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Cassação de liminar em mandado de segurança em matéria fiscal e o sobreprincípio da segurança jurídica

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Agenda 01/10/2000 às 00:00

4. OS EFEITOS DA LIMINAR CASSADA - APROVEITABILIDADE

Indagamos: - relativamente aos efeitos da liminar concedida em mandado de segurança, para autorizar o contribuinte a deixar de recolher tributos ou a proceder os recolhimentos tributários em data diversa da exigida por nova lei, desaparecem totalmente se for a liminar cassada, revogada ou tornada sem efeito? É óbvio que não! Eles cessam de imediato, mas validam o procedimento do contribuinte tutelado pela liminar, ao tempo em que esta vigeu.

Assim, não recolhido o tributo e vindo a ser considerado devido, haverá o contribuinte de efetuar seu recolhimento, porém sem incidência de multa.

Se já o recolheu, está quite com o fisco e com maior razão não pode ser apenado por recolhimento em atraso.

É o que ressalta HELY LOPES MEIRELLES, ao apreciar o retorno da situação factual albergada pela medida liminar ao seu estado inicial, quando da cassação ou cessação daquela:

Mas, se no período da suspensão liminar (ou sentença concessiva da segurança, posteriormente reformada) forem praticados atos geradores de direito subjetivo para o impetrante ou para terceiros, ou consumadas situações definitivas, tais atos e situações deverão ser considerados válidos e subsistentes, pois se constituíram ao amparo de uma ordem judicial eficaz durante a sua vigência. Nesse sentido, em diferentes casos, vejam-se: STF, RTJ 33/280, 33/501, 41/251, 41/593, 41/857, 87/722, 104/1.284; RDA 114/288, 134/217, 119/828; TFR, no Agr. 39.074-RN, DJU de 7.11.1979, pág. 8.333.(22)

Esse mesmo entendimento é repetido em Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que embora tenha versado sobre outra matéria, comporta o mesmo enfoque jurídico no que tange à aproveitabilidade dos efeitos da decisão cassada, enquanto a mesma vigeu e tutelou o Impetrante:

Os atos apontados na impetração, que obstaram a classificação e nomeação do Impetrante se caracterizam como violadores de seu direito líquido e certo, na consideração de que o acesso a cargo público não pode ser vedado por motivo de idade, ressalvados os casos que a própria Constituição menciona (Art. 7º., XXX, c/c o Art. 39, parágrafo 2º.).

Por outro lado, a cassação da liminar do mandado de segurança coletivo, que havia suspendido os efeitos do critério de limitação etária, imposta no Edital de Concurso, em nada pode afetar a situação do impetrante que, desde sua inscrição até a divulgação dos aprovados no concurso, não tivera sua participação condicionada ao despacho concessivo daquela liminar, em caráter oficial e formal.

Vale dizer, então, que a seu favor constituíram-se situações definitivas, que no dizer do consagrado mestre HELY LOPES MEIRELLES "deverão ser consideradas válidas e subsistentes, pois se constituíram ao amparo de uma ordem judicial eficaz durante a sua vigência". Segurança Concedida. (23)

No mesmo sentido o Ac. 1769, proferido no MS 0024749400, sendo relator o Des. Silva Wolff, por maioria - Julg. 07/05/93.

Este, justamente, o entendimento unânime dos Conselhos de Contribuintes, cujas decisões merecem transcrição:

Não incorre em mora o contribuinte que não efetuou pagamento de tributo em tempo próprio em razão de expressa ordem judicial, que suspendeu a sua exigibilidade. (Acórdão 301-28360, Processo 10907.000046/96-11 3o C.C., 1a Câm. - rel. Márcia Regina Machado Melaré, publ. DOU 29.07.98, pág. 30)(24)

Recolhimento regular do crédito tributário após cassação de liminar em mandado de segurança, interposto anteriormente à ocorrência do fato gerador, ilide as multas de ofício. (Ac. 301-28565, Processo 11131.000588/96-84 - 3o C.C., 1a Câm., Rel. Isalberto Zavão Lima, publ. DOU 29.07.98, pág. 31).

A Jurisprudência inclina-se para a mesma concepção jurídica, desde longa data, conforme se ilai do contundente acórdão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, proferido no Agravo em Mandado de Segurança nº. 44.595 (Diário da Justiça da União, de 23.09.68, p. 3.724):

A imposição de multa em matéria tributária supõe a existência de fraude, a tentativa de sonegação. Não há, como, pois, admitir a sua aplicação ao contribuinte que deixou de recolher o imposto sob o amparo de medida judicial oportunamente requerida, ainda que a decisão venha a ser mais tarde reformada (ementa).

Essa orientação se repete nos mais recentes escólios doutrinários, como bem observa o Prof. HUGO DE BRITO MACHADO, em invulgar artigo publicado pela Revista de Direito Tributário, acerca do Mandado de Segurança e Consulta Fiscal, in verbis:

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Estabelece, ainda, o art. 50, do mencionado Decreto (70.235), que "a decisão de segunda instância não obriga ao recolhimento de tributo que deixou de ser retido ou autolançado após a decisão reformada e de acordo com a orientação desta, no período compreendido entre as datas de ciência das duas decisões. Isto significa que em se tratando, por exemplo, de imposto de renda na fonte, ou dos tributos objeto do denominado lançamento por homologação, impropriamente aí ditos tributos autolançados, a decisão de primeira instância, favorável do contribuinte consulente, produz efeitos que não são afetados em virtude de sua reforma.(25)

A vedação da imposição tributária, no caso vertente, segue uma regra conceitual que revela um princípio do Direito Tributário, flagrantemente violado pelas autuações levadas a efeito nos casos sob comento, fruto de uma interpretação errônea, atécnica e contrária ao sistema, levada a efeito pelos agentes fiscais, que não raro desconhecem o sentido teleológico das leis e realizam uma exegese empírica calcada em presunções e ficções incoerentes com o ordenamento jurídico e os princípios que o alicerçam.

ROQUE ANTONIO CARRAZZA lança ponderadas observações sobre esta triste realidade, quando diz: "É certo que o Direito Tributário admite ficções, presunções e indícios. É igualmente certo, todavia, que não pode ignorar os princípios constitucionais, que formam o que Louis Trotabas chamava de Estatuto do Contribuinte, especialmente o da tipicidade fechada.

"Os tipos tributários como que fecham a realidade tributária, não podendo ser alargados por meio de presunções, ficções ou meros indícios. É inadmissível que o agente fiscal abra aquilo que o legislador, atento aos ditames constitucionais, cuidadosamente fechou. (...) Logo, o lançamento e o auto de infração também estão sob a égide da segurança jurídica, com os seus consectários (estrita legalidade, tipicidade fechada, ampla defesa, etc.). Enquanto edita estes atos administrativos, o Fisco não pode, sob pena de nulidade, adotar critérios próprios (subjetivos), no lugar dos legais." (26)

No contexto geral que alinhavamos, salta aos olhos a injustiça e ilegalidade dos lançamentos sob análise, uma vez que as empresas contribuintes, ao recolher os tributos amparadas por tutela judicial específica e previamente intentada, não laboraram em fraude ou tentativa de sonegação, e muito menos imbuídas de má-fé ou sob o artifício de qualquer outro expediente temerário ou ilegal, e por carecerem aqueles, de uma perfeita descrição hipotética que amolde a exigência ao fato jurídico.


5 - CONCLUSÃO

As liminares concedidas pelo Poder Judiciário prestam-se a garantir ao contribuinte a segurança do ato praticado, ficando este albergado por um manto de legalidade e autorização.

É o postulado da segurança jurídica que se opera nesse contexto e que não pode ser relegado a um plano de inferioridade, nem fazer-se desconsiderado. A posterior reforma ou cassação da liminar, não retira do ato praticado esse caráter de legalidade.

A liminar produz efeitos e tem eficácia temporal restrita, razão pela qual, durante sua vigência, o recolhimento de contribuições ou qualquer outra imposição de caráter tributário não está sujeito a encargos de mora e outros consectários dela decorrentes, vez que não há como falar-se em prática de infração.

Da mesma forma, se o contribuinte deixa de recolher tributo com amparo em liminar concedida em mandado de segurança, caso revogada ou cassada a medida, com reconhecimento expresso da legalidade da exigência tributária, deve recolher os tributos devidos sem qualquer penalidade ou agravamento da exação por multa, juros de mora ou correção monetária.

Desta forma, toda autuação e conseqüente lançamento levado a efeito pelos agentes fiscalizadores, destinados a apenar o contribuinte que gizou seu proceder ao amparo da proteção judicial liminar, revestem-se de nulidade plena e devem ser desconstituídos, por ofender o sobreprincípio da segurança jurídica e afrontar diretamente as decisões emanadas do Poder Judiciário.

Ademais, para poder ser exigido o tributo, há que existir uma hipótese de incidência tributária, desenhada pelo legislador, que contenha uma exaustiva descrição dos pressupostos tributários, o que não se verifica no caso sob estudo.

No que tange às penalidades decorrentes da mora, a revogação ou cassação da medida liminar opera efeitos "ex nunc", não possuindo o condão de retroagir para deixar ao desamparo o contribuinte que recebeu inicialmente, com a liminar, autorização para agir legalmente dentro dos parâmetros ditados pela medida concedida.

O Poder Judiciário, como guardião da segurança jurídica, constitucionalmente assegurada a todo cidadão, deve velar pelas ações irregulares do fisco, coibindo os desmandos praticados contra a efetividade de suas decisões.


6.NOTAS

1. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 100.

2. Id., p. 103

3. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 214.

4. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 68-69.

5. DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 119.

6. No caso em tela, algumas particularidades pitorescas se verificaram. O órgão fiscalizador, em um rompante de criatividade antijurídica, entendeu que o mandado de segurança (impetrado vários meses antes da lavratura dos autos de infração e lançamento, que na verdade decorreram do próprio julgamento daquela ação), importou em "renúncia pelo contribuinte à via administrativa" e determinou a inclusão dos processos em cobrança executiva. A batalha jurídica que se instalou, decorrente dessa decisão absurda durou pelo menos três anos, para só então, anulados todos os atos praticados, retornar o processo à instância administrativa para ter seu seguimento restabelecido e voltar a tramitar na via "interna corporis" do Instituto. Como se percebe, o mandado de segurança jamais discutiu a dívida, que ainda não existia, posto que originou-se do julgamento da ação. Como, então, entender que a impetração, que visava apenas garantir a continuidade dos recolhimentos na data em que vinham sendo efetuados até então, pudesse importar em renúncia à via administrativa da defesa tempestivamente apresentada, contra auto de infração e lançamento que somente foi lavrado depois do julgamento daquela impetração? A resposta a tal questionamento prende-se ao despreparo técnico dos agentes fiscais, para atuar no campo da hermenêutica. Aliás, temos defendido que ao agente fiscal não é dado interpretar o direito. Ou há violação à norma ou há dúvida. Havendo dúvida, deve primeiro manifestar-se o Judiciário, para dizer o direito.

7. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 30.

8. Idem, p.21-32.

9. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de direito administrativo, pp. 450 e 451, "in" SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 18. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 95.

10. NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 78.

11. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 75.

12. VILLEGAS, Héctor B. Principio de seguridad jurídica en la creación y aplicación del tributo. Cadernos de Direito Tributário, v. 66, p. 7. São Paulo: Malheiros.

13. CARVALHO, Paulo de Barros. O Princípio da Segurança Jurídica. Revista de Direito Tributário, v. 61, p. 89.

14. BORGES, Souto Maior. Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo. Revista de Direito Tributário, v. 64, p. 206.

15. FERREIRA, Dâmares. Breves considerações sobre taxas e preços. Internet: www.temis.com.br e www.jurid.com.br

16. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998, p. 13-14.

17.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 407.

18. MACHADO, Hugo de Brito. As Liminares e o Direito de Lançar Tributo. Revista de Direito Tributário, Malheiros, v. 68, p. 47.

19. Não ingressaremos, nesta órbita, na discussão quanto à natureza jurídica desse ato, se de lançamento ou mero ato administrativo impositivo de pena, limitando-nos a assinalar a existência da controvérsia. Ver, a propósito, PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributário, 12. ed., pp. 378-381.

20. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 14. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p.299.

21.BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 260.

22. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 13. ed. São Paulo: RT, 1989, p. 57.

23. TJ/PR - MS (OE) 0024888600 - Curitiba - Ac. 1751, Des. Adolpho Pereira - Órgão Especial, m.v. - Julg: 07/05/93 - coletado do Sistema de Jurisprudência do Tribunal, via Renpac.

24. No mesmo sentido, Processo 13805.007049/96-95, Ac. 101-92.042, 1o C.C., 1a Câm., rel. Francisco de Assis Miranda, DOU, I, 03/07/1998, p. 22)

25. MACHADO, Hugo de Brito. Revista de Direito Tributário, v. 61, Malheiros, 1994, p. 110.

26. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 14. Ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 314-315.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.

BORGES, Souto Maior. Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo. Revista de Direito Tributário, v. 64, p. 206

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 14. Ed., São Paulo: Malheiros, 2000.

CARVALHO, Paulo de Barros. O Princípio da Segurança Jurídica. Revista de Direito Tributário, v. 61, 1994, p. 89.

_____. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1999.

DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989.

MACHADO, Hugo de Brito. As Liminares e o Direito de Lançar Tributo. Revista de Direito Tributário, Malheiros, v. 68, p. 47.

_____. Mandado de Segurança e Consulta Fiscal. Revista de Direito Tributário, v. 61, Malheiros, 1994, p. 110.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 13. ed. São Paulo: RT, 1989.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Revista de Direito Público, 15/284.

NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

VILLEGAS, Héctor B. Principio de seguridad jurídica en la creación y aplicación del tributo. Cadernos de Direito Tributário, v. 66, p. 7. São Paulo: Malheiros.

Sobre o autor
Helder Martinez Dal Col

Advogado e Professor no Paraná, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COL, Helder Martinez Dal. Cassação de liminar em mandado de segurança em matéria fiscal e o sobreprincípio da segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1292. Acesso em: 23 dez. 2024.

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