Resumo: A afetividade nos tempos atuais configurou-se como um novo critério para a aferição da existência do vínculo parental, fundado no melhor interesse da criação e na dignidade da pessoa humana. Não há mais no direito a possibilidade da distinção dos filhos gerados na constância do casamento, fora dele, ou ainda por adoção. E é justamente na adoção que estão inseridas as modalidades de filiação baseadas no afeto, ainda que sem a tutela integral do direito. Essas novas configurações de entidades familiares geram efeitos não só no Direito Civil, como também em outros ramos do direito, como ó caso do Eleitoral. Assim, o presente artigo pretendeu discutir as implicações da filiação socioafetiva no direito eleitoral no que tange à inelegibilidade prevista pelo art. 14, § 7º, CF.
Palavras-chave: Constituição Federal – Direito Eleitoral – Filiação – Afeto – Inelegibilidade.
Sumário: Introdução. 1. Direitos Políticos. 1.1. Direitos Políticos Negativos. 1.1.1. Inelegibilidades. 1.1.1.1. Inelegibilidades Absolutas. 1.1.1.2. Inelegibilidades Relativas. 2. As hipóteses de inelegibilidade previstas no artigo 14, § 7º, CF/88. 3. Noções gerais de filiação. 4. A filiação no Direito Brasileiro. 4.1. O alcance do artigo 1.593 do Código Civil Brasileiro. 5. Socioafetividade. 6. A filiação sócioafetiva. 6.1. Posse do estado de filho. 6.2. Espécies de filiação sócioafetiva. 7. Os "filhos de criação". 7.1. O reconhecimento dos "filhos de criação". 8. A repercussão da filiação sócioafetiva no Direito Eleitoral. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Em razão dos novos paradigmas constitucionais, o instituto da filiação foi renovado ao tratar da afetividade como seu elemento principal, deixando em segundo plano o simples caráter biológico que sobrepujava todo seu fundamento.
Diante de tais inovações, surge para o direito eleitoral o fato da inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, CF/88 se restringir apenas à filiação constituída em cartório ou também por aquela determinada por sentença judicial.
Atrelada a este fato, aparece a questão se a filiação sócio-afetiva pode ser impedimento para a candidatura, bem como se a sentença que porventura impeça a candidatura pela filiação sócio-afetiva poderá servir como constituição de parentesco em linha reta descendente.
Em todas as situações previstas como causas de inelegibilidade previstas no artigo 14, § 7º de nossa Carta Magna, está presente, pelo menos em tese, forte vínculo afetivo, capaz de unir pessoas em torno de interesses políticos comuns. Por essa razão, sujeitam-se à regra constitucional do referido artigo.
O termo "adoção", empregado pela Constituição no artigo supra citado, não revela verdadeiramente a realidade enfrentada pela família brasileira, visto que no Brasil a "adoção à brasileira" e a adoção de fato estão presentes no cotidiano da sociedade.
A adoção, em qualquer de suas formas, fundada, sobretudo, no amor, respeito e reciprocidade, não comporta distinção entre aquela realizada por meio do judiciário ou via registro civil, daquela fundada basicamente na afetividade entre adotando e adotante, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro enfatiza a família estabelecida à luz do princípio da afetividade, sendo inadmissível não se reconhecer juridicamente uma relação de afeto tão forte como é aquela que existe entre filhos e irmãos de criação.
O Direito deve ser analisado intersubjetivamente, não podendo desconsiderar que os efeitos da filiação por afeto são tão fortes quanto os da consangüínea, ou, em certos casos, até superam os efeitos desta última, sendo suficientemente capazes de criar entre os parentes sócio afetivos laços que girem em torno de um interesse político comum.
O fato do Direito Eleitoral ter buscado no Direito de Família elementos para corroborar seus julgamentos, torna de grande importância o assunto em questão, uma vez que o afeto como principal instrumento de ligação familiar é suficientemente forte para influenciar na teoria da inelegibilidade.
Torna-se necessário coibir qualquer forma de dominação política por parte de um mesmo grupo familiar, pois a história brasileira autoriza a presunção de que os componentes de uma mesma família, quando no poder, se organizam em torno dos mesmos interesses políticos e privados, o que não tem se mostrado benéfico ao país.
Necessita-se dessa forma, inserir no contexto do Direito Eleitoral as relações parentais fundadas na afetividade como forma de inelegibilidade, para que assim tais entidades familiares passem a ter um reconhecimento pleno frente ao Direito Brasileiro.
Analisar a possibilidade da filiação sócio-afetiva ser causa de inelegibilidade a cargo de Chefe do Executivo, diante da nova realidade da família brasileira regida pelos laços de afeto.
Pretende-se discutir no presente artigo, a necessidade do reconhecimento da filiação sócio-afetiva no campo do Direito Eleitoral, visto que, quando este busca no Direito de Família elementos para corroborar seus julgamentos, há que considerar-se o afeto com força suficiente para influenciar na teoria da inelegibilidade.
1. DIREITOS POLÍTICOS
Direitos Políticos são aqueles instrumentos oferecidos pela Carta Magna, que asseguram ao cidadão brasileiro o exercício da soberania popular atribuindo poderes ao mesmo para interferir na condução do Estado.
De acordo com Alexandre de Morais1:
É o conjunto de regras que disciplinam as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o caput do art. 14. da CF/88. São direitos políticos subjetivos que investem o individuo no status active civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania.
Segundo Pimenta Bueno2:
São prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos. São o Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito da vontade ou eleitor, o direito de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado.
São direitos políticos, a nacionalidade e a cidadania, soberania popular, direito de sufrágio, capacidade eleitoral ativa, direito de voto, alistabilidade e elegibilidade.
A nacionalidade e a cidadania provêm da qualidade da pessoa que nasce no território brasileiro, ou seja, é o vínculo por nascimento ou naturalização. A nacionalidade é pressuposto à cidadania, uma vez que sem aquela impossível esta, visto que só o nacional brasileiro poderá ser cidadão brasileiro.
A soberania popular consiste no poder atribuído ao povo para elaborar sua Constituição através de seus representantes, para decidir que tipo de direito é valido para a coletividade, onde o poder emana do povo. Segundo José Junior Cretella é o "poder de um homem ou de uma coletividade que senhores, povo para decidir, enquanto ao futuro de um grupo, é por esses fatos senhores de todo ordenamento jurídico".
O direito de sufrágio é a essência dos direitos políticos. É a capacidade de eleger e ser eleito, ou seja, capacidade eleitoral ativa, o direito de votar, e capacidade passiva,o direito de ser votado.
O sufrágio é universal quando o direito de votar é concedido a todos os nacionais independente de fixação de condições de nascimento, econômicas culturais e de outras condições especiais.3
A capacidade eleitoral ativa consiste na capacidade do cidadão em votar para escolher seus representantes em uma democracia representativa, de ser eleitor propriamente dito. Já a capacidade passiva consiste na capacidade que o cidadão tem de ser votado, de ser eleito.
Direito de Voto é o exercício do direito de votar. O voto é direito intransferível, podendo somente ser exercido pelo titular. Em regra há a obrigatoriedade do voto para os maiores de 18 anos, salvo os maiores de 70 anos, além dos maiores de 16 e menores de 18. Entretanto estes últimos, uma vez alistados passam a possuir a obrigatoriedade de votar. A obrigatoriedade no entanto, se verifica apenas no de comparecer às urnas para votar, não sendo o cidadão obrigado a votar em algum candidato, uma vez que possui a faculdade de votar em branco ou até mesmo anular seu voto.
A alistabilidade é a aquisição dos direitos políticos que se faz mediante o alistamento eleitoral, obtida no juízo eleitoral do domicilio em que se esta fazendo o alistamento. Com isso, garante-se o direito de votar e ser votado desde que preencha os requisitos necessários constitucionais e as condições legais necessárias à inscrição como eleitor.
Por fim, a elegibilidade é a capacidade eleitoral passiva, dando ao cidadão determinados poderes políticos, mediante eleição popular, desde que se preencham determinados requisitos,
denominados condições de elegibilidade, que são: a nacionalidade brasileira ou condição de português equiparado, o pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicilio eleitoral na circunscrição e filiação partidária.
Há que ser preenchido ainda o requisito da idade mínima para ser eleito, conforme prevê o artigo 14, 14, § 3, VI, da Constituição, sendo de 35 anos para Presidente e Vice-Presidente da Republica e Senador, de 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e Distrito Federal, de 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice Prefeito e Juiz de paz, e de 18 anos para Vereador.
1.1. Direitos políticos Negativos
Os direitos políticos negativos são um conjunto de regras que privam definitivamente ou temporariamente o cidadão, que se da pela perda ou suspensão dos mesmos. Os direitos políticos negativos caracterizam-se em privações do cidadão no que tange à condução dos órgãos governamentais, devido à impedimentos.
Na definição de Alexandre de Moraes4:
Os direitos políticos negativos correspondem às previsões constitucionais que restringem o acesso do cidadão à participação nos órgãos governamentais, por meio de impedimentos às candidaturas. [...] A inelegibilidade consiste na ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato e, consequentemente, poder ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania. Sua finalidade é proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influencia do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, § 9, CF).
1.1.1. Inelegibilidades
As inelegibilidades são impedimentos, situações que impedem determinada pessoa de ser candidata a um cargo eletivo, em razão de determinada circunstância. Em suma, observa-se a inelegibilidade diante da ausência da capacidade de ser elegível.
As inelegibilidades podem ser absolutas ou relativas.
1.1.1.1. Inelegibilidade Absoluta
As inelegibilidades absolutas consistem em impedimentos eleitorais para qualquer cargo eletivo, atingindo de forma total o direito do cidadão de ser eleito.
As inelegibilidades absolutas estão previstas no art. 14, § 6, CF, dispondo que são inelegíveis os inalistáveis (os estrangeiros e os conscritos) e os analfabetos. Além disso, mesmo possuindo capacidade para alistar-se eleitoralmente, os jovens entre 16 e 18 anos são absolutamente inelegíveis, pelo fato de não possuírem a idade mínima para concorrerem a qualquer cargo público.
1.1.1.2. Inelegibilidade Relativa
As inelegibilidades relativas consistem em restrições que impedem a eleição do cidadão para determinados cargos, em razão de circunstâncias ou motivos específicos.
Segundo Alexandre de Moraes5:
As inelegibilidades relativas, não estão relacionadas com determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se, mas constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão. [...]O relativamente inelegível possui elegibilidade genérica, porém, especificamente em relação a algum cargo ou função eletiva, no momento da eleição, não poderá candidatar-se.
As inelegibilidades relativas estão previstas no art. 14, § 5 ao §9, CF.
A inelegibilidade relativa ocorrerá por motivos funcionais, por motivos de casamento, parentesco ou afinidade, em relação aos militares e por previsões de ordem legal.
A inelegibilidade relativa por motivo funcional impede que o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito para os mesmos cargos, concorram ao mesmo cargo para um terceiro período subseqüente.
Da mesma forma, são relativamente inelegíveis, dentro do território de jurisdição do titular, o cônjuge, os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção quanto aos cargos de Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do DF ou de Prefeito. Aplica-se tal regra a quem tiver ocupado aqueles cargos em substituição nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de cargo eletivo e candidato a reeleição.
Já os militares podem ser eleitos desde que atendidas as condições impostas pelo parágrafo 8º do artigo 14 da Constituição Federal, quais sejam:
Se contar menos de 10 anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;
Se contar mais de 10 anos, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato de diplomação, para a inatividade.
Por fim, o artigo 14, parágrafo 9º da Carta Magna, autorizou a edição de lei complementar para regular outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, com a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato.
Dessa forma, a Lei Complementar 64/90, modificada pela Lei Complementar 81/94 disciplina tais casos de inelegibilidade.
3. NOÇÕES GERAIS DE FILIAÇÃO
A definição de filiação baseia-se fundamentalmente na relação de parentesco mais próxima existente. A filiação deve-se ao fato da união de uma pessoa àquelas que a geraram, bem como entre uma pessoa àquelas que lhe propiciaram carinho, amor e fraternidade, capazes de configurar uma relação apoiada no afeto, a denominada filiação sócioafetiva.
A evolução pela qual a entidade familiar foi submetida, não mais comporta a filiação baseada apenas na filiação biológica.
De acordo com Silvio Venosa, "sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos".6
Nos tempos hodiernos, devidos aos avanços científicos e tecnológicos, mesmo sendo possível obter-se uma afirmação quanto à filiação do indivíduo, nem sempre tal fato é absoluto, visto que o legislador deve considerar não só a verdade biológica, mas também as implicações de ordem afetiva que prevalecem na filiação.
O Código Civil de 1916 trazia normas que ignoravam os filhos advindos de uma relação adúltera, deixando à margem situações sociais que já faziam parte do cenário da família brasileira.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, profundas reformas foram inseridas no direito civil brasileiro, tais como a igualdade entre os filhos havidos no casamento, fora dele ou até mesmo por adoção.
Assim, o princípio da igualdade entre os filhos insculpido na Constituição Federal Brasileira faz com que mesmo aqueles filhos advindos de valoração sociológica e afetiva, equiparem-se àqueles oriundos do fator biológico.
4. A FILIAÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
A concepção do Código Civil de 1916, no que tange à filiação, fundou-se basicamente na idéia de filiação legítima, ilegítima ou adotiva.
Segundo o Código de 1916, os filhos legítimos eram aqueles concebidos na constância do casamento, mesmo que anulado ou nulo, desde que contraído de boa-fé. Havia no entanto situações em que poderia haver a legitimação do filho, equiparando-o aos filhos legítimos.
Quanto aos filhos ilegítimos, eram aqueles que não possuíam os pais unidos através de laços matrimoniais, distinguindo-os dentre os ilegítimos como os naturais e os espúrios.
Os filhos ilegítimos naturais eram aqueles que se descenderam de pais entre os quais não havia nenhum impedimento matrimonial, no momento em que foram concebidos
Já os filhos ilegítimos espúrios seriam oriundos da união de homem e mulher entre os quais havia impedimento matrimonial, sendo assim espúrios, os adulterinos e os incestuosos.
A adoção para o ordenamento jurídico anterior e para o vigente é uma forma artificial de filiação que tem a intenção de igualar a filiação natural, sendo também conhecida como filiação civil, pois o seu resultado não é de uma relação biológica, mas de uma exteriorização de vontade .
No entanto, com o advento da Constituição Federal de 1988 tais terminologias foram abolidas de nosso ordenamento jurídico por força do parágrafo 6º do artigo 227 da Carta Magna, que dispõe:
Art. 227. – [...]
§6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Além do mais, o princípio da igualdade, consagrado no art. 5º7, CF/88, contribui significativamente para que essas classificações quanto à filiação fossem extirpadas do ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, em conformidade com a Constituição, o Código Civil de 2002 trouxe importantes inovações relativas à filiação.
Prova maior disto é o artigo 1.5968 do Código Civil de 2002, que repete, na íntegra, o disposto no Art. 227, § 6º , da Constituição da República de 1988, que, em preservação da dignidade da pessoa humana, veda as desigualdades entre os filhos.
No magistério de Zeno Veloso9:
A Lei Maior não tem preferidos, não elegeu prediletos, não admite distinção em razão de sexo, aboliu por completo a velha ditadura dos varões e acabou, definitivamente, com a disparidade entre os filhos, determinando a absoluta igualdade entre eles, proibindo, inclusive, os designativos que funcionavam como autêntica maldição.
Na lição de Luiz Edson Fachin 10:
Esse preceito coroou uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, já que, durante muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos oriundos de matrimônio civil, sendo excluídos da "cidadania jurídica", em favor de uma falsa harmonia nas relações matrimoniais.
Assim, tornou-se vedada a classificação da filiação, feita no regime anterior, por ser discriminatória, assegurando à todos os filhos, independentemente de sua origem, os mesmos direitos.
Já o artigo 1.597 implementou inovações correlatas aos avanços científicos, visto que acresceu três hipóteses ao rol extraído do artigo 338 do Código anterior. Tais inovações referem-se aos incisos III, IV e V, que tratam dos filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido, os havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, e os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que haja prévia autorização do marido.
Outra mudança extremamente relevante foi inserida pelo artigo 1.593, que será discutido a seguir.
4.1. O alcance do artigo 1.593 do Código Civil
Diz o artigo 1.593 do Código Civil que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consaguinidade ou de outra origem.
A expressão "ou outra origem" caracteriza-se como sendo de conteúdo jurídico indeterminado, oferecendo ao intérprete o desafio de definir seu alcance.
Ao ser acrescido a expressão "ou outra origem" ao termo "adoção" previamente utilizado, pretendeu-se que essa nova redação tivesse uma abrangência maior que a adoção em si, visando alcançar também os filhos da reprodução heteróloga, os filhos de criação, entre outros.
Notório é que a afetividade afirmou-se hoje como o paradigma que orienta todas as questões do Direito de Família.
Nesse sentido, é coerente dizer que a idéia de afetividade deve estar presente na expressão "outra origem" do artigo 1.593 do Código Civil. Cabe ao Magistrado, concretizar essa norma, com fundamento nos princípios constitucionais e nos valores sociais da sociedade.
A doutrina tem contribuído muito bem para a elucidação da mens legis do art. 1.593, no que pertine ao alcance da idéia de parentesco.
Paulo Luiz Netto Lôbo 11 entende que "constituem parentescos de ‘outra origem’ os parentescos por afinidade e por adoção".
Para Sílvio Rodrigues 12:
Pelo artigo 1.593, será natural o parentesco consangüíneo ou de outra origem, assim acrescentado no texto quando da redação final elaborada pela Câmara dos Deputados, para contemplar a situação da inseminação artificial, em que o próprio Código também considera a paternidade presumida, com resultado idêntico à filiação consangüínea (art. 1.597).
Em comentários ao referido artigo, em obra coordenada por Heloísa Maria Daltro Leite, depara-se com a conclusão que:
Tem-se, assim, no art. 1.593. do novo Código Civil, elementos para a construção de um conceito jurídico de parentesco em sentido amplo, no qual o consentimento, o afeto e a responsabilidade terão papel relevante, numa perspectiva interdisciplinar. 13