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Guerra do Iraque: análise de sua legalidade frente ao direito internacional contemporâneo

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Agenda 18/06/2009 às 00:00

V- CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da presente comunicação foi abordada a intervenção armada promovida pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido no Iraque, no ano de 2003. Diversos posicionamentos e teses divergentes foram apresentados com relação à legalidade ou não da guerra.

Foram então abordados os principais aspectos que se apresentam recorrentes para a verificação da legalidade da guerra do Iraque: a questão da intervenção humanitária, da legítima defesa e das resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

A primeira argumentação analisada foi a da ingerência para fins humanitários. Conforme observado alhures, a principal motivação para invadir o território iraquiano não foi a de promover uma intervenção humanitária. Os próprios países interventores, notadamente os EUA e o Reino Unido, não utilizaram dessa premissa. Apenas em um momento posterior ao conflito foi que o governo norte-americano passou a buscar essa nova justificativa para a guerra, numa tentativa de legitimar retroativamente suas ações.

Todavia, percebeu-se a dificuldade em configurar a Guerra do Iraque como uma intervenção humanitária, tendo em vista a inexistência de determinadas pré-condições, apontadas por Geoffrey Robertson, necessárias para tal configuração. Destaca-se, portanto, a falta de ocorrência de crimes contra a Humanidade, que seria um elemento-chave para justificar uma ingerência com fins humanitários.

A segunda argumentação utilizada para a análise da legalidade da Guerra foi o da legítima defesa. Tal argumento foi estabelecido como premissa em uma doutrina articulada pela Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Passou, então, a ser utilizada a expressão "legítima defesa preventiva", que seria uma extensão do direito de legítima defesa previsto no artigo 51 da Carta das Nações Unidas.

Não obstante, vários autores sustentam a impossibilidade de se justificar a invasão como um exercício da legítima defesa clássica, tendo em vista que alguns dos requisitos básicos para sua configuração não estariam presentes, tais como: a ocorrência de um ataque armado; a resposta direcionada ao atacante armado e proporcional nas circunstâncias; a finalidade de impedir ataques futuros; e a necessidade para remover a ameaça.

A terceira e última argumentação analisada, portanto, foi a de maior importância, tendo em vista que os próprios Estados intervenientes insistiram em legitimar sua guerra através das Resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Logo, mesmo diante da inexistência de uma disposição expressa do Conselho, autorizando a intervenção no Iraque, os países invasores buscaram legalizar a guerra com base na Resolução 1441, de 2002. Esta, segundo esse ponto de vista, teria reavivado todo o conteúdo disposto nas antigas resoluções da ONU que dispunham sobre o caso da invasão do Iraque no território do Kuwait, em 1990.

Contudo, os debates promovidos no Conselho de Segurança, na época, não indicavam a existência de uma automaticidade na Resolução 1441. Em face disso, muitos juristas chegaram à conclusão de que a referência às antigas Resoluções da ONU, contidas no preâmbulo da Resolução 1441, não restabelecia a permissão dos Estados-Membros de utilizarem da força contra o território iraquiano.

Mesmo diante de um grande impasse quanto à legalidade da guerra e diante da crescente mobilização contra a intervenção, o governo americano continua mantendo, até a presente data, tropas militares no território iraquiano.

Cumpre refletir, que a decisão adotada pelos EUA e pelo Reino Unido para empreender uma ação militar no Iraque, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, trouxe sérios riscos às regras do Direito Internacional, e possibilitou a formação de um certo descrédito com relação ao próprio poder de mando do Conselho quanto aos mais relevantes assuntos em pauta na Comunidade Internacional.

Vale salientar que as Nações Unidas não constituem uma garantia de paz mundial, mas representam um importante meio de comunicação diplomática entre os Estados, devendo, portanto, ser preservada. Ademais, pode-se dizer que as organizações internacionais, como um todo, têm um relevante papel na garantia do respeito ao Direito Internacional Humanitário, principalmente quando alguns países adotam políticas intervencionistas sobre outros, a exemplo dos EUA no Iraque, em que se abre um precedente para que outros Estados passem a agir de modo semelhante.

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NOTAS

1. In the end, each use of force must find legitimacy in the facts and circumstances that the state believes have made necessary. Each should be judged not on abstract concepts, but on the particular events that gave rise to it. While nations must not use preemption as a pretext for aggression, to be for or against preemption in the abstract is a mistake. The use of force preemptively is sometimes lawful and sometimes not. Operation Iraqi Freedom has been criticized as unlawful because it constitutes preemption. This criticism is unfounded. Operation Iraqi Freedom was and is lawful. (TAFT IV; BUCHWALD, 2003, p. 557)

2. SCR 687 did not repeal the authorisation to use force in paragraph 2 of SCR 678. On the contrary, it confirmed that SCR 678 remained in force. The authorisation was suspended for so long as Iraq complied with the conditions of the ceasefire. But the authorisation could be revived if the Council determined that Iraq was acting in material breach of the requirements of SCR 687. (FOREIGN, 2003).

3. Coalition forces have commenced military operations in Iraq. […]. The actions being taken are authorized under existing Council resolutions: including resolution 678 (1990) and resolution 687 (1991). Resolution 687 imposed a series of obligations on Iraq, including most importantly, extensive disarmament obligations, that were the conditions of the cease-fire established under it. It has been long recognized and understood that a material breach of these obligations removes the basis of the ceasefire and revives the authority to use force under resolution 678. This has been the basis for coalition use of force in the past and has been accepted by the Council, as evidenced, for example, by the Secretary General''s public announcement in January 1993 following Iraq''s material breach of resolution 687 that coalition forces had received a mandate from the Council to use force according to resolution 678. (NEGROPONTE, 2003).

4. Authority to use force against Iraq exists from the combined effect of resolutions 678, 687 and 1441. All of these resolutions were adopted under Chapter VII of the UN Charter, wich allows the use of force for the express purpose os restoring international peace and security. (GOLDSMITH, 2003)

5. Military conflict in Iraq will have the full legitimacy of international law. I make this statement as someone who is a multilateralist by nature.[…] There are three requirements if Security Council members The United States, Britain and Spain are to lead an international coalition to enforce the council''s resolutions on Iraq. First, there must be a clear and unequivocal duty on Iraq to comply with council resolutions. Second, there must be a clear and unequivocal breach of that duty. Third, there must be a legitimate and continuing authority for enforcing those actions. All are present. (HUNT, 2003)

6. The facts did not support the case for preemption, as there was neither imminence nor necessity. As a result, the Iraq War seemed, at best, to qualify as an instance of preventive war, but there are strong legal, moral, and political reasons to deny both legality and legitimacy to such a use of force. It is not acceptable exception to the Charter System, and no effort was made by the US Government to claim a right of preventive war, although the highly abstract and vague phrasing of the preemptive war doctrine in the National Security Strategy of the USA would be more accurately formulated as "a preventive war doctrine." (FALK, 2003).

7. […] the National Security Strategy goes too far and represents neither good law nor good policy. [The US] can protect itself in this new age of suicidal terrorism and nuclear proliferation without resorting to the Bush doctrine. (GARDNER, 2003 apud McGOLDRICK, 2004, p. 71).

8. What this doctrine does is to destroy the goal of a world in which states consider themselves subject to law, particularly in the matter of standards for the use of violence. That concept would be replaced by the notion that there is no law but the discretion of the President of the United States. (AL GORE apud CERF; SIFRY, 2003, p. 325).

9. If the U.S. and others were to go outside the Council and take military action, it would not be in conformity with the Charter. (ANNAN, 2003).

10. It was only a warning to Iraq that the decision on the revival of such an authorization could be taken by the Security Council. (McGOLDRICK, 2004, p. 80).

11. It is simply unacceptable that a step as serious and important as a massive military attack upon a State should be launched on the basis of a legal argument dependent upon dubious inferences drawn from silences in Resolution 1441 and the muffled echoes of earlier resolutions, unsupported by any contemporary authorisation to use force. No domestic court or authority in the United States or the United Kingdom would tolerate governmental action based upon such flimsy arguments. (LOWE, 2003, p. 866).

12. Unless we have an international legal system in which all states ultimately, rather than merely initially, exercise a right of auto-interpretation, then one is forced to the conclusion that the better view of international law in 2003 is that the US and the UK acted illegally. (McGOLDRICK, 2004, p. 85).


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Leandro Guerreiro C. Pinheiro

Procurador municipal, pós-graduando em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo UNIPÊ, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Leandro Guerreiro C.. Guerra do Iraque: análise de sua legalidade frente ao direito internacional contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2178, 18 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13002. Acesso em: 25 nov. 2024.

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