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Efeito direto das normas comunitárias.

Um ensaio sobre o futuro da experiência brasileira

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Agenda 10/05/2009 às 00:00

4CONCLUSÕES

           O efeito direto é, logo, característica das normas comunitárias que se assemelha ao fenômeno da vigência e obrigatoriedade das leis editadas dentro dos limites do Estado.

           Como bem leciona o mestre Caio Mário da Silva Pereira (2004: 119), "uma vez em vigor, a lei é uma ordem dirigida à vontade geral. É obrigatória para todos. Sujeitos à sua obediência e ao seu império todos os indivíduos, sem distinção de categoria social, de nível de cultura ou de grau de inteligência".

           Essa lição poderia perfeitamente explicar o atributo do efeito direto, com uma particularidade. Enquanto a lei referida pelo supracitado autor é elaborada de acordo com o processo legislativo interno, pelas autoridades cuja competência legislativa foi constitucionalmente fixada, as normas comunitárias emanam de órgãos supranacionais e seguem as regras ditadas pelos Tratados Constitutivos da Comunidade.

           Além disso, o fundamento de um e outro fenômeno também é distinto. A vigência das leis se ampara no próprio ordenamento jurídico estatal, que fixa as regras para seu início e fim, a exemplo dos artigos 1º e 2º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42). Por sua vez, o efeito direto das normas comunitárias não se funda em dispositivo expresso ou em outra regra positivada, mas repousa na ideia de supranacionalidade, pela qual algumas das tradicionais competências do aparelho estatal interno passam a ser exercidas com exclusividade pelos órgãos comunitários, com poderes de atribuir direitos e impor obrigações aos sujeitos destinatários de forma autônoma, independentemente de qualquer medida de incorporação ao direito nacional por iniciativa dos órgãos internos.

           Por essa razão que hoje ainda não se pode falar em efeito direto das normas editadas no âmbito do MERCOSUL. A opção pela estrutura intergovernamental da organização induz à necessidade de prévia incorporação ao direito interno, já que, não obstante se verifiquem vantagens na cooperação regional, os países componentes do bloco sul-americano ainda declinam quanto à repartição de suas competências, priorizando o interesse interno face aos objetivos comuns regionais. Não vemos no bloco sul-americano uma Comunidade de Estados sob a égide de um Direito Comunitário, mas uma mera organização internacional regida pelo que convencionamos chamar de Direito Internacional de Integração.


5REFERÊNCIAS

           a)Livros

           ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. Cuiabá: Juruá, 2002.

           CARRILLO SALCEDO, Juan Antonio; PELÁEZ MARÓN, José Manuel. Colección de textos nacionales e internacionales del área de conocimiento de Derecho Internacional público y relaciones internacionales. Sevilla: Secretariado de Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 2006.

           JUCÁ, Francisco Pedro. Parlamento do Mercosul: alterações necessárias à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: LTr, 2002.

           LEAL, Rosemiro Pereira et al. Curso de direito econômico-comunitário: teoria do direito e técnica processual nos blocos econômicos. Porto Alegre: Síntese, 2001.

           PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2004.

           REIS, Márcio Monteiro. Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos estados e os ordenamentos jurídicos nacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

           REZEC, J. F. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

           b)Artigos e Dissertações

           ARIOSI, Mariângela F.. O iter procedimental da recepção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 498, 17 nov. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5943>. Acesso em: 20 out. 2008.

           FONTOURA, Jorge. Limites constitucionais a parlamentos regionais e à supranacionalidade : o dilema dos blocos econômicos intergovernamentais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 40, n. 159, jul./set. 2003. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/886>. Acesso em: 10 nov. 2008.

           LAFER, Celso. Os dilemas da soberania. In: Possibilidades e paradoxos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

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           LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A internalização dos tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição de 1988. 2004. 258 f.. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/PRG_0599.EXE/5836_1.PDF?NrOcoSis=15887&CdLinPrg=pt> Acesso em: 08 nov. 2008.

           LOCATELI, Cláudia Cinara. Mercosul: adoção do modelo supranacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 53, jan. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2486>. Acesso em: 05 nov. 2008.

           NASCIMENTO, Cláudia Lyra. O dilema da incorporação das normas do MERCOSUR no ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 172, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/93272>. Acesso em: 10 nov. 2008.

           c)Legislação

           BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

           _______. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

           PROTOCOLO ADICIONAL AO TRATADO DE ASSUNÇÃO SOBRE A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO MERCOSUL (PROTOCOLO DE OURO PRETO I): 1994.

           TRATADO CONSTITUTIVO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS: 2002.

           TRATADO DE ASSUNÇAO: 1991.


NOTAS

  1. "El proceso de integración se caracteriza por la existencia de organismos supranacionales que fijam, preparan o coordinan normas que han de regir la acción de los Estados integrados. La integración genera una ´comunidad jurídica`, un derecho proprio común que no es un derecho extranjero ni exterior"
  2. Para os defensores da Teoria Monista, seguidores de Hans Kelsen, o direito internacional deve prevalecer sobre o direito nacional e o ordenamento jurídico é visto como um só, tendo no direito internacional sua origem e fundamento, para depois ser complementado pelo direito nacional, que retira do primeiro sua esfera de validade. Já para os dualistas, como Triepel e Anzilotti, as ordens interna e internacional são independentes e possuem natureza e matérias distintas, necessitando de uma norma interna para dar validade a uma norma internacional (MARQUES: 2002).
  3. A autora usa a expressão "aplicabilidade imediata" no sentido empregado neste trabalho de "aplicabilidade direta", antes referido.
  4. Talvez seja esse um dos grandes obstáculos enfrentados para a consolidação do processo integracionista no âmbito do MERCOSUL nos moldes daquele implementado na Europa (não que estejamos afirmando que seja o modelo europeu o ideal ou mais adequado, embora não se possa negar seu valor como guia do processo de integração a ser desenvolvido nas outras regiões do mundo, ajustado às circunstâncias particulares de cada conjunto), visto que na América Latina até hoje os grupos que se formaram com tal objetivo não passaram de organizações com cunho meramente associativo.
  5. O Protocolo de Ouro Preto (Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul) foi assinado em 17 de dezembro de 1994, na cidade de Ouro Preto/MG, Brasil, com vistas a dar cumprimento ao disposto no art. 18 do Tratado de Assunção ("Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões"), tendo definido a estrutura orgânica definitiva do MERCOSUL, instituindo o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC), a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL (CPCM), o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) e a Secretaria Administrativa (SA).
Sobre o autor
Thiago José Milet Cavalcanti Ferreira

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Thiago José Milet Cavalcanti. Efeito direto das normas comunitárias.: Um ensaio sobre o futuro da experiência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2139, 10 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12807. Acesso em: 15 nov. 2024.

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