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Município brasileiro nos 20 anos da Constituição Federal de 1988.

Uma análise das principais emendas constitucionais e decisões do Supremo Tribunal Federal com reflexos no Município

Agenda 04/07/2009 às 00:00

Ao longo deste trabalho, analisaremos os impactos das sucessivas reformas à Constituição Federal de 1988, especialmente na autonomia dos municípios pátrios.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo retratar o panorama do município brasileiro ao longo dos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Traremos uma análise das principais emendas constitucionais que refletiram diretamente nos municípios, além das decisões mais significativas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em relação àqueles entes federativos.

Palavras-chave: Município – Constituição Federal – Emendas Constitucionais – Supremo Tribunal Federal


O federalismo brasileiro, com o advento da Constituição Federal de 1988, de alguma forma, foi reestruturado, especialmente quando os municípios foram incluídos no pacto federativo, mesmo ressentindo-se de inúmeros problemas, entre os quais despontam, pela sua relevância, a total falta de institucionalização do interesse metropolitano e a debilidade sócio-econômica da maioria dos municípios atualmente existentes.

A Constituição de 1988 resgatou o Município do estado de inércia em que se encontrava, inserindo este no pacto federativo, em posição de igualdade jurídica com a União, os Estados e o Distrito Federal.

Logo, o Município passou a ser personagem autônomo do denominado pacto federativo.

Em razão disso, é certo que a realidade do município sofreu grandes modificações, decorrentes de seu inédito papel no novo padrão de organização federativa que a Constituição Federal de 1988 implantou.

Essas modificações configuraram-se, principalmente, nas mudanças ocorridas na distribuição dos recursos tributários e também no processo de descentralização das políticas públicas, que conferiu ao município novas responsabilidades político-administrativas (SANTOS, 2008, p. 71).

Para GUSTAVO SANTOS (1999, p.01), é complexa a posição do Município dentro da nossa Federação. Com a Constituição Federal de 1988 o Município atingiu um grau de importância impensável nos sistemas constitucionais anteriores.

Mesmo com a concepção formulada pelo legislador pátrio no exercício do poder constituinte originário, decorridos mais de 20 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, verifica-se que o modelo de Federalismo pensado em 1988 não corresponde ao que se apresenta na Carta atual, uma vez que reformada mais de 55 vezes desde então.

Ao longo deste trabalho, analisaremos os impactos das sucessivas reformas à Constituição Federal de 1988, especialmente na autonomia dos municípios pátrios.

Antes mesmo da Constituição ter completado seu 5º aniversário, a Emenda Constitucional nº 3, de 18 de março de 1993, já alterava praticamente toda a Seção V do Capítulo I do seu Título VI, que trata dos impostos dos municípios. Esta extinguiu o imposto municipal sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel e revogou o dispositivo que permitia a progressividade, no tempo, do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, para assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

Logo depois, a Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994, instituiu o Fundo Social de Emergência (FSE), que limitou as transferências vinculadas da União para os Estados e Municípios. Essa mesma Emenda revogou, expressamente, o § 4º do art. 2º da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, em que se destinava ao custeio de programas de habitação popular 20% do IOF que a União ficara autorizada a instituir, limitando, mais uma vez as receitas municipais.

A Emenda Constitucional nº 10, de 4 de março de 1996 prorrogou o Fundo Social de Emergência, com a denominação de Fundo de Estabilização Social, fazendo desaparecer, assim, a emergência, mas mantendo e ampliando as limitações ou os contingenciamentos das transferências vinculadas da União aos Estados e Municípios, em prejuízo da municipalidade.

Já a Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, estabeleceu novas e maiores obrigações do município para o ensino e autorizou a União a criar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

Segundo ANGELA SANTOS (2008, p. 79) trata-se do programa de maior capilaridade na Federação brasileira, somente compatível ao do Sistema Único da Saúde, seja pela abrangência nacional, seja pela importância dos recursos mobilizados.

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No entendimento da mesma autora, o FUNDEF beneficiou, mais uma vez, a União, que não respeitou os critérios estabelecidos em lei para a distribuição proporcional dos seus recursos e para sua fiscalização e controle, bem como a fórmula de cálculo do valor mínimo nacional por aluno (SANTOS, 2008, p. 79)

A Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996, estabeleceu que Lei Complementar Federal determinaria o período no qual a lei estadual procederia à criação, à incorporação, à fusão e ao desmembramento de municípios, que dependeriam de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios envolvidos, após a realização de Estudos de Viabilidade Econômica apresentados e publicados na forma da lei.

De elevada importância foi a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, que alterou diversos artigos da Constituição, impondo restrições e condições para a aplicação de recursos para financiamento das ações e serviços públicos de saúde, por parte dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Criou, ainda, uma vinculação das receitas dos Municípios com a assistência à saúde, na proporção de 15% de suas receitas correntes, apesar de num artigo da mesma Emenda tornou-se constitucional a progressividade na cobrança do IPTU.

De acordo com o entendimento da autora ANGELA SANTOS (2008, p. 83), tal vinculação certamente fere a autonomia municipal em relação à destinação dada a parte de sua arrecadação tributária própria e das receitas de transferências constitucionais, ambas receitas que a Constituição Federal assegura serem do município, ao qual cabe administrá-las segundo o interesse local.

No mesmo ano, em 14 de dezembro de 2000, foi editada a Emenda Constitucional nº 31 que instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, destinando recursos para a União, que mais uma vez reduziu as transferências desta para os Estados e Municípios.

Outra emenda relevante para os Municípios foi a Emenda Constitucional nº 39, de 19 de dezembro de 2002, que alterou o sistema tributário nacional ao criar a contribuição para o custeio da iluminação pública nos Municípios e no Distrito Federal. Essa foi a primeira Emenda Constitucional que atendeu apenas ao interesse dos municípios, ampliando sua competência tributária, o que lhes propiciara maior autonomia financeira.

Por fim, como menciona ANDRÉ RAMOS TAVARES (2008, p. 1.019), frise-se que, com o advento da Emenda Constitucional n. 46, de 5 de maio de 2.005, a qual alterou o art. 20, IV, da C.F., referente a um dos bens da União, indiretamente se majorou a autonomia municipal, pois retirou da alçada da União, aquelas ilhas fluviais e lacustres que contenham a sede do Município, como é o caso das ilhas de Florianópolis, São Luís e de Vitória.

Pelo que percebemos, nos 20 anos da Constituição Federal, na verdade, a autonomia municipal, especialmente a financeira e tributária, foi cada vez mais tolhida pelas emendas constitucionais, impedindo que os Municípios pudessem exercê-la com plenitude.

A par disso, o município vem assumindo, desde 1988 até hoje, despesas que deveriam ser arcadas pela União e pelos próprios Estados-membros, sempre em detrimento deste ente que é o mais frágil da Federação brasileira.

Ressaltamos, também, que ao longo desses 20 anos da Carta de 1988, o Supremo Tribunal Federal - STF, em sede de julgamento de Ações Direta de Inconstitucionalidade – ADI – se posicionou quanto a constitucionalidade de certas peculiaridades municipais.

Neste contexto, em pesquisa realizada no sítio daquela Corte Constitucional (www.stf.jus.br), destacamos os principais julgados que passaremos a comentar.

Primeiramente, ressaltamos a posição do STF na ADI 687/PA, na qual, respeitando a autonomia municipal, foi decidido que a Constituição estadual não pode impor ao Prefeito Municipal o dever de comparecimento perante a Câmara de Vereadores, pois semelhante prescrição normativa – além de provocar estado de submissão institucional do Chefe do Executivo ao Poder Legislativo municipal (sem qualquer correspondência com o modelo positivado na Constituição da República), transgredindo, desse modo, o postulado da separação de poderes – também ofende a autonomia municipal, que se qualifica como pedra angular da organização político-jurídica da Federação brasileira.

Outra decisão importante tomada nesta mesma ADI foi sobre a sucessão e substituição do prefeito e vice-prefeito do município, na qual o STF decidiu que não cabe, ao Estado-membro, sob pena de frontal transgressão à autonomia constitucional do Município, disciplinar, ainda que no âmbito da própria Carta Política estadual, a ordem de vocação das autoridades municipais, quando configuradas situações de vacância ou de impedimento cuja ocorrência justifique a sucessão ou a substituição nos cargos de Prefeito e/ou de Vice-prefeito do Município. E conclui que não se reveste de validade jurídico-constitucional, por ofensiva aos postulados da autonomia do Município (CF, art. 29 e 30) e da separação de poderes (CF, art. 2º c/c o art. 95, parágrafo único, I), a norma, que, embora inscrita na Constituição do Estado-membro, atribui, indevidamente, ao Juiz de Direito da comarca, que é autoridade estadual, a condição de substituto eventual do Prefeito Municipal.

Ressaltamos, também, a posição do STF na ADI 692/GO, na mesma se entendeu que viola a autonomia dos municípios (art. 29, IV da CF/88) lei estadual que fixa os números de vereadores ou a forma como essa fixação deve ser feita.

Já na ADI 770/MG, o STF chegou a conclusão que as normas que subordinam a celebração de convênios em geral, por órgãos do Executivo, à autorização prévia das Casas Legislativas Estaduais ou Municipais, ferem o princípio da independência dos Poderes, além de transgredir os limites do controle externo previsto na Constituição Federal.

Quanto a edição de súmulas, o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a autonomia municipal quanto à fixação do assuntos de interesse local, com amparo legal no art. 30, inciso I, da Constituição Federal, editou a Súmula 645 que versa:

É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

Avançou, ainda mais, o STF na edição da Súmula nº 646, quando, em face do princípio da livre concorrência, impediu que os municípios pudesse impedir a instalação de estabelecimento comerciais numa mesma área, senão vejamos:

Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.

Acrescenta-se, ainda, o posicionamento do Pretório Excelso sobre o nepotismo, tendo inclusive repercussão nos vários municípios brasileiros, com a edição da Súmula Vinculante nº 13, nos seguintes termos:

"A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

Percebe-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao longo desses 20 anos da Constituição Federal de 1988 vem em certos pontos avançando no reconhecimento da autonomia municipal e em outros tolhido-a, sempre em prol do equilíbrio e da manutenção do pacto federativo brasileiro.

Conclui-se, pois, que a Constituição Federal de 1988 trouxe num novo paradigma quanto aos Municípios brasileiro, quebrando dogmas anteriores de que este não faria parte da organização do Estado brasileiro.

Porém, devido às várias emendas constitucionais editadas e das posições tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, muitos aspectos da autonomia municipal são comprometidos, refletindo diretamente na sua auto-organização.

Nesse sentido, entendemos que se deve reforçar e consolidar a autogestão municipal em todos aspectos, fortalecendo-se a descentralização de poderes, possibilitando aos cidadãos maiores chances de participação política e consolidando cada vez mais o regime democrático de direito.

Por fim, citamos a célebre frase de FRANCO SOBRINHO (2007, P. 01) que diz:

no município estão as desgraças e os sucessos nacionais, as grandezas e as misérias de uma nação, os problemas e as soluções necessárias, os conflitos de base e as esperanças de futuro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional.3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Método, 2008.

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MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. São Paulo: Método, 2008.

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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.

www.stf.jus.br

Sobre o autor
Dijosete Veríssimo da Costa Júnior

Procurador Legislativo Municipal em Natal (RN). Professor da UERN. Advogado. Mestrando em Direito pela UFRN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA JÚNIOR, Dijosete Veríssimo. Município brasileiro nos 20 anos da Constituição Federal de 1988.: Uma análise das principais emendas constitucionais e decisões do Supremo Tribunal Federal com reflexos no Município. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2194, 4 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13101. Acesso em: 26 dez. 2024.

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