Conforme dispõe o artigo 204 do código Tributário Nacional, bem como o artigo 3º, parágrafo único, da Lei 6.830/80, a dívida tributária regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.
A assertiva acima externada guarda vínculo com o que prescreve o artigo 586 do Código de Processo Civil, segundo o qual, para que seja instaurada a execução por um determinado crédito, devem estar presentes os atributos de (i) certeza, que delimita os sujeitos da relação, a natureza do direito e o objeto devido, (ii) liquidez, a qual fez inferir o quantum debeatur da cobrança, e (iii) exigibilidade, cujo pressuposto é resultado dos demais atributos.
Contudo, diversamente dos demais títulos executivos extrajudiciais, a certidão da Dívida Ativa é formada mediante uma progressão de atos unilaterais praticados pelas Fazendas Públicas, as quais, em tese, deveriam controlar a legalidade de seus atos.
Nesse sentido é que se faz imperiosa a oportunidade de ser instaurado um processo administrativo contencioso, no qual o suposto devedor se insurge contra a cobrança tributária, conforme também corrobora MISABEL MACHADO DERZI na atualização da obra do mestre ALIOMAR BALEEIRO [01]: "(...) é imprescindível prévio procedimento administrativo contencioso, no qual o sujeito passivo tenha oportunidade de impugnar e questionar a pretensão fazendária."
Entrementes, considerando a restrita cognição exercida pelos órgãos judicantes da administração tributária, os quais ficam adstritos aos conteúdos normativos emanados por veículos introdutores infralegais, como portarias, resoluções, instruções normativas etc, e tolhidos de efetuar qualquer análise constitucional dos temas submetidos a julgamento, revela-se a total insubsistência da presunção que deveria eivar a Dívida Ativa.
Destaca-se que controle efetuado pelos órgãos administrativos, sob o pretexto de que a apreciação de validade da norma é atribuição afeta do Judiciário, invariavelmente acaba deixando de lado alguns elementos valiosos para legitimar uma cobrança tributária, como o confronto da exigência com princípios constitucionais, competências ativas etc.
Assim, sem essa análise constitucional, o aspecto de validade da norma resta suprimido de qualquer análise, negando-se a própria subsistência da dívida. Com o intuito de comprovar esse descalabro, segue um exemplo dessa restrição cognitiva no parágrafo único do artigo 53 da Lei Paulistana nº 14.107/2005: "Parágrafo único. Não compete ao Conselho Municipal de Tributos afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade"
Ora, se incabível afastar a aplicação da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade, totalmente inócuo o controle prévio exercido pela Administração e, por consequência, abalada a presunção que deveria eivar o título executivo.
Verifica-se, portanto, que essa restrição permite a exigência de uma suposta dívida incongruente com as demais normas do ordenamento, obrigando que o contribuinte, com o intuito de se defender da exigência fiscal, onere seu patrimônio para embargar a cobrança judicial, dada a restrição das matérias que podem ser ventiladas em sede de exceção de pré-executividade.
Isso porque somente matérias de ordem publica, as quais são passíveis de serem reconhecidas de plano pelo magistrado, e nulidades absolutas podem ser arguidas na referida modalidade de defesa:
TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO REGIMENTAL – MATÉRIA DE DEFESA: PRÉ-EXECUTIVIDADE – ILEGITIMIDADE PASSIVA – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE.
1. Doutrinariamente, entende-se que só por embargos é possível defender-se o executado, admitindo-se, entretanto, a exceção de pré-executividade.
2. Consiste a pré-executividade na possibilidade de, sem embargos ou penhora, argüir-se na execução, por mera petição, as matérias de ordem pública ou as nulidades absolutas.
3. A tolerância doutrinária, em se tratando de execução fiscal, esbarra na necessidade de se fazer prova de direito líquido e certo, exceto se a questão da ilegitimidade ou da prescrição for constatável de plano.
4. Hipótese em que o Tribunal local entendeu não haver provas pré-constituídas capazes de ensejar de plano a extinção da execução.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 1074389/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 17/03/2009)
Nesse contexto, o confronto de uma dada exigência fiscal com as demais regras do ordenamento, o que muitas vezes não podem ser dirimidas de plano pelo magistrado, somente seria passível de análise após oposição de embargos pelo executado, mediante garantia da suposta dívida.
Veja-se o absurdo: a formação da CDA, título unilateralmente constituído pela Fazenda, contempla débitos que nunca poderiam ser exigidos, e que, ao mesmo tempo, somente podem ser afastados pela constrição do patrimônio do suposto devedor, prejudicando o equilíbrio financeiro de suas atividades sociais.
Por conta disso, há que ser relativizado o impedimento de se apresentar exceções de pré-executividade para alguns casos, oportunizando-se que o suposto devedor, valendo-se de prova inequívoca, afaste a presunção de certeza e liquidez da Dívida Ativa, conforme nos ensina o professor CANDIDO RANGEL DINAMARCO [02]:
(...) a aceitação em tese das objeções de pré-executividade constitui o reconhecimento de que não seria legítimo deixar invariavelmente aberto o campo para execuções desprovidas de requisitos indispensáveis, com a possibilidade de exercer constrições sobre o patrimônio de um sujeito, e o ônus, imposto a este de oferecer embargos depois
Essa possibilidade está prevista também no parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 6.830/80, segundo o qual a presunção de liquidez e certeza da Dívida Ativa pode ser ilidida pelo executado mesmo sem a necessidade de qualquer garantia.
Assim, mesmo que se admita a posição cômoda de o Fisco ver tudo a sua presunção, há que ser autorizado que os contribuintes defendam seus interesses de forma plena, consubstanciando-se a ampla defesa contra descabidas exigências administrativas e, mais especificamente, fiscais.
Notas
- BALEEIRO, Aliomar, in "Direito Tributário Brasileiro", 11º Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1999.
- DINAMARCO, Candido Rangel, in "Instituições de direito processual civil", Ed, Malheiros, 2004, p. 715