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A valoração econômica das coisas e o valor jurídico do meio ambiente

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Agenda 24/05/2009 às 00:00

4. O problema sob a ótica do direito do meio ambiente – reflexões sobre a valoração a partir do direito aplicado na reparação e indenização pelos impactos ambientais.

Os elementos da definição jurídica de dano ambiental se encontram no artigo 3º da Lei nº 6.938/1981 [13]. Por eles se entende que dano ou degradação ambiental é a alteração adversa das características do meio ambiente, de tal maneira que prejudique a saúde, a segurança e o bem-estar da população, crie condições prejudiciais às "atividades sociais", afete desfavoravelmente a biota, prejudique "condições estéticas" ou "sanitárias" do meio ambiente ou, por fim, lance rejeitos ou "energia" em desacordo com os "padrões ambientais estabelecidos". [14]

Leite (2003) sugere que a compreensão do que seja dano ambiental deve ser feita numa perspectiva sistêmica, quando meio ambiente não se restringe aos elementos corpóreos e materiais que o compõem - como ar, água, flora, fauna, inorgânicos, etc., mas configura-se como uma teia, onde se processam interferências recíprocas que denotam uma relação de interdependência entre seus componentes. Ou seja, trata-se de uma "entidade dinâmica", cujo complexo de interações proporciona e mantém "a vida", em todas as suas formas.

Daí decorre a caracterização do meio ambiente como "macrobem"; bem unitário, indivisível e de natureza "imaterial", e não se confunde com os "microbens" ambientais, estes corpóreos e partes daquele. Parece ser este o sentido da definição encontrada no termo constitucional e nas regras infraconstitucionais.

Por conseguinte, sob este ponto de vista o meio ambiente é considerado e protegido não somente em função do valor econômico dos elementos materiais que o compõem, mas, especialmente, em razão dos valores intrínsecos por ele abrigados, todos relacionados ao bem-estar e à "qualidade de vida". Desta primeira constatação já é possível concluir que a degradação da qualidade ambiental promove além da lesão aos bens ambientais corpóreos, a violação de "interesse difuso" de natureza não patrimonial.

Sob o ponto de vista jurídico se evidencia, a título de exemplo, que poluição não se restringe aos aspectos estritamente ecológicos da alteração adversa das características ambientais, mas engloba também seus aspectos extrapatrimoniais, relacionados à manutenção do bem-estar e da qualidade de vida. [15] (Derani, 1977)

Da mesma forma podem os danos ambientais desdobrar-se em perdas de natureza pessoal e particular. Assim:

"o dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem" (Leite, 2003).

Dessa idéia (de um determinado dano ambiental afetar não apenas a dimensão material do ambiente) decorre que a definição do quantum é suscetível de avaliação através de perícias, levantamentos econométricos e medições, mas também por juízo sobre os aspectos abstratos e insuscetíveis de apropriação econômica, como o valor de existência dos bens ambientais, o bem-estar e a qualidade de vida usufruídos pela pessoa individual e pela comunidade, ou ainda os "sentimentos coletivos" nutridos por bens integrantes do patrimônio histórico-cultural, étnico, social, tendo-se nessa conjunção a dimensão extrapatrimonial a ser ressarcida [16].

Propondo a reparação não pecuniária dos danos extrapatrimoniais, Schreiber (2007) assinala que

"as infindáveis dificuldades em torno da quantificação da indenização por dano moral revelaram a inevitável insuficiência do valor monetário como meio de pacificação dos conflitos decorrentes de lesões a interesses extrapatrimoniais, e fizeram a doutrina e a jurisprudência de toda parte despertarem para a necessidade de desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação. Tais meios não necessariamente vêm substituir ou eliminar a compensação em dinheiro, mas se associam a ela no sentido de efetivamente aplacar o prejuízo moral e atenuar a importância pecuniária no contexto da reparação".

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Sendim (1998) aponta que a doutrina ao indicar a possibilidade dos indivíduos atribuírem um valor de existência a um bem ambiental pode fundamentar-se "em considerações de várias ordens como, por exemplo, à possibilidade de conservação de bens para a utilização por outros, mesmo que o avaliador não tenha essa possibilidade e a conservação dos bens seja para as gerações futuras.

O conceito de "valor de existência" como um dos métodos aplicados pela economia ambiental decorre da irreversibilidade do dano ambiental, no sentido de que a Natureza, ou bens dotados de valor histórico, étnico e cultural, jamais se repetem. Há a percepção sensorial, no sentido de que houve a regeneração natural ou a depuração da poluição – quando isso for possível - mas, na realidade, os elementos naturais são únicos, possuem um valor intrínseco, irreversíveis e irrecuperáveis. Assim, a extinção de uma área florestada, de um manancial hídrico, de um animal é um fato com conteúdo ético e moral, e não é indenizável pelo pagamento em pecúnia do possível valor de mercado daqueles bens/serviços.

Vale dizer que o reconhecimento do valor de existência foi incorporado à legislação brasileira através do Decreto 4339/2002, que versa sobre a Política Nacional da Biodiversidade. Em seu Anexo, dentre os princípios da referida política, consta:

"XIV – valor de uso da biodiversidade é determinado pelos valores culturais e inclui valor de uso direto e indireto, de opção de uso futuro e, ainda, valor intrínseco, incluindo os valores ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético".


Conclusão

Vimos "valor" como uma dualidade que encontra amplitude na visão multifocal, poderíamos dizer interdisciplinar. Assim valorar in pecunium é eficiente na materialidade da natureza, como solução ad hoc para a reparação, porém precário para transubstanciar valor do que não encontra mercadoria que lhe possa substituir, por que excede a materialidade da unidade para repercutir sobre a totalidade. Pode se pagar pela totalidade?

Na economia ou no direito valoração assume limitude e a solução na esfera do meio ambiente ultrapassa um olhar técnico, dogmático e mono-disciplinar, havendo a necessidade de se adotar noções oriundas de outras áreas do saber, buscando-se atentar para a crise ambiental através de uma visão inter e transdisciplinar, como o conceito jurídico de dano moral – extrapatrimonialidade e o conceito de valoração econômica integrada sugerem.

O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo das técnicas de contabilidade, de avaliação, de planejamento, de gestão, de orçamentação, de participação social, de construção de indicadores de resultados, de auditoria, das modalidades e das utilizações do sentido de crescimento, numa ascendência para a "abordagem do ecodesenvolvimento" e o renomeado "desenvolvimento sustentável" (Sachs, 2004).

A introdução do capital natural na análise econômica cumpre função aplicativa importante já que os custos da degradação ambiental e do consumo de recursos naturais não têm sido adicionados aos processos produtivos (em projetos públicos, quase sempre restritos ao escopo conceitual e pouco concretos em termos orçamentários), avaliando-se os fluxos de estoques naturais e contribuindo para a definição de uma escala sustentável da produção.

No cotidiano dos gestores e tomadores de decisão, assume importância de concretude na medida em que é preciso encontrar medida de materialidade de planejamento com repercussão orçamentária capaz de refletir dotes e repercussões interdisciplinares.

Enfim, no momento em que o sistema econômico criado pelo ser humano não é mais compatível com o sistema ecológico que a natureza oferece, existe a necessidade de uma nova adaptação das relações entre o Homem e a Natureza. Surge dessa maneira a proposta da avaliação econômica do meio ambiente, que, deva ser dito, não tem como objetivo dar um "preço" a certo tipo de meio ambiente e sim e tão somente de demostrar o valor econômico que ele pode oferecer e o prejuízo irrecuperável que pode haver caso seja destruído. Esse é o eixo principal de importância da valoração econômica ambiental.

Se as abordagens de valoração econômica são construídas sobre base utilitária, antropocêntrica, os recursos naturais adquirem valor na medida em que as pessoas os desejam; antropocêntricos, pois são as pessoas que estão designando os valores. Como vimos, óticas tão lúcidas recusam a atribuir valor econômico à biodiversidade, bem como, de submeter tudo às leis do mercado, entendendo que talvez de se perceber que há coisas que o capital não pode comprar ou recuperar.

É o prestígio do valor intrínseco de bem ambiental. Nessa direção avança a aplicação dos conceitos jurídicos de dano ambiental, moral, extrapatrimonial. É a meta-fim da valoração integrada que a economia ambiental sugere.

Não por outra razão já se julga que basta a "equivalência razoável", não é necessária exatidão (Supremo Tribunal Federal, Rep. Inconstit. Nº 1.077/84, Rel. Ministro Moreira Alves).

Possivelmente, pelo mesmo sentido, (ainda que possa sugerir sentido contrário) que o Ministro Nelson Jobim, na Petição 1347-4, São Paulo, tenha suspendido a exigibilidade de precatório em questão de indenização a particular que teve propriedade transformada em estação ecológica face ao valor desproporcional ao valor do mercado. Tratava-se de 600 ha "nas escondes, carpas da Serra do Mar", avaliadas em dez milhões de dólares pela especulação imobiliária de territórios litorâneos ocupados por comunidades tradicionais.

O desafio aqui é, como em Trepl (2002), tornar claro que existem "seres" e "comunidades" cujo modo específico de existência com relação aos outros, assim como "corpo" de um lado e "espírito" de outro consiste em que eles, numa troca contínua com o meio ambiente, criam e modificam a si, por sua vez, as comunidades desses seres em conjunto se relacionam dessa forma com o seu meio ambiente, tornando certos impactos ambientais realmente irreparáveis e impagáveis.

E por fim, sugerimos que a solução da reparação do dano no direito aplicado serve-se bem dos métodos de valoração, no entanto, em certo ponto segue caminho diverso, como numa bifurcação com a economia e outras ciências. Essa bifurcação se faz precisamente na complexidade e interdisciplinaridade que a "extrapatrimonialidade" e o "dano moral" sugerem, e que os métodos de valoração econômica por si não podem alcançar.


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Notas

  1. Pelos cálculos de Constanza o valor econômico global (estimado para os bens e os serviços ambientais da biosfera) variou na faixa de 16 a US$54 trilhões/ano, com média de US$33 trilhões/ano. O maior valor atribuído foi de US$ 14.785, correspondente aos banhados e as terras úmidas. Para o oceano aberto e a floresta tropical foram atribuídos os valores de 252 e US$ 2.007, respectivamente. Algo em torno de 63% (US$20,9 trilhões) do valor global do capital natural foi associado aos habitats marinhos, sendo que a metade desse valor às áreas costeiras.
  2. Fonte: Nature 387, 253 - 60 (15 May 1997); doi:10.1038/387253a0 – http://www.nature.com/cgi- taf/DynaPage.taf?file=/nature/journal/v387/n6630/abs/387253a0.html&dynoptions=doi1069270202

  3. Art. 170 in literis: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
  4. (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (grifo meu)

  5. Art. 225 in literis: "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
  6. Furtado, Celso. 1974. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra
  7. Amartya Sen. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo:Companhia das Letras, 1999.
  8. Segundo dados da UniWorld, agência de publicidade associada ao grupo britânico de marketing WPP, citado por J. Eli da Veiga (2008:36).
  9. Inacy Sachs nota de prefácio para a obra: "Desenvolvimento sustentável – desafio do século XXI" de José Eli da Veiga, Rio de Janeiro, Garamond, 2005, 200p.
  10. No artigo "Valor ambiental em uma perspectiva heterodoxa institucional-ecológica, acessado em 17/11/2008 no site: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A182.pdf
  11. Foucault, M. Die Ordnung der Dinge. Frankfurt/Main. 1974.
  12. EISEL, U. "Die Entwiclung de Antropogeographie Von einer Raumwissenschaft zur Gesellschaftwissenschaft". Urbs et Regio, 17, 1980, 690p.
  13. Leibniz usa constantemente a expressão substância simples quando se refere à mónade. Cada mónade apresenta-se, neste sentido, como um mundo distinto, à parte, próprio - mas também como unidade primordial que compõe todos os corpos. conceito-chave na filosofia de Leibniz. No sistema filosófico deste autor, significa substância simples - do grego μονάς, μόνος, que se traduz por "único", "simples". Como tal, faz parte dos compostos, sendo ela própria sem partes e portanto, indissolúvel e indestrutível.
  14. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
  15. NBR 8.969/1985.
  16. CRISTIANE DERANI avalia a abrangência da expressão ‘qualidade de vida’ no ordenamento jurídico brasileiro e nela identifica "dois aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e espiritual".
  17. Cumpre diferenciar as situações de dano extrapatrimonial difuso daquelas, muitas vezes constatadas no cotidiano, associadas a interesses individuais homogêneos, como é o caso de poluição sonora desencadeada por uma casa noturna, afetando a qualidade de vida da vizinhança. Não há dúvidas de que haverá dano extrapatrimonial a ser ressarcido, mas trata-se de dano individual, ainda que possa ser tutelado pela via de uma ação civil pública. Nessa hipótese, o pedido formulado na ação será genérico e, posteriormente, os lesados, valendo-se do efeito erga omnes da sentença procedente, liquidarão seus danos individuais, na forma do Código de Defesa do Consumidor. Entendemos que no dano extrapatrimonial difuso, os lesados são indetermináveis e o bem lesado é indivisível e inapropriável.
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEILERT, Villi Fritz. A valoração econômica das coisas e o valor jurídico do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2153, 24 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12874. Acesso em: 23 dez. 2024.

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