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Evolução constitucional do município brasileiro

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29/05/2005 às 00:00
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A despeito da tradição municipalista de nossa federação, as sucessivas Constituições brasileiras não têm viabilizado a concretização de um governo efetivamente local.

Resumo: Este artigo descreve inicialmente a evolução histórica dos entes locais. Num segundo momento aborda o tratamento que os Municípios receberam nas constituições brasileiras e, ao final, esclarece a sua importância social. A discussão acerca da descentralização do Estado, no Brasil, sempre leva em consideração a menor ou maior distribuição de competências que recebem os Municípios. Atualmente, os Municípios contam com importante participação no contexto constitucional, entretanto, resquícios do velho "coronelismo" impedem a concretização integral dos princípios que orientam a Carta Magna brasileira; dentre esses princípios está o da autonomia municipal.

            Palavras-chave: Direito municipal; município; poder local; constituições; federação; coronelismo.


Introdução

            Neste artigo, trata-se das origens do ente municipal e seu desenvolvimento ao longo dos anos. Enfatizam-se os aspectos históricos e sociais da origem do Município. A abordagem explora sua evolução constitucional e, conseqüentemente, as mudanças institucionais sofridas, principalmente no que diz respeito à sua autonomia, posição no sistema federativo e importância social. Nós, brasileiros, somos culturalmente "municipalistas". Mas, a despeito de tal constatação verificada no presente trabalho, as sucessivas constituições brasileiras não têm viabilizado a concretização de um governo efetivamente local.


1. Evolução histórica do Município

            Muitos dos que escrevem sobre o tema concordam com o fato de não ter existido, na antigüidade, Município na acepção que se tem hoje. Diomar Ackel Filho (1992, p. 19) afirma: "o Município, tal como existe, não guarda similaridade com a cidade antiga." No mesmo sentido, discorre José Nilo de Castro (1998, p. 81): "nesta fase, pelo que revelam as fontes históricas, não se conheceu o Município, na acepção e com a estrutura que veio a adquirir depois de certa época." Os autores concordam, entretanto, que havia aglomerações humanas como por exemplo: vilas, aldeias, burgos e condados, que, para Cretella Júnior (1981, p. 32), são "vestígios do que mais tarde se conheceu por Município".

            Paulino Jacques (1970, p. 147), em seu curso de Direito Constitucional, faz um consistente apanhado histórico-constitucional sobre os Municípios, consolidando o seguinte:

            O Município, antes de ser uma instituição político-jurídica, o é social, e, mesmo, natural, porque resulta do agrupamento de várias famílias num mesmo local, unidas por interesses comuns. Como a família e, a propriedade, é um fenômeno social, que precedeu, no ponto de vista sociológico, o advento do Estado.

            Os clãs sedentários definiam sua base territorial com espeque nos limites da caça, da pesca e, mais tarde, das pastagens aos rebanhos. Dessa organização, surgiu o sentido dos limites territoriais ao que posteriormente veio a ser definido por Município. Fundamentando-se nesses dados, Petrônio Braz (1994, p. 103) assegura que o Município "é uma criação jurídica, que se assenta num princípio de direito natural".

            Na antigüidade, destarte, a importância da organização local era principalmente religiosa (1) e social, realçando as características comunitárias. Ataliba Nogueira, (apud BLASI, 1983, p. 14) leciona sobre as raízes naturais do Município:

            o município é a associação dos vizinhos, em território determinado. Origina-se do instituto e da necessidade do homem que procura associar-se para conseguir o desempenho de vários serviços, alguns em todo indispensáveis, outros, embora não obrigatórios, todavia possibilitadores de melhores condições para a vida individual e coletiva.

            Essa índole associativa, em que as pessoas buscam a ajuda recíproca, marcou a evolução das cidades. Hoje, devido ao grande crescimento das metrópoles, esse panorama se transformou consideravelmente. Assevera Hely Lopes Meirelles (1996, p. 33) que "o gigantismo das cidades modernas e os problemas do campo destruíram as relações de vizinhança e o espírito comunitário que caracterizavam os Municípios da antigüidade." Mesmo assim, entendem Bastos e Martins (1993, p. 215) que:

            ... os traços fundamentais do município primitivo até hoje são mantidos. Trata-se de uma forma de organização política timbrada pela circunstância de incidir sobre uma particular forma de organização social, vale dizer, sobre a mais ampla destas organizações dentro das quais os homens mantêm a virtualidade de se contactarem ou se cruzarem na sua vida cotidiana.

            Em que pesem as observações de Hely Lopes, anteriormente transcritas, Carmen Lúcia Antunes Rocha, em palestra proferida no XXIV Encontro Nacional de Procuradores Municipais, afirmou, com base em pesquisas para redação de sua dissertação de mestrado, que o brasileiro é mais municipalista do que estadualista: "A referência dele e aquilo que o atinge é o Município, é a cidade. É a cidade no sentido mais pleno de sua vivência pública, da sua vivência social. Este é um dado que não pode ser desconhecido." (ROCHA, 1998, p. 89). A professora da Universidade Católica de Minas Gerais reforça sua constatação, acrescentando o seguinte:

            ... nós brasileiros somos mais municipalistas que federalistas no sentido de atermos à entidade federada, à entidade estadual. Exemplo disso é que quando se pergunta a alguém ‘– De onde você é?’ a pessoa que sempre faz referência aos Municípios e não ao Estado. O que é bem contrário, por exemplo, ao que acontece nos Estados Unidos, em que eles são, evidentemente mais estadualistas, até por que os Estados Unidos no seu próprio nome indica que as entidades federadas é que se uniram dando origem ao Estado norte-americano. (p. 89)

            Em alguns lugares, entre eles o Brasil, mantém-se historicamente essa identificação pessoal com a localidade. Verifica-se isso, tanto na identidade do cidadão com seu Município como no sistema legal, que procura dar aos entes locais status e prerrogativas comumente inexistentes na maioria dos Estados.


2. O surgimento do Município

            "O Municipalismo foi conhecido a partir de Roma", é o que afirma Iris Eliete Teixeira Neves de Pinho Tavares (1997, p. 169). A partir da República Romana, pode-se afirmar que o Município surgiu como unidade político-administrativa. O verdadeiro interesse dos romanos era a manutenção pacífica das cidades que os seus exércitos estavam conquistando.(MEIRELLES, 1996, p. 31).

            Paulino Jacques (1970, p. 48) leciona que Roma, depois de passados duzentos anos de Monarquia e quinhentos anos de República, passou a imprimir o regime municipal. Para este autor, foi Sila (80 a.C) "o verdadeiro instituidor do regime municipal romano". A estrutura municipal daquela época tinha a seguinte composição, descrita por Paulino Jacques (1970, p. 148):

            a) a assembléia dos cidadãos, que votava os estatutos (regulamentos e posturas) e nomeava (elegia) os magistrados; b) um conselho de 100 membros, que exercia as funções do Senado romano (controlava a ação da assembléia); c) quatro magistrados, que ministravam a justiça; d) os duumviri (equivalente a dois cônsules), os supremos magistrados da comunidade, os quais exerciam a censura; e) dois questores, que administravam os fundos; f) dois colégios de adivinhos pontífices e álgures, que exerciam as funções religiosas.

            Hely Lopes (1996, p. 31) destaca, ainda, que eram consideradas Municípios (municipium), as comunidades que auferiam vantagens, ou seja, que recebiam algum poder ou reconhecimento. José Nilo de Castro (1998, p. 32) fornece a etimologia da palavra:

            De conseqüência, as comunidades que recebiam essas vantagens chamavam-se Municípios, isto é, munus eris, quer dizer, na linguagem latina, dádivas, privilégios e capere (capio, is, cepi, captum, ere) verbo latino que significa receber. Daí, o Município etimologicamente explicado, aquela entidade que recebeu privilégios.

            Essas comunidades, consideradas Municípios, dividiam-se, ainda, em duas categorias: municipia caeritis e municipia foederata, conforme a maior ou menor autonomia dentro do direito italiano. No ano 40 antes de Cristo, a Lex Julia Municipalis, editada por Júlio César, estendeu o regime municipal a todas as colônias da Itália. Mais tarde, o sistema foi adotado nas Províncias conquistadas da Grécia, Gália e Península Ibérica (MEIRELLES, 1996, p. 31 - 32).

            Noticia José Nilo de Castro (1998, p. 33 - 34) que o Município romano estava em seu maior estágio, quando o Imperador Constantino passou a governar com absoluta centralização do poder, absorvendo-lhe as atribuições e importância.


3. O Município medieval

            O período da Idade Média, iniciado com a queda do Império Romano do Ocidente, foi marcado por poucas alterações no sistema municipal. Essa época se divide em dois períodos: um feudal e outro comunal.(CASTRO, 1998, p. 34). (2)

            Para Paulino Jacques (1970, p. 148), o início desse período foi ruim para as instituições romanas municipais: "... pouco a pouco, foram os Municípios absorvidos pelos feudos – grandes áreas que tinham como sede os castelos – e com as quais os reis agraciavam os seus cabos de guerra."

            Nesse primeiro período, o regime era de total concentração de poder nas mãos dos senhores feudais. Como todas as decisões eram centralizadas e arbitrárias, não existia qualquer sistema de leis administrativas, sendo, portanto, um período de estagnação ao desenvolvimento da organização local.(CRETELA JÚNIOR, 1981, p. 34 - 35).

            Na segunda fase (comunal), "o Município aparece como instituição genuinamente germânica" (CRETELA JÚNIOR, 1981, p. 35), pois que o estilo de organização romana não se coadunava com a vida "militar e quase nômade" dos cristãos visigodos. (3) Assim, a principal instituição municipal, que era o Conselho de Magistrados, foi substituída pelo conventus publicus vicinorum, que conforme Castro (1998, p. 34) era uma "assembléia composta de homens livres, com as competências próprias em diversas matérias, como a edilícia, a policial e a judicial." José Nilo de Castro acrescenta a seguinte informação:

            Datam deste período os fueros municipais (Cartas de garantias municipais), isto é, a qualidade de cidade, com independência e autonomia, reconhecida e atribuída pelos soberanos, pelas ordens eclesiásticas e militares, em sua própria autoridade, àquelas populações e aglomerações urbanas, à vista das reações generalizadas que se produziam contra o feudalismo, nas quais desempenharam papel importantíssimo, para a consolidação do poder real, as instituições municipais.

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            "O ´´espírito comunal´´, nos séculos XI e XII, começou a renascer, como reação fatal e necessária ao ´´feudalismo´´" (JACQUES, 1970, p. 148). A cidade francesa de Mans foi a primeira a se revoltar contra a política dos barões, readquirindo a sua autonomia. Observando essa reação, diversas outras cidades passaram a restabelecer o seu poder, como, por exemplo, na França: Bouges, Tours e Narbona; na Itália: Florença, Veneza e Verona; na Alemanha: Hamburgo e Bremer, as quais passaram a se autodenominar "cidades livres". Na Espanha e em Portugal o municipalismo também se desenvolveu. No primeiro país, as cidades eram chamadas ajuntamientos e, em Portugal, foram criados os "conselhos de homens bons" (assembléias que governavam as cidades) (JACQUES, 1970, p. 149).

            Com o Renascimento, (4) houve um novo surto municipalista na Europa, mas, principalmente, na Inglaterra: "Os reis, unindo-se aos ´´Municípios´´, acabaram aniquilando o poder feudal, e, já no século XVI, consolidava-se a autoridade real, sem prejuízo da autonomia municipal."(JACQUES, 1970, p. 149) Assim como os ingleses, os franceses possuíam uma política centralizada; entrementes, o movimento local não foi tolhido, tendo, inclusive, desenvolvido-se o sistema comunal (JACQUES, 1970, p. 149).


4. O Município no Brasil

            Portugal e Espanha foram os países mais fiéis às concepções municipalistas de Roma. Por conseguinte, o Brasil seguiu a mesma influência, implantando, desde o início de sua colonização, os "Conselhos" que, logo, transformaram-se nas Câmaras Municipais. Com o desembarque de Pedro Álvares Cabral no Brasil, passaram a vigorar, nestas terras, as Ordenações do Reino de Portugal, através das quais "moldou-se a organização do município colonial."(VILLA, 1952, p. 12). Machado Villa (1952, p. 13) relata que as Ordenações Filipinas estabeleceram, de um modo geral, as funções que os Municípios exerciam através da Câmara.

            os Conselhos, já no início da colonização transformados em Câmaras, eram compostos de juízes ordinários, cuja insígnia era uma vara vermelha, que deviam carregar como símbolo da jurisdição, e tinham competência no crime e no cível, julgando ainda em última instância as questões de almotaceria; os vereadores, com atribuições tipicamente administrativas, entre elas a de fiscalizar o cumprimento das posturas do conselho, ´´verear´´, a de zelar pela conservação dos bens do patrimônio do município, a de guardar os documentos, a de superintender a fabricação do pão e a sua distribuição, em como a da carne verde, fixando preços honestos para esses gêneros, e a de organizar as processões; o procurador, que, pelas Ordenações, possuía atribuições predominantemente fiscalizadoras dos assuntos administrativos, mas que, no Brasil colonial, segundo referem os historiadores, teve as suas funções realmente alargadas, tornando-se o advogado do município, acompanhando-lhe as questões, e, ao mesmo tempo, o defensor dos colonos, cujas reclamações encaminhava à Câmara; os almotacés, com atribuições que correspondem ao poder de policia local, como zelar pelas condições de higiene e segurança nas ruas e demais logradouros, aferição de pesos e medidas, tendo também a função de julgar a aplicação de certas multas de pequena importância. Para os misteres menores ou de auxiliares figuravam o escrivão, o porteiro, o tesoureiro, os quadrilheiros e os recebedores de sisa.

            Em seguida, não houve expansão significativa dos Municípios, pois vigorava o regime das Capitanias Hereditárias. Os povoados que surgiam recebiam mais apoio da Igreja Romana do que dos donatários. Não obstante, os povoados organizavam-se e realizavam importantes obras, desempenhavam "relevantes atribuições de governo, de administração e de justiça." (MEIRELLES, 1996, p. 34).

            Percebe-se que, notadamente no século XIX, os Municípios tiveram grande participação nos importantes eventos históricos. Os relatos abaixo são de Paulino Jacques (1970, p. 149):

            Quase todos os grandes movimentos cívicos se originaram nas Câmaras: o de 1710, com o grito de República por Bernardo Vieira de Melo, na de Olinda; o do Fico, em 9-1-1822, nas Câmaras de São Paulo, Vila Rica e Rio de Janeiro, sob a influência de José Bonifácio e José Clemente Pereira; a outorga do título de ´´Defensor Perpétuo do Brasil´´, em 13-5-1822, ao príncipe D. Pedro, pela Câmara do Rio de Janeiro; a 23-5-1822, a representação para ser convocada uma Constituinte, pela mesma Câmara; a aprovação da própria Constituição em 1824, por algumas Câmaras; a confederação republicana de Pais de Andrade e Frei Caneca, em 1824, na de Olinda; o movimento de 1835-1845, com a República Rio-Grandense, sob Bento Gonçalves e Domingos de Almeida, na de Jaguarão; o de 1870, com o Manifesto Republicano, na de Itu; e o de 1888, com a representação da Câmara Municipal de São Borja sobre a conveniência de ser modificada a Constituição na parte que regulava a sucessão ao trono, de modo a afastar o conde D´´Eu.

            Esses acontecimentos confirmam que, de fato, as Câmaras eram o centro nervoso da vida política do Brasil (JACQUES, 1970, p. 149). Para José Nilo de Castro (1998, p. 38), esses fenômenos de atuação das Câmaras Municipais, desde o período colonial, "refletem a identidade do homem com seu torrão natal, o sentimento nativista, a relação de vizinhança a demonstrar a necessidade de se proverem os interesses locais em consonância com as aspirações de emancipação de um povo..."


5. O Município na Constituição de 1824

            Eugênio Franco Montoro (1975, p. 27) afirma que foi com a Independência do Brasil que "se iniciou a fase verdadeiramente brasileira de nossa história municipal". Assevera que a origem constitucional do Município brasileiro está no artigo 167 da Carta Magna de 1824. Até então, tratava-se de mero enxerto do modelo Português.

            O mesmo autor lembra que o projeto elaborado pelos constituintes não previa o Município para o texto constitucional de 1824. À lei ordinária ficaria o encargo de dispor sobre a matéria.

            Em cada comarca haveria um Presidente nomeado pelo Imperador, e por ele demissível. Em cada distrito, um Sub-Presidente e um Conselho de Distrito. Em cada termo, um administrador e um decurião, o qual seria Presidente da municipalidade. (MONTORO, 1975, p. 27).

            Mas, a Constituição de 1824 não seguiu essa orientação, dispondo da seguinte forma:

            Art. 167. Em todas as Cidades e Villas (5) ora existentes, e, nas mais, que para o futuro se crearem haverá Câmaras, às quaes compete o Governo econômico e Municipal das mesmas Cidades e Villas.

            Art. 168. As Câmaras são electivas, e compostas do número de Vereadores que a Lei designar, e o que tiver o maior número de votos, será Presidente.

            Art. 169. O exercício de suas funcções municipais, formação das suas Posturas policiais, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e úteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar. (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p. 649).

            Franco Montoro (1975, p. 28) lembrou que, na época dessa assembléia constituinte, havia duas correntes nítidas relativamente à natureza jurídica do governo local. Uma defendendo a autonomia dos Municípios insertos numa federação de províncias; outra fiel ao poder central rígido, defendendo o caráter meramente administrativo do poder municipal. A Lei regulamentar, mencionada pelo art. 169 da Constituição de 1824, foi editada em 1º de outubro de 1828. Restou declarado nessa Lei (artigo 24): "serem as Câmaras corporações meramente administrativas, não exercendo jurisdição alguma contenciosa." (MONTORO, 1975, p. 28). Vitória, portanto, dos defensores do governo unitário e centralizador.

            Hely Lopes Meirelles (1996, p. 35) faz a seguinte observação:

            Essa lei surgiu em 1.10.1828, disciplinando o processo da eleição dos vereadores e juízes de paz e catalogando todas as atribuições da novel corporação, mas, com surpresa para os que tinham lobrigado a autonomia municipal nos dispositivos constitucionais, trouxe ela para as Municipalidades a mais estrita subordinação administrativa e política aos Presidentes das Províncias. Assim, as franquias locais, que repontavam na Carta Imperial, feneciam na lei regulamentar.

            Exsurge, destarte, que o Município estava melhor posicionado no período colonial, quando suas prerrogativas legais eram mais consentâneas com suas finalidades institucionais, ou seja, o ente local detinha mais autonomia na fase colonial do que na imperial, podendo, com isso, suprir melhor as necessidades da comunidade.

            A Constituição Imperial teve um Ato Adicional (Lei n.º 16 de 12.08.1834) que optou pela descentralização do Estado; entrementes, ao mesmo tempo em que concedia um benefício aparente aos Municípios, estes perdiam ainda mais sua autonomia. É que o artigo 10 da mencionada Lei subordinava as Municipalidades, em questões de exclusivo interesse local, às Assembléias Legislativas Provinciais. Para Visconde de Uruguai (apud CASTRO, 1998, p. 40), o Ato Adicional foi o germe de morte das liberdades municipais. Posteriormente, foi editada a Lei 105, de 12 de maio de 1840, denominada Lei Interpretativa – "interpretando alguns artigos da reforma constitucional imperial, sem, contudo, melhorar o regime municipal, em face, quer da Constituição, quer da Lei 28 e do Ato Adicional." (CASTRO, 1998, p. 40).

            Hely Lopes Meirelles (1996, p. 36), relata que

            ... a Lei 105 procurou remediar o mal, dando interpretação mais ampla a dispositivos do Ato Adicional, de modo a restituir algumas franquias ao Município. Nem assim ficaram as Municipalidades aptas a uma boa administração, porque a Lei regulamentar de 1828, que uniformizara toda a organização dos Municípios, não lhes dava órgãos adequados às suas funções.

            Para Franco Montoro (1975,p. 32) "se o Ato Adicional foi um passo à frente em direção ao federalismo, a Lei de Interpretação, lei 105, de 12 de maio de 1840, foi uma parada, se não uma marcha ré."

            Os Municípios atravessaram o Império sem rendas próprias para prover as suas demandas e sem possibilidade de exercício autônomo do poder de polícia.

            A figura do Prefeito Municipal foi criada pela Província de São Paulo, através da Lei 18, de 11.4.1835. Até então, as localidades não possuíam um agente executivo. Existia apenas o Procurador Municipal, que era mero empregado da Câmara, encarregado basicamente de fiscalizar e aplicar as rendas do Conselho Deliberativo do Município(MEIRELLES, 1996, p. 36).

            Hely Lopes (1996, p. 35) resume a situação rasa vivida pelos Municípios durante o Império:

            O centralismo provincial não confiava nas administrações locais e poucos foram os atos de autonomia praticados pelas Municipalidades, que, distantes do poder central, e desajudadas pelo governo da Província, minguavam no seu isolamento, enquanto os presidentes provinciais cortejavam o Imperador, e o Imperador desprestigiava os governos regionais, na ânsia centralizadora que impopularizava o Império.

            Constata-se, assim, que durante o Império (Constituição de 1824) as localidades ficaram sujeitas aos mandos imperiais que, de forma alguma, poderiam reconhecer as necessidades da população distante da metrópole.

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Sobre o autor
Cristhian Magnus De Marco

Advogado, Coordenador do Curso de Direito da UNOESC – Joaçaba e professor de Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCO, Cristhian Magnus. Evolução constitucional do município brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 693, 29 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6798. Acesso em: 19 abr. 2024.

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