O vocábulo "homossexual" tem origem etimológica grega, significando "homo" ou "homoe" a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter.
A prática da homossexualidade acompanha a história da humanidade. Porém, hodiernamente, deixou de ser tratada como assunto "proibido", embora ainda esteja permeada de preconceitos sociais.
Assim como na sociedade, no campo científico, o conceito de homossexualismo também sofreu alteração. Em 1985, deixou de constar a homossexualidade no art. 302 do Código Internacional das Doenças – CID – como uma doença mental. Na última revisão, de 1995, o sufixo "ismo", que significa doença, foi substituído pelo sufixo "dade", que significa modo de ser.
A estimativa da ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – é de que a parcela homossexual da população brasileira atinja hoje a marca de 17,9 milhões de pessoas.
No âmbito da doutrina, o posicionamento majoritário é no sentido de não reconhecimento dos vínculos homoafetivos estáveis, sob o fundamento de que não há previsão legal que permita qualquer hipótese de aceitação.
Venosa (2004, p. 55) assume a seguinte posição:
A Constituição, assim como o art. 1723 do Código Civil, também se refere expressamente à diversidade de sexos, à união do homem e da mulher. Como no casamento, a união do homem e da mulher tem, entre outras finalidades, a geração de prole, sua educação e assistência. Desse modo, afasta-se de plano qualquer idéia que permita considerar a união de pessoas do mesmo sexo como união estável nos termos da lei. O relacionamento homossexual, modernamente denominado homoafetivo, por mais estável e duradouro que seja, não receberá a proteção constitucional e, consequentemente, não se amolda aos direitos de índole familiar criados pelo legislador ordinário.
No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2004), conforme já dito alhures, defende a necessidade de uma emenda à Constituição Federal em caso de admitirmos casamento e união estável entre casais homossexuais. Segundo a jurista, não existe nessas uniões a intuitu familiae, além do próprio requisito de diversidade de sexo.
Em posição contrária, Luís Roberto Barroso (2009), em seu artigo intitulado "Diferentes, mas iguais: O reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil", salienta que a defesa do modelo tradicional de família não pressupõe a negação de outras formas de organização familiar. Segundo ele, não há incompatibilidade entre a união estável entre pessoas do mesmo sexo e a união estável entre pessoas de sexos diferentes, ou entre estas e o casamento. Em segura lição, ressalta que "o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas não beneficia, em nenhuma medida, as uniões convencionais e tampouco promove qualquer valor constitucionalmente protegido".
O Estado Democrático de Direito não pode ignorar a existência de relacionamentos homossexuais e deixar de atribuir-lhes efeitos jurídicos, pois consagrou como norte o respeito à dignidade da pessoa humana, amparado nos princípios da igualdade e proibição da discriminação.
Nesse sentido, Flávio Tartuce (2006) acrescenta:
Ora, não há ramo do Direito Privado em que a dignidade da pessoa humana tenha mais ingerência ou atuação do que o Direito de Família. De qualquer modo, por certo é difícil a denominação do que seja o princípio da dignidade da pessoa humana. Reconhecendo a submissão de outros preceitos constitucionais à dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet conceitua o princípio em questão como "o reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências externas". Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana.
A união homoafetiva é um fato que se impõe, não podendo ser ignorado e/ou negado pelo Estado, que deve respeitar a opção pessoal valorada na dignidade da pessoa humana. Ninguém, muito menos os aplicadores do direito, podem, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essa nova realidade social, pois denegar um direito fundamental é expungir a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
1.1 Breve histórico da homossexualidade no Direito
A homossexualidade sempre existiu na história da humanidade, sendo encontrada desde os povos selvagens, como também nas antigas civilizações, é conhecida sua prática pelos romanos, egípcios, gregos e assírios. Chegou a ser relacionada à religião e à prática militar, como também acreditavam que, através do esperma, se transmitiam heroísmo e nobreza.
Entretanto, foi na Grécia que a homossexualidade tomou maior feição, pois além de representar aspectos religiosos e militares, os gregos lhe atribuíam características como intelectualidade, estética corporal e ética comportamental. Ser macho era o ser ativo, independentemente do sexo do parceiro passivo.
Na Grécia antiga, fazia parte das obrigações do preceptado "servir de mulher" ao seu preceptor, sob a justificativa de treiná-lo para as guerras onde inexistia a presença de mulheres. Nas Olimpíadas gregas, os atletas competiam nus, exibindo a beleza física, sendo vedada a presença das mulheres na arena, pois não tinham capacidade para apreciar o belo. Mesmo nas manifestações teatrais, os papéis femininos eram desempenhados por homens transvestidos ou com uso de máscaras.
Com a ascensão do Cristianismo, a homossexualidade passou a ser encarada como uma anomalia psicológica, um vício baixo, ignóbil e repugnante condenado pelo livro sagrado – a Bíblia.
Com efeito, impende gizar que, na busca pela identificação do conceito de entidade familiar, a primeira visão que nos remete é a da família patriarcal, nitidamente hierarquizada, com papéis bem definidos e constituída pelo casamento.
Como dispõe Roger Raupp Rios (1999, p. 100):
Com efeito, num contexto político e ideológico dominado por uma visão de mundo onde os gêneros estão rigidamente definidos e orientados para necessidades de produção e para o fortalecimento de certos padrões morais confirmatórios desta cosmovisão, não há espaço para a aceitação de qualquer espécie de relacionamento destoante do padrão desenhado pela família institucional.
Observa-se que não havia espaço para o aparecimento de outras formas de relacionamento devido à concepção jurídica tradicional, isto é, aquela em que o casamento heterossexual tinha a finalidade de procriação.
Com o evoluir dos tempos e as profundas mudanças vividas pela nossa sociedade, restou superada a figura da supremacia absoluta da família legítima, junto com a idéia de submissão da mulher, o poder absoluto do homem, a indissolubilidade do casamento, a discriminação entre os filhos (legítimos e adotivos), entre outros fatores que não permitiam considerar a união de pessoas do mesmo sexo no âmbito do direito de família.
O cenário tornou-se propício para o surgimento de novas formas de família na medida em que o modelo institucional foi-se enfraquecendo. As relações familiares foram necessariamente atingidas, desaparecendo a organização patriarcal, que vigorou no Brasil por todo o século XX, não apenas no direito, mas, sobretudo, nos costumes.
Rios (1999, p. 59) leciona que, embora poder-se-ia falar em desagregação, desprestígio, ou até mesmo, em crise da família, não é o que acontece. Para ele, o que se verifica na verdade é que um novo mundo imprime um aspecto mais moderno à família.
Portanto, com o decorrer dos anos, a família modificou-se profundamente, deixando de possuir suas funções "públicas" para adquirir apenas as funções "privadas". Houve então uma nova organização desse instituto, com o surgimento de novos modelos. O conceito de família tornou-se mais amplo e mais de acordo com a realidade, traduzindo-se em uma pluralidade de formas de organismos familiares.
Pode-se dizer que, hodiernamente, a família moderna adquire forma nuclear, horizontalizada, com papéis freqüentemente invertidos e, muitas vezes, sem a tradicional formalização do casamento civil.
Já não é mais possível fixar um modelo familiar uniforme, uma vez que a família passa por uma mutabilidade inexorável, apresentando-se sob tantos e diversos prismas quantas forem as possibilidades de se relacionar. Ela deixa de ser compreendida como núcleo econômico e reprodutivo e passa para uma compreensão sócio-afetiva, com novos padrões e arranjos familiares, que refletem de forma significativa em vários setores como a arte, ciência, religião, moralidade, educação, direito, política, vida familiar, etc.
Portanto, a ligação familiar passou-se a algo voluntário, afetivo, de mútuo respeito, não constituindo mais uma necessidade.
Sobre essa transformação, observa Rios (1999, p. 108) que:
Como visto, o direito de família caminha cada vez mais em direção ao reconhecimento da natureza familiar de relações humanas, estáveis e duradouras, fundadas na sexualidade e no afeto, com a intenção de estabelecer-se uma plena comunhão de vida.
Os novos valores que inspiram a sociedade moderna subjugam a concepção tradicional de família, trazendo um modelo descentralizado, mais democrático e igualitário. A família tem seu quadro evolutivo atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade, mutável de acordo com costumes e a consciência social, não admitindo que esteja submetida a idéias prontas e princípios estáticos.
Não obstante todo o exposto, a questão dos direitos homossexuais no mundo ainda é permeada de preconceitos sociais. No Brasil, por exemplo, as relações homossexuais foram terminantemente proibidas entre os anos de 1533 e 1830. O assunto permaneceu às ocultas durante longos anos, evoluindo significativamente apenas nos últimos 30 anos (COUTO, 1999).
Couto (1999, p. 77) narra que a primeira cirurgia de troca de sexo (que prefere chamar de adequação sexual) realizada no Brasil foi em 1971, pelo Dr. Roberto Farina. O custo da cirurgia foram dois processos, um criminal e outro no Conselho Federal de Medicina. Em ambos os processos, o médico foi considerado culpado.
Sobre a sexualidade no tempo, Celso Ribeiro Bastos explicita:
A sexualidade embora universal, é experimentada diferencialmente, em função da época e da cultura em que se vive, da classe social e da etnia a que se pertence, da religião, do país em que se habita e até mesmo do próprio ciclo da vida; tanto suas expressões como as normas sociais que a regulam variam – em maior ou menor grau. Isto significa que não se pode tratar esta questão de forma abstrata, se se quer compreender as expressões que assume na vivência de grupos ou indivíduos historicamente situados. Para tanto, é indispensável enfocá-la dentro de um contexto social determinado, com as particularidades que o configuram.
Portanto, se procedermos ao um enquadramento da presente questão no contexto social em que vivemos hoje, chegar-se-á a conclusão de que o homossexualismo, embora venha ganhando fortes contornos com a mudança da concepção de família, ainda se mostra um tema polêmico e complexo, eivado de preconceito por grande parte da população. Ouso ao afirmar que estamos diante de um período de transição na história da homossexualidade, pois apenas recentemente avançamos nossos primeiros passos em direção a um futuro cada vez mais libertatório e igualitário.
1.2 Do Direito comparado
Historicamente, a Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer a união de homossexuais. Em 1989, o Parlamento aprovou um projeto de lei que autorizou o registro de uniões homossexuais, com os mesmos efeitos legais do casamento. Assim, concedeu aos casais homoafetivos direitos nas áreas previdenciária, trabalhista e no direito das sucessões, tendo permitido, inclusive, a troca de sobrenomes entre os companheiros. Porém, não autorizou a adoção de crianças por esses casais.
A Noruega acompanhou a Dinamarca em 1993, editando a Lei 40/93, que prevê a possibilidade de registro da união civil homoafetiva. Ambos os países se inspiraram nos principios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.
Em 1987, na Suécia, o Parlamento foi a favor da concessão de benefícios à parte menos favorecida da relação homossexual, criando o Homossexual Cohabitants Act. Tal acontecimento é pouco lembrado pelos doutrinadores, vez que tímida sua colaboração ao reconhecimento jurídico dessas uniões.
Porém, em 1995, a Suécia avançou seu posicionamento jurídico frente ao tema, concedendo os mesmos direitos que já constavam na lei dinamarquesa, através do paternariat, que oficializou os laços afetivos entre pessoas do mesmo sexo. Lá, foi criada uma Comissão Parlamentar especialmente para tratar do reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo, permitindo o registro da união civil de homossexuais.
A Islândia também oficializou as uniões afetivas entre homossexuais em 1996. Também nesta data, a Constituição da África do Sul foi a primeira a proibir, explicitamente, a discriminação em razão da orientação sexual. Com isso, elevou como garantia constitucional o direito à opção sexual.
Em sentido contrário, em 1996, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei de Defesa do Casamento (Defense of Marriage Act), cuja constitucionalidade ainda está sendo debatida, que nega reconhecimento federal a casamento de homossexuais e permite que os Estados não precisem reconhecer o registro de casamento de pessoas do mesmo sexo de outros Estados. Somente em um estado, Massachusetts, é autorizado desde 2004 o casamento entre homossexuais. No entanto, o casamento continua a ser definido como a união entre homem e mulher.
Já a França, em 1998, aprovou o Pacto Civil de Solidariedade (Lei n. 99.944/99) entre pessoas do mesmo sexo, garantindo direito à sucessão, imigração e declaração de renda conjunta. Foi então, a primeira nação católica a reconhecer legalmente essas uniões.
Na Inglaterra, em 1999, o Supremo Tribunal Inglês reconheceu o status de família às relações homoafetivas estáveis após a análise do caso Martin FitzPatrick e John Thompson, embora não se permitam demonstrações públicas de afeto entre pessoas de mesmo sexo.
Já a Holanda foi o primeiro país a autorizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, em 2001, outorgando-lhes os mesmos direitos decorrentes do efetivado entre heterossexuais. Em uma pesquisa, constataram que 85% dos cidadãos holandeses eram a favor da aprovação do casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Por sua vez, a legislação portuguesa reconhece desde 2001 a união entre pessoas que vivem juntas há dois anos, independentemente do sexo. Só não é permitida a adoção.
Na Bélgica, a lei que autoriza os matrimônios entre homossexuais entrou em vigor no dia 01º de junho de 2003, sendo aplicada aos estrangeiros desde fevereiro de 2004. Para que a união seja válida, basta que um do casal seja belga ou resida na Bélgica. Lá os casais homossexuais possuem os mesmos direitos dos heterossexuais, especialmente em matéria de herança e matrimônio, mas também ainda não podem adotar crianças.
Na Argentina, o governo de Buenos Aires permitiu as uniões civis de casais homoafetivos, fazendo desta cidade a primeira da América Latina a igualar os direitos dos homossexuais e casais heterossexuais.
A Espanha, em 2005, desafiando a orientação do Papa conservador Bento XVI, aprovou projeto de lei que legaliza o casamento entre os companheiros homossexuais, conferindo a essas uniões status idêntico ao das heterossexuais, inclusive com direito à herança, pensão e adoção de filhos. Com isso, a Espanha é o primeiro país a autorizar a adoção por casais homossexuais. A decisão reascende o conflito com a Igreja num país em que 90% da população é formada por católicos. A mudança na lei espanhola substitui os termos "marido e mulher" por "cônjuges".
Em contrapartida, no Irã, as relações homossexuais continuam a ser proibidas e puníveis com a pena de morte ao mesmo tempo em que os transexuais são assistidos gratuitamente na realização de operações de mudança de sexo graças a um fatwa (decreto religioso) emitido vinte anos atrás pelo aiatolá Khomeini. Assim, muitos homossexuais não transexuais realizam a cirurgia para escapar das punições aos homossexuais. Pelo que se vê, o Irã constitui exceção, indo em caminho inverso ao reconhecimento dessas uniões.
Destarte, conclui-se que a questão do reconhecimento das uniões estáveis entre homossexuais vem ganhando força e cada vez mais repercurssão em todo o mundo. Por serem uma realidade social, o direito deve abarcá-las, e o Brasil, já era hora, começa a despontar no caminho certo para o merecido reconhecimento.
1.3 Das disposições legais:
Primeiramente, deve-se explicitar que as relações homossexuais, antes de serem reconhecidas como entidades familiares, eram vistas como sociedades de fato, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência.
A sociedade de fato é algo que se constitui entre pessoas, casadas ou não, que de algum modo tenham contribuído, financeiramente ou com seu trabalho, para a constituição de algum patrimônio. Isso pode se dar, por exemplo, entre sócios em sociedades sem personalidade jurídica (sociedades irregulares, sociedades de fato), entre condôminos, entre colegas de trabalho, entre companheiros ou concubinos. É essa a lição de Soares (2000, p. 41):
Em sentido estrito, como expressão jurídica, o termo sociedade tem conceito próprio: revela-se na organização constituída por duas ou mais pessoas, por meio de um contrato ou convenção, tendo o objetivo de realizar certas e determinadas atividades, conduzidas ou empreendidas em benefício e interesses comuns, podendo ser de natureza civil, comercial, industrial, científica, religiosa, profissional.
Outrossim, é reconhecida a sociedade de fato quando pessoas mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograr um fim (art. 1363 do CC/1919; art. 981 do CC/2002).
Logo, entendia-se que a união entre homossexuais, por não figurar casamento nem união estável, poderia caracterizar a sociedade de fato, pois sua dissolução gerava consequência econômica como resultado da divisão do patrimônio comum.
Maria Berenice Dias (2004, p. 11) questionando-se sobre onde andavam as ações envolvendo as relações homossexuais, nos narra:
Onde andam as ações envolvendo as relações homossexuais? Encontrei-as nas varas cíveis, sendo tratadas como sociedade de fato. Os parceiros eram identificados como sócios de uma sociedade civil que, ao findar, ensejava apenas divisão de lucros, isto é, do patrimônio amealhado durante a vigência da sociedade. Ainda assim, era necessária a prova da participação efetiva de cada um, o aporte financeiro de cada sócio. Quando o relacionamento terminava pela morte do parceiro, por não reconhecida a existência de uma sociedade familiar, todos os bens eram entregues a parentes distantes e, na falta deles, recolhidos ao Estado como herança jacente.
Nesse sentido, a posição do Superior Tribunal de Justiça era que, havendo a sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, o parceiro tinha direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum (STJ – RT 756/117). A sociedade de fato, por sua vez, deixava de existir quando desaparecia a affectio societatis, ainda que continuassem, em poder dos sócios, bens do patrimônio comum (RT 207/133).
Confirmando o exposto pela Desembargadora, em matéria de competência, a mesma Corte do STJ tinha decidido que a partilha de bens entre pessoas do mesmo sexo, tratando-se de pedido de cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão-somente, a competência para processá-lo e julgá-lo seria de uma das Varas Cíveis (STJ, 4ª T., REsp 323370-RS, rel. Min. Barros Monteiro, v.u., j. 14.12.2004).
Maria Berenice (2004, p. 12) nos explica que:
A falta de previsão legal, o fato de a Constituição Federal prever como merecedora de proteção estatal – a ponto de recomendar sua transformação em casamento – a união estável entre um homem e uma mulher, mas principalmente o medo dos magistrados de serem rotulados de homossexuais, impediam a Justiça de, afinal, fazer justiça. Também a omissão da doutrina era surpreendente.
O enquadramento dessas uniões simplesmente como sociedades de fato configuravam clara afronta à dignidade humana, baseada em preceitos de igualdade e liberdade. Pois ainda que essas relações sejam alvos de repúdio social, não poder sofrer tratamento discriminatório e preconceituoso por parte do Poder Judiciário.