Sumário: 1. Introdução. 2. Competência. 3. Características da previdência complementar. 4. Critérios definidores da competência. 5. Jurisprudência. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A discussão sobre a competência para julgar demandas relativas à previdência complementar ainda não alcançou uma posição jurisprudencial pacífica sobre o conflito existente entre a Justiça Trabalhista e a Justiça Comum.
Mesmo na doutrina não houve o necessário aprofundamento do tema, haja vista a complexidade inerente à relação previdenciária privada, sua legislação específica e a necessidade de estudo detalhado de cada tipo de questionamento.
A dúvida em relação à competência se amplia quando estão presentes os empregados, na condição também de participantes de planos de previdência complementar, as entidades fechadas administradoras de planos; e ainda o empregador na figura igualmente de patrocinador desses planos, tendo por objeto a discussão de verbas salariais que repercutem no cálculo de contribuições e reservas da previdência privada.
Os Juízes e Tribunais Trabalhistas julgam-se competentes sob o argumento de que a entidade de previdência é parte integrante da empresa, em virtude de sua origem e manutenção financeira. Acrescentam que a complementação de aposentadoria é salário indireto, pois decorre da relação de trabalho.
Nada obstante, para a Justiça Comum a matéria é civil-contratual e os benefícios concedidos por entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes. Além disso, o pagamento da complementação de aposentadoria não decorre de obrigação trabalhista por força do contrato de trabalho, mas da filiação espontânea ao plano de previdência administrado por entidade criada com personalidade jurídica própria.
O artigo 202 da Constituição Federal – CF estabelece que a relação jurídica que envolve a previdência privada tem caráter complementar, autônomo em relação ao regime geral de previdência social, facultativo e natureza contratual; todavia, não determina qual o órgão julgador da matéria.
A Emenda Constitucional n° 45, de 31 de dezembro de 2004 – EC 45 alterou o inciso IX do artigo 114 da CF, atribuindo à Justiça do Trabalho a competência para ações decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Com esse argumento reforçou-se a competência da Justiça Trabalhista para julgar litígios relacionados a contratos de previdência privada.
No entanto, parte da doutrina alega sua incompetência na matéria por não existir lei regulamentando o inciso IX, sustentando que se trata de norma de eficácia limitada.
Diante disso, questiona-se: (1) Pelo fato de não integrar o contrato de trabalho, afasta por completo a jurisdição trabalhista? (2) Previdência não decorre da relação de trabalho, uma vez que, em certa medida, insere-se na esfera do trabalho? (3) Existe a necessidade de lei para regulamentar a competência material do inciso IX a fim de abranger a previdência privada? (4) O artigo 202 da Constituição é dispositivo de direito material ou processual? (5) Como conciliar o artigo 114 com o artigo 202 da Constituição Federal? São excludentes?
Tratar-se-á aqui, então, de estudar os critérios definidores dessa competência material. Assim, deve-se examinar a autonomia do direito previdenciário em relação ao direito do trabalho, e nesse diapasão, a aplicabilidade dos preceitos trabalhistas.
Sobre esses critérios, é preciso analisar as disposições legais relativas à competência em matéria de previdência complementar e os limites da justiça trabalhista para decidir demandas não integrantes do contrato de trabalho.
É necessário ainda pesquisar a natureza e o fundamento do pedido para definir o órgão julgador, bem como avaliar o efeito das decisões judiciais nos planos de benefícios.
Por fim, é essencial examinar a jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem assim a competência para dirimir conflitos, a fim de que se possa extrair o posicionamento jurisprudencial e verificar sua tendência.
2. COMPETÊNCIA
O Código de Processo Civil (artigos 91 e seguintes) adotou a doutrina de CHIOVENDA, conhecida como a divisão tripartida, para determinar a competência, estabelecendo três critérios: objetivo, territorial e funcional. O critério objetivo divide-se em: natureza da causa (material), valor da causa e em razão da pessoa.
Para determinar a competência material para decidir conflitos oriundos do contrato de Previdência Privada é preciso pesquisar: a) na Constituição Federal, especialmente na delimitação da competência das Justiças Trabalhista e Comum, e dos Tribunais Superiores da União (TST, STJ e STF); b) nas leis federais (Lei Complementar n° 109/01; Código de Processo Civil que contém as normas gerais; e na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT que contém regras do processo trabalhista brasileiro).
Note que a Lei Complementar n° 109/01 não dispõe sobre competência, entretanto, é essencial para o conhecimento da matéria como será adiante tratado.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Havendo dúvida no tocante à definição da competência, instaura-se o Conflito, que é a circunstância de fato ocorrida quando mais de um juízo se declara competente (positivo) ou incompetente (negativo) para julgar a causa. Regra geral, o Conflito deve ser julgado por Tribunal hierarquicamente superior aos conflitantes.
Na hipótese em estudo o problema é o conflito de ordem material suscitado entre os órgãos da Justiça do Trabalho e os da Justiça Ordinária. Nesse caso, não se aplica as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e nem o inciso V do artigo 114 da CF, na medida em que não se trata de conflito entre órgãos com jurisdição trabalhista. Aplica-se o disposto no art. 105, inciso I, alínea "d", da CF, que atribui essa competência ao Superior Tribunal de Justiça, por se referir a conflitos entre tribunais, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.
Nos conflitos envolvendo o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; a competência é conferida ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, alínea "o", da CF).
A COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
A EC nº 45 alterou o caput do art. 114 da CF, tornando-o mais resumido, e inseriu nove incisos para especificar as regras da nova competência do poder Judiciário Trabalhista.
O inciso I do artigo 114 estabelece que são da Justiça do Trabalho "as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".
Acrescente-se que o inciso IX do mesmo artigo 114 também determina que "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei" serão da competência da Justiça Trabalhista.
Primeiramente é necessário conceituar relação de trabalho como aquela resultante da prestação de trabalho entre uma pessoa natural e outra pessoa, seja também natural ou jurídica. Segundo MAURÍCIO GODINHO DELGADO, abrange:
(...) todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.
Dessa maneira, pode-se entender que o inciso I refere-se a uma relação de trabalho propriamente dita (forma de prestação de trabalho). Por sua vez, o inciso IX contempla a controvérsia decorrente dessa relação, que depende de lei para regulamentar sua competência, como pode ser o caso da previdência complementar.
O inciso IX é uma norma de eficácia limitada, visto que depende de providência legislativa para que possa surtir os efeitos desejados pelo constituinte. Tal norma possui aplicabilidade indireta, mediata e reduzida e é identificada na Constituição pelas expressões "nos termos da lei", "na forma da lei", "a lei disporá", "a lei regulará", etc.
Portanto, a competência da Justiça Laboral para julgar outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho é norma não auto-aplicável que carece de regulamentação em lei para gerar seus efeitos.
Numa interpretação sistemática da CF, pode-se entender que outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho que serão previstas em lei são diferentes das já disciplinadas nos incisos I a VIII do artigo 114 da Lei Maior.
Conforme o princípio da unidade, as normas constitucionais devem ser analisadas de forma integrada e não isoladamente, de forma a evitar as aparentes contradições.
Nesse assunto, RODOLFO PAMPLONA sustenta que a norma básica da nova competência material trabalhista prevista no inciso I indica que cabe à Justiça Especializada a apreciação de todos os conflitos oriundos da relação de trabalho em que estão presentes os sujeitos da relação de trabalho (trabalhador e tomador deste serviço), envolvendo as condições em que esse trabalho é prestado, os danos pré e pós-contratuais etc.
Argumenta ainda que "o inciso IX do art. 114, ao explicitar ser da competência da Justiça do Trabalho ‘outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei’, não contradiz a regra geral do inciso I, mas, sim, ao contrário, a reafirma, ao admitir a existência de outras demandas decorrentes da relação de trabalho, em que os sujeitos não estejam na qualificação jurídica de trabalhador e tomador do serviço".
Conclui RODOLFO PAMPLONA que "os demais conflitos decorrentes da relação de trabalho, em que os sujeitos envolvidos na lide não estejam na qualificação jurídica de trabalhador e tomador deste serviço, para serem da competência da Justiça do Trabalho, imprescindem de norma legal estipuladora".
Isso considerado, conclui-se que o inciso IX do art. 114 explicita a existência de outras demandas decorrentes da relação de trabalho em que as partes não sejam o trabalhador e o contratante do serviço. Nessa hipótese, para serem da competência da Justiça Laboral, é necessária norma legal regulamentadora.
3. CARACTERÍSTICAS DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
A Constituição Federal divide a Previdência em três regimes: Regime Geral de Previdência Social, Regimes Próprios dos Servidores Públicos Efetivos e o Regime de Previdência Complementar.
O Regime de Previdência Complementar (artigo 202, CF) é de filiação facultativa e de caráter privado. Tem por finalidade atender à necessidade de renda adicional por ocasião da inatividade. Divide-se em duas partes: aberta e fechada.
As "entidades abertas" são sociedades anônimas com fins lucrativos – bancos e seguradoras operadoras de planos previdenciários - que oferecem os conhecidos: Plano Gerador de Benefício Livre - PGBL e Vida Gerador de Benefício Livre - VGBL. Estão disponíveis a qualquer pessoa física (Lei Complementar n° 109, de 29 de maio de 2001 - LC 109, artigo 36, caput).
Contrapõem-se às "entidades fechadas", igualmente conhecidas como fundos de pensão, que são organizados sob a forma de sociedade civil ou fundação, obrigatoriamente sem finalidade lucrativa. Em relação à natureza jurídica, sublinhe-se que o Código Civil de 2002 não mais menciona o tipo sociedade civil. Desse modo, embora a Lei Complementar n° 109/01 indique tal sociedade, entende-se como mais apropriado que os fundos de pensão sejam organizados como sociedades de previdência complementar (ou privada) ou fundações; considerando a especificidade das atividades desempenhadas e a especialidade da legislação que disciplina sua constituição e funcionamento.
São denominadas "fechadas", pois acessíveis exclusivamente a grupos determinados, a saber: 1) empregados de uma empresa ou grupo de empresas e equiparados - gerentes, diretores, conselheiros ocupantes de cargo eletivo e outros dirigentes de patrocinadores e instituidores (LC 109, art. 31, I c/c art. 16, § 1°); 2) servidores públicos (LC 109, art. 31, I); 3) associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial (LC 109, art. 31, II).
Insere ainda nesse regime fechado a Previdência Oficial Complementar, que tem natureza pública em virtude da presença estatal, não obstante ser regida pelo direito privado. Destina-se exclusivamente aos servidores públicos titulares de cargo efetivo e poderá ser instituído, por lei, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do artigo 40, §§ 14 e 15, da CF, com o fim de suplementar os seus regimes próprios, fixando como limite máximo desses regimes o estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da CF.
Em síntese, as entidades dos servidores públicos deverão ter necessariamente natureza pública (§ 15 do art. 40 da Constituição) que se configura pelo controle estatal na sua constituição por lei, criação de planos de benefícios ou na aplicação de seus recursos; devendo funcionar segundo as regras previstas nas Leis Complementar n.ºs 108 e 109, ambas de 29 de maio de 2001 – LC 108 e 109.
Nesse momento, é preciso frisar que o presente texto busca discutir qual o órgão competente para julgar matéria de previdência complementar fechada, outrossim seus princípios legais inerentes; não se estendendo o debate em relação aos planos administrados por entidades abertas, porquanto é sabido que estas são afetas à jurisdição comum, tendo em vista o caráter lucrativo e acessível a qualquer pessoa física.
No que diz respeito à previdência aberta (bancos e seguradoras), FLÁVIO MARTINS RODRIGUES pondera que "também não haveria razão para se ter um vínculo derivado da relação trabalhista. Pode-se, porém, verificar, exclusivamente com relação às entidades abertas (dada a sua finalidade lucrativa), a incidência dos princípios e regras próprios derivados da relação consumerista."
Assim, somente para essas entidades abertas há que aplicar os princípios e normas relativas à relação de consumo, sendo competente, portanto, a Justiça Ordinária.
Visto isso, o próximo aspecto importante a destacar é a necessidade de se conhecer a nomenclatura utilizada pelo Sistema Fechado de Previdência.
A LC 109 menciona a expressão "previdência complementar" no lugar da expressão "previdência privada" empregada pela Constituição. Nessa acepção podem ser consideradas sinônimas as expressões.
Para efeito do artigo 8° da referida Lei, considera-se participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios e assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada. Destarte, quando se fala em participante incluem-se ainda os assistidos e os beneficiários.
Verifica-se que os participantes de planos previdenciários não se limitam somente aos empregados de empresa, na medida em que podem vincular-se além desses; os associados ou membros dos sindicatos e associações classistas ou setoriais. Também podem se filiar os gerentes, diretores, conselheiros ocupantes de cargo eletivo e outros dirigentes de patrocinadores e instituidores; pois o § 1º do artigo 16 da LC 109 equipara estes, para fins de previdência complementar, aos empregados e associados dos instituidores.
No âmbito das entidades fechadas, patrocinador é a empresa ou grupo de empresas que oferece para seus empregados ou funcionários planos de benefícios (artigo 31, I, da LC 109). Compreende-se nessa categoria órgãos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios que criem planos para seus servidores, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente pelo poder público (CF, art. 202, § 4º, e LC 108, art. 1º).
O Instituidor é aquela pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial que institui para seus associados ou membros planos de benefícios por meio de entidade fechada (artigo 31 da LC 109). Esse tipo é conhecido como Previdência Associativa porque tem como fundamento o vínculo associativo. Podem ser instituidores os conselhos profissionais e entidades de classe; os sindicatos, as centrais sindicais e as respectivas federações e confederações; as cooperativas; as associações profissionais, legalmente constituídas; e outras pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, desde que autorizadas pela Secretaria de Previdência Complementar. É exemplo dessa modalidade o JUSPREV, Fundo de Pensão criado por dezenas de Associações de Classe do Ministério Público, da Magistratura, dos Procuradores e Advogados Públicos Brasileiros.
A diferença principal entre os planos patrocinados e os instituídos é que, regra geral, nestes não há responsabilidade direta pelo custeio do plano para seus associados, muito embora possam ocorrer aportes financeiros na forma prevista em instrumentos contratuais específicos.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.
É importante conhecer os princípios que norteiam a Previdência Complementar, seu custeio, sua natureza jurídica, sua legislação própria; com vistas à compreensão lógica dessa complexa relação envolvendo participante (ativo, assistido e beneficiário), patrocinador (público e privado) / instituidor e fundo de pensão.
O contrato de previdência complementar possui a particularidade de ser tutelado por órgãos estatais (Secretaria de Previdência Complementar - SPC, Conselho Gestor de Previdência Complementar - CGPC, Conselho Monetário Nacional - CMN), o que o distingue dos demais. Constitui-se numa relação continuada de longos anos envolvendo cálculos atuariais, com o fim de administrar uma poupança coletiva para o pagamento futuro de um benefício previdenciário. Essa relação jurídica está disciplinada no artigo 202 da CF:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
Segundo LEONARDO ANDRÉ PAIXÃO:
O movimento de modernização da legislação que rege a previdência complementar teve início com a Emenda Constitucional n.º 20, de 15.12.1998. Esta emenda deu nova redação ao art. 202 da CF, que tratava de outro tema, dedicando-o inteiramente à previdência complementar. Fez-se a opção por disciplinar a previdência complementar dentro do título da Ordem Social da CF.
As pessoas jurídicas envolvidas (entidade, patrocinador ou instituidor) são distintas. Em resumo, o patrocinador tem a obrigação de pagar o valor previsto no plano de custeio e a entidade tem direito aos créditos de ambas as partes (patrocinador e participante) para cumprir sua obrigação de pagar benefícios. Tais direitos e obrigações estão previstos no regulamento e no convênio de adesão.
Nesse sentido, VLADIMIR NOVAES MARTINEZ argumenta:
As fontes de custeio do plano de prestações das entidades consistem em contribuições patronais das patrocinadoras e pessoais, dos empregados, bem como no rendimento das aplicações patrimoniais e financeiras. A entidade previdenciária consubstancia-se em pessoa jurídica de direito privado, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, inteiramente distinta da mantenedora, geralmente sociedade civil ou fundação, regida pelo Estatuto Social, acompanhada de perto, mas não ficando à mercê da administração da instituidora.
Sublinhe-se que as entidades têm autonomia financeira e administrativa em relação às patrocinadoras/instituidoras. São administradoras do patrimônio coletivo pertencente à massa total dos participantes e na medida em que é feito o aporte do patrocinador e do participante, esse montante passa a pertencer ao plano, que por sua vez pertence ao conjunto dos participantes na proporção das contribuições alocadas em sua conta.
NATUREZA JURÍDICA PRIVADA.
A natureza privada resulta na submissão dos participantes, patrocinadores, instituidores e fundos de pensão ao regime jurídico de direito privado, no qual prepondera a autonomia da vontade. É evidenciada em função da natureza contratual que permeia a relação de previdência complementar, reiterada nas disposições do artigo 202 e parágrafos da CF, tendo o constituinte repetido diversas vezes a palavra "previdência privada".
CARÁTER COMPLEMENTAR E AUTÔNOMO EM RELAÇÃO AO REGIME GERAL.
O caráter complementar ocorre porque a adesão de participante a plano de previdência não o desobriga da inscrição como segurado obrigatório do regime geral do Instituto Nacional do Seguro Social ou, a partir da Emenda Constitucional n° 41/03 e da instituição do regime complementar oficial para os servidores públicos, da filiação no seu respectivo regime próprio.
Já a autonomia está prevista no artigo 202 da CF e também no artigo 68, § 2°, da LC 109; e consiste na independência da concessão de benefício pelo regime geral para a percepção de benefício pago por entidade de previdência, havendo exceção caso seja contratualmente estabelecida alguma vinculação.
Outra exceção é a disposta no inciso II do art. 3º da Lei Complementar n° 108/01, uma vez que para a concessão do benefício complementar por plano na modalidade de benefício definido exige-se anterior concessão pelo regime de previdência ao qual o participante esteja filiado por intermédio de seu patrocinador.
Além disso, não existe ligação obrigatória entre os valores pagos pelos dois regimes – geral e complementar – em que pese possa ser pactuada por meio de contrato.
FACULTATIVO.
A facultatividade é a opção que tem o indivíduo em aderir ou não ao plano de benefícios oferecido pela empresa, órgão público ou pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial. Aplica-se do mesmo modo ao empregador que pode oferecer o plano, mas não está obrigado. Essa hipótese é relevante na medida em que, da mesma forma que lhe é facultado ofertar plano de previdência, também pode o empregador retirar o patrocínio (artigo 33, III, LC 109), liquidando suas obrigações, ou fechar o plano (artigo 16, § 3°, LC 109), de maneira a não possibilitar a entrada de novos participantes. Com efeito, uma vez oferecido pela empresa e feita a adesão pelo participante ao plano, as partes contratantes submetem-se às normas que regulam todo o regime previdenciário complementar.
CONSTITUIÇÃO DE RESERVAS EM REGIME DE CAPITALIZAÇÃO.
No regime de capitalização há formação de reserva para aplicação financeira e conseqüente formação de poupança, a ser transformável em benefícios futuros. Consiste em determinar as contribuições indispensáveis a serem arrecadadas ao longo do período de atividade do participante para custear a sua própria aposentadoria.
NATUREZA CONTRATUAL.
A relação contratual na previdência fechada é formalizada pelos seguintes instrumentos: estatuto da entidade fechada, regulamento do plano de benefícios, convênio de adesão e termo de inscrição do participante. Ressalte-se que nessa contratualidade as partes (participante, patrocinador ou instituidor e Fundo de Pensão) não se subordinam entre si.
Para LEONARDO ANDRÉ PAIXÃO, "as referências que a Constituição faz, em seu art. 202, a "benefício contratado" (caput), ao caráter facultativo do regime de previdência complementar (caput) e às "condições contratuais" (§ 2º), não deixam dúvidas quanto à natureza contratual das relações constituídas no âmbito da previdência complementar".
O estatuto é o ato constitutivo por meio do qual a entidade se estrutura formalmente. É o contrato interno que trata da organização e gestão da entidade fechada. Os órgãos estatutários são o Conselho Deliberativo, o Conselho Fiscal e a Diretoria Executiva. Todavia, desde que previstos no estatuto, podem as entidades regidas pela LC 109 (art. 35, caput) ter outros órgãos além desses três (assembléia de patrocinadores, comitê gestor por plano de benefícios, etc.).
Regulamento do plano de benefícios é o instrumento contratual de natureza privada celebrado entre a entidade fechada e o participante, com co-participação de um patrocinador/instituidor, que gera direitos e obrigações entre as partes envolvidas. É regido pelas regras de direito previdenciário complementar e subsidiariamente pelo direito civil.
O artigo 7°, parágrafo único, da LC 109, classifica os planos de benefícios nas seguintes modalidades: benefício definido; contribuição definida e contribuição variável. É nas características contidas no regulamento do plano que essas modalidades se materializam.
Plano na modalidade de contribuição definida (CD) é aquele cujos benefícios programados têm seu valor permanentemente ajustado ao saldo de conta remanescente mantido em favor do participante, inclusive na fase de percepção de benefícios, considerando o resultado líquido de sua aplicação, os valores aportados e os benefícios pagos. O benefício tem correspondência com os valores aportados na conta individual do participante, ou seja, não é possível determinar de antemão o seu valor.
Quanto ao Benefício Definido (BD) é aquele plano em que os benefícios programados têm seu valor ou nível previamente estabelecidos no regulamento - o participante sabe antecipadamente quanto vai receber na inatividade - sendo o custeio determinado atuarialmente, de modo a assegurar sua concessão e manutenção nos níveis inicialmente contratados.
Por fim, Plano de Contribuição Variável (CV) é aquele que conjuga as características das modalidades de Contribuição Definida e Benefício Definido.
Além do regulamento, para que uma pessoa jurídica possa proporcionar um plano de benefícios a seus empregados, servidores, associados ou membros, é necessário celebrar contrato denominado convênio de adesão com a entidade fechada que será a responsável pela administração daquele plano (LC 109, artigo 13). É o instrumento contratual pelo qual as partes, patrocinadores ou instituidores e entidade, pactuam suas obrigações e direitos para a operação de plano de benefícios.
Importante registrar que todos esses elementos contratuais (estatuto, regulamento e convênio de adesão) devem ser submetidos à prévia e expressa aprovação da Secretaria de Previdência Complementar, desde a constituição, a alteração, até o seu encerramento.
Por conseguinte, vê-se que as relações jurídicas entre participantes, patrocinador/instituidor e fundos de pensão não dependem unicamente da vontade das partes. Desse modo, compete a tal órgão fiscalizador, juntamente com o Conselho de Gestão da Previdência Complementar, determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial para os planos de benefícios, disciplinando, fiscalizando, coordenando e supervisionando as atividades das entidades fechadas, com o propósito de compatibilizar suas atividades com as políticas previdenciárias e de desenvolvimento social do país (LC 109, artigo 3°, incisos II, III e V).
A ação do Estado tem como objetivo proteger os interesses dos participantes e assistidos, bem como assegurar a estes o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios (LC 109, artigo 3°, incisos IV e VI).
O outro instrumento contratual é o termo de inscrição do participante. Configura-se, assim, no ato de filiação individual facultativa ao Plano e não necessita de aprovação pelo órgão fiscalizador.
AUTONOMIA EM RELAÇÃO AO CONTRATO DE TRABALHO.
O § 2° do artigo 202 da Constituição expressamente estabelece que as condições contratuais relativas a planos de previdência não integram o contrato de trabalho.
Em relação à autonomia, LEONARDO ANDRÉ PAIXÃO considera que "a relação de um participante com um plano de previdência pode começar, perdurar e se extinguir de forma autônoma em relação a seu contrato de trabalho"; e que "a celebração de contrato de trabalho não implica adesão automática do empregado ao plano de previdência patrocinado pelo empregador".
Além disso, argumenta que "a relação civil-previdenciária entre participante, patrocinador e entidade de previdência complementar não se confunde com a relação trabalhista entre empregado e empregador"; e também que "as contribuições que o empregador fizer ao plano previdenciário, em favor de todos os seus empregados que forem participantes do referido plano, não serão consideradas salário indireto".
Conclui LEONARDO ANDRÉ PAIXÃO que "as reservas acumuladas em favor de um participante não devem ser computadas como remuneração quando da rescisão do contrato de trabalho".
São exemplos da autonomia em relação ao contrato de trabalho os institutos do Autopatrocínio e do Benefício Proporcional Diferido previstos no artigo 14 da LC 109.
Autopatrocínio é a faculdade que o participante tem de manter-se vinculado ao Plano de Benefícios, após a cessação do vínculo empregatício com a Patrocinadora ou em caso de perda parcial ou total de remuneração. Ao fazer essa opção, o participante passa a responder pelas suas próprias contribuições e por aquelas que seriam do encargo da patrocinadora.
Já o Benefício Proporcional Definido (BPD), antigamente denominado de vesting,é o instituto que possibilitaao participante desligado de uma patrocinadora ou em razão da cessação do vínculo associativo com o instituidor, antes da aquisição do direito de aposentadoria, a opção de receber em um tempo futuro, um beneficio proporcional, conforme a reserva até então constituída.
De tal forma, pode um trabalhador ser despedido do emprego por justa causa e continuar no plano de previdência na condição de autopatrocinado ou em diferimento de benefício.
Sobre o assunto FLÁVIO MARTINS RODRIGUES sustenta:
O entendimento doutrinário de que a relação entre participantes, assistidos e beneficiários e a entidade de previdência complementar possui natureza contratual civil constou também expressamente referido na expressão benefício contratado, colacionada no art. 202, caput, como na menção de que as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes (art. 202, § 2°). Com isso, estão afastados os princípios, as regras gerais e disposições normativas próprias do Direito do Trabalho, e também, a jurisdição da Justiça Laboral. Nesse ponto andou bem o Constituinte Derivado, pois a relação de natureza trabalhista pressupõe uma posição de hiposuficiência de uma parte em relação à outra. Veja-se que, no caso dos fundos de pensão, a universalidade de valores alocada junto aos planos de benefícios pertence não à entidade de previdência, mera administradora, mas ao conjunto de participantes e beneficiários abrangidos pelo plano.
VLADIMIR NOVAES MARTINEZ defende tese no sentido da autonomia em relação ao vínculo laboral:
Área onde maior divergência subsiste diz respeito às relações entre a entidade e o participante ou seus dependentes. Muitos juízes e tribunais trabalhistas julgam-se competentes, mesmo quando da divisão dos encargos do financiamento. Entendem, equivocadamente, em razão da origem da entidade e sua manutenção financeira, tratar-se de extensão da empresa e a complementação reduzir-se a salário indireto.
A princípio, essa concepção não pode ser alterada pela origem da entidade, iniciativa do empregador e ser ele parceiro economicamente responsável. Se assim fosse, nos conflitos entre segurado e INSS, a competência da Justiça Federal deveria ser arredada.
São relações civis-previdenciárias distanciadas do vínculo laboral em razão do sujeito e dos objetivos.
REPRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES NOS COLEGIADOS E INSTÂNCIAS DE DECISÃO.
O § 6º do artigo 202 da Constituição Federal remete para lei complementar disciplinar a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.
Nessa esteira, os participantes têm o direito de compor os órgãos estatutários da entidade, com poder de voto, sobretudo no Conselho Deliberativo (art. 10 da LC 108), órgão maior da entidade que encaminha as propostas de contratos ao órgão estatal. Referido Conselho pode, preliminarmente, aprovar ou não cláusulas dos regulamentos dos planos que julgue contrariar os interesses dos participantes.
Tal representação é paritária (participantes e patrocinadores/instituidores) nas entidades com patrocínio público que são regidas pela LC 108 (artigos 11 e 15); e é de no mínimo um terço das vagas nas entidades regidas pela LC 109 (artigo 35, § 1°).
Essa gestão dos Fundos de Pensão compartilhada confirma a idéia de que a relação se dá entre iguais (participantes de um mesmo plano), possuindo como premissa a moderação na relação jurídica (participantes nos órgão de deliberação juntamente com patrocinadores/instituidores).
Nota-se que houve a preocupação do legislador em equilibrar a situação dando poder de administração aos participantes; por isso é fundamental a atuação do órgão fiscalizador para proteger os interesses dos participantes, bem como assegurar o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios (artigo 3°, incisos IV e VI, da LC 109).
REGULAMENTAÇÃO POR LEI COMPLEMENTAR.
A LC 109 é a norma geral que disciplina o regime de previdência complementar, e veio regulamentar o caput do artigo 202 da CF.
Na tarefa de regulamentar o § 4º do artigo 202, foi editada a LC 108, dispondo, contudo, sobre normas específicas para as entidades fechadas de previdência patrocinadas pela administração pública direta e indireta. Por ser norma especial, prepondera sobre a norma geral quando se referir a entidades que administram planos com patrocínio estatal. A LC 108 dispõe sobre regras específicas de custeio; define mais detalhadamente a composição dos órgãos estatutários; e determina regras particulares de fiscalização para as entidades fechadas compreendidas no seu âmbito.
Acrescente-se que a LC 109 aplica-se, no que não conflitar com a norma específica, também às entidades fechadas patrocinadas por entes públicos, em razão de expressa vinculação feita pelo art. 2º da LC 108. É relevante destacar que essas duas normas legais constituem a estrutura legal do sistema fechado de previdência complementar.
As disposições da LC 109 dão ênfase ao plano de benefício e não à entidade fechada, deixando para esta a administração e execução dos planos (artigo 32). Nessa linha, entende-se que cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos administrados pela mesma entidade, bem como identidade própria quanto aos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos.
Outro princípio contido no § 1° do artigo 202 da CF é o da transparência. Os artigos 10 e 24 da LC 109 regulamentam o assunto, criando obrigações para a entidade fechada no sentido de assegurar a transparência para o participante. O legislador justifica a sua inserção pela necessidade de haver contrapesos na relação entre fundo de pensão, patrocinador e participante, concedendo a este o direito à informação acerca de todos os aspectos relativos à gestão de seu plano previdenciário.
De tal modo, transparência e informação devem ser entendidas como formas de assegurar os direitos adquiridos ou expectativa do direito dos participantes, em especial sobre a composição das contribuições, do desempenho dos planos e da concessão de benefícios.
O artigo 7° da LC 109 estabelece que os planos de benefícios devam atender a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.
Sobre o tema, o MINISTRO GILMAR MENDES assim entende:
O princípio do "equilíbrio financeiro e atuarial" contém basicamente duas exigências. A primeira impõe que as receitas sejam no mínimo equivalentes aos gastos, e aqui temos o denominado equilíbrio financeiro. A segunda exigência, relativa ao equilíbrio atuarial, determina a adoção de correlação entre os montantes com que contribuem os segurados e os valores que perceberão a título de proventos e pensões.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.105-8 DISTRITO FEDERAL
Esse equilíbrio é instrumentalizado pelo plano de custeio (artigo 18, caput, §§ 2º e 3º c/c artigo 19 da LC 109), que representa o cálculo das reservas técnicas e que servirá para estabelecer o nível de contribuição para a formação das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, tendo relação estrita com o plano de benefícios.
O art. 21, caput e §1° da referida Lei Complementar efetiva a necessidade contributiva em caso de equacionamento de déficit, tratando sobre sua assunção pelos patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, bem como estabelece as condições e outras formas em que se poderá restabelecer o equilíbrio atuarial, sempre observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador. Traduz, além do mais, a necessidade de que nenhum beneficio possa ser criado ou majorado sem a correspondente fonte de custeio.
Em virtude disso, conclui-se que toda decisão judicial que concede aumento de benefício deve essencialmente apontar o montante do respectivo financiamento e as pessoas responsáveis por tal. Tudo para que as receitas sejam equivalentes às despesas, havendo correspondência entre as contribuições (participantes e patrocinadores) e os valores dos benefícios.