparação com as demais ações individuais reguladas pela legislação processual civil. O único ponto que merece lembrança é que a denegação da segurança na ação mandamental não impede o uso da ação própria pelo ora impetrante, não fazendo coisa julgada contra ele nesta hipótese específica, ex vi do artigo 15 da Lei nº 1.533/51, com interpretação dada pela Súmula 304 do STF.

Chamo a atenção do leitor a um detalhe de ordem constitucional que poderá influenciar sobremaneira nas ações de mandado de segurança processadas na Justiça do Trabalho, pois a mesma Emenda Constitucional nº 45\2004 introduziu no texto do artigo 5º o inciso LXXVIII, que assim vaticina: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.".

Em comentário recente sobre o dispositivo, LUIZ RODRIGUES WAMBIER, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA [08], advertem que:

"O princípio ora comentado, assim, somente terá aplicação efetiva no direito brasileiro na medida em que a legislação contiver mecanismos processuais capazes de propiciá-la e o Poder Judiciário estiver estruturado de modo quantitativa e qualitativamente capaz de absorver as demandas judiciais.".

Pois bem. Esta norma que a priori pode parecer meramente retórica, como ensina os renomados mestres, carrega, na verdade, um grande conteúdo de efeito indireto, pois todas as espécies normativas infraconstitucionais que limitarem a concessão de liminar em mandado de segurança, ou vedarem de alguma forma a prestação jurisdicional célere, serão materialmente inconstitucionais, uma vez que a todos são assegurados os meios que garantam a celeridade da proteção do direito lesado ou ameaçado de lesão, isso sem falar no princípio da inafastabilidade já existente, o que torna inconstitucional toda legislação a ser editada que tentar limitar a concessão das medidas urgentes, bem como não será recepcionada a legislação em vigor que confronta com a Constituição neste particular.

Penso que não poderão ser recepcionadas as leis que acabam tolhendo a possibilidade de concessão de liminar em mandado de segurança, estas deverão ser declaradas inconstitucionais em cada caso concreto, diante da impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade pelo e. STF de legislação anterior à Constituição. Poderá sim, ser objeto de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), pois a norma do artigo 5º da Carta Magna já foi reconhecida como preceito fundamental pelo Excelso Pretório. Enquanto não haja decisão definitiva neste sentido, ou edição de Súmula Vinculante, poderá em cada caso concreto o magistrado fundamentar sua decisão com base no livre convencimento motivado, declarando a inconstitucionalidade da legislação ordinária.

Parece-me que esse seja, com as devidas adaptações, o mesmo posicionamento da digníssima Professora Doutora da Universidade de São Paulo, ADA PELLEGRINI GRINOVER [09], em passagem doutrinária recente, verbis:

"Esses meios devem ser inquestionavelmente oferecidos pelas leis processuais, de modo que a reforma infraconstitucional fica umbilicalmente ligada à constitucional, derivando de ordem expressa da Emenda 45/2004. Trata-se, portanto, de fazer com que a legislação processual ofereça soluções hábeis à desburocratização e simplificação do processo, para garantia da celeridade de sua tramitação.".

Um exemplo prático da aplicação desse novo princípio constitucional na Justiça do Trabalho será a inobservância dos ditames do artigo 5º da Lei nº 4.348\64, que assim prescreve: "Não será concedida a medida liminar em mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.", norma esta que poderá ser declarada inconstitucional incidenter tantum no julgamento da liminar do mandado de segurança, individual ou coletivo. Da mesma forma, penso ser incompatível com a nova ordem constitucional as Leis nº 5.021\66 e nº 8.076\90.

2.3 – Mandado de Segurança Coletivo

É certo, pois, o cabimento do mandado de segurança coletivo na Justiça do Trabalho. Contudo, chamo à atenção para importante diferenciação quanto à legitimidade e interesse processual neste particular, vez que, como qualquer ação, o impetrante deve demonstrar a coexistência dos pressupostos processuais e das condições da ação.

A legitimação do partido político com representação no Congresso Nacional e das organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano deve obedecer o critério doutrinário e jurisprudencial da pertinência temática, vale dizer, somente pode haver a impetração do mandamus coletivo quando os legitimados extraordinários demonstrarem que os interesses defendidos em juízo guardam pertinência com a finalidade da própria organização. Não se há falar em ajuizamento da ação por um partido político para defesa de interesses de trabalhadores que nada tem de ligação com o partido. Somente os filiados poderiam ter seus interesses defendidos pelo ente. O mesmo raciocínio é aplicado aos demais legitimados extraordinários.

O palco próprio para discussões de questões de cunho político não é o Poder Judiciário. Por isso, não se admite a impetração do remédio coletivo pelas diversas entidades e partidos políticos legitimados em defesa de interesses de toda a população. Deve-se observar os interesses institucionais das entidades e, principalmente, o universo de seus substituídos.

A magistrada e professora LÚCIA VALLE FIGUEIREDO [10], um mês após a promulgação da atual Constituição Federal, em sentença brilhante, já pontuava os limites da legitimidade no mandado de segurança coletivo, verbis:

"A idéia matriz de constituição do próprio sindicato é defesa de categoria profissional, certa e determinada. A tutela de interesses alheios à finalidade básica do sindicato não se pode pretender pela via do mandado de segurança coletivo. Se assim fosse, não teríamos a despersonalização dos interesses individuais, que se transformariam no interesse do grupo, mas não a somatória de interesses individuais a transcender a categoria.".

O posicionamento da Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo foi seguido nas decisões vindouras, encontrando ressonância atualmente no c. Superior Tribunal de Justiça:

"CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – PROMOÇÃO EM JUÍZO, POR ASSOCIAÇÃO, DE DIREITOS SUBJETIVOS DE SEUS INTEGRANTES – PRECEDENTES DESTA CORTE – AUSÊNCIA DE PROVAS, CONSISTINDO O PEDIDO APENAS EM ALEGAÇÕES – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – I – A associação está legitimada para requerer mandado de segurança coletivo em favor de uma parcela de seus integrantes. Ao certo é que procurou a Impetrante promover a solução de problemas referentes aos direitos de Anistia, conforme o disposto em seu estatuto social, conservando, ao menos, pertinência temática. II – Ausente conjunto probatório capaz de demonstrar a lesão do direito líqüido e certo de membros da associação impetrante. III – Indeferimento do mandamus." (STJ – MS – 6299 – DF – 1ª S. – Relª Minª Laurita Vaz – DJU 29.10.2001 – p. 00177).

Por corolário da legitimação extraordinária atribuída pela própria Carta Magna aos substitutos processuais, não há mais dúvida quanto a desnecessidade de apresentação de mandato judicial ou autorização expressa dos substituídos para que os órgãos coletivos possam defender seus interesses. O e. Supremo Tribunal Federal já se manifestou por várias vezes neste particular (Súmula 629), malgrado algumas decisões do c. Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.

Outra controvérsia já superada pela jurisprudência, prendia-se à necessidade de que os substituídos na ação mandamental coletiva representassem toda a coletividade dos representados pelos órgãos legitimados. Hodiernamente, é plenamente possível a impetração do mandado de segurança coletivo para defesa de interesse de apenas parte do universo de substituídos, ou apenas grupo reduzido destes, desde que haja delimitação expressa e qualificação individual na petição inicial, conforme entendimento cristalizado na Súmula 630 do STF.

Neste contexto, pode-se vislumbrar ação mandamental coletiva proposta por sindicato representativo de trabalhadores em defesa de interesses de um pequeno grupo de seus representados, qualificados e individualizados na peça madrugadora, desde que a situação fática assim autorize. Seria a hipótese de ilegalidade praticada em face de trabalhadores lotados em determinado setor de um órgão público.

Entrementes, muito cuidado deve ter o impetrante quando do ajuizamento do mandado de segurança coletivo em defesa de direitos dos substituídos, não se admitindo a utilização do mandamus nas hipóteses específicas de cabimento da Ação Civil Pública ou da Ação Coletiva, principalmente na defesa de direitos difusos, pois se na ação mandamental é necessário o requisito da pertinência temática em relação aos direitos dos representados, não se há falar em sua impetração na defesa de interesses indivisíveis de um grupo indeterminável de indivíduos (interesses difusos).

A diferença básica entre as hipóteses de cabimento do Mandado de Segurança Coletivo e da Ação Civil Pública é que no remédio heróico são requisitos indispensáveis a demonstração de direito líquido e certo, a produção de prova pré-constituída, afastando a dilação probatória, e, principalmente, que o ato imputado de ilegal seja praticado por autoridade pública, ou quem lhe faça as vezes, não se admitindo o manejamento do mandamus nas relações de trabalho entre particulares.

Já nas ações coletivas lato sensu, despicienda é a demonstração da pertinência temática, da prova pré-constituída, admitindo-se a dilação probatória, e, principalmente, poderá haver sua propositura tanto em relações de trabalho com o poder público quanto com pessoa jurídica de direito privado. Além do mais, nesta ação, um dos legitimados é o d. Ministério Público do Trabalho, que vem desenvolvendo brilhante trabalho nestas situações.

Leciona neste particular o Professor HELY LOPES MEIRELLES [11], conceituando direito líquido e certo e esclarecendo as hipóteses de impetração do mandamus ou cabimento de ação diversa, verbis:

"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.".

Na concessão da liminar em mandado de segurança coletivo são observados os mesmos requisitos do individual, pois a Carta Magna não fez qualquer distinção neste particular. Contudo, o artigo 2° da Lei nº 8.437\92 prescreve que no mandamus coletivo a liminar será concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

Pelas razões ditas algures, de que a Constituição não fez ressalva alguma quanto os requisitos da concessão de liminar em mandado de segurança individual ou coletivo, a meu ver, só deverá o magistrado aguardar as setenta e duas horas para oitiva das informações quando o direito a ser resguardado não possa perecer. Sendo materialmente impossível o aguardo de tempo para chegada das informações, havendo lesão ao direito do impetrante, poder-se-á apreciar a liminar do mandamus coletivo, deferindo-a ou rejeitando-a, antes do tempo concedido ao coator, pois a exigência legal, nestas hipóteses, revela-se notadamente inconstitucional.

No que tange aos efeitos do mandado de segurança coletivo, tem-se aplicável à toda evidência os ditames dos artigos 103 e 104 da Lei nº 8.078\90 (Código de Defesa do Consumidor), que esclarece que os efeitos da decisão podem ser erga omnes ou inter partes, conforme a natureza do direito vindicado, e preceitua não induzir litispendência a tramitação simultânea da ação coletiva e outra individual, esclarecendo que os efeitos da ação coletiva não alcançarão os impetrantes se estes não requererem a suspensão da ação individual no prazo de 30 dias a contar de sua ciência nos autos do mandado de segurança coletivo.

Em obra clássica sobre a temática, o Professor HUGO NIGRO MAZZILLI [12], com a perfulgência que lhe é peculiar, anota:

"O art. 104 do CDC expressamente nega a possibilidade de litispendência entre ações individuais e ações civis públicas ou coletivas para defesa de interesses difusos e coletivos. Na verdade, isso até é óbvio, pois não coincidem partes e pedido, quando se trate, de um lado, de uma ação individual para reparação de danos diferenciados, e, de outro lado, de uma ação coletiva que verse interesses indivisíveis.".

Detalhe também importante é a inexistência de coisa julgada material, que poderia impedir o ajuizamento de nova ação individual ou coletiva, quando o mandado de segurança coletivo for julgado improcedente por insuficiência de provas, ex vi do inciso I do artigo 103 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), autorizando o posterior manejamento de ação com os mesmos pedidos e causa de pedir, desde que o impetrante traga nova prova que possa influenciar no resultado da nova ação.

É a possibilidade da coisa julgada secundum eventum litis.

Lecionando didaticamente, o jovem processualista ALEXANDRE FREITAS CÂMARA [13], adverte quanto aos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas, perfeitamente aplicável na Justiça do Trabalho quando da impetração do mandado de segurança coletivo, principalmente pelo sindicato, ipsis litteris:

"É o seguinte a sistema previsto para a coisa julgada na ‘ação popular’: a sentença que julgar o pedido procedente fará coisa julgada erga omnes, isto é, alcançará não só o autor da demanda como todos os demais membros da coletividade. O mesmo se dará quando o pedido por julgado improcedente, salvo se esta sentença for proferida por insuficiência de provas, hipótese em que a sentença não alcançará a autoridade de coisa julgada substancial. Neste caso, diz a lei, qualquer cidadão (inclusive o mesmo que propôs a primeira demanda) poderá propor ‘ação popular idêntica’, bastando para isto que junte ‘nova prova’.

Trata-se, pois, de sistema que prevê a formação da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, a formação da coisa julgada se dará (ou não) conforme o resultado do processo. A coisa julgada secundum eventum litis, embora tenha sido intensamente criticada pela doutrina clássica, afigura-se como um instrumento essencial à adequada tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos. Pense-se, por exemplo, numa ‘ação popular’ proposta em conluio entre o demandante e um governante que tivesse praticado um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente, não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes, impedindo que qualquer outro membro da coletividade, ainda que de posse de novas provas, atacasse aquele ato. Por esta razão, mostra-se fundamental a utilização do sistema aqui descrito.".

Processualmente, todas as advertências feitas no tópico acima, quanto ao mandado de segurança individual, são aplicáveis ao mandado de segurança coletivo. Referentemente ao remédio constitucional de natureza coletiva, proceder-se-á sempre a integração da norma legal socorrendo-se da analogia, notadamente da legislação pertinente à Ação Civil Pública. O magistrado trabalhista é pródigo na realização da integração de normas, face as várias lacunas constantes na CLT, pelo que não causará qualquer dificuldade a sua aplicação na seara laboral.

Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. O novo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal e a sua aplicabilidade, abrangência e procedimento na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2129, 30 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12724. Acesso em: 23 dez. 2024.

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