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A presunção de liquidez, certeza e exigibilidade da dívida tributária ante à limitada cognição exercida nos órgãos judicantes da Administração Pública

Agenda 06/06/2009 às 00:00

Conforme dispõe o artigo 204 do código Tributário Nacional, bem como o artigo 3º, parágrafo único, da Lei 6.830/80, a dívida tributária regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

A assertiva acima externada guarda vínculo com o que prescreve o artigo 586 do Código de Processo Civil, segundo o qual, para que seja instaurada a execução por um determinado crédito, devem estar presentes os atributos de (i) certeza, que delimita os sujeitos da relação, a natureza do direito e o objeto devido, (ii) liquidez, a qual fez inferir o quantum debeatur da cobrança, e (iii) exigibilidade, cujo pressuposto é resultado dos demais atributos.

Contudo, diversamente dos demais títulos executivos extrajudiciais, a certidão da Dívida Ativa é formada mediante uma progressão de atos unilaterais praticados pelas Fazendas Públicas, as quais, em tese, deveriam controlar a legalidade de seus atos.

Nesse sentido é que se faz imperiosa a oportunidade de ser instaurado um processo administrativo contencioso, no qual o suposto devedor se insurge contra a cobrança tributária, conforme também corrobora MISABEL MACHADO DERZI na atualização da obra do mestre ALIOMAR BALEEIRO [01]: "(...) é imprescindível prévio procedimento administrativo contencioso, no qual o sujeito passivo tenha oportunidade de impugnar e questionar a pretensão fazendária."

Entrementes, considerando a restrita cognição exercida pelos órgãos judicantes da administração tributária, os quais ficam adstritos aos conteúdos normativos emanados por veículos introdutores infralegais, como portarias, resoluções, instruções normativas etc, e tolhidos de efetuar qualquer análise constitucional dos temas submetidos a julgamento, revela-se a total insubsistência da presunção que deveria eivar a Dívida Ativa.

Destaca-se que controle efetuado pelos órgãos administrativos, sob o pretexto de que a apreciação de validade da norma é atribuição afeta do Judiciário, invariavelmente acaba deixando de lado alguns elementos valiosos para legitimar uma cobrança tributária, como o confronto da exigência com princípios constitucionais, competências ativas etc.

Assim, sem essa análise constitucional, o aspecto de validade da norma resta suprimido de qualquer análise, negando-se a própria subsistência da dívida. Com o intuito de comprovar esse descalabro, segue um exemplo dessa restrição cognitiva no parágrafo único do artigo 53 da Lei Paulistana nº 14.107/2005: "Parágrafo único. Não compete ao Conselho Municipal de Tributos afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade"

Ora, se incabível afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade, totalmente inócuo o controle prévio exercido pela Administração e, por consequência, abalada a presunção que deveria eivar o título executivo.

Verifica-se, portanto, que essa restrição permite a exigência de uma suposta dívida incongruente com as demais normas do ordenamento, obrigando que o contribuinte, com o intuito de se defender da exigência fiscal, onere seu patrimônio para embargar a cobrança judicial, dada a restrição das matérias que podem ser ventiladas em sede de exceção de pré-executividade.

Isso porque somente matérias de ordem publica, as quais são passíveis de serem reconhecidas de plano pelo magistrado, e nulidades absolutas podem ser arguidas na referida modalidade de defesa:

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO REGIMENTAL – MATÉRIA DE DEFESA: PRÉ-EXECUTIVIDADE – ILEGITIMIDADE PASSIVA – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE.

1. Doutrinariamente, entende-se que só por embargos é possível defender-se o executado, admitindo-se, entretanto, a exceção de pré-executividade.

2. Consiste a pré-executividade na possibilidade de, sem embargos ou penhora, argüir-se na execução, por mera petição, as matérias de ordem pública ou as nulidades absolutas.

3. A tolerância doutrinária, em se tratando de execução fiscal, esbarra na necessidade de se fazer prova de direito líquido e certo, exceto se a questão da ilegitimidade ou da prescrição for constatável de plano.

4. Hipótese em que o Tribunal local entendeu não haver provas pré-constituídas capazes de ensejar de plano a extinção da execução.

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag 1074389/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 17/03/2009)

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Nesse contexto, o confronto de uma dada exigência fiscal com as demais regras do ordenamento, o que muitas vezes não podem ser dirimidas de plano pelo magistrado, somente seria passível de análise após oposição de embargos pelo executado, mediante garantia da suposta dívida.

Veja-se o absurdo: a formação da CDA, título unilateralmente constituído pela Fazenda, contempla débitos que nunca poderiam ser exigidos, e que, ao mesmo tempo, somente podem ser afastados pela constrição do patrimônio do suposto devedor, prejudicando o equilíbrio financeiro de suas atividades sociais.

Por conta disso, há que ser relativizado o impedimento de se apresentar exceções de pré-executividade para alguns casos, oportunizando-se que o suposto devedor, valendo-se de prova inequívoca, afaste a presunção de certeza e liquidez da Dívida Ativa, conforme nos ensina o professor CANDIDO RANGEL DINAMARCO [02]:

(...) a aceitação em tese das objeções de pré-executividade constitui o reconhecimento de que não seria legítimo deixar invariavelmente aberto o campo para execuções desprovidas de requisitos indispensáveis, com a possibilidade de exercer constrições sobre o patrimônio de um sujeito, e o ônus, imposto a este de oferecer embargos depois

Essa possibilidade está prevista também no parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 6.830/80, segundo o qual a presunção de liquidez e certeza da Dívida Ativa pode ser ilidida pelo executado mesmo sem a necessidade de qualquer garantia.

Assim, mesmo que se admita a posição cômoda de o Fisco ver tudo a sua presunção, há que ser autorizado que os contribuintes defendam seus interesses de forma plena, consubstanciando-se a ampla defesa contra descabidas exigências administrativas e, mais especificamente, fiscais.


Notas

  1. BALEEIRO, Aliomar, in "Direito Tributário Brasileiro", 11º Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1999.
  2. DINAMARCO, Candido Rangel, in "Instituições de direito processual civil", Ed, Malheiros, 2004, p. 715
Sobre o autor
Fernando Beltrão Lemos Monteiro

advogado em São Paulo (SP), pós-graduando em Direito Tributário (COGEAE) e Direito Civil (IASP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Fernando Beltrão Lemos. A presunção de liquidez, certeza e exigibilidade da dívida tributária ante à limitada cognição exercida nos órgãos judicantes da Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2166, 6 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12938. Acesso em: 23 dez. 2024.

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