CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em razão da rigidez da Constituição, foi necessário criar mecanismos para que as leis e normas infraconstitucionais que viessem a ser produzidas não contrariassem o texto constitucional, sob pena de serem declarados inconstitucionais.
Surge então o controle de constitucionalidade, adotando o ordenamento jurídico brasileiro um sistema misto. Conseqüentemente, essa verificação de compatibilidade de normas infraconstitucionais perante a Carta Magna poderá ocorrer tanto de modo abstrato ou concentrado quanto de modo difuso ou concreto.
Diferentemente do controle abstrato, em que a constitucionalidade da norma é verificada em tese, o controle difuso ocorre diante de casos concretos, em que as partes litigantes, de maneira incidental, pedem que se declare determinado ato ou norma inconstitucional naquele caso.
Por essa razão, é que qualquer órgão do Poder Judiciário poderá realizar esse controle de constitucionalidade. Ressalte-se, todavia, que quando a inconstitucionalidade for declarada pelo Tribunal é necessário que o faça pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, conforme regra do art. 97 da Constituição. Entretanto, caso a inconstitucionalidade já tenha sido declarada outrora pelo órgão especial ou pleno do Tribunal ou do Supremo, dispensa-se a aplicação do dispositivo legal supracitado.
Como o controle difuso-incidental ocorre tão somente entre as partes, somente entre elas é que a decisão terá efeito – efeitos inter partes. Já se a decisão for definitiva e emanar do Supremo Tribunal Federal será possível estender os efeitos dessa decisão a terceiros (efeitos erga omnes), mediante a publicação, pelo Senado Federal, de Resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional (art. 52, inc. X da Constituição). Nesse caso, a decisão somente irá gerar efeitos ex nunc, não atingindo situações pretéritas.
Já no caso concreto, os efeitos da decisão irão retroagir, produzindo efeitos ex tunc, já que se adotou o princípio da nulidade da norma, em detrimento do princípio da anulabilidade.
Excepcionalmente, tem se admitido a modulação dos efeitos temporais da norma, já que diante de algumas situações, atribuir efeitos retroativos, poderia ocasionar um caos jurídico, social e econômico. Passou-se, pois, a admitir efeito ex nunc ou pro futuro no controle difuso-incidental de constitucionalidade.
Embora não haja disposição expressa permitindo a modulação dos efeitos, tal como ocorre no controle abstrato de constitucionalidade, sua aplicação é totalmente possível, invocando-se para tanto a aplicação de princípios constitucionais como o da segurança jurídica e do excepcional interesse público.
De qualquer sorte, a aplicação desses princípios deverá ser analisada caso a caso, ponderando-se os efeitos que serão produzidos, através de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Controle de constitucionalidade. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007.
BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
CUNHA JÚNIOR, Dirley. O princípio do "stare decisis" e a decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Leitura complementares de Direito Constitucional: controle de constitucionalidade, p. 73-96. Bahia: Editora JusPodivm, 2007.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
KÜMPEL, Vitor Frederico. Introdução do estudo do Direito: Lei de introdução ao Código Civil e hermenêutica jurídica. São Paulo: Editora Método, 2007.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 10ª ed. São Paulo: Editora Método, 2006.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle de constitucionalidade e a competência do Senado Federal. São Paulo: RT, 1992.
STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni; LIMA, Martonio Mont´Alverne Barreto. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Constitucional. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10253>. Acesso em: 06 nov. 2007.
VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Leitura complementares de Direito Constitucional: controle de constitucionalidade, p. 135-146. Bahia: Editora JusPodivm, 2007.
Notas
- Muitos criticam a expressão "poder" ao se referir a tripartição de Poderes. Isso porque o poder é uno e indivisível. O que se divide são as funções, que são atribuídas a órgãos distintos. Nesse sentido, ressalta Dallari (1998, p. 216) "existe uma relação muito estreita entre as idéias de poder e de função do Estado, havendo mesmo quem sustente que é totalmente inadequado falar-se em uma separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções".
- Com a "tripartição de poderes" surgiu o sistema de freios e contrapesos (checks and balances) como demonstrou de modo preciso Dallari (1998, p. 218), in verbis: "Segundo essa teoria [sistema de freios e contrapesos] os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são atos especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se a emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de suas respectivas esferas de competência".
- Na Câmara dos Deputados a comissão é denominada de "Comissão de Constituição, Justiça e Redação", enquanto no Senado Federal é denominada de "Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania".
- É possível, desde que o parecer pela inconstitucionalidade não for unânime, recurso por parte de pelo menos um décimo dos membros do Senado para que se de prosseguimento ao projeto.
- mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente a abolição da república. Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como e o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a constituição não quer - em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas - que sequer se chegue a deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a constituição. Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fato. Mandado de segurança indeferido (MS 20.257/DF; Rel. Min. Décio Miranda; DJ 27.02.81; p. 1304; j. 08.10.80 – Tribunal Pleno).
- As ações referentes ao controle concentrado de constitucionalidade receberam tratamento legislativo específico através das Leis nº 9.868 e 9.882, ambas de 1999.
- O controle concentrado de constitucionalidade somente apareceu quando da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, então oferecendo nova redação ao artigo 101 da Constituição de 1946.
- Conforme ressaltada alhures, o Brasil adotou um sistema misto ou eclético de controle de constitucionalidade. Sintetizando, adotou-se tanto o modelo difuso, possibilitando a todos os órgãos do Poder Judiciário a realização do controle incidental de constitucionalidade de leis e atos normativos, e concentrado, proveniente dos países europeus continentais, em que o órgão de cúpula do Poder Judiciário realiza o controle abstrato de constitucionalidade das normas jurídicas (ALEXANDRINO, 2007, p. 21).
- Não importa qual a espécie de processo no caso, pois o incidente de inconstitucionalidade poderá ser suscitado tanto em processos de conhecimento, quanto nos de execução ou cautelar.
- CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. O juiz singular pode deixar de aplicar lei inconstitucional; os órgãos fracionários dos tribunais, não - porque, mesmo no âmbito do controle difuso da constitucionalidade, os tribunais só podem deixar de aplicar a lei pelo seu plenário ou, se for o caso, pelo respectivo órgão especial (CF, art. 97), observado o procedimento previsto no artigo 480 e seguintes do Código de Processo Civil, salvo se já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (CPC, art. 481, parágrafo único). Recurso especial conhecido e provido. (REsp 89297/MG, Rel. Ministro Ari Pargendler, TERCEIRA TURMA, julgado em 06.12.1999, DJ 07.02.2000 p. 151).
- A expressão "tribunais" refere-se tanto aos tribunais locais, quanto superiores e o próprio Supremo Tribunal Federal.
- De acordo com a Constituição da República – art. 93, inc. XI, nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno.
- INCONSTITUCIONALIDADE - INCIDENTE - DESLOCAMENTO DO PROCESSO PARA O ÓRGÃO ESPECIAL OU PARA O PLENO - DESNECESSIDADE. Versando a controvérsia sobre ato normativo ja declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da Republica - o Supremo Tribunal Federal - descabe o deslocamento previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito esta na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo (STF – 2ª T; AgR nº 168.149-RS; Rel. Min. Marco Aurélio; j. 26.06.1995; DJ 04.08.1995)
- As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todas e efeitos vinculantes, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração publica, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º da Constituição).
- "Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica. A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do poder público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe — ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos — a possibilidade de invocação de qualquer direito." (ADI 652-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-92, DJ de 2-4-93). No mesmo sentido: ADI 1.434–MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-8-96, DJ de 22-11-1996.
- Lembre-se que o judicial review norte-americano, ao qual se assemelha o controle difuso-incidental de constitucionalidade, segue o princípio do stare decisis, no qual a decisão proferida em um caso concreto pela Supreme Court produz efeitos erga omnes, vinculando a todos.
- Conforme voto proferido no Recurso Extraordinário nº 197.917-SP.
- "1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última".
- O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 é objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade: ADI''s nº 2.154 e nº 2.258, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, pendente de julgamento.
- Conforme voto proferido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 738.689-PR.
- RE nº 197.917-SP
- Conforme voto proferido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 738.689-PR.
- Conforme voto proferido no Recurso Extraordinário nº 197.917-SP
- RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ - PLEITO RECURSAL QUE BUSCA A APLICAÇÃO, NO CASO, DA TÉCNICA DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - IMPOSSIBILIDADE, PELO FATO DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NÃO HAVER PROFERIDO DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PERTINENTE AO ATO ESTATAL QUESTIONADO - JULGAMENTO DA SUPREMA CORTE QUE SE LIMITOU A FORMULAR, NA ESPÉCIE, MERO JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO - NÃO-RECEPÇÃO E INCONSTITUCIONALIDADE: NOÇÕES CONCEITUAIS QUE NÃO SE CONFUNDEM - RECURSO IMPROVIDO. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: TÉCNICA INAPLICÁVEL QUANDO SE TRATAR DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DE ATOS PRÉ-CONSTITUCIONAIS. - A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia "ex tunc" (RTJ 146/461-462 - RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno). Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade - mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 - RTJ 145/339), descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional. (STF – 2ª T.; RE- AgR nº 395.902-RJ; Rel. Min. Celso de Mello; j. 07.03.06; DJ 25.08.06.).
- CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDA-DE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido." (ADI2/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, Julgamento: 06/02/1992, Tribunal Pleno, DJ 21-11-1997).
- "A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual ‘the inconstitutional statute is not law at all’, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição. Razões de segurança jurídica podem revelar-se, no entanto, aptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Não há negar, ademais, que aceita a idéia da situação ‘ainda constitucional’, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro momento fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada. Em outros termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritos estão intimamente ligados. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nulidade e declara-se inconstitucional e ipso jure a lei, com todas as conseqüências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia do Estado? Questões semelhantes podem ser suscitadas em torno da inconstitucionalidade de normas orçamentárias. Há de se admitir, também aqui, a aplicação da teoria da nulidade tout court? Dúvida semelhante poderia suscitar o pedido de inconstitucionalidade, formulado anos após a promulgação da lei de organização judiciária que instituiu um número elevado de comarcas, como já se verificou entre nós. Ou, ainda, o caso de declaração de inconstitucionalidade de regime de servidores aplicado por anos sem contestação. Essas questões — e haveria outras igualmente relevantes — parecem suficientes para demonstrar que, sem abandonar a doutrina tradicional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações. Não se nega o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica)." (RE 364.304-AgR, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-10-06, DJ de 6-11-06).