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A situação do descendente que se apresenta após a partilha por doação

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Agenda 11/06/2009 às 00:00

4- PROPOSITURA DA AÇÃO

A doação inoficiosa trata-se de um negócio jurídico nulo, portanto, como já foi observado anteriormente, que a demanda tem aspecto declaratório buscando o desfazimento do negócio, pois é eivado de vício.

O ato nulo não produz qualquer efeito " ...o ato nulo vem inquinado dum vicio que fere a sociedade, esta não pode transigir com a sua sobrevivência e, portanto, nega-lhe todo efeito ... vê-se que a nulidade é automática, pois emana da vontade do legislador." [19]

O legislado no art. 549 CC determinou que a doação inoficiosa é ato nulo. "Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento." [20] O efeito da sentença decretadora de nulidade absoluta opera erga ommes, pois tem-se por escopo a proteção social.

Existem posicionamentos doutrinários que determinam o momento do óbito do doador para a propositura da ação de anulação, justificando que se o fizer quando o doador estiver vivo, o mesmo poderia dilapidar o patrimônio de forma astuciosa em detrimento do herdeiro "rebelde", mesmo que transcorra muitos anos até o falecimento do doador. Como não se sabe qual será a situação futura dos bens recebidos por doação, conforme entendimento jurisprudencial, o melhor momento para propor a ação é a contar do dia em que se realizou o negócio.

Doação inoficiosa. Ação de anulação. Art.1.176 do CC, é verificada no momento em que é feita a doação e, não, quando da transcrição do título no registro de imóveis. Recurso não conhecido. [21]

Com clareza explica Silvio Rodrigues "(...) deve-se entender que a ação anulatória da doação inoficiosa pode ser desde logo proposta, o que vale dizer que o início do prazo prescritivo é o momento da doação." [22]

Como a nulidade gera efeitos erga ommes, filiamo-nos ao ilustre mestre, sendo que o referido momento é o mais plausível para propositura da ação. E ainda a "...forma atende ao interesse da sociedade, que não pode tolerar que a ameaça de revogação dos negócios jurídicos se prolongue por muitos anos." [23]


5- CONCLUSÕES

Verificamos, no decorrer deste trabalho, duas situações que, a nosso ver, passam a ser preocupantes. São elas pertinentes à dilapidação patrimonial em detrimento de alguns herdeiros, pois, dependendo de quando eles nasçam, surgirá um direito, devendo intentar a ação competente para recuperar sua parte no patrimônio desde logo, buscando assim não ter sua parte na herança prejudicada. Por derradeiro, caso o patrimônio tenha se perdido, nada poderá fazer o prejudicado para reavê-lo, a não ser que, aqueles que deram causa ao perecimento tenham recursos para indenizar o herdeiro prejudicado.

Com referência ao filho nascido após a liberalidade, verificando-se que o ato se revestiu de legalidade, este filho não poderá pleitear a anulação da doação para posterior contemplação, vez que foi observado todo o trâmite para que ela se aperfeiçoasse.

Ora, o herdeiro posterior é filho também, logo teria direito à herança? Apesar de, em um primeiro momento, acharmos que houve injustiça quanto à divisão patrimonial revestida pela doação, como foi exposto, vimos que o legislador, no art. 549 do Código Civil, fez bem em determinar que a irregularidade estivesse no momento da doação, que exceder a parte patrimonial correspondente a cinqüenta por cento de todo seu patrimônio em testamento, tal irregularidade seria apreciada quando os bens de herança forem levados a colação. Então, seria averiguado se houve excesso de doação no momento da liberalidade, pois se um herdeiro não era concebido naquele momento, não havia como ter direito a alguma parte ideal na herança. É certo que a justiça deve manter a paz social; imaginemos, pois, que a qualquer momento este novo filho venha a anular a doação! Então, não seria plausível a existência do contrato de doação, seria necessário esperar a ocorrência do óbito do doador para que fossem partilhados os bens entre os herdeiros existentes. Inclusive, se fosse possível anular a doação em qualquer hipótese, revestir-se-ia de uma enorme insegurança jurídica tal instituto.

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Daí a pensarmos que apesar da existência de uma inicial desproporcionalidade e injustiça, ao analisarmos a situação dos herdeiros de forma pontual verificamos que a solução mais apropriada é a que a norma nos apresenta, conforme demonstrado neste trabalho.

Finalmente, a nosso ver, cabe a definição de justiça dada por São Tomaz de Aquino: "a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido". Portanto, percebe-se a importância dos efeitos sucessórios pós morte ligados aos atos realizados inter vivos, já que as conseqüência de uma distribuição patrimonial feita de forma antecipada por meio da doação pode acarretar num eventual prejuízo para outros que estão vinculados ao doador/falecido e donatário/herdeiros, uma vez que os mesmos poderiam realizar benfeitorias nos bens recebidos em adiantamento de legítima ou até mesmo tendo vendido, dessa forma colocando-os no comércio imobiliário. Outro ponto é a possibilidade de a qualquer momento desfazer um negócio jurídico, os donatários contemplados de forma legal não teriam segurança para administrar seus bens angariados; conseqüentemente, se não houvesse a definição do momento da liberalidade que determina se o ato reveste-se de legalidade ou não, o terceiro interessado em adquirir aquele bem doado deveria se certificar que o vendedor, antes donatário, não possuía nenhum outro irmão que se encontra prejudicado por doações anteriores. Não nos parece possível tal atitude, visto que não é notório o conhecimento de um filho; trata-se de matéria de direito de família, portanto, não se pode expor a outra parte, já que é necessário preservar sua integridade psíquica. Assim, é diferente essa matéria, comparando-se com a presunção de boa fé do adquirente, que para revestir-se daquela qualidade, tem como forma de cautela exigir as certidões pessoais dos vendedores; não é possível exigir qualquer tipo de documento que identifique quem são os irmãos dos vendedores e se ocorreu algum tipo de irregularidade no passado. Nota-se que não existiria uma preservação da intimidade familiar, dessa forma a família que é base da sociedade como determinada a Constituição Federal seria denegrida, conseqüentemente a sociedade também.

Se fosse fácil desfazer os negócios perfeitos e acabados, por exemplo, uma doação feita a um filho, depois da liberalidade nasce outro filho, naquele ato, não existia qualquer vício, conforme já demonstrado, então não teríamos seguranças jurídicas para um futuro comprador do imóvel; mesmo quando um irmão do donatário seja identificado como herdeiro necessário e no momento da liberalidade ele havia nascido, ocorrendo o não-conhecimento do comprador, não nos parece justo que o negócio seja anulado em prejuízo deste comprador, pois ele age de boa fé, devendo os negócios serem indenizados pela parte vendedora (donatário).

Enfim, as irregularidades devem ser dirimidas entre os próprios herdeiros, devendo eles indenizar o herdeiro prejudicado, o qual deverá impreterivelmente requerer o desfazimento do negocio antes do prazo prescricional de dez (10) anos, para se valer de sua cota parte sucessória; caso contrário, estaria a sociedade revestida de notória insegurança jurídica.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. GAGLIANO, Pablo Stolze. O Contrato de Doação. São Paulo: Saraiva, 2007.p.35.
  2. PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado. Barueri-SP: Manole, 2007. p. 1935.
  3. Cabe conceituar o personagem principal da sucessão legítima: Herdeiros legítimos, como se depreende da própria palavra, são os sucessores eleitos pela lei, através da ordem de vocação hereditária (arts. 1.829 e seguintes). Na qualidade de legítimos concorrem na herança se no mesmo grau de preferência e excluem os demais, se em ordem anterior de preferência. LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.260.
  4. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. v.7. p.185.
  5. GAGLIANO, Pablo Stolze. op cit, nota 1. p. 35.
  6. GAGLIANO, Pablo Stolze. op. cit., nota 01, p.35
  7. Civil. Doação Inoficiosa. A doação ao descendente é considerada inoficiosa quando ultrapassa a parte de que poderia dispor o doador, em testamento, no momento da liberalidade. No caso, o doador possuía 50% dos imóveis, constituindo 25% a parte disponível, ou seja, de livre disposição, e 25% a legítima. Este percentual é que deve ser dividido entre os 6 (seis) herdeiros, tocando a cada um 4,16%. A metade disponível é excluída do cálculo. Recurso especial não conhecido. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 4ª T., Recurso especial nº 112.254/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16-11-2004, DJ, 6-12-2004, p. 313. Ação ordinária de nulidade de doação cumulada com sonegação de bens e perdas e danos. Doação inoficiosa. Legítima. A anulação da doação no tocante à parcela do patrimônio que ultrapassa a cota disponível em testamento, a teor do art. 1.176 do Código Civil, exige que o interessado prove a existência do excesso no momento da liberalidade. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial n. 160.969/PE, 3ª T., j. 23.11.1998
  8. Apelação cível. Ação declaratória. Doação de ascendente para descendestes. Totalidade dos bens. Inoficiosa. Nulidade. Prescrição vintenária. Art. 177 do cc 1916. Súmula 494 do STF. Precedentes desta corte. Prescrição. No caso concreto, de fato visam as apeladas à anulação doação de ascendente para descendentes, da totalidade dos bens dos ascendentes, hipótese que o prazo para propositura da demanda é aquele previsto no artigo 177 do Código Civil/1916. Precedentes desta Corte e dos Tribunais Superiores. Súmula 494 do STF. Doação inoficiosa. Nulidade. Do contexto probatório, não se verifica, que as partes tenham efetivado qualquer acordo em relação a venda do imóvel e, atingindo a doação a totalidade do patrimônio dos genitores das partes, excedendo o limite disponível, a teor da regra estabelecida no art. 1.176 do Código Civil/1916. Resta, modo claro, configurada a doação inoficiosa. Logo, passível de nulidade. Sentença mantida. Apelo desprovido. Apelação Cível Nº 70017417973, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 21/03/2007; www.tj.rs.gov.br - data de acesso 21/10/2007.
  9. PELUSO, Cezar. op cit. nota 2, p. 1540/1541
  10. PELUSO, Cezar. op cit, nota 2, p. 1544
  11. passim, DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo-SP: RT, 2006. p. 301
  12. BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
  13. BRASIL, Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992.
  14. PELUSO, Cezar. op cit, nota 2, p. 1561
  15. Investigação de paternidade. Reconhecimento. Desnecessidade de se recorrer às vias judiciais já que o reconhecimento de filhos poderá ser feito pelas vias extrajudiciais mediante lavratura de escritura pública ou por documento particular. Inteligência do disposto no art. 357 do CC, art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 1º, II, da Lei nº 8.560, de 29/12/1992, utilizando-se do procedimento estabelecido pelo art. 5º do Provimento nº 494/93 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Pedido extinto sem apreciação de mérito. Decisão mantida. Recurso não provido. Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 125.651-4/São José dos Campos, 7ª Câm, de Direito Privado, rel. Julio Vidal, j. 12.04.2000.
  16. Negatória de Paternidade. Improcedência. Reconhecimento de filho alheio como próprio "adoção à brasileira". Ato Irrevogável. Personificação do direito ao nome e condição social da criança. Preservação de sua dignidade humana. Art. 1º, III, da Constituição da República, art. 1º, da Lei Federal n.8.560, de 29.12.1992, e art. 357, do CC, desejo de retaliação do pai em relação à genitora do menor. Incompatibilidade entre a penalização do registro e da indulgência criminal concedida ao autor da fraude. Legítimo interesse ausente. Extinção da ação. Recurso provido. (JTJ 254/188)
  17. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. v.6. São Paulo: Atlas. 2005. p 285.
  18. Ibidem, p 285.
  19. RODRIGUES, Silvio Rodrigues. Direito Civil. v.1. 34.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 286
  20. BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, op cit, nota 12.
  21. STJ, 2ª T., Resp 111.425-ES, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 29-3-1999). No mesmo sentido: Resp 151.935-RS; RT,523/104
  22. RODRIGUES, Silvio. op cit, nota 19, p. 210
  23. RODRIGUES, Silvio. Op cit, nota 19, p. 210
Sobre o autor
Luis Gustavo Ravasio

Bacharel em direito e escrevente do 2ª tabelião de notas e protestos de letras e título da comarca de Jaboticabal/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAVASIO, Luis Gustavo. A situação do descendente que se apresenta após a partilha por doação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2171, 11 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12968. Acesso em: 22 nov. 2024.

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