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Generalização dos direitos fundamentais como cidadania para todos: os direitos sociais e a realidade da exclusão social

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Sumário:1 Introdução – 2 A evolução dos direitos fundamentais (a obra dos excluídos) – 3 A exclusão social como obstáculo à cidadania e à democracia – 4 Os efeitos da globalização da economia sobre o quadro da exclusão social – 5 Considerações finais – 6 Referências Bibliográficas


1 Introdução

O objetivo deste estudo é analisar o acesso à cidadania como elemento de generalização dos direitos fundamentais nos sistemas democráticos, utilizando-se como base o texto "Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por um sistema democrático?", de Friedrich Müller, com apoio das obras de Gregório Peces-Barba e José Damião de Lima Trindade, respectivamente: "Los derechos económicos, sociales y culturales: su génesis y su concepto" e "História social dos direitos humanos".

Inicialmente far-se-á um resgate histórico da evolução dos direitos sociais com o escopo de demonstrar os momentos históricos em que as conquistas dos excluídos representaram uma evolução nos direitos humanos. Essas vitórias demonstram que progressiva transformação desses direitos se deu por obra dos excluídos.

No passo seguinte será abordada, a partir de Friedrich Müller, a exclusão social como obstáculo à democracia, pois sem a efetivação dos direitos decorrentes da cidadania não se pode falar em democracia.

Por fim serão analisadas as conseqüências do processo de globalização como fator que produziu nos últimos anos o aumento da exclusão econômica e, por conseqüência, das exclusões social, política e jurídica de boa parte da população mundial.


2 A evolução dos direitos fundamentais (a obra dos excluídos)

Antes de se dedicar especificamente ao estudo da generalização dos direitos fundamentais, é de extrema importância, para compreensão do momento social que estamos vivendo, analisar os fatores históricos e sociais que levaram ao reconhecimento desses direitos.

José Damião de Lima Trindade, questionando acerca da razão pela qual não se buscou o reconhecimento dos direitos, nos moldes em que conhecemos hoje, antes do século XVIII, responde que

Parece claro que os oprimidos, os explorados e humilhados de todos os tempos sempre estiveram "preparados" para obter liberdade, igualdade, respeito – quase nunca deixaram de aspirar a isso ou de lutar por isso. Uma outra parte da humanidade – os que foram, são ou pensam que poderão vir a ser beneficiários da exploração, opressão ou intolerância que exercem – é que parece estar sempre "despreparada" para aceitar que aquela maioria tenha acesso a tudo isso. Outra resposta, do mesmo senso comum, poderia ser: faltavam aqueles "grandes homens", com "grandes idéias", que só no século XVIII surgiram para "inspirar" ou "conduzir" as pessoas.

Esse argumento também não resiste à verificação. [...] Não basta a simples existência de idéias transformadoras para que o mundo se transforme. É necessário, como se sabe, que as idéias conquistem um grande numero de seguidores dispostos a colocá-las em prática, mesmo correndo riscos, o que só acontecerá se eles se convencerem, mesmo de modo algo intuitivo, de que essas idéias vão na mesma direção, tornam mais clara ou organizam a luta que já travam por seus interesses, necessidades ou aspirações coletivas. Depois, será preciso ainda que estejamos diante de condições sociais e históricas que favoreçam, ou não impossibilitem, a mudança pretendida e que, alem disso, os interessados consigam desenvolver os meios apropriados para vencer a resistência, sempre feroz, dos que se opõem à transformação. [01]

Partindo dessa explicação podemos entender a origem da luta pelos direitos humanos e, de certa forma, igualmente se esclarece, ao menos em parte, a razão pela qual ainda hoje se toleram exclusões sociais mesmo que tendam a impedir o exercício da cidadania e a própria democracia.

Entretanto, o cenário encontrado no século XVIII oportunizou a propagação de novos pensamentos que combateram o modo de produção feudal predominante até aquele período.

A evidente exclusão social representada pela imobilidade social (caracterizada na França pelos privilégios de nascimento característicos de cada um dos três estados [02] – clero, nobreza e plebeus) já não satisfaziam uma parcela muito ativa e influente: a burguesia [03], que exaltava as relações sociais capitalistas [04] e era extremamente influenciada pelo modo de pensar racionalista da época. [05]

Na Revolução Francesa, assim como na Revolução Americana, a imposição de impostos e taxas foram determinantes para principiar tais eventos transformadores. Porém, a revolta e a participação popular foi muito mais presente na França que na América (onde a revolta foi mais presente entre os colonos e "não transformou a estrutura econômico-social já estabelecida internamente [...] nem alterou o modo de viver, produzir e se relacionar a que estavam habituados os colonos" [06]). Em verdade, o grau de miserabilidade [07] que viviam os parisienses no final do século XVIII os levou a pegar em armas e fazer efetivamente uma revolução.

As conseqüências dessas revoluções transformaram o mundo, tendo a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, se tornado um marco histórico na defesa dos direitos humanos. Essas revoluções representaram também um engrandecimento da soberania do povo [08] por meio do poder constituinte.

Las revoluciones del fin del siglo XVIII, primero la americana y después la francesa, representan en este sentido un momento decisivo en la historia del constitucionalismo, porque sitúan en primer plano un nuevo concepto y una nueva práctica que están destinados a poner en discusión la oposición entre la tradición constitucionalista y la soberanía popular. […] En el ejercicio del poder constituyente estaba contenida una indestructibilidad expresión de la soberanía, con la que todo un sujeto colectivo pretendía reconstruir toda una nueva forma política. [09]

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José Damião de Lima Trindade destaca que após esse período – acrescendo aqui as conseqüências decorrentes da Revolução Industrial, mormente no tocante às questões relacionadas ao trabalho – os ideais dos direitos humanos vão aos poucos mudando de mãos, o que faz também com que mudem de enfoque. [10] Essa passagem se dá em virtude da mudança de paradigma pela qual passaram os liberais que já haviam, como visto, conquistado as liberdades econômicas almejadas na primeira fase da Revolução Francesa. Isso faz com que de revolucionários contestadores liberais acabem se desvirtuando em conservadores por terem atingido um posto que lhes era conveniente, uma vez que a ausência de liberdades como a de expressão e de impressa, por exemplo, não prejudicavam os negócios, tampouco o desenvolvimento econômico.

Entretanto, em relação aos trabalhadores a insígnia da liberdade de assalariamento não se tornou satisfatória e a igualdade também não ultrapassou a fronteira da teoria, sendo mantidos os privilégios restritos a poucos, incluso o direito ao voto que permanecia censitário.

Nesse contexto que ocorre na passagem do século XVIII para o século XIX, o discurso dos direitos humanos muda de foco, passando de generosos e universais para uma versão direcionada para os interesses da classe burguesa, como mencionado, justamente em virtude de essa casta ter atingido o patamar desejado às custas do sonho e da energia de um povo proletário iludido por um discurso envolvente de ampliação de direitos – tidos como fundamentais – e de uma melhoria de condições sociais.

Ao se verem excluídos da repartição dos frutos colhidos pelas revoluções, os trabalhadores ensejaram uma união de forças para seguir em busca do que lhes foi oferecido e não repartido quando conquistado. A partir da década de 1820 o socialismo [11] começa a tomar vulto, pregando um ideal de igualdade social, considerando que os males da sociedade eram provenientes da desigualdade nascida da propriedade privada.

Contudo, embora o socialismo não tenha conseguido superar as decepções sociais, obteve êxito ao inaugurar uma crítica moral ao capitalismo, propiciando elementos basilares às lutas dos trabalhadores por seus direitos humanos. [12]

Nesse mesmo contexto, Karl Marx destaca que o homem agraciado com os frutos da Revolução Francesa não foi o homem universalmente considerado, mas o homem burguês, "separado dos outros homens da sociedade" [13]. A crítica de Marx destaca que a liberdade é o limite de atuação do homem sem interferir na esfera do próximo, alçando-a ao patamar de direito individual. Isso caracteriza a distinção existente entre a burguesia e os outros integrantes da sociedade, numa translúcida imagem de exclusão social e de luta de classes. [14]

A Liga dos Justos, em 1838, que buscava a concretização dos princípios estabelecidos nos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como a Liga dos Comunistas, em 1847, que pretendia derrubar a burguesia em busca de uma nova sociedade sem classes e sem propriedade privada, [15] refletiam a luta gerada pela exclusão social, característica da época.

Todavia, após a década de 50 do século XIX, com a derrota desses movimentos, o capitalismo se consolida e se expande até os limites nos quais ainda não havia chegado, em um movimento cíclico de expansões e crises, que contudo não foram suficientes para que sucumbisse.

Por outro lado, em cada uma dessas crises pela qual passava o capitalismo, uma nova leva de miseráveis surgia e era lançada à margem da sociedade, num movimento migratório contínuo que é possível traduzir como uma fuga generalizada, somente enfraquecida no início do século XX.

No Brasil a abolição da escravatura, em 1888 [16], fez com que uma multidão de negros libertos fossem lançados em uma sociedade discriminatória e que não oferecia recursos para sua integração, o que ampliou ainda mais os fatores de exclusão social.

Grupamentos de ideais comuns em busca de direitos e de alguma forma de inserção social foram se avolumando, o que resultou, nos Estados Unidas e na França, na greve das operárias de Nova York em março de 1857 [17], na Comuna de Paris em 1871 [18] e nos oito mártires de Chicago em 1896 [19]. Cabe destacar que todos esses episódios, a exemplo dos demais, foram marcados por fervorosos embates, inclusive com lutas corporais.

No final do século XIX os trabalhadores do sexo masculino haviam conquistado direitos políticos. Contudo, no transcorrer do século XX as pressões operárias e camponesas continuaram forçando a expansão dos direitos humanos, numa progressiva incorporação jurídica de direitos econômicos e sociais que não haviam sido atingidos nas revoluções burguesas. Isso ocorre de forma progressiva, ganhando inclusive efetividade prática para muitos, criando esperanças para a efetivação da jura de universalização.

O século XX se caracteriza justamente pela luta contra os processos ditatoriais instaurados. Nesse sentido, a primeira revolução popular vitoriosa do século XX foi a Mexicana de 1910 [20], ocasião em que um setor da classe dominante formulou uma aliança com os camponeses para, em conjunto, laçarem-se à luta armada contra uma nova fraude eleitoral na qual o ditador teria amealhado praticamente todos os votos, numa guerra civil que durou dez anos e causou um milhão de mortes.

Buscavam os revolucionários mexicanos, em sua Constituição Revolucionária, um sistema democrático capaz de promover a economia, a vida social e cultural do povo, detalhando cuidadosamente os direitos sociais dos trabalhadores, em um sistema capitalista humanitário. Todavia, novamente as conquistas não saíram do papel, mas permaneceram na lembrança do seu povo. Assim, pode-se constatar que embora vitoriosa, não atingiu com êxito as promessas de avanço nas reformas sociais.

Na Rússia e na Alemanha os resultados não foram diferentes [21]. As Constituições desse período em Weimar [22] e na Rússia [23] – cada qual com suas peculiaridades – foram um tanto quanto mais tímidas do que a mexicana, numa busca por um ponto de equilíbrio na luta de classes suficiente para a satisfação comum. As lutas sociais em massa tiveram lugar inclusive nos países de periferia, forçando da mesma forma as elites a fazerem concessões em busca da constante necessidade de inclusão e minoração das diferenças sociais.

Esse cenário sofre alterações com o final de Segunda Guerra Mundial, oportunidade em que surge, em 1945, a Organização das Nações Unidas - ONU, numa perspectiva de resgate da noção de direitos humanos, quando a sociedade internacional toma conhecimento das atrocidades impostas aos perdedores do Grande Embate [24].

No transcorrer da segunda metade do século XX a maioria dos países aderiu aos mecanismos internacionais de defesa e promoção dos direitos humanos. Incorporaram em suas constituições normas que apontam para o mesmo norte. Contudo, o direito positivo não se tornou um retrato fiel do mundo real.

Nas décadas de 30 a 60, as classes dominantes se viram obrigadas a ceder à pressão promovida pela força sindical organizada e pelos movimentos ascendentes de esquerda, atendendo às concessões dos trabalhadores, no intuito de afastar o risco de novas revoluções sociais. Os referidos movimentos se avolumam de tal maneira que, no final da década de 60, numa tentativa de frear as conquistas sociais, uma série de golpes de Estado circunda o planeta, atingindo o ponto de serem pouquíssimos os países das Américas Central e do Sul que não se encontravam sob um regime ditatorial, com o apoio dos Estados Unidos [25].

Amenizado o pesadelo que representavam os levantes sociais para as classes dominantes, na década de 80 uma onda de redemocratização toma conta do Globo, acompanhada da internacionalização dos mercados, do capitalismo e do neoliberalismo. Tudo isso com o propósito de modernizar, liberalizar e integrar a economia mundial, sem, todavia, analisar o custo social dessas "reformas". [26]

Os resultados vêm por meio de estatísticas que demonstram o aumento da acumulação de riquezas por poucos e o aumento desenfreado da pobreza em torno do planeta. Nesse sentido, em 1996 um bilhão de pessoas, o equivalente a 30% da população ativa do planeta, encontra-se desempregada, o que foi acompanhado da precarização das relações de trabalho num ritmo de retrocesso acelerado como nunca visto. [27]

Com efeito, após séculos de experiências, reivindicações e revoluções, continua-se vivendo com a antiga contradição que pairou nos tempos da primeira Revolução Industrial, na qual há a prevalência do cinismo das elites, num processo de espoliação e exclusão social que se aprofunda cada vez mais. Certamente, as opressões historicamente promovidas em face dos econômica e socialmente menos favorecidos, cumuladas com o considerável grau de supressão das aspirações coletivas, serão elementos capazes de ensejar eventos de dimensões grandiosas em favor de uma busca incessante por melhores condições de vida.

Liszt Vieira afirma que

Um Estado Democrático é aquele que considera o conflito legítimo. Não só trabalha politicamente os diversos interesses e necessidades particulares existentes na sociedade como procura instituí-los em direitos universais reconhecidos formalmente. [...]

A cidadania, definida pelos princípios da democracia, constitui-se na criação de espaços sociais de luta (movimentos sociais) e na definição de instituições permanentes para a expressão política

(partidos, órgãos públicos), significando necessariamente conquista e consolidação social e política. [28]

Portanto, resta evidenciado que a evolução dos direitos humanos deu-se por obra dos excluídos, por meio de suas revoluções, conflitos e movimentos. Nesse cenário de lutas sociais não se deve distanciar da análise que a exclusão social acarreta no exercício da cidadania e suas conseqüências à democracia.


3 A exclusão social com obstáculo à cidadania e à democracia

Democracia seria "um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos", identificando-se como uma forma contraposta a todas as formas de governo autocrático [29].

O processo de escolha e de legitimação fica a cargo do povo, cuja definição se mostra importante para que em seu conceito possa estar a maior parcela possível da população de um território, e não apenas uma pequena parte.

Nessa linha de pensamento cabe a diferenciação entre povo-ativo (detentor de direitos eleitorais), povo como instância de atribuição (do qual fariam parte os titulares de direitos de nacionalidade, em relação aos quais os atos legais do poder do Estado são dirigidos) e, por fim, povo-destinatário (composto por toda a população, sem exceções). [30]

A efetivação das promessas da democracia passa pela necessária inclusão no processo político da maior parcela possível do povo destinatário, notadamente de parcelas populacionais que em virtude de processos de exclusões econômica, social e política não têm tido a necessária participação.

Assim surge a idéia de democracia avançada, que se constituiria como

um nível de exigência aquém do qual não se pode ficar, se ainda quisermos falar de uma forma de democracia. É um nível de exigências com vistas ao mundo, pelo qual as pessoas nesse território são tratadas concretamente – não como súditos nem como seres subumanos (untermenschen), mas individualmente como membros de um povo soberano, do povo-destinatário que pode legitimar a totalidade do poder organizado de Estado – juntamente com o povo ativo e o povo como instância de atribuição. [31]

Outrossim, quando se fala em democracia, não é suficiente destacar a regra da maioria ou a atribuição do poder decisório a um elevado número de cidadãos, sendo indispensável que

aqueles que são chamados a decidir ou eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. Para que se realize esta condição é necessário que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. [32]

Aqui se impõe destaque para dois aspectos essenciais ao processo de escolha do qual participa o eleitor. O primeiro concerne à capacidade de discernimento daquele que vota, o que passa necessariamente pelo engajamento na discussão política como fator imprescindível para a formação de sua consciência política [33]. O segundo aspecto é decorrência natural do primeiro, concernindo à capacidade de discernir do eleitor e, assim sendo, a de fazer a melhor escolha.

A incapacidade do Estado de promover a integração efetiva de parcelas populacionais marginalizadas tem-se mostrado como um dos grandes obstáculos à efetivação das promessas da democracia.

Analisando o tema das promessas não cumpridas, Bobbio destaca, entre outras, que a democracia não foi capaz de derrotar o poder oligárquico, a eliminar o poder invisível de grupos que se mantêm à margem do Estado, porém com força para participar dos processos decisórios (como a máfia, por exemplo), bem assim, a garantia de acesso à educação para a cidadania - como resultado de práticas democráticas. [34]

Somente com a efetivação dos direitos decorrentes da cidadania haverá a real integração de todas as parcelas do povo no processo político, quando então será possível falar em democracia.

Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar e ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. [35]

A sociedade capitalista produziu imensa desigualdade social, conforme demonstram dados estatísticos, o que tem importado o aumento contínuo do número de pessoas sem ocupação (e sem oportunidade próxima de encontrar trabalho), além do aumento da economia informal, do número de indigentes, do número de crianças trabalhando, da marginalização, da criminalidade, da violência e de outras mazelas, mostrando-se o Estado muitas vezes incapaz de encontrar solução para a grave crise.

A OIT anuncia que 246 milhões de crianças entre cinco e dezessete anos trabalham no mundo, sendo cento e setenta milhões em trabalho perigoso ou insalubre. No Brasil, com a mesma idade, trabalham 6,6 milhões, 870 mil em condições agressivas, 560 mil crianças trabalham como domésticos, 229 mil entre cinco e quinze anos. Muitos trabalham em troca de casa e comida, sem nada receber. 8,4% vivem na prostituição. [...] E quantos são os indigentes do País ? Para o Banco Mundial, 15 milhões, 9% da população; 22 milhões para o Ipea, 13%; 44 milhões ou 26% segundo o Instituto da Cidadania ou 50 milhões

conforme a Fundação Getúlio Vargas, nada menos do que 29,3% de nosso povo. [36]

Citando Hegel, na obra Lineamentos Fundamentais da Filosofia do Direito, Friedrich Müller sustenta que a exclusão econômica conduz à exclusão sócio-cultural, produzindo desinteresse político, o que seria a "reação em cadeia de exclusão", vitimando o Estado de Direito, o Estado de Bem-Estar Social e a própria democracia. [37]

Analisando os efeitos da exclusão econômica, Müller aponta a apatia política de razoável parcela populacional, que não participa de forma efetiva dos processos decisórios.

Nessa linha estabelece uma relação entre a quantidade dos atingidos pela exclusão social e a quantidade de votantes que legitimou algumas escolhas eleitorais dos últimos anos. [38]

Quanto ao Brasil, destaca que 27% da população está abaixo da linha de pobreza, o que significaria também sua exclusão dos processos de decisão política, ainda que existente na legislação o voto obrigatório. [39]

Nesse sentido aponta abstenção global nas eleições presidenciais de 1998 da ordem 36,17% (computados o não-comparecimento de eleitores, os votos nulos e os votos em branco). [40]

Em relação aos Estados Unidos da América (onde 12% da população vive abaixo da linha de pobreza), menciona o autor a participação de apenas 25% do eleitorado quando do pleito de reeleição de Clinton em 1996, e 36% nas eleições para o Congresso em 1998, dados que de fato colocam em dúvida a legitimação dos eleitos e sua efetiva representatividade. [41]

Outro aspecto relevante da "reação em cadeia" decorrente da exclusão econômica, seria a exclusão jurídica resultante da incapacidade do Estado de garantir ao cidadão o acesso e a efetivação dos direitos humanos constitucionalmente garantidos. Seria a exclusão jurídica. [42]

Quanto ao tema - exclusão jurídica -, ao delimitar o conteúdo dos direitos sociais, Peces-Barba alça como justificação dos direitos econômicos, sociais e culturais a resolução de uma carência em relação a uma necessidade básica que impede o desenvolvimento como pessoa. Com efeito, a assistência judiciária certamente tem conteúdo econômico, mas é um direito de segurança jurídica, incluído na primeira geração [43] dos direitos individuais e civis. [44]

Sobre os autores
Narbal Antônio Mendonça Fileti

Juiz do Trabalho Titular na 12ª Região (SC). Especialista em Teoria e Análise Econômicas e em Dogmática Jurídica pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Professor do Curso de Graduação em Direito da UNISUL, do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da AMATRA 12 e da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC e da Escola Superior da Advocacia - OAB/SC. Membro Efetivo do Conselho Fiscal da ANAMATRA (2003-2005). Atual 1º Vice-Presidente da AMATRA 12 (SC). Autor da obra "A Fundamentalidade dos Direitos Sociais e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social", Editora Conceito.

Fernando Pagani Mattos

Advogado. Especialista em Direito do Trabalho pela AMATRA XII. Mestrando em Ciência Jurídica pela UNIVALI.

Guilherme Machado Casali

Advogado do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Joinville/SC - IPREVILLE. Mestrando em Ciência Jurídica pela UNIVALI.

Daniel Natividade Rodrigues de Oliveira

Juiz do Trabalho da 12ª Região, Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) e da Escola da Magistratura do Trabalho da AMATRA 12, Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILETI, Narbal Antônio Mendonça; MATTOS, Fernando Pagani et al. Generalização dos direitos fundamentais como cidadania para todos: os direitos sociais e a realidade da exclusão social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2181, 21 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13029. Acesso em: 23 dez. 2024.

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