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União estável homoafetiva

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Agenda 09/07/2009 às 00:00

1.5 Do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares

Embora seja doutrina quase majoritária - alguns dizem unânime - em considerar que não pode haver casamento e/ou união estável entre pessoas do mesmo sexo, pois consideram a diversidade de sexos como requisito essencial para seu reconhecimento, a bem da verdade, a jurisprudência pátria já entendeu ser possível a aplicação desse instituto jurídico também para os companheiros homossexuais.

A Justiça gaúcha, com a sensibilidade e a coragem que a destacam no panorama nacional, deu o primeiro passo, declarando a competência das varas e câmaras de família, reconhecendo as uniões homoafetivas como sociedade de afeto, e não mais como sociedade de fato. Identificadas essas relações como entidades familiares, passou-se a garantir aos parceiros inclusive direitos sucessórios. Entendia-se assim, que as uniões homoafetivas não podiam ser relegadas ao campo dos negócios, pois não eram sociedades de fato cujos sócios visavam ao lucro, mas sim sociedades de afeto.

Reforçando seu pioneirismo, o Rio Grande do Sul, através da Corregedoria-Geral de Justiça, por meio do Provimento nº 006/2004, de 17/02/2004, acrescentou um parágrafo ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, tornou possível o registro documental da relação entre pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou posição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem vinculo patrimonial.

O fato de um provimento do Poder Judiciário chamar de união estável a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo, garantindo-lhes inclusive o direito fundamental à obtenção de certidões (art. 5º, inc. XXXIV, b, CF), foi um relevante marco na luta pela visibilidade do afeto homossexual.

Recentemente, o STJ proferiu decisão histórica, ao determinar o prosseguimento da ação em que um casal formado por um brasileiro e um canadense buscou o reconhecimento de constituírem uma união estável.

Vivendo juntos há vinte anos, inclusive casados no Canadá, buscam a obtenção do visto de permanência para fixarem residência no Brasil. Tanto o juiz de São Gonçalo como o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro haviam fulminado a ação, alegando a impossibilidade jurídica do pedido, por falta de previsão legal.

Em acertada decisão, a Corte do STJ se posicionou no sentido de que não existe vedação legal para prosseguimento de ação de declaração de união homoafetiva, aduzindo que os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, desde que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres.

Na decisão da Quarta Turma do Tribunal, ficou estabelecido que não existe óbice legal para que prossiga o julgamento do pedido de declaração de união estável ajuizado por um casal homossexual na Justiça estadual do Rio de Janeiro. Com a impossibilidade jurídica do pedido afastada, o processo retorna a primeira instância para ser analisado. Veja a ementa da decisão:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.

5. Recurso especial conhecido e provido.

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Segundo o voto do ministro Luís Felipe Salomão (2008), que desempatou o conflito:

O objetivo da lei é conferir aos companheiros os direitos e deveres trazidos pelo artigo 2º (Lei n. 9.278/96), não existindo qualquer vedação expressa de que esses efeitos alcancem uniões entre pessoas do mesmo sexo. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

A decisão, apesar de não significar que o STJ reconhece a existência de vínculo entre ambos, servirá de exemplo para casos análogos em todo o país, onde os magistrados não poderão mais negar prestação jurisdicional sob o pretexto de que não há previsão legal para o reconhecimento em nosso ordenamento jurídico. O julgamento é de suma importância na luta pela visibilidade do afeto homossexual, vez que impõe a inclusão das uniões homoafetivas no âmbito de proteção do sistema jurídico como uma realidade merecedora de tutela.

Flávio Tartuce (2008) comenta sobre a decisão:

Mas às claras que o grande mérito da decisão foi impor o cumprimento da lei. Afinal a Lei 11.340/06, de combate à violência doméstica – a chamada Lei Maria da Penha – definiu entidade familiar como "qualquer relação íntima de afeto" e, repetidamente, refere que tais uniões independem de orientação sexual.

Assim ao determinar o prosseguimento da ação, o STJ cumpre sua função maior que é de assegurar a vigência da legislação infraconstitucional. Além disso, claramente o Poder Judiciário manda um recado ao Poder legislativo: falta de lei não significa ausência de direito.

Foi uma merecida vitória contra o preconceito e o descaso social a tal segmento da população. Os homossexuais são pessoas que querem ver seus direitos constitucionais de igualdade, liberdade e não discriminação sendo tutelados efetivamente pelo Estado, e a questão do reconhecimento do instituto ora discutido configura-se um grande passo nesta luta pelo fim do preconceito. A liberdade consagrada constitucionalmente deve compreender o direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independentemente de condição sexual. Afinal, o homossexual não pode ser considerado cidadão de segunda categoria, e sua opção sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.


CONCLUSÃO

A tendência é mundial quando se fala em reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares. No Brasil, a doutrina vem aos poucos se reformulando no sentido de aceitar as relações homossexuais como capazes de provocar efeitos jurídicos, tanto como sociedade de fato, mas também como união estável com status de família.

No mesmo sentido, a jurisprudência que vinha se atrevendo em parcos e isolados casos, agora ganha força com a decisão de um órgão superior, o Superior Tribunal de Justiça. Verifica-se que, ao contrário do que pensava a doutrina majoritária, é de fato prescindível a diversidade de sexo que vinha insculpida no art. 223, §3°, da nossa Constituição Federal de 1988.

É verdade que a omissão da legislação quanto à matéria não é o único fator responsável pela marginalização dos casais homoafetivos, mas, sem dúvidas, ela serve para reforçar o preconceito existente. Tais relações necessitam urgentemente de receber amparo legislativo, para não ficarem entregues apenas a entendimentos judiciais. Por isso, se diz que é preciso que o aplicador do direito esteja atento às transformações que ocorrem em nossa sociedade, a fim de que possa ser, efetivamente, um instrumento de transformação social.

Isso posto, pode-se afirmar que considerar o homossexualismo como uma prática anormal ou um pecado, e tratá-lo como um relacionamento marginal configura verdadeira forma de opressão e real afronta aos direitos humanos. Qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo configura claro desrespeito ao principio maior imposto pela Constituição Federal, qual seja, o da dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS

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______. O aplicador do direito contemporâneo. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 17, 18 e 19 abr. 2009. Legislação & Tributos, p. E2.

Sobre a autora
Larissa Mascotte

Delegada de Polícia – Polícia Civil do Estado de Minas Gerais – titular da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Belo Horizonte/MG. Pós-graduada em Direito Processual pela PUC Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASCOTTE, Larissa. União estável homoafetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2199, 9 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13116. Acesso em: 23 dez. 2024.

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