V – JUSTIÇA ALTERNATIVA DO TRABALHO: NECESSIDADE OU FICÇÃO?
De todas as análises acima elaboradas, que nunca tiveram a intenção de esgotar o assunto, dada a singeleza do presente trabalho, podemos extrair a certeza de que a Justiça do Trabalho do Brasil, criada e instalada com a melhor das intenções, visando trazer benefícios aos possíveis contendores e solucionar rapidamente suas querelas, não está cumprindo suas finalidades. Processos que poderiam ser decididos numa simples audiência de conciliação estendem-se por anos. Feitos de pouca monta ultrapassam as fronteiras locais e estaduais e abarrotam os tribunais do país, ocasionando prejuízos às partes e ao Poder Público e tomando o tempo dos operadores do direito [13].
Se até o vetusto Direito Civil, impulsionado pelo Direito do Consumidor, aceitou as inovações dos tempos atuais, por que o Direito do Trabalho, que deveria ser um direito ágil, dinâmico e moderno, não incorpora esses novos ventos da pós-modernidade e dinamiza a prestação extra-jurisdicional? Por que não se utilizar com mais freqüência os institutos que estão aí à disposição de todos os interessados, a exemplo da conciliação, da mediação, da negociação e da arbitragem? Por que não regulamentar melhor a atuação do Ministério Público do Trabalho, tornando-a similar àquela verificada nas Curadorias de Defesa do Consumidor?
São questionamentos que, se respondidos ou postos em prática, poderiam aliviar a agonia por que passam os operadores da Justiça do Trabalho, diminuindo o número de ações ajuizadas e procurando solucionar os conflitos no seu nascedouro. Passaríamos a ter uma verdadeira Justiça Alternativa do Trabalho, composta de mecanismos judiciais e extrajudiciais, encarregados de toda a preparação necessária à extinção de ações judiciais.
É errado desconhecer que o Direito do Trabalho veio atender, em muitos pontos, aos anseios daqueles que sempre lutaram por um direito alternativo. E por que não chamar essa nova modalidade de prestação jurisdicional de justiça alternativa? Será que a solução de conflitos decorrentes da relação de emprego, indenizações, reparação de injustiças, proteção contra empregadores poderosos, sem a necessidade dos protocolos forenses, não é uma forma de justiça? A aprovação popular à atuação do Ministério Público e aos órgãos de defesa do consumidor, do meio ambiente, do cidadão e do patrimônio público, está muito além, se comparada com a desconfiança dessa mesma população com relação à justiça formalista engravatada. Dizemos engravatada numa forma de diferenciar da maneira de aplicação de uma justiça sem protocolos, sem estagnação, sem arrodeios.
Poderiam ser criados no Brasil organismos estatais, ou no âmbito das empresas, para servirem como fórum de conciliação prévia, procurando ouvir empregados e empregadores e propondo soluções, que seriam homologadas sem necessidade de se ir às Varas ou Tribunais. Esses órgãos, que poderiam ser similares aos PROCONS, atuando nas esferas estadual ou municipal, teriam coordenadores com noções de Direito do Trabalho e de Direito Processual, para orientar devidamente as partes e propor a solução prévia do conflito.
Poderíamos também importar as experiências dos países mencionados no capítulo IV, dando-se ênfase à investigação, à conciliação e à mediação. A partir daí, com o conseqüente fortalecimento dos sindicatos e das associações de classe, teríamos, com certeza, uma maior dinamicidade no aparamento de arestas que pudessem vir a gerar conflitos de natureza individual ou coletiva.
Já temos iniciativas jurisprudenciais e legislativas, que apontam para o direcionamento da vontade dos que se preocupam com o problema. Sobre negociação prévia, assim se pronunciou o TST [14]: "A ação coletiva trabalhista tem por pressuposto objetivo e essencial a ocorrência de tratativas conciliatórias prévias ou a recusa à negociação ou à arbitragem, segundo disposição expressa dos arts. 114, § 2.º, da Constituição Federal e 616, § 4.º, da CLT, que de modo cabal deve ser comprovado pelo suscitante".
Salienta Edésio Passos [15] que o projeto de Emenda Constitucional n.º 623/98 acrescenta um parágrafo (o 5.º) ao art. 114 da CF, com a seguinte redação: "O exercício do direito de ação individual perante a Justiça do Trabalho será obrigatoriamente precedido de tentativa extrajudicial de conciliação, utilizando-se, inclusive, a mediação, conforme dispuser a lei".
Outras soluções são apontadas. A criação de Juizados Trabalhistas de Pequenas Causas (ou Juizados Especiais Trabalhistas) poderia se constituir numa boa solução, mas a experiência verificada nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o acúmulo real de processos, nos dá uma idéia daquilo em que se transformariam, num curto espaço de tempo, os Juizados Trabalhistas.
Alguns defendem a criação de Conselhos de Empresas e Comissões de Conciliação Prévia. No primeiro caso, a experiência está obtendo êxito na Alemanha, onde empregados e empregadores têm oportunidade, ainda na própria empresa, de negociarem, antes de procurarem o Judiciário. No segundo caso, a Lei nº. 9958/2000 já criou a possibilidade de as empresas e os sindicatos instituírem as Comissões de Conciliação Prévia, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho antes do ingresso na Justiça do Trabalho.
Com um Ministério Público do Trabalho que descesse às instâncias inferiores e às camadas mais necessitadas da população, com a utilização mais freqüente dos institutos já previstos no nosso ordenamento jurídico e com a criação de organismos vivos que, fortalecendo sindicatos e associações, formulassem acordos prévios entre as partes, com certeza diminuiriam consideravelmente as demandas judiciais na área trabalhista, razão pela qual vê-se que há uma necessidade do uso da Justiça Alternativa no Direito do Trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1.O Brasil tornou-se campo fértil para a absorção do chamado direito alternativo, dadas as disparidades regionais, a extensão territorial e o grande anseio da população por uma Justiça ágil, célere e sem protocolos. O uso alternativo do direito ganhou bastante força, principalmente pela iniciativa de um grupo de magistrados, com atuação no campo do Direito Penal e do Direito do Trabalho.
2.Para se tentar aplicar ou fazer uso de formas alternativas do direito, tem-se que emprestar a esse esforço foros de objetividade. Não se trata de desviar o novo direito de sua natureza intrínseca ou desintegrá-lo da realidade, mas de adaptá-lo às mudanças sociais que são, em geral, profundas. Quanto menos ideológico melhor, pois a acentuação ideológica das mudanças pode diminuir os benefícios de ordem geral a serem carreados para o quadro social.
3.A Justiça do Trabalho do Brasil, criada e instalada com a melhor das intenções, visando trazer benefícios aos possíveis contendores e solucionar rapidamente suas querelas, não está cumprindo suas finalidades. Processos que poderiam ser decididos numa simples audiência de conciliação estendem-se por anos a fio. Feitos de pouca monta ultrapassam as fronteiras locais e estaduais e abarrotam os tribunais do país, ocasionando prejuízos às partes e ao Poder Público e tomando o tempo dos operadores do direito.
4.A maioria das formas alternativas de solução dos conflitos trabalhistas já estão disponíveis no nosso ordenamento jurídico. Falta vontade e praticidade para se aplicarem previamente os institutos da conciliação, da mediação e da arbitragem. O que acontece é que há uma cultura da jurisdicização de procedimentos para tentar solucionar esses conflitos. Se fosse dada maior importância à aplicação desses mecanismos e se tentassem as partes uma solução negociada, antes do ajuizamento da querela, não se verificaria esse caos em que se transformou a Justiça do Trabalho, criada com intuitos bem diferentes do que se verifica na atualidade.
5.O Ministério Público brasileiro, aliado a outros organismos estatais e não-estatais, implantou entre nós uma verdadeira Justiça Alternativa, resolvendo pendências sem a necessidade de intermináveis audiências e de complicados processos, utilizando, além dos princípios normativos, o bom senso e a vontade de servir aos menos aquinhoados da sociedade. Deve, assim, o Ministério Público do Trabalho descer às Juntas, às partes, aos reclamantes e aos reclamados, atuando não contra a lei, mas secundum legem, praeter legem e pro societatem, podendo tentar resolver os problemas das comunidades, principalmente aquelas formadas pelos chamados excluídos, os que têm medo de procurar a Justiça.
6.Poderiam ser criados no Brasil organismos estatais que poderiam ser similares aos PROCONS, atuando nas esferas estadual ou municipal, tendo coordenadores com noções de Direito do Trabalho e de Direito Processual, para orientar devidamente as partes e propor a solução prévia do conflito.
B I B L I O G R A F I A
ADEODATO, João Maurício. Para uma conceituação do Direito Alternativo. In Lições de Direito Alternativo II. São Paulo: Acadêmica, 1992, pp. 157/174.
BERGALLI, Roberto. Usos e riesgos de categorias conceptuales: conviene seguir empleando la expressión "uso alternativo del derecho" ?. In El outro derecho. Bogotá, ***, 1992.
CARVALHO, Amilton Bueno de. Atuação dos juizes alternativos gaúchos no, processo de pós transição democrática. In Seleções Jurídicas – ADV, COAD. Rio de Janeiro, n.º 01, janeiro de 1994, pp. 29/32.
LAVOR, Francisco Osani de. Formas alternativas de solução dos conflitos individuais e coletivos do trabalho. In Genesis – Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, fevereiro de 1999, n.º 74, pp. 171/181.
LIMA, Miguel Alves de. O direito alternativo e a dogmática jurídica. In Lições de Direito Alternativo II. São Paulo: Acadêmica, 1992, p. 42/54.
LOBO, Paulo Luís Neto. Direito civil alternativo. In Lições de Direito Civil Alternativo (Org. CHAGAS, Sílvio Donizete). São Paulo: Editora Acadêmica, 1994.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Garantias Constitucionais do Ministério Público - In Livro de Teses do 9º Congresso Nacional do Ministério Público. Salvador, 1992, pp. 705/726.
PASSOS, Edésio. PASSOS, Edésio. Comissão de conciliação prévia. Breve análise do projeto de lei n.º 4.694/98 e do projeto de emenda constitucional n.º 623/98. In GENESIS – Revista de Direito do Trabalho. Curitiba: janeiro de 1999, n.º 73, pp. 135/147.
SOUTO, Cláudio. Tempo do direito alternativo – uma fundamentação substantiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1997.
_______________. Ciência e ética no direito – uma alternativa de modernidade. Porto Alegre, Sérgio Fabris Editor, 1992.
WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo, Editora Acadêmica, 1991.
Notas
- BERGALLI, Roberto. El otro derecho, p. 147.
- WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico, p. 66.
- SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito, p. 21.
- CARVALHO, Amilton Bueno de. Atuação dos juizes alternativos gaúchos no processo de pós-transição democrática, In Seleções Jurídicas ADV, p. 29.
- LOBO, Paulo Luís Neto. Direito civil alternativo. In Lições de direito civil alternativo, p. 11.
- LIMA, Miguel Alves de. O direito alternativo e a dogmática jurídica. In Lições de direito alternativo II, p. 44.
- ADEODATO, João Maurício. Para uma conceituação do direito alternativo. In Lições de direito alternativo II, p. 157.
- SOUTO, Cláudio. Tempo do direito alternativo, p. 147.
- Op. cit., p. 30.
- LAVOR, Francisco Osani de. Formas alternativas de solução dos conflitos individuais e coletivos do trabalho. In Genesis – Revista de Direito do Trabalho, n.º 74, p. 172.
- Op. cit., p. 175.
- MAZZILLI, Hugo Nigro. Garantias Constitucionais do Ministério Público - In Teses do 9º Congresso Nacional do Ministério Público, p. 715.
- Entretanto, quanto à celeridade, não deixar de reconhecer o mérito devido, uma vez que a Justiça do Trabalho vem se destacando quando comparada à Justiça Comum, inovando com audiências unas e digitalizadas.
- TST, RO-DC 54.189/92.1, URSULINO SANTOS, Ac. SDC 207/93.
- PASSOS, Edésio. Comissão de conciliação prévia. Breve análise do projeto de lei n.º 4.694/98 e do projeto de emenda constitucional n.º 623/98. In GENESIS – Revista de Direito do Trabalho, n.º 73, janeiro de 1999, p. 74.