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O problema da assistência judiciária, com destaque para o processo trabalhista

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Agenda 01/04/1999 às 00:00

Instituto cuja compreensão é aparentemente bastante singela, a Assistência Judiciária Gratuita, na verdade, não tem sido adequadamente assimilada e aplicada pelos órgãos judicantes.

A assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos - denominada na doutrina jurídica como Assistência Judiciária ou Justiça Gratuita (1) - constitui um direito de qualquer cidadão nessas condições, alçado ao nível de garantia constitucional (art. 5º, LXXIV, da vigente Constituição Federal). Esse direito já existia na ordem jurídica constitucional anterior (CF de 1967/69 e Cartas anteriores), disciplinado na Lei nº 1.060, de 05/02/1950, de modo que não houve necessidade de ser tratado em sede de nova lei infraconstitucional, dada a plena compatibilidade da referida lei com a nova ordem estabelecida na Constituição Federal de 5/10/88, ou seja, ocorreu o fenômeno da recepção (2).

No campo do Processo do Trabalho, infelizmente, tem predominado o equivocado entendimento no sentido de que na Justiça do Trabalho é apenas o trabalhador, autor ou réu em reclamação trabalhista, quem pode ser beneficiado com a assistência judiciária, e, mesmo assim, somente quando estiver assistido por sindicato de sua categoria profissional. Esse entendimento, a propósito, é o que é adotado até mesmo pela mais alta instância do Judiciário Trabalhista, ou seja, o Tribunal Superior do Trabalho. Esta Corte denota nitidamente essa concepção no Enunciado nº 219 da Súmula de sua jurisprudência, nos seguintes termos:

          Enunciado nº 219. Honorários advocatícios. Cabimento. Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15 %, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por Sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (Destaques do autor)

Embora as exigências supra reportem-se à parte, é evidente que se referem ao trabalhador que é parte em processo trabalhista e não ao empregador, pois, nesta última hipótese teria mencionado o sindicato da categoria econômica e não o da categoria profissional, como fez. Enfim, embora nesse seu Enunciado de jurisprudência o TST cuide do tema atinente aos honorários advocatícios, ele deixa bem claro o seu entendimento no sentido de que só o reclamante trabalhador merece o benefício do instituto da assistência judiciária, e, mesmo assim, restringe esse benefício, na medida em que não permite ao trabalhador gozar de assistência judiciária, senão daquela prestada pelo sindicato de sua categoria profissional.

Tal exegese, a propósito, o C. TST mantém mesmo depois da vigência da atual Constituição Federal, pois assim afirma no Enunciado nº 329 da súmula de sua jurisprudência.

Conforme evidenciado linhas atrás, a assistência judiciária integral e gratuita é assegurada no inciso LXXIV do artigo 5º, da Constituição Federal, devendo ser proporcionada a todas e quaisquer pessoas que comprovarem insuficiência de recursos. Como se nota, o texto constitucional não cria distinções, devendo fazer jus ao benefício em tela qualquer pessoa, ou seja, basta comprovar a insuficiência de recursos e o cidadão poderá exigir do Estado que lhe preste a assistência judiciária de modo integral e gratuitamente.


I - A Garantia da Assistência Judiciária nas Leis nºs 1.060/50 e 5.584/70 e na CLT - Confronto com o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal

O Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, trata do benefício da assistência judiciária apenas na Seção III, relativa às custas, especificamente nos §§ 7º e 9º do artigo 789. Segundo esses dispositivos, em se tratando de empregado sindicalizado que não tenha obtido o benefício da justiça gratuita, ou isenção de custas, o sindicato que houver intervindo no processo responderá solidariamente pelo pagamento das custas devidas; e é facultado aos presidentes dos tribunais do trabalho conceder, de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles (3) que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou provarem o seu estado de miserabilidade.

A Lei nº 1.060, de 5/2/50, estabelece que os benefícios da assistência judiciária compreendem a prestação do serviço de advogado, gratuitamente, e a isenção de pagamento de todas as despesas processuais até a solução final da causa, inclusive honorários de perito (arts. 3º e 9º). Esses benefícios são assegurados aos necessitados (art. 1º) brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil e o artigo 4º da lei em apreço estabelece que a parte gozará deles mediante simples afirmação, na própria petição inicial (ou mesmo em petição no curso do processo, cfe. art. art. 6º da L. 1.060/50 e § 9º do art. 789 da CLT), de que não está em condições de pagar as custas do processo e honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família (4). Essa declaração goza de presunção "juris tantum" de veracidade, conforme o § 1º do artigo 4º.

Finalmente, a Lei nº 5.584, de 26 /6/70, nos seus artigos 14 e seguintes, preceitua, em síntese que:

a) na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador, independente de ser este associado do sindicato; quando nas comarcas não houver Junta de Conciliação e Julgamento ou não existir sindicato da categoria profissional do trabalhador, os Promotores Públicos5 ou os Defensores Públicos ficam com o encargo de prestar a assistência judiciária;

b) a assistência é devida a todo trabalhador que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família;

c) a situação econômica (de necessitado) deve ser provada com atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas; ou, na falta de tal autoridade, mediante atestado do Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o empregado;

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d) para auxiliar no patrocínio das causas, poderão ser designados pelas Diretorias dos Sindicatos, acadêmicos de Direito, a partir da 4ª série, comprovadamente matriculados em estabelecimentos de ensino oficial ou sob fiscalização do Governo Federal; e

e) os honorários do advogados pagos pelo vencido reverterão em favor do sindicato assistente.

Examinando-se os três diplomas legais citados, constata-se que a CLT (§ 9º do art. 789) admite a concessão, até mesmo de ofício, pelos Presidentes dos Tribunais Trabalhistas6, do benefício da assistência judiciária (ou justiça gratuita, locução utilizada na CLT para expressar a mesma instituição), independente de maiores formalidades e sem distinção quanto ao beneficiário, que tanto pode ser o trabalhador como o tomador dos serviços. Basta que o postulante evidencie que recebe salário igual ou inferior ao dobro do salário mínimo legal ou, independente disso, prove que ostenta condição de miserabilidade.

Por sua vez, de modo similar, a Lei nº 1.060/50 garante o benefício da assistência judiciária (ou justiça gratuita) para quaisquer necessitados, brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil e estabelece que a parte, para ser contemplada com o benefício, basta declarar a situação de hipossuficiência na forma que estabelece. Ou seja, a citada Lei não restringe o benefício ao trabalhador ou empregado, ou reclamante, de modo que o benefício é para qualquer pessoa que, sendo hipossuficiente na forma da lei, necessite do benefício, independente da sua qualidade (prestador ou tomador de serviços) no processo ou posição que ocupa na relação processual (reclamante ou reclamado).

No entanto, a Lei nº 5.584/70, que dentre outras matérias tratou da assistência judiciária (prevista na Lei nº 1.060/50) aplicada especificamente na Justiça do Trabalho, veio a estabelecer duas discriminações, na medida em que condiciona a concessão desse benefício à sua prestação por meio de sindicato e o restringe apenas aos trabalhadores.

Evidencia-se, pois, aí, flagrante incompatibilidade do disposto na Lei nº 5.584/70 com a garantia insculpida no inciso LXXIV do art. 5º, da Constituição Federal em vigor, posto que este dispositivo constitucional, ao dispor que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, não fixou nenhuma outra exigência ou condição para a concessão do benefício. É claro, pois, que não houve a recepção da Lei nº 5.584/70 pela ordem constitucional instituída com a promulgação da Constituição Federal de 5/10/88, na parte que toca às exigências feitas como condição para o deferimento da assistência judiciária na Justiça do Trabalho. Já no que concerne à Lei nº 1.060/50, percebe-se sua perfeita coerência com o texto do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição vigente, sendo, pois, o regulamento a ser aplicado para efeito de conceder (ou negar) o benefício da assistência judiciária, até que outro, mais adaptado à ordem vigente (a nosso ver, desnecessário), venha a ser aprovado.

Apenas há aparente desacordo da Lei nº 1.060/50 com o inciso LXXIV do artigo 5º, da Constituição Federal, quanto à exigência constante deste último, de comprovação da insuficiência de recursos, mas que naquela (art. 4º, § 1º) é consubstanciada em mera declaração da condição de necessitado, a ser emitida em petição, pela parte interessada em obter o benefício da assistência judiciária. Contudo, não se trata de desarmonia, pois a declaração no sentido de que ostenta a condição de necessitado, feita pela parte interessada, é em si um meio de "comprovação", ou seja, é prova bastante (embora "juris tantum"), tanto assim que, se a emitir falsamente, o declarante arcará com as conseqüências penais, sem prejuízo das providências previstas na própria Lei nº 1.060/50 (suscetibilidade de impugnação ao pedido de concessão da assistência e de sanção consistente em multa, conforme §§ 1º, "in fine" e 2º, do art. 4º e arts. 7º e 8º da mesma Lei).

Quanto à regra da CLT (§ 9º do art. 789)7, trata-se de preceito idêntico ao do art. 4º da Lei nº 1.060/50, de modo que este não foi em nada revogado, em termos de requisitos para o deferimento da assistência judiciária, sobrevindo apenas uma novidade: a permissão aos presidentes "dos tribunais do trabalho", para que defiram de ofício o benefício da assistência judiciária, permissão esta que não existe na Lei nº 1.060/50.

Assim, a única exigência hoje existente para a concessão do benefício da assistência judiciária - inclusive na Justiça do Trabalho - é a declaração do interessado, na petição inicial ou até mesmo no curso do processo, de que se trata de pessoa necessitada, ou porque percebe salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal (ou mesmo nenhuma remuneração), ou porque, mesmo percebendo remuneração superior ao referido patamar, não tem condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo próprio ou da família. Não interessa se o necessitado é autor ou réu na causa, reclamante ou reclamado, bastando deter o "status"de necessitado, pois, muitas vezes, acontece de o demandado ser bem mais necessitado do que o demandante. Tudo isso, sem prejuízo de que o próprio órgão judicial, constatando a pertinência nos termos expostos, conceda de ofício a assistência judiciária.


II - A Problemática da Ausência ou Deficiência dos Serviços Inerentes à Assistência Judiciária, Inclusive a Defensoria Pública: Justiças Comuns Federal e Estadual e Justiça do Trabalho

Outro grande problema que surge para a efetivação da garantia constitucional da assistência jurídica aos necessitados - talvez o principal - é a falta de Defensores Públicos. Mas há, também, falhas de outras ordens, que tornam quase inoperantes os serviços relativos à assistência judiciária.

A Lei nº 1.060/50, no artigo 5º, § 1º, estabelece que, uma vez deferido o pedido de assistência judiciária, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis, o advogado que patrocinará a causa do necessitado. No § 2º do mesmo artigo, dispõe que, se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais; e no § 3º determina que nos Municípios onde não existirem Subseções da Ordem dos Advogados, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado. Chegou o legislador até mesmo ao ponto de estabelecer (§ 4º do art. 5º da L. 1.060/50) que será preferido para a defesa da causa o advogado "que o interessado indicar" (e que declare aceitar o encargo).

Mais tarde, a Lei nº 5.584/70, veio dispor, no artigo 14, que "na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador"; e no artigo 17, que "quando, nas respectivas comarcas, não houver Juntas de Conciliação e Julgamento ou não existir sindicato da categoria profissional do trabalhador, é atribuído aos Promotores Públicos ou Defensores Públicos o encargo de prestar a assistência prevista nesta lei."

O que se percebe nitidamente do conteúdo dos dispositivos legais citados é que o legislador procurou simplesmente transferir para advogados particulares, para os sindicatos ou para o Ministério Público a responsabilidade de advogar para necessitados, em se tratando da Justiça do Trabalho, quando se sabe que os primeiros não estão obrigados a prestar seus serviços gratuitamente; que pouquíssimas categorias têm organização sindical suficientemente estruturada para prestar assistência judiciária; e que a função do Ministério Público é incompatível com o exercício da advocacia.

Ambas as leis, ao tratarem assim como foi exposto o tema da assistência judiciária, afrontam Princípios de Direito (a liberdade de trabalho, por exemplo) e o próprio texto da Constituição Federal, como por exemplo o art. 5º, LXXIV, que diz tratar-se a prestação da assistência jurídica integral e gratuita de um dever do Estado e o art. 128, § 5º, II, "b", que estabelece a vedação aos membros do Ministério Público de exercerem a advocacia.

Cabe, portanto, à União e aos Estados, no âmbito de suas respectivas circunscrições, dar Defensor Público a cada cidadão que não tenha condições econômicas de exercer direito de ação ou de defesa em juízo sob, o patrocínio de advogado particular.

O Congresso Nacional até mesmo aprovou a Lei-Complementar nº 80, de 12/1/94, instituindo a Defensoria Pública da União e criando os cargos da respectiva carreira, entretanto, a União nunca a efetivou, tornando-se referido texto letra morta.

Os Estados constituíram suas Defensorias Públicas, mas, ou por ser insuficiente o número de Defensores Públicos ou por não haver o empenho suficiente por parte destes, ou por outra razão que desconhecemos, é insignificante o número de necessitados que conseguem ter acesso ao patrocínio de sua causa por um Defensor Público do Estado, frente ao número de necessitados que não o conseguem.

A primeira razão que se apresenta é que a maioria dos cartórios da Justiça Estadual constituem concessões públicas para particulares, e a estes não se impõe a aceitação de processos em que figuram como partes beneficiários da assistência judiciária. Nesses cartórios públicos, via de regra, não se respeitam o regimento de custas, cobram-se reiteradas taxas por cada ato do escrivão; os oficiais de justiça, apesar de remunerados pelos cofres do Estado, só realizam as diligências de que são incumbidos mediante o recebimento de propinas por parte dos interessados; e as Corregedorias de Justiça normalmente não punem os serventuários da Justiça que praticam essas falcatruas, talvez, por falta mesmo de colaboração dos advogados, já que estes, mesmo sendo as vítimas mais habilitadas para tanto (as partes e o próprio Estado o são, também), quase sempre preferem não os denunciar ou não fornecer provas contra ditos marginais a angariarem sua antipatia, posto dependerem de tais servidores diariamente, na labuta forense.

Um fator que também agrava o acesso dos pobres à Justiça no âmbito da Justiça Estadual é o próprio desconhecimento do tema por grande parcela dos magistrados, que comumente têm uma visão restrita do Instituto e, não raro, descuidando do texto constitucional, negam o benefício a pessoas efetivamente necessitadas, com base em exigências estapafúrdias não satisfeitas, constantes da legislação já superada. É o caso, por exemplo, do juiz que, sob alegação de que na Comarca funciona serviço de Defensoria Pública organizado pelo Estado, indefere o pedido de assistência judiciária porque o beneficiário está sendo patrocinado por advogado dativo, indicado pela OAB na forma do § 2º do art. 5º, da Lei nº 1.060/50, ou mesmo por advogado particular, e não por Defensor Público. Tal decisão seria absurda, posto que se sabe que o serviço de Defensoria Pública, onde existe, é ineficiente, de modo que não permitir que o necessitado seja patrocinado por outro profissional da advocacia equivale a negar-lhe o acesso a um serviço público em igualdade de condições com os cidadãos que podem recorrer à Justiça às suas próprias expensas.

Outro problema consiste num bestial equívoco, provocado, talvez, pela obediência à Lei nº 5.584/70, a qual dispõe, no seu artigo 17 (a nosso ver inconstitucional), que onde não houver Juntas de Conciliação e Julgamento ou não existir sindicato da categoria profissional a assistência será prestada por promotores ou por defensores públicos. Por isso, há quem justifique que os defensores públicos integrantes da Defensoria Pública Estadual só devem patrocinar a defesa dos pobres perante a Justiça Estadual. Seriam esses profissionais "incompetentes" para atuar na Justiça Federal ou na Justiça do Trabalho, pelo fato de não integrarem a Defensoria Pública da União, o que é uma justificativa absurda, pois incompetência é um atributo relativo só a órgão jurisdicional. O advogado - no caso, Defensor Público – ao ser incumbido da defesa do seu constituinte, não pode escolher o juízo perante o qual deverá atuar, tampouco a lei pode estabelecer tal espécie de limitação; ele patrocina é a defesa do necessitado em juízo, e esta deverá ocorrer onde quer que o processo esteja tramitando. Não fosse assim, uma causa patrocinada no juízo de primeiro grau por um Defensor Público Estadual não poderia continuar a ser patrocinada por ele em grau de recurso, por exemplo, perante o STJ, o que não faz o mínimo sentido.

Além do mais, o promotor público não iria jamais prestar a assistência, pois a ele é vedado o exercício da advocacia; e do mesmo modo não o faria um defensor público, porquanto nas inúmeras comarcas onde não há JCJ, normalmente não funciona, também, serviço de defensoria pública. Em suma, se o art. 17 da Lei nº 5.584/70 for observado cegamente, o pobre ficará privado da assistência judiciária.

Na Justiça Federal comum, a assistência só raramente é prestada, e, ainda assim, por louváveis advogados que, por iniciativa própria, buscam a indicação da OAB, nos termos do § 2º do art. 5º da L. 1.060/50, para defenderem clientes pobres.

Na Justiça do Trabalho é onde a assistência judiciária realmente é prestada com maior amplitude e de maneira mais racional. Como a União não criou a sua Defensoria Pública e como o Estado também não está suprindo essa falta com os seus Defensores Públicos, se tem deferido tranqüilamente, aos necessitados na forma da lei, mesmo quando representados por advogados privados (o que se dá na maioria esmagadora dos casos), o benefício da assistência judiciária.

Não se pode deixar de registrar que, mesmo assim, também na Justiça do Trabalho ainda se praticam certos equívocos quanto ao assunto em exame. Com efeito, conforme mencionado inicialmente, muitos juízos trabalhistas (até mesmo o TST) têm insistido em negar o benefício da Justiça Gratuita com base na condição da parte na relação de trabalho objeto da lide, negando-o para quem é apontado na lide como o tomador dos serviços (empregador ou tachado de tal, em reclamação onde se busca o reconhecimento de vínculo de emprego ou em qualquer outra espécie de ação na Justiça do Trabalho). Também se têm visto decisões no sentido de deferir para o trabalhador apenas a isenção de custas e não isenção de depósito recursal, ou seja, uma assistência jurídica não "integral" nem "gratuita", em afronta à Constituição (art. 5º, LXXIV).

A concessão da assistência judiciária, mesmo quando o postulante está representado por advogado privado, é a solução mais racional para o problema em estudo. O inconveniente que emana disso, no entanto, é a questão dos honorários advocatícios e demais despesas de sucumbência, quando o beneficiário da assistência for vencido na demanda. No entanto, como é o Estado ou a União quem tem o dever de fornecer o Defensor Público, assim como o pagamento das despesas do processo, mas não o faz, é claro que deve sempre arcar com a responsabilidade civil pelos danos decorrentes dessa omissão. Assim, abre-se para o lesado o direito de postular não só do hipossuficiente vencido na demanda os seus danos (gastos com honorários de seu advogado e demais despesas processuais), mas do Estado ou da União, responsável indireto pelos danos que sofreu.

Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O problema da assistência judiciária, com destaque para o processo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1274. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Este texto foi publicado na Revista Gênesis de Direito do Trabalho, nº 1, ano 1999

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