O Projeto de Lei Complementar do Senado nº 646 de 1999, de autoria do Senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, denota, sem sobra de dúvidas, o primeiro passo do cidadão brasileiro rumo à modernidade em matéria fiscal. O projeto que prevê a instituição do Código de Defesa do Contribuinte se reveste de cidadania em proporções não vistas desde o Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos em vigor desde 1990.
É inegável que o referido diploma legal positiva garantias constitucionais dos cidadãos em matéria tributária e reduz o abismo existente entre fisco e contribuinte, mas não fica apenas nisso, lança o Brasil na vanguarda mundial no que tange a legislação tributária, na esteira da defesa dos direitos fundamentais do contribuinte e a busca da justiça fiscal.O nosso país passa, portanto, a figurar no grupo em que, por exemplo, já se encontram Estados Unidos com a sua Declaração de Direitos do Contribuinte II (Taxpayer Bill of Rights II) que data de 30 de julho de 1996, e a Espanha através da "Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes", que foi publicada em de 26 de fevereiro de 1998.
Releva assinalar alguns avanços que se destacam no referido projeto de lei complementar. Inicialmente não poderá o fisco proceder à interdição de estabelecimentos, proibir o contribuinte de transacionar com repartições públicas; proíbe ainda, a instituição de barreiras fiscais e outros meios coercitivos para a cobrança extrajudicial de tributos, previstos nos arts. 13 e 14 do referido projeto.
Outro avanço está no art. 26. Trata-se da vedação ao impedimento do contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros, ou de ter acesso a linhas oficiais de crédito ou de participar de licitações, quando estiver pendente contra ele processo administrativo ou judicial, em matéria tributária. Já o art. 37, I e III veda à Administração Fazendária recusar, em razão de débitos tributários pendentes, autorização para o contribuinte imprimir os documentos necessários ao desempenho de suas atividades; ou bloquear, suspender ou cancelar inscrição do contribuinte sem a observância dos princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa. Não menos importante, é a vedação do inciso V do mesmo artigo, que acaba com a possibilidade do uso de força policial nas diligências ao estabelecimento do contribuinte, salvo se com autorização judicial na hipótese de justo receio de resistência.
Talvez a maior evolução encontra-se no art. 18, que assegura explicitamente o direito de defesa ou de recurso, administrativo ou judicial, sem condicionamento a depósito, fiança, caução, aval ou outro ônus qualquer, exceto na execução fiscal, nos termos da lei processual aplicável. Como é sabido, atualmente o conhecimento de recurso administrativo em sede tributária é vinculado ao depósito prévio de 30% do valor em discussão, o que violenta o art. 5º, XXXIV, "a", da Constituição Federal, mas que é pratica comum em várias instâncias administrativas.
Outro ponto que merece ser citado é o da inscrição do contribuinte inadimplente no CADIN (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal). Conforme a redação do art. 36, parcelado o débito tributário, e se cumprido o acordo, não pode o cidadão-contribuinte continuar a sofrer os ônus da inadimplência. O projeto define o parcelamento como novação, o que faz com que o contribuinte retorne ao pleno estado de adimplência, inclusive para a obtenção de certidões negativas de débitos fiscais.
Importante assinalar ainda o que diz respeito aos prazos estabelecidos para as decisões da Administração Fazendária, fazendo com que o contribuinte não fique à mercê a "boa-vontade" estatal ao mesmo tempo em que é penalizado em seus negócios pela falta de um posicionamento do Fisco. Destarte, conforme o art. 46, circunscrita a Administração Fazendária ao objeto lançado no termo de início da fiscalização, tem ela prazo de 90 dias para ultimar as diligências. Ao passo em que, o prazo máximo para emitir decisão nos processos, nas solicitações ou nas reclamações será de 30 dias, na forma dos arts. 19, XII e 41. Nas consultas o prazo é de 30 dias, com a ressalva importante de que, oferecendo o contribuinte sua interpretação, prevalecerá esta se o Fisco não observar o prazo da lei (art. 31). Visando ainda o equilíbrio entre as partes, todos os prazos são prorrogáveis uma única vez, por igual período e mediante justificação.
Mister tratarmos também da defesa do referido Código, prevista no art. 47. São criadas ações administrativas e judiciais, de iniciativa individual ou coletiva, nos moldes do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, art. 81 e seguintes) alargando o espectro de defesa do contribuinte-cidadão, que conta agora com a legitimação do Ministério Público e das associações civis para a ação coletiva na defesa dos direitos e garantias explicitados no projeto. Tal dispositivo não apenas reforça processualmente as garantias dos contribuintes, mas principalmente, passa a assegura-los explicitamente enquanto direitos transindividuais.
No entanto, não queremos sustentar aqui - e não é este o objetivo que o projeto a que nos referimos reveste-se de perfeição jurídica irretocável, pelo contrário. O texto, ao nosso ver merece ainda inúmeras alterações para que possa aumentar sua juridicidade. O art. 16, por exemplo, que traz o instituto de desconsideração da personalidade jurídica para o direito tributário (apesar de alguns autores entenderem que este já está consagrado no Código Tributário, o que não nos parece correto), necessita de quase completa reforma, sob pena de inviabilizar a sua aplicação concreta.
Apesar das impropriedades citadas, entre outras, o Projeto de Código de Defesa do Contribuinte inaugura uma nova era para a relação entre contribuinte e fisco no nosso país, pois se trata de um diploma que tem o objetivo de renovar e fortalecer a cidadania do contribuinte, complementando as normas constitucionais e sintonizando a legislação brasileira com a internacional, justamente num momento em que a modernização fiscal é extremamente necessária face à globalização à expansão das economias nacionais.