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Justiça alternativa do trabalho.

Necessidade ou ficção?

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Agenda 05/07/2009 às 00:00

III – O DIREITO DO TRABALHO E OS CONFLITOS TRABALHISTAS NO BRASIL

Com a chegada do Século XXI e a constatação de que a globalização econômica veio para ficar, necessária se faz uma grande avaliação da aplicabilidade das regras do Direito do Trabalho em nosso país. As mudanças na economia universal, a revolução tecnológica e o aumento cada vez mais acentuado do número de desempregados, têm levado os estudiosos da Ciência do Direito e, em especial, do Direito do Trabalho, a repensarem novas formas de solução dos conflitos trabalhistas.

Essas profundas transformações sociais, que se têm operado no mundo todo, levaram governantes, juristas e pessoas interessadas em tentar resolver, da maneira mais prática possível, os cada vez mais freqüentes conflitos individuais e coletivos do trabalho. Políticas econômicas desastrosas, que têm contribuído para o fechamento ou a quebra de várias empresas e aumentado o número de pessoas sem emprego, são responsáveis, num percentual elevado, pelo surgimento de novos conflitos e pelo ajuizamento de inúmeras demandas na Justiça do Trabalho.

A justiça laboral, que foi concebida com o intuito de solucionar os possíveis conflitos decorrentes da relação do trabalho, de maneira mais célere, tem se tornado alvo fácil para críticas pela demora na solução desses conflitos.

Os cidadãos que dependem dessa Justiça já não agüentam mais tanto marasmo e exigem a criação de organismos ou de fórmulas alternativas, capazes de imprimirem celeridade na conclusão dos processos e conseqüente solução dos conflitos.

No nosso ordenamento jurídico já existem formas que, se aplicadas correta e freqüentemente, ajudariam bastante para a solução dessas pendências. Estamos falando da conciliação, da mediação, da negociação coletiva e, ainda, da arbitragem. As três primeiras integram, na opinião de Francisco Osani de Lavor [10], o tipo da autocomposição e a arbitragem, aliada às soluções jurisdicionais, a heterocomposição.

A conciliação é a forma mais praticada em nosso país. Voluntária, vez que inexiste a conciliação obrigatória entre nós, poderia render mais frutos se aplicada de forma preventiva e com mais intensidade, evitando o ajuizamento de ações junto aos Juízes.

A mediação, que é um processo de autocomposição do conflito, exige a participação de um terceiro indivíduo, escolhido pelas partes conflitantes. Não é muito freqüente no direito trabalhista brasileiro, verificando-se mais sua presença nas Delegacias Regionais do Trabalho.

A negociação coletiva, exigida até por dispositivo constitucional (art. 114, §§ 1.º e 2º, da CF 88), tem boa aplicabilidade, mas necessita de maior utilização e de melhor aprimoramento. Materializa-se através de três formas: as convenções coletivas, que são institutos de caráter normativo, oriundos de negociação entre representantes de empregados e empregadores; os contratos coletivos, resultantes de instrumentos normativos oriundos de negociação coletiva de âmbito nacional; e os acordos coletivos, também instrumentos normativos, só que gerados a partir de negociação entre as organizações representativas dos empregados com uma ou mais empresas, objetivando também a melhoria das condições de trabalho.

Temos também o instituto da arbitragem, outra forma alternativa de solução de conflitos de natureza trabalhista. Amparada pela Lei n.º 9.307/96, funciona a arbitragem sob duas modalidades: com cláusula compromissória autônoma e sem necessidade de homologação do laudo arbitral. No primeiro caso, as partes se obrigam a um juízo arbitral. No segundo, não há necessidade de homologação judicial, eqüivalendo o laudo arbitral a uma sentença. A arbitragem, porém, apesar de prevista entre nós desde 1907 (Decreto n.º 1.073), ainda não é aplicada com a devida freqüência.

Como se vê, existem no direito trabalhista brasileiro várias formas alternativas de solução dos conflitos trabalhistas, sejam individuais, sejam coletivos. O que acontece é que há uma cultura da jurisdicização de procedimentos para tentar solucionar esses conflitos. Se fosse dada maior importância à aplicação desses mecanismos e se tentassem as partes uma solução negociada, antes do ajuizamento da querela, não se verificaria esse caos em que se transformou a Justiça do Trabalho, criada com intuitos bem diferentes do que se verifica na atualidade.

Em vários países da Europa e da América, observa-se uma maior aplicabilidade dessas formas solucionatórias de conflitos. Na Espanha são utilizadas a mediação, a conciliação e a arbitragem, existindo até um órgão específico para essa finalidade, que é o Instituto de Mediação, Arbitragem e Conciliação (IMAC), vinculado ao Ministério do Trabalho daquele país.

Em Portugal, além dos três institutos acima citados, existe também a possibilidade de elaboração de portarias de regulamentação de trabalho, que poderão ser emitidas pelos Ministros do Trabalho e da Tutela ou através do responsável pelo setor de atividade, se verificadas as seguintes hipóteses: a) inexistência de associações sindicais ou patronais; b) recusa reiterada de uma das partes em negociar; c) prática de atos ou manobras dilatórias que, de qualquer modo, impeçam o andamento normal do processo de negociação.

A França também se utiliza da conciliação, da mediação e da arbitragem, porém uma nova modalidade é eficaz para a prevenção de conflito laboral naquele país: o concerto ou consulta, do qual fazem uso as partes antes do estabelecimento do conflito.

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Na Itália, além da conciliação, da mediação e da arbitragem, existe a comissão de investigação, que procura, através da pesquisa, da análise e do aclaramento dos fatos que originaram o conflito, encontrar elementos favoráveis a uma negociação direta entre as partes ou a uma ação sucessiva do poder público na solução do conflito.

Aqui nas Américas, destacamos o Chile e a Argentina. No primeiro, onde há um Código do Trabalho, despontam regras sobre contratos coletivos, explicando que se a negociação direta entre as partes acaba em acordo, suas estipulações constituirão o contrato coletivo. Estão previstas também a mediação e a arbitragem, mas o que se observa em vários dispositivos do Código chileno é a insistência da própria lei na celebração de acordos prévios.

Na legislação argentina, iniciando pela Constituição, há previsão de os sindicatos "acordarem convenções coletivas de trabalho, recorrerem à conciliação e à arbitragem e exercerem o direito de greve...". Segundo o já citado Francisco Osani de Lavor [11], o exemplo da Argentina é de ser citado, pois "este país criou, através da Lei n.º 25.573/95, a mediação prévia obrigatória em todos os juízos". Dispositivo inserido na referida lei permite a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia, antes do início da causa, cuja mediação fica sob a tutela de mediadores nomeados pelo Ministério da Justiça.

Depois dessa pequena incursão sobre as formas de solução alternativa de conflitos trabalhistas em alguns países, é hora de se perguntar: por que o Brasil, que tanto avançou na área do consumidor, não inova também no campo trabalhista? Por que não se criam organismos, similares aos PROCONS e às Curadorias do Consumidor, para dirimirem previamente conflitos de natureza laboral, antes que abarrotem às Varas e Tribunais do Trabalho? É o que tentaremos esclarecer nos capítulos seguintes.


IV – O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SOLUÇÃO DESSES CONFLITOS

Pelo artigo 127 da Constituição da República é o Ministério Público "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". A proclamação do caráter permanente da instituição deve ser relacionada com a de essencialidade, existente no mesmo dispositivo constitucional. Só a essencialidade pode justificar a permanência, pois, do contrário, transformar-se-ía em mero enunciado vazio e inócuo.

O Ministério Público pode ser considerado essencial em decorrência de dois fatores palpáveis e facilmente constatáveis: um, porque o Poder Público não cumpre razoavelmente a sua função de promover o bem-comum; dois, em razão de nossa sociedade civil estar ainda um pouco alheia aos seus direitos políticos, sociais e até individuais.

No primeiro caso, o Ministério Público foi ocupando os espaços do Poder Público, promovendo a defesa do interesse social. No segundo, essa circunstância histórica acabou por determinar o extraordinário alargamento das funções institucionais do Ministério Público, hoje legitimado pela Constituição Federal para ajuizar a ação penal pública, promover a defesa do regime democrático, interpor a ação direta de inconstitucionalidade, efetuar o controle da Administração Pública, na qualidade de verdadeiro ombudsman, bem assim dos serviços públicos e de relevância pública, promover a ação civil pública em defesa do meio ambiente, do consumidor, da pessoa portadora de deficiência, do infante e do adolescente, do trabalhador, como também de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis. Nenhum Ministério Público, em todo o mundo, ostenta volume tão grande de tão diversificadas e relevantes atribuições.

Ao contrário do que aconteceu nas demais Constituições brasileiras, o Ministério Público não está agora inserido no âmbito de nenhum dos Poderes do Estado, mas propositadamente colocado como verdadeiro satélite, gravitando por entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e perante eles exercendo suas funções institucionais. Disciplinado em capítulo autônomo, dentro do Título Da Organização dos Poderes, ocupa hoje o Ministério Público destacada posição ao lado deles, equiparável, em muitos aspectos, a um verdadeiro Poder. Senão vejamos:

-tem autonomia funcional e administrativa, podendo prover diretamente os seus cargos;

-tem iniciativa de lei, inclusive da que estabelece sua organização, atribuições e estatuto;

- elabora sua proposta orçamentária;

-exerce uma parcela da soberania estatal, uma vez que promove, privativamente, a ação penal pública e dá a última palavra quanto ao arquivamento de inquéritos policiais; e,

-seus membros têm status constitucional semelhante ao dos Juizes de Direito.

Segundo Hugo Mazzilli [12], "há inúmeras condições sociais, jurídicas e econômicas que impõem verdadeiro desequilíbrio nas relações em comunidade. Pobres, índios, idosos, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, incapazes em geral - todos estes, entre outros - sofrem algum tipo de limitação fática ou jurídica. É evidente que, nem por serem pobres, incapazes ou deficientes, seus interesses deverão sempre prevalecer, pois a condição do discrimen não é bastante para automaticamente se lhes dar razão".

Contudo, o que ocorre efetivamente na realidade, como bem posiciona o autor citado, é que, mesmo quando tenham razão, muralhas verdadeiramente intransponíveis muitas vezes se erguem entre eles e seus interesses mais legítimos. Assim, qual a defesa que tem a população em geral contra a crescente criminalidade? Quais os meios concretos de que podem valer-se os pequenos investidores contra as fraudes no mercado financeiro?. .. Por isso que, não só para julgar os conflitos de interesses relacionados com essas situações de evidente desequilíbrio, como também até mesmo para acionar a jurisdição em casos em que isso se faça necessário, a Lei Maior outorgou, aos magistrados e órgãos do Ministério Público, garantias excepcionais, de que não gozam os funcionários públicos comuns.

Não sacramentou a Carta a instituição expressa do ombudsman, ou do defensor do povo, mas a destinação constitucional é evidente e integra a natureza do Ministério Público. Essa natureza é o que o diferencia de todo e qualquer ente político. A própria sociedade, pela confiança que deposita nos membros da instituição e pela credibilidade que lhes devota, já consolidou esse entendimento, mesmo que a Constituição não o tenha feito expressamente.

Assim, pois, as garantias constitucionais do Ministério Público e de seus agentes devem ser vistas, antes de tudo, como garantias da coletividade, principalmente depois da edição desse poderoso instrumento, que foi a Lei da Ação Civil Pública.

Como podemos definir essa modalidade de ação civil, poderoso instrumento processual que outorga ao Ministério Público e às entidades afins possibilidades imensas de comparecer a juízo e obter a tutela de direitos e interesses? A definição decorre da própria lei, ou seja, é aquela que protege os interesses difusos (metaindividuais ou transindividuais), que são aqueles cuja titularidade atinge um número indeterminado de pessoas, ou pelo menos, de difícil determinação.

A CF de 1988 (art. 129, III) confere legitimidade ad causam ao Ministério Público, no tocante à ação civil pública, "para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". Não foi sem propósito que o legislador constituinte de 1988 reservou ao órgão ministerial tão importante papel, embora repetindo a possibilidade também de defesa do patrimônio público pelo cidadão, conservando-lhe o instrumento da ação popular (art. 5º, inciso LXXIII).

Na fase investigatória lhe foi cometido o Inquérito Civil, importante peça de investigação, na qual podem ser reunidos elementos decisivos de prova, em atenção, muitas vezes, ao princípio da imediatidade, que requer a realização de exames com urgência, sob pena de desaparecerem certos vestígios.

A área de abrangência da Ação Civil Pública é significativamente maior, devido ao grande e diversificado campo de atuação do Ministério Público, na defesa de um leque indeterminado de interesses difusos, ensejando, na sua tutela, a concessão liminar de medidas nem sempre possíveis nos estreitos lindes da ação popular, com diversificação da natureza da lide, conforme o caso.

A ação civil pública, ao lado da ação penal pública, figura nos casos de legitimação de agir do Ministério Público, mas tal legitimação não é exclusiva (§ 1.º, art. 129 CF). Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o alcance da Ação Civil Pública, sem prejuízo da ação popular, tornou-se bem maior, tendo em vista que ali foi previsto: "a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo" (Art. 81). Neste dispositivo está prevista a defesa coletiva de interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos.

O citado jurista paulistano Hugo Nigro Mazzilli (op. e pp. Cit.) elenca um número elevado de ações de iniciativa do Ministério Público, algumas fundadas na Constituição, outras no Código Civil, no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e em diversos Diplomas Legais, atingindo o somatório de 110 (cento e dez) tipos de procedimentos. Por tal levantamento, dá para se observar a real importância da instituição ministerial, principalmente porque respaldado num instituto de tão visível penetração e abrangência, como é a Ação Civil Pública.

Se é por demais conhecida a atuação do parquet na esfera criminal, é na área cível onde se observam as maiores inovações, seja como órgão agente, seja como órgão interveniente: interdição, nulidade de casamento, declaração de inconstitucionalidade, nulidade de ato jurídico, rescisórias, ações civis ex-delicto. E ainda: proteção de incapazes, massa falida, ações sobre o estado da pessoa, família, testamento.

O Direito do Trabalho não foi contemplado, em todas as suas esferas de abrangência, com esse guardião da lei (custos legis) e defensor da sociedade (custos societatis). Todos sabemos que, apesar dos avanços da legislação trabalhista, não foram preenchidas todas as lacunas, observando-se a geração de conflitos que, se dependessem do Poder Judiciário, arrastar-se-íam por anos a fio.

É aí onde se faz necessária uma atuação mais marcante do próprio Ministério Público do Trabalho. Órgão inserido no bojo da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1995, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, o MPT foi contemplado com os artigos 83 a 115 da citada lei.

A presença dos Procuradores do Trabalho se faz mais sentir no campo dos interesses públicos, difusos e coletivos, mas a própria lei oferece oportunidade aos membros do Ministério Público do Trabalho de atuarem como árbitros, conciliadores ou mediadores em conflitos provocados pelas próprias partes. E por que não se utilizar esse potencial gerado através da profícua atuação desses membros do parquet federal para realizar a tentativa de dirimir conflitos, sem que sejam ajuizadas ações e instaurados os processos?

Na atuação do Ministério Público do Trabalho, dentre as várias opções que são oferecidas para solução de conflito das relações jurídicas, podemos destacar a Transação e o Compromisso de Ajustamento de Conduta. São formas que estão à disposição do MPT, a quem compete utilizá-la dentro dos parâmetros legais e com a finalidade de se evitar futuros conflitos judiciários.

Atuando com eficiência, não contra a lei, mas secundum legem, praeter legem e pro societatem, poderá o MPT aparar arestas, acordar, discordar, solucionar conflitos, propor compensações, procedendo para além da lei, no pressuposto de tentar resolver os problemas das comunidades, principalmente aquelas formadas pelos chamados excluídos, os que têm medo de procurar a Justiça.

O direito que é aplicado nas Promotorias e Curadorias de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente, Cidadão e Patrimônio Público (MP estadual) vai além do que está escrito nos códigos, supera os dogmas, buscando soluções normativas baseadas numa ciência testável empiricamente. O povo confia no Ministério Público, não porque está estruturado em dogmas, ou porque foi imposto pelo Estado. Mas porque o órgão representa e interpreta os anseios das populações de forma empírica, prática e racional. Não de uma racionalidade dogmática, mas de uma racionalidade que está implícita na própria essência do direito natural das pessoas.

Sobre o autor
Magno Cardoso Brandão

Professor do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Advogado. Mestrando em Direito Econômico pela UFPB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Magno Cardoso. Justiça alternativa do trabalho.: Necessidade ou ficção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2195, 5 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13095. Acesso em: 22 dez. 2024.

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